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quinta-feira, 2 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11516: Álbum fotográfico de Carlos Fraga (ex-alf mil, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1973) (5): Viaturas Berliet destruídas pela FAP, na sequência do ataque à coluna Farim-Guidaje em 9/5/1973


Foto nº 209


Foto nº 209-A 


Foto nº 212


Foto nº 212 -A


Foto nº 024


Foto nº 024 - A 


Guiné > Região do Oio > "Três fotos das Berliets destruidas aquando do ataque à coluna Farim-Guidage em 9/05/73". Acrescente-se: foram destruídas pela FAP, para evitar que caíssem nas mãos do PAIGC. Fotos do álbum de Carlso Fraga, adquiridas a alguém em Mansoa, em data posterior. (LG).

Fotos (e legendas): © Carlos Alberto Fraga (2013). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

1. Mensagem de Carlos Fraga:

Data: 27 de Abril de 2013 à23 17:31
Assunto: Novidades


Caro Luís

Fui ao almoço da CCS/BCAÇ 4612/72.

Conheci um ex-soldado condutor auto que me disse que foi a ele a quem adquiri as fotos a preto e branco do armamento apreendido ao PAIGC e apenas essas e que foi ele que as tirou. Terá sido armamento apreendido pelas NT de Mansoa e, posteriormente, enviado para Bissau.

Chama-se Angelo Gago. Email (...). Portanto nessas podes pôr que foram cedidas por mim mas tiradas pelo Angelo Gago... O seu a seu dono.

Conheci também lá um senhor chamado João Catarino Teodósio, email (...). O que  ele me disse é que era fotógrafo militar em Mansoa e que tem uma carrada de fotos de lá inclusive (estas vi algumas) do início das conversações das NT com o PAIGC. Disse-lhe que te ia passar a informação.

Abraço
C. Fraga


2. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Carlos Fraga, recentemente admitido como membro da nossa Tabanca Grande (nº 611) (*). Recorde-se que ele esteve em Mansoa, nos últimos meses de 1973, como alf mil, indo depois comandar uma companhia em Moçambique, já depois de 25 de abril de 1974. Publicam-se hoje "3 fotos das Berliets destruidas [pela FAP] aquando do ataque à coluna Farim-Guidage em 9/05/73". (**)

3. Sobre a "história" destas fotos, o Carlos Fraga mandou-me depois uma mensagem que se anexa a este poste:

As fotos das Berliets obtive-as em Mansoa não sei a quem (talvez aos paraquedistas quando andaram por Mansoa de passagem). A história que me contaram é que na emboscada à coluna Farim-Guidage acabaram por ter de ser abandonadas e que a Força Aérea foi lá bombardeá-las para que não pudessem ser aproveitadas pelo PAIGC fosse como viaturas fosse como propaganda política. Teá sido a FA a destrui-las e não o PAIGC.

A história que me contaram foi que essa coluna foi emboscada dentro da estratégia do PAIGC que pretendeu apoderar-se de Guidage e que era uma coluna de reabastecimento. Felizmente para eles levavam munições à barda pelo que combateram toda a noite mas não terão conseguido passar ou se conseguiram tiveram de qualquer forma de abandonar essas viaturas.

Depois terá havido uma 2.ª coluna (Não sei se houve uma 2ª emboscada) que teve de abrir uma picada paralela por causa da minagem e que ainda terá havido uma 3.ª picada e depois de acabar o cerco a Guidage terá ainda havido uma 4ª. Se foi assim ou não não sei. 

Em 9 de Maio de 1973 não estava na Guiné. Cheguei em Julho ou Agosto,  cerca de 15 dias ou pouco mais depois de Guileje. Abraço. C. Fraga.

4. Comemntário de L.G.:

Guidaje, Guileje, Gadamael... são dossiês que nunca mais fecharemos, enquanto houver um combatente vivo que queira falar desses dias dramáticos e heróicos de maio e junho de 1973...Por sinal, Guidaje, Guileje, Gadamael... foram há 40 anos!.. É uma efeméride que temos de lembrar, m ais uma vez aqui, e as tuas fotos podem bem  ser o ponto de partida para se abrir uma, ou mais umas novas séries no nosso blogue.

No caso de Guidaje, os historiógrafos militares Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso falam em 6 colunas, realizadas nas seguintes datas:

1ª coluna: 8 a 9 de maio de 1973;
2ª coluna: 10 de maio
3ª coluna: 12 de maio;
4ª coluna: 15 de maio;
5ª coluna: 22 de maio [, a terá que rompido efetivamente o cerco, segundo alguns autores;]
6ª coluna; 29 de maio.

(In: Os anos da guerra colonial: volume 14: 1973 - Perder a guerra e as ilusões. Matosinhos: QuidNovi. 2009, p.45).

Por outro lado, Carlos, o abandono de Guileje dá-se a 22 de maio de 1973... Tu terás chegado a Mansoa  um mês e meio ou dois meses depois (julho/agosto de 1973).

O nosso camarada Manuel Marinho, outro estudioso de Guidaje, diz que as colunas foram mais (vd. comentário ao poste P9934):

1ª - Dia 8 / 9 Maio – Não passa (é a minha).

2ª- Dia 10 Maio – A coluna chega a Guidaje (apenas 1 dia depois da nossa), é rompido o cerco.

3ª Dia 12 Maio – A coluna chega sem incidentes a Guidaje

 4ª Dia 15 Maio- A coluna chega sem incidentes a Guidaje

5ª Dia 19 Maio – Guidaje-Binta – A coluna não passa

6ª Dia 23 Maio – Coluna não passa, mas ao paras da 121 chegam a Guidaje

7ª Dia 29 Maio – Coluna chega a Guidaje ( vou nesta)

8ª Dia 30 Maio – Regresso a Binta das colunas retidas desde 15 Maio

9ª Dia 11 e 12 fazem~se mais duas colunas ida e volta

Balanço: 2 Colunas que não chegam (Binta – Guidaje). 1 Coluna que não chega (Guidaje – Binta).

Depois disto tudo (mês infernal em Guidaje), nada mais acontece de extraordinário na nossa zona de acção, até começamos a fazer a estrada para Guidaje em princípios de 1974, e houve apenas uma emboscada onde sofremos 1 morto mas o IN teve muitos mais.

A situação em Binta e arredores não era em Abril de 1974, diferente daquela dos começos de Janeiro / 73.

Quanto aos fascículos, sou também de opinião que não se deveriam levar a sério, por carecerem de verdade, toda a gente pode escrever o que quiser, mas ser o blogue a dar cobertura a lixo pretensamente literário sobre a guerra na Guiné, é outra coisa diferente.  Um abraço, Manuel Marinho.


______________

1ª – Coluna Dias 8 / 9 Maio:

1º Cabo Mil Bernardo Moreira Castro Neves, 1ª/Bcaç 4512
Sold António Júlio Carvalho Redondo, 3ª/Bcaç 4512
Fur Mil Arnaldo Marques Bento, Ccaç 14
Sold Lassana Calissa, Ccaç 14 (...)


(...) 9 de Maio de 1973

Saímos de Mansoa [, sede do CAOP1,] com destino a Farim, com uma coluna que leva abastecimentos para a fronteira. Íamos só com a missão de chegar a Farim e voltar. Passámos a noite em Farim, mas fala-se já que não iremos voltar. A coluna que viemos acompanhar, destina-se a Guidaje.

Guidaje, onde nenhuma coluna consegue chegar. Fala-se aqui que da útima coluna que tentou passar: ficaram pelo caminho mais de 20 mortos. Guidaje onde a situação é caótica, onde a aviação já não dá cobertura.

Em Farim assisti à chegada do que restou da última coluna que tentou passar. Vi militares chegarem a pé, sozinhos, completamente aterrados com o que passaram. 


Continuamos em Farim e com a chegada da noite ficamos a saber que somos nós quem vai seguir com a coluna para Guidaje.(...)

21 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

(...) Falou-se que tiveram 10 feridos graves, cerca de 15 ligeiros e 4 mortos:

- CCaç 14, Fur Mil At 13969971, Arnaldo Marques Bento, de Vila do Conde
- CCaç 14, Sold At Lassana Calisa, 82121669, de Bentém – Nova Lamego
- 1.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, 1.º Cab Mil Inf 089943371, Bernardo Moreira de Castro Neves, de Valongo.
- 3.ª CCAÇ/BCaç 4512/72, Sold At 06853872, António Júlio Carvalho Redondo, de Barrela–Vreia de Jales–Vila Pouca de Aguiar.

Deve ter custado aos rapazes, para não deixarem o reabastecimento, aguentaram sitiados, sem comunicações. Penso nos gemidos e lamentações dos feridos, a escuridão, os gritos de guerra dos adversários, o som das armas automáticas, o medo. Aguentaram, não fugiram!


A FAP acorreu e não actuou logo com receio de matar alguém das NT, em sítio não localizado. Acabou por bombardear e incendiar as viaturas a fim de impedir a sua captura. Tinham avistado pessoas em cima delas… Tentaram contacto com a coluna, não obtendo resposta e confirmando via rádio com Binta e Guidage, chegou à conclusão que eram turras… (...)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10658: O nosso livro de estilo (8): Em louvor da 38ª CCmds (Luís Graça / Eduardo Magalhães Ribeiro / António Graça de Abreu)

1. Há dias escrevia, em comentário, um dos nossos estimados leitores (e, por sinal, camarada, ex-oficial pará, com comissões nos três teatros de operações da dita guerra do ultramar de meados do século passado), que "Jaime Neves nunca esteve na Guiné" (sic), pelo que era descabido, no seu entender, a inserção do poste P10641 (*), anunciando a sessão de lançamento do livro Jaime Neves, da autoria de Rui de Azevedo Teixeira, no próximo dia 25 de Novembro de 2012, em Lisboa. A crítica ia mais longe, denunciando que "este blog é uma plataforma de promoção de realizações de índole comercial e que nada têm a ver com o seu leit-motiv declarado - a guerra da Guiné" (sic).

Conheço mal o CV [, curriculum vitae,]  de Jaime Neves, mesmo assim o suficiente para saber que nunca esteve na Guiné, pelo menos como militar, não tendo por isso  bebido a água do Geba, do Cacheu, do Corubal ou do Cacine, um dos requisitos  indispensáveis para integrar a nossa Tabanca Grande como "camarada da Guiné".  Passou pelo TO de Angola e Moçambique, esteve no 25 de abril  de 1974 e no 25 de novembro de 1975.  Isso não me impede de dar notícia, sem qualquer intuito propagandístico e muito menos comercial, do lançamento de um livro, com a sua biografia, independentemente da qualidade do livro e do seu autor. Afinal, o biografado  não é um militar qualquer.  Por outro lado, um dos apresentadores do livro é Ramalho Eanes, um outro oficial do exército que, esse sim, esteve connosco na Guiné (1969/71). 

Sei que o hoje major general na reforma Jaime Neves tem, na nossa Tabanca Grande,  gente que esteve com ele, nomeadamente no Regimento de Comandos da Amadora, e e no 25 de novembro de 1975. Estou a pensar nomeadamente nos nossos camaradas Amílcar Mendes (ex-1º Cabo Comando da 38ª CCmds, Os Leopardos,  Brá, 1972/74) e o Mário Dias (sargento comando e instrutor dos comandos da Guiné de 1964/66)... São dois camaradas e dois bons amigos, membros da nossa Tabanca Grande, de longa data.

Para mim, isso era motivo mais do que suficiente para dar notícia do evento na nossa série "Agenda Cultural". Não cultivamos ódios de estimação, qualquer que seja a sua razão (pessoal, étnica, profissional, política, ideológica ou outra). Não queremos nem alimentamos polémicas, muito menos entre antigos camaradas da "tropa especial".  E se cito aqui este caso, é apenas para sublinhar que as decisões (de inclusão ou de exclusão) dos meus co-editores têm sempre o meu aval. Confio neles, dando-lhes liberdade e responsabilidade. E, de resto, este blogue não seria o que é hoje (em termos de longevidade e relativa popularidade)  sem o seu valioso contributo, empenho e competência. Dizer que o blogue tem, velada ou descaradamente, objetivos comerciais, políticos ou ideológicos, isso é que eu não admito, porque não corresponde à verdade.

Sublinhe-se todavia que o nosso blogue está longe de ser equidistante, imparcial, justo, objetivo,  usando sempre o mesmo peso e a mesma medida... Só para dar um exemplo:  a 38ª CCmds tem já cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue; a 35ª CCmds, por exemplo,  não chega a meia dúzia...  Como explicar a diferença ? A razão é simples: há muito mais gente, aqui,  a escrever sobre a 38ª CCmds... E outras unidades e subunidades que passaram pelo TO da Guiné nem sequer têm aqui a mais pequena referência... E, no entanto, estamos sempre abertos às notícias que nos chegam (, incluindo sessões de lançamento de livros e outros eventos culturais), e publicamos tudo ou quase tudo que possa interessar aos camaradas que prestaram serviço militar no período, grosso modo, que vai de 1961 a 1974.

2. E a propósito fui aos cadernos do nosso coeditor, Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-furriel miliciano de operações especiais, da CCS do BCAÇ 4612/74 (que esteve em Mansoa por escassos dias, cabendo-lhe a honra de arriar a nossa bandeira em 9 de Setembro de 1974, por ocasião da transferência de soberania do território para o PAIGC),  justamente para ir "respescar" uns versos em que se faz o elogio da amizade e camaradagem da malta da 38ª CCmds, que ele conheceu já no pós 25 de abril (*)... São, de resto, valores que queremos cultivar aqui, entre ex-combatentes do TO da Guiné de todas as  épocas, armas e especialidades (*):

Um Comando da 38ª

Era a minha sombra nas deslocações a Bissau
O meu guarda-costas preferido!... O número um!
Eu conhecia-o bem e sabia!... Que se necessário...
Dava a vida pelo amigo!... Como mais nenhum!


Na longínqua e bela Guiné,
Mais do qu’em qualquer outro lugar,
Encontrar um conterrâneo
Era o rei dos motivos p’ra festejar.

Para nós... do Porto e Lisboa,
Como éramos a maioria,
Amíude os encontros se davam
Sempre com renovada alegria.

Quando chegamos a Mansoa
Na recepção a nós, os periquitos,
Alguns velhinhos perguntavam
No meio daqueles pios esquisitos:

- Quais são os periquitos do Porto?…
Duas coisas tendes que fazer:
Pagar uma bebedeira mestra
E contar as novidades... que houver!

Fomos então p’rá cantina beber
E conversar, entusiasmados;
Nós, do Porto... do presente... de Abril
Eles... dos momentos ali passados.

Dias depois estes partiram,
O seu tempo de guerra... findara,
Foram estes os primeiros amigos
Com que a Guiné me brindara.

Um dia o Comandante disse-me:
- O vagomestre está muito doente,
Você vai substitui-lo como souber...
Vai alimentar toda esta gente.

Se mais proveito não lhe fizer,
Vai muitas vezes a Bissau… passear;
É um privilégio raríssimo,
Espero que não vá regatear!

Eu... um Operações Especiais?
Ouço, obedeço e não discuto!
Serei o Rei do desenrascanço?
Se calhar!... avancei, pois, resoluto!

No dia seguinte, surgiram-me ali,
Num jipe, três Comando, sedentos
Da 38ª Companhia,
Risonhos, amigáveis e... barulhentos.

Eram do Regimento de Comandos,
Sito na estrada p’ra Bissau, em Brá,
A cerca de sessenta quilómetros,
Que me convidaram a visitá-los… lá.

Mas entre eles estava um Cabo,
De seu nome Moreira Barbosa,
Que ao saber qu’eramos patrícios.
Exigiu comemoração honrosa.

Bebemos então e conversámos,
Ali cimentamos forte amizade
Daquele tipo hoje muito raro,
Com raízes par’a eternidade.

Ora... sempre qu’eu tinha d’ir à capital
Entrava nos Comandos a correr
- Ó Barbosa, queres vir comigo? -
Perguntai ao cego s’ele quer ver...

Provocavam enorme alarido
As viagens e as petiscadas
No Portugal, no Ronda, etc.
Estórias, anedotas... gargalhadas.

Ele conhecia metade do pessoal,
Apresentava-me toda a gente,
A nossa mesa depressa s’enchia
De malta faladora e contente.

Barbosa perto... tristeza longe,
O seu feitio guerreiro, destemido,
Completava a sua forte alma
E contagiava o mais encolhido.

Como é lógico... muitas conversas
Versavam o tema da guerra,
As grandes operações e combates.
O sangue derramado na terra.

Os golpes de mão e emboscadas,
Os acidentes graves conhecidos,
O 25 de Abril...
Enfim... os mortos e os feridos

- Manga de ronco!... Compr’uma coisa?-,
Era o pregão local dos artesãos,
Pululantes, insistentes, chatos,
Até qu’o Barbosa fechava as mãos!


Quis Deus que partisses mais cedo, amigo, irmão!
Quantas saudades deixaste dessa tua energia,
Da tua dinâmica... do teu empolgar pela acção,
Do teu espírito de aventura, do riso, da alegria!...



2.  Também vai tem aqui um excerto do Diário da Guiné, do António Graça de Abreu, com referência  a um dos últimos mortos (se não mesmo último) da valorosa 38ª CCmds, nas vésperas do 25 de abril, vítima de ataque terrorista a um café de Bissau.

(...) Bissau, 25 de Março de 1974 

A grande novidade em Bissau, capital da guerra foram as bombas no Quartel- General, na Amura, onde os estragos estão bem à vista, e num café no centro da cidade onde inicialmente morreu um civil mas depois morreram mais três militares, entre eles um soldado da 38ª de Comandos. Estes pobres rapazes até a Bissau vêm morrer!

Foram postas em prática medidas de segurança patentes onde quer que uma pessoa vá. Há patrulhas da polícia militar e civil um pouco por todo o lado. Agora, para se entrar no Quartel-General só falta passar pelo RX. O medo é maior, as coisas estão a mudar. (...)

 ___________

Notas do editor:

(*) Vd. I Série > 31 de maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXI: Cancioneiro de Mansoa (8): a amizade e a camaradagem ou o comando da 38ª


(**) Último poste da série > 20 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10409: O Nosso Livro de Estilo (6): O que fazer com este blogue ? (Parte II ): Depoimentos de A. Pires, C. Pinheiro, D. Guimarães, L. Ferreira, B. Santos, C. Rocha, F. Súcio, B. Sardinha , T. Mendonça e JERO

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10055: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (57): Que alegria ver outra vez o meu amigo Ludgero Sequeira, da 38ª CCmds, e hoje professor da Universidade do Algarve (Bernardino Parreira)

1. Comentário do Bernardino Parreira ao poste P10028, de 13 do corrente:

Que alegria, ver outra vez o meu amigo Ludgero Sequeira, jovem, como naquele longínquo ano de 1972! Também me parece conhecer o Amilcar Mendes! Tive várias operações no mato com o meu amigo Ludgero e a Companhia de Comandos a que ele pertencia, [a 38ª CCmds]. 


Também em Teixeira Pinto nos encontrámos várias vezes. Talvez tenha estado algumas vezes com o Amilcar, junto do Ludgero. Depois, eles regressaram a Mansoa [, CAOP1]. E eu, como se sabe, regressei à Metrópole em Março de 1973. 

Ainda sofro ao recordar como, cerca de 2 meses depois de cá estar, recebo a triste notícia de que o Ludgero tinha sido ferido numa mina e corria risco de vida...e que estava cego... Foram meses de angústia para a família e para os amigos. Apesar de ter ficado com grande perda da visão, graças a Deus o Ludgero salvou-se e hoje é um ilustre professor da Universidade do Algarve, [doutorado em Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade de Huelva, Espanha, 2003].

Quando nos encontramos, a conversa foge, forçosamente, para o futebol e para o nosso tempo de guerra na Guiné.

Foto à direita: O ex-fur mil cmd Ludgero Sequeira com o ex-1º cabo cmd Amilcar Mendes, em Gampará, 1972. 


Foto: © Amilcar Mendes (2007). Todos os direitos reservados.~

________________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10049: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca...é Grande (56): Desde a ilha de Luanda, evocando o bom irã de Bedanda e enviando um abraço para todos os bedandenses que estiveram no 2º encontro das Onças Negras, e em especial o Tony, o Pinto Carvalho e o Belmiro Pereira (Luís Graça)

sábado, 2 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P9980: (Ex)citações (182): A 38ª CCmds, o CAOP1 (Mansoa) e a coluna de 10 de maio de 1973, de Farim-Binta-Guidaje (António Graça de Abreu / Amílcar Mendes)

1. Comentário de António Graça de Abreu, com data de 29 de maio último, ao poste P9961:

Tenho pela 38ª Companhia de Comandos o maior respeito e admiração.

Estive com eles em Teixeira Pinto e Mansoa e são objecto de textos fraternos no meu Diário da Guiné.

A 9 de Maio de 1973 fui com eles, quatro Unimog do CAOP 1 e mais 40 homens da 38ª CCmds., e muito mais tropa e algumas viaturas civis, até Cutia. A grande coluna seguiu depois para Farim.

Tenho fotografia na pág. 82 do meu Diário da Guiné, à frente num Unimog com os homens da 38ª. em Cutia.

O destino destes homens não era Guidage que só começara a embrulhar a sério há dois dias, o destino era Farim, e a história das vacas que associei à ida da coluna para Farim é verdadeira, escrevi na altura,está no poste 9943 e eu não ia inventar.  Só que chegados a Farim, ninguém pensou mais em vacas,

Guidage começava a ser impiedosamente flagelada e os homens da 38ª, mais os Unimog e condutores do
CAOP 1 seguiram noutra coluna para Guidage, uma viagem de morte, também para o meu condutor do CAOP 1, David Viegas.

É possível que alguns dos comandos da 38º. nem sequer tenham ouvido falar em vacas, de início pensou-se
que iam apenas até Farim fazendo a escolta e reforçando a coluna. A ideia de no regresso trazer vacas de Farim para Mansoa deve te partido dos majores do CAOP 1.

Mas o meu relato bate certo com o do Amilcar Mendes.

A 25 de Maio, quase toda a 38ª, seguiu novamente para Guidage. Tenho comigo fotografias deles formados na parada de Mansoa, antes de partirem, e faço referência a tudo isto na página 105 do meu Diário da Guiné.

O Amílcar Mendes foi para Guidage na primeira leva, a da morte e da loucura. Na segunda, os homens que já lá haviam estado,  creio que permaneceram em Mansoa, ou em Brá, Bissau.

Pode existir sempre um qualquer erro no que escrevi, mas o essencial corresponde às realidades que todos vivemos. Tenho muita confiança nos dados do meu Diário da Guiné.

O impressionante relato do Amilcar Mendes é a nossa História, com todos os H grandes. Foi mesmo guerra e estes são os factos da guerra. É com eles, e não com opiniões de letrados que ignoram a verdade e a realidade que se faz a nossa História.


Dá o meu contacto ao Amilcar Mendes, tenho todo o gosto em oferecer-lhe o meu Diário da Guiné. Ele que me mande a morada dele e o livro segue pelo correio.


Abraço aos dois,

António Graça de Abreu





38ª CCmds (1972/74): História da Unidade: atividade operacional entre 3 e 10 de maio de 1973 (Elementos disponibilizados pelo Amílcar Mendes)


2. Esclarecimento, no mesmo dia, do Amílcar Mendes:

Amigo Luis Graça,  caros bloguistas e caro Antonio Graça Abreu:  não vou entrar aqui num bate papo sobre quem mija mais longe ou perto. Agradeço a consideração que o António G Abreu tem pela 38ª CCmds e respeito o que terá escrito no seu Diário da Guiné, mas sempre lhe vou dizendo que não o li... 

Contudo,  se lá escreveu que a 38ª CCmds, quando foi para Farim foi às vacas, amigo, deve emendar essa versão pois corre o risco de estar a enganar os seus leitores! 

Os grupos da 38* CCmds a que se refere estavam em operação na mata do Oio e fora
mandados regressar de propósito para escultar uma coluna de abastecimento a Farim! Ficaram la dois dias e só depois foi decidido utilizar os efectivos para continuar com a coluna para GUIDAJE! 

TENHO EM MEU PODER OS DOCUMENTOS, cópias,  claro, das ordens de operação do
comandante do CAOP1.  E a ordem era para escolta de reabastecimento de munições, víveres etc.,  a coluna vinda de Bissau e em primeira mão com destino a Farim! 

Pois, amigo Graça Abreu,  nunca ouvi falar nessa estória de vacas! Eu estava no 2º Grupo de Combate e na altura ero o 1º cabo da 1ª equipa desse Gr Comb. Segui diretamente da mata do Oio, Mansoa, Farim, Binta e Guidaje e não foi a 25 de Maio mas sim em 10 de MAIO DE 1973 QUE ESTA COLUNA SEGUIU! 

Os acontecimentos de 25 de Maio é outra história ! 

Sabes, amigo Luis,  ultimamente no Blog sucedem-se comentários sobre Guidaje que até fico atordoado e a pensar em que datas cabem todos os acontecimentos referidos!  (...)

Graça Abreu,  com todo o gosto me encontro contigo e te faço chegar às mãos todos os documentos sobre a 38ª CCmds  em Guidaje.

Abraços do Amílcar Mendes
____________________

Nota do editor:


Último poste da série > 1 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9973: (Ex)citações (181): Revisitando as cartas do alf mil Carlos Geraldes (José Freitas, ex-fur mil minas e armadilhas, CART 676, Pirada, 1964/66)

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9972: Efemérides (100): Guidaje foi há 39 anos... A coluna do dia 29 de maio de 1973: a participação da 38ª CCmds (Pinto Ferreira / Amílcar Mendes / João Ogando)







1. Reprodução, com a devida vénia, de um artigo, da autoria de João Ogando e Amílcar Mendes, publicado no Boletim Informativo da delegação de Comandos de Almada e Seixal, nº 11-II Série, Dezembro de 2011, p. 8. Acrescenta, à guisa de explicação, o nosso camarada Amílcar Mendes, grã-tabanqueiro: 

"Todo o relato desta coluna é feito na 1ª pessoa pelo então comandante da 38ª Companhia de Comandos Sr Capitão de Inf Cmd Victor Manuel Pinto Ferreira e constante na história da companhia. Foi publicado neste Boletim com arranjos meus e do ex-furriel mil cmd João Ogando".

Este recorte já tinha sido publicado por nós, em poste de 25 de março último, mas está  lá com resolução mais fraca, e portanto menos legível ou pouco amigável para o leitor... (*). Esta republicação do recorte faz sentido na série Efemérides, numa altura em que estamos a reviver os 39 anos da "batalha de Guidaje" (**) (***), fazendo jus aos vivos e aos mortos.

2. Sobre o "novo tipo de minas", usadas pelo PAIGC em Guidaje, e que é referido  no artigo supra,  logo no segundo parágrafo,  cite-se José Moura Calheiros (A Última Missão, Lisboa: CR - Caminhos Romanos, 2010, pp. 460/461): 

"(...) em quase todos os relatórios  eram referidos rebentamentos de minas anticarro por simples acção de 'picagem' e era-lhes atribuída a designação  de minas antipessoal reforçada com mina anticarro. Apenas o Cap Mil Inf Carlos Alberto Pereira da Silva, comandante da [2ª CCaç/BCaç] 4512/72 (que realizou a coluna de 15 de Maio) refere no seu relatório datado de 1JUN73 que o inimigo utilizava minas com dispositivo eléctrico antipicagem. E, apesar de a Repartição de Operações do Quartel-General ter sido alertada para o novo tipo de mina no final da coluna realizada pela CCP 121 e DFE4, em 23 de Maio, a coluna realizada a 30 de Maio ainda utilizou o mesmo método de detecção de minas, o que originou mais uma morte.

"No seu realatório, o Cap Cav Fernando Salgueiro Maia refere 'face ao accionamento de minas por picas, é de substituir estas por paus aguçados' (...)".

3. Ainda segundo esta fonte (Moura Calheiros, 2010, pp. 458/459), a operação para a abertura de novo itinerário, realizada a 29 de maio de 1973, teve a participação de seis agrupamentos, "cada um deles com efectivos de cerca de uma Companhia"):

(i) Agrup A: 38ª CCmds + Pel Sap / BCaç 4512;
(ii) Agrup B: 1ª CCaç / BCaç 4512 + GEsp Mil 342 (Olossato);
(iii) Agrup C: CCav 3420 + grupo de picadores de Binta;
(iV) Agrup D: CCP 121 / BCP 1;
(v) Agrup E: DFE1;
(vi) Agrup F: CCaç 3414 (Cumeré).

Os agrupamentos A, B, C e F partem de Binta, comandados pelo Cap Inf Comando Pinto Ferreira, da 38ª CCmds.  Os agrupamentos D e E (os páras e os fuzos) partem de Guidaje.

4. Depois da "batalha de Guidaje" e do seu regresso a Mansoa,  foram concedidos ao pessoal da 38ª CCmds 15 dias de descanso operacional em Bolama, na 2ª quinzena de junho de 1973, conforme se pode ler na história da unidade (vd. excertos a seguir):





38ª CCmds (Brá, 1972/74): História da Unidade > Atividade operacional entre os dias 25 de maio  e 19 de junho de 1973 (Documento disponibilizado pelo Amílcar Mendes)
___________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9662: Guidaje, Maio de 1973: 2ª coluna a 4 companhias, a caminho de Guidage - 29/05/1973 (Amílcar Mendes/João Ogando)


(**) Último poste da série > 31 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9970: Efemérides (65): Guidaje foi há 39 anos: Relembrando a primeira trágica coluna, dos dias 8 e 9 de maio de 1973 (Manuel Marinho, 1ª CCAÇ / BCAÇ 4512, Nema, Farim e Binta, 1972/74)

(***) Sobre a participação do Salgueiro Maia e dos seus homens, nesta coluna, ver o poste 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (João Afonso)

terça-feira, 29 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9961: Efemérides (96): Guidaje foi há 39 anos: a coluna que rompeu o cerco, em 10 de maio de 1973 (Amílcar Mendes, ex-1º Cabo Cmd, 38ª CCmds, 1972/74)


02 Novembro 2005

Guiné 63/74 - CCLXV: Apresenta-se o 1º Cabo Comando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)

Caro Luis Graça, camarada comando Briote:

Vou-vos falar um pouco de mim. Assentei praça no longínquo ano de 1971 no antigo RAL 1, em Outubro. Ofereci-me para os Comandos onde cheguei em Dezembro de 1971 (CIOE/ Lamego). Completei o curso em Junho de 1972, mês a que cheguei à Guiné, a 26. Iniciei a 2ª parte do curso em Mansoa, na mata do Morés, onde tive o primeiro contacto com o IN. Recebi o crachá de Comando em Agosto, com o posto de 1º cabo.

Em Fevereiro de 1974 terminei a comissão mas só regressei a Portugal em Julho de 1974. As histórias pelo meio ficam para outra altura, e tambem as fotos, neste momento tenho o scanner fora de serviço.

Se quiserem saber mais alguma coisa é só perguntarem.

Um grande abraço para todos os ex-combatentes, em especial os Comandos.

Só mais um pormenor, a minha companhia foi a 38ª Companhia de Comandos, os Leopardos.A. Mendes
1. Amílcar Mendes é um dos nossos mais antigos 
grã-tabanqueiros. Publica-se acima uma cópia do poste de 2 de novembro de 2005 em que ele se apresentou ao pessoal do blogue, que na altura ainda só eram umas escassas dezenas de "tertulianos", como então chamávamos aos membros da nossa "tertúlia", hoje Tabanca Grande.  

O  ex-1º Cabo Comando,  depois de ter estado na 38ª CCmds (Guiné, 1972/74), ficou no Regimento de Comandos da Amadora até 1980, dando instrução.  Hoje tem um táxi na Praça de Lisboa. Há tempos confidenciou-nos: "Enquanto estive na Guiné fui escrevendo uma espécie de diário que, com muito gosto, irei aqui partilhar com toda a tertúlia, porque sei que muito do que escrevi apenas fará sentido para aqueles que trilharam os mesmos caminhos nesses longínquos, difíceis e já saudosos anos".


São o seu caderno de notas e as memória ainda bem vivas da sua atividade operacional no TO da Guiné que lhe permitem falar com autoridade da coluna que "rompeu" o cerco a Guidaje, em 10 de maio de 1973. Há questões de pormenor que ele pode ainda esclarecer, com a ajuda de outros camaradas "que estavam lá"... Por exemplo,  no portal da Liga dos Combatentes não há registo de mortos, em combate, no dia 11 de maio de 1973, por que ao que parece o PAIGC estava também ocupado em tratar dos seus mortos e feridos (,segundo a versão de Moura Calheiros).  Por outro lado, os cadáveres em decomposição na zona do Cufeu (o A. Mendes diz que contou 15 quando lá passou em 10 de maio de 1973, a caminho de Guidaje) (*) tanto seriam das NT como do PAIGC (, já que a zona fora bombardeada antes pela FAP, possivelmente a 8). 

Por outro lado, confirma-se que os 2 gr comb da valorosa 38ª CCmds regressaram a Mansoa, ao CAOP 1, não a 13, ao fim da tarde.  

Sobre esta coluna, vd. o que o Moura Calheiros escreveu no seu livro, A Última Missão, pp. 444/445; este autor diz que esta coluna, com 8 grupos de combate - incluindo os 2 da 38ª CCmds - partiu de Binta a 10, de madrugada; o mesmo diz o José Manuel Pechorro e a história da 38ª CCmds; o Amílcar também já me confirmar a data, que é 10 e não 11, como aparece por lapso nos postes de outubro de 2006. A 12, morrem  o Raimundo e o Viegas morrem a 12...).

De resto, só com a triangulação de fontes e uma aprofundada pesquisa de arquivo podemos esclarecer pontos sobre os quais pode haver pequenas divergências factuais (por ex, nº e data das colunas; nº total de baixas, mortos e feridos; forças que integraram as escoltas às diversas colunas). O objetivo da publicação destes postes sobre os 39 anos da batalha de Guidaje (uma das mais duras da toda a história da guerra colonial nos três teatros de operações) é também a de suscitar o aparecimento de novos depoimentos, de colmatar lacunas de informação e de sobretudo de homenagear os vivos e os mortos, todos os nossos camaradas que deram melhor de si  (algumas dezenas, a sua própria vida) no "inferno de Guidaje".

Juntamos aqui os 4 postes do A. Mendes sobre o "inferno de Guidaje" (*), publicados em outubro de 2006. Foram feitas correções de datas.







38ª CCmds (1972/74) > História da unidade > Excertos (documento disponibilizado pelo Amílcar Mendes)


 A CAMINHO DE GUIDAJE

por Amílcar Mendes
Resumo:

9 de Maio de 1973 > O 2º e o 4º grupos [da 38ª Cmds] vão hoje fazer uma escolta a uma coluna de Mansoa para Farim.

13 de Maio de 1973 > Regressei hoje a Mansoa. Cinco dias fora. Meu Deus, foram os piores dias da minha vida. Irei tentar descrever tudo o que passei. Os horrores da guerra! Nunca pensei que fosse possível acontecer o que vi. Terrível de mais para ser verdade.  




9 de Maio de 1973

Saímos de Mansoa [, sede do CAOP1,]  com destino a Farim, com uma coluna que leva abastecimentos para a fronteira. Íamos só com a missão de chegar a Farim e voltar. Passámos a noite em Farim, mas fala-se já que não iremos voltar. A coluna que viemos acompanhar, destina-se a Guidaje.


Guidaje, onde nenhuma coluna consegue chegar. Fala-se aqui que da útima coluna que tentou passar: ficaram pelo caminho mais de 20 mortos. Guidaje onde a situação é caótica, onde a aviação já não dá cobertura. 

Em Farim assisti à chegada do que restou da última coluna que tentou passar. Vi militares chegarem a pé, sozinhos, completamente aterrados com o que passaram.

Continuamos em Farim e com a chegada da noite ficamos a saber que somos nós quem vai seguir com a coluna para Guidaje.



pelido  Nome  Posto  Ramo  Teatro de operações  Data  Motivo  
GERALDES MANUEL MARIA RODRIGUES GERALDES SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
MANÉ ABDULAI MANÉ 1CabExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
REDONDO ANTÓNIO JÚLIO CARVALHO REDONDO SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
SADJÓ SADJÓ SADJÓ SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
SANHÁ MAMADU LAMINE SANHÁ SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
TURÉ JANCON TURÉ SoldExércitoGuiné10/05/1973  Combate  
ApelidoNomePostoRamoTeatro de operaçõesDataMotivo

 Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar













10 de Maio de 1973

Saímos de madrugada de Farim com destino a Guidaje. Primeiro a Binta, onde os picadores se irão juntar aos nossos grupos. Daí entramos na maldita da picada. Os picadores seguem na frente.

Nota-se na picada o efeito das minas, autênticas crateras. Serão 16 km de picada até Guidaje. Um pelotão de Binta irá conosco até meio do percurso, depois iremos sós. Na frente os picadores lá vão detectando e rebentando minas, a cada hora apenas andamos para aí 2 km. Sabemos que de Guidaje saiu a CCAÇ 19, africana, para vir ao nosso encontro.


Passar na bolanha do Cufeu é impossível descrever o que encontramos sem sentir um aperto na alma: dezenas de viaturas trucidadas pelas minas. Os cadáveres pelo chão são festim para os abutres. É uma loucura. Pedaços das viaturas projetadas a ezenas de metros pela acção das minas. Estrada cheia de abatizes. Tentamos não olhar. Nunca vi tanto morto, nossos e do IN, deixados para trás ao longo da picada.

A coluna, à saída da bolanha do Cufeu, pára. Ouve-se ao longe tiros e rebentamentos. A companhia que vinha ao nosso encontro [, a CCAÇ 19,], caiu numa emboscada na ponte. Pelo rádio ouvimos o oficial que comanda a companhia emboscada pedir apoio aéreo, porque o IN é em muito maior número e ele diz que está a ser dizimado. Chegam dois Fiats e tentam dar cobertura à companhia emboscada mas dizem que é impossível porque o IN esta demasiado próximo.


Ouço então o apelo mais dramático, ouvido em toda a minha vida: Pela rádio o oficial que comandava a companhia emboscada apela à aviação:

- BOMBARDEIEM TUDO! A NÓS, INCLUINDO! A SITUAÇÃO É DESESPERADA! ESTAMOS A SER TODOS MORTOS, POIS OS GAJOS SÃO EM NÚMERO MUITO SUPERIOR!

A aviação nega-se a cumprir o apelo. Nós estamos a cerca de 3 km da emboscada. Nem pensar em lá chegar para ajudar. Demasiado longe num local cheio de minas e outros obstáculos. Os Fiats sobrevoam-nos e avisam-nos de que o IN está próximo. Faz isso para evitar ser bombardeado.



Continuamos a caminho de Guidaje. Quem ainda seguia nas viaturas salta para o chão. Ouve-se um rebentamento! Foi uma mina! O 1º cabo Filipe ao saltar pisou uma mina! Ficou logo ali sem um pé! Recebe os primeiros cuidados na picada e é posto numa viatura.

Seguimos, seguimos a um ritmo alucinante para chegar antes da noite.

Mais um morto na picada. Pisou uma mina. Ficou irreconhecível, metade do tamanho. É enrolado num poncho, posto no estrado de uma viatura. E continuamos (Esse morto mais tarde iria ser sepultado em Guidaje onde ficou).


Uma viatura pisa uma mina mas só ficou sem o rodado e continua assim mesmo.

Chegamos ao local da emboscada da CCAÇ 19 (**). Só encontramos mortos. Mortos e mais mortos. Nossos e do IN. Ficam para trás. E ali irão ficar para sempre. Já andámos há cerca de 10h na picada e Guidage já não está longe.

Já com Guidaje à vista subimos para as viaturas e eu sigo naquela só com três rodados, e onde segue o morto.

Chegamos a Guidaje! É a primeira coluna a chegar de há três semanas a este tempo. A população vem receber-nos com gritos de alegria, dá-nos água, trata-nos com carinho, sentem que o isolamento acabou.


Assim que entramos no destacamento, somos brindados com um ataque de morteirada. Com a noite vamos para as valas, que é onde se vive em Guidaje! O Filipe está num abrigo a soro, fui vê-lo e ele delirava a chamar pela família.

Durante a noite iremos sofrer mais 4 ataques e um deles será mortal.

Chega a noite. Mais um ataque. Desta vez e canhão sem recuo e morteirada. O IN sabe que esta uma Companhia de Comandos na vala e vai tentar a todo o custo causar-nos baixas, o que infelizmente vai conseguir. Nas valas, em estado de alerta, é impossível dormir. De bom em Guidaje só o facto de não haver mosquitos.

[No dia 11 de Maio de 1973, não há registo de mortos no portal da Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar. ]

12 de Maio de 1973

Cerca das três horas da manhã rebenta um violento ataque ao destacamento que é de meter medo. O IN deve ter as coordenadas das valas pois o fogo acerta todo dentro das valas. O barulho rebenta com os ouvidos. Dura cerca de 30 m. São centenas de projécteis. É de dar em doido!

A nossa artilharia [, Pel Art 24, de Guidaje] (**) responde ao fogo e lá se consegue parar o ataque. Terminado o ataque vamos fazer a contagem e duas vozes não respondem. Um, o Soldado Comando Raimundo, meu camarada de grupo, um moço da [Azambuja], a quem nunca mais ouvirei a sua voz; outro, um soldado condutor [, o Viegas, do CAOP 1] que tinha vindo connosco. Ficaram os dois desfeitos na vala com morteirada 120 mm.



Apelido  Nome  Posto  Ramo  Teatro de operações  Data  Motivo  
RAIMUNDO JOSÉ LUIS INÁCIO RAIMUNDO SoldExércitoGuiné12/05/1973  Combate  
VIEGAS DAVID FERREIRA VIEGAS SoldExércitoGuiné12/05/1973  Combate  
ApelidoNomePostoRamoTeatro de operaçõesDataMotivo

Fonte: Liga dos Combatentes > Mortos no Ultramar  









Ainda durante a noite iremos sofrer novo ataque mas mais ligeiro. Com a chegada da manhã os rostos de tristeza vão-se descobrindo mas é preciso reagir. Com um ano de guerra, o factor morte já não nos afecta assim tanto, já aprendemos a conviver com ela de perto, só temos de arranjar maneira de a ir iludindo.

Recebemos ordens para sair para a mata. Vem outra coluna a caminho, escoltada pelo Fuzos [ 1 gr comb da DFE 1 e um gr comb do DFE 4, comandados pelo 1º ten Meireles de Amorim, mais um gr comb da CCAÇ 3,] e nós vamos ao seu encontro para lhes dar apoio até  Guidaje. 

Antes de sair, fui ao abrigo-enfermaria (?) ver o Filipe: continua inconsciente, a perna começa a gangrenar e tem que ser evacuado com urgência, mas isso está fora de questão pois os misseis Strela estão à espreita da nossa aviação.

Fomos ao encontro da coluna e,  assim que chegamos ao destacamento, novo ataque. Pelas minhas contas tera sido o 6º. Com a noite voltamos para as valas.


O estado psicológico era tal que quando no silêncio se ouvia um barulho de alguma coisa a bater corríamos logo para a vala. No ataque à chegada dos fuzileiros, o furriel Marchão do meu grupo ficou crivado de estilhaços mas sobreviveu.

 
Amanhece em Guidaje. Logo ao alvorecer sofremos mais um ataque (o 8º). Recebemos ordem de saída para a mata. Vamos montar uma emboscada nos trilhos, já dentro do território do Senegal. Parece uma auto-estrada este trilho tal é o movimento de população. Revistamos ao acaso. Numa mulher encontramos documentação militar que apreendemos. Depois de cerca de três horas de controlo, retiramo-nos para o quartel.

A coluna vai hoje [, 13,] regressar a Binta-Farim. Ao meio do dia mais um ataque ao destacamento. A meio da tarde começa-se a organizar a coluna para o regresso mas durante os preparativos sofremos mais dois ataques e é a confusão, com as viaturas paradas no meio do destacamento e a morteirada a cair.


Assisti durante os ataques a um espectáculo insólito: enquanto durava o fogo, um oficial, nesta caso o Comandante, caminhava sereno pelo meio da confusão dando ordens e tentando manter a calma, alheio aos ataques e aos gritos. Esse senhor era o [Tenente-] Coronel Correia de Campos, que comandava o COP 3, ao qual a minha companhia ficou dependente enquanto esteve em Guidaje.

O Comandante achou perigoso a coluna seguir nesse dia [, 12,] pois fazia-se noite e concerteza o IN iria estar emboscado à nossa espera. Durante a noite sofremos mais ataques. Creio que no total e no curto tempo que aqui estivemos, sofremos pelo menos 15 ataques ao destacamento.

13 de maio de 1973


Logo ao alvorecer [, pelas 6h00,] a coluna põe-se a caminho. Fazemos a picada de volta e à medida que avançamos, voltamos a passar pelos cenários de morte. Os corpos estão a caminho de esqueletos, devorados pelos jagudis. O cheiro é insuportável, por vezes dá náuseas. Acho que pelo resto da minha vida nunca mais vou esquecer este local maldito!

Ao fim da manhã já estamos a chegar a Binta quando surge mais um acidente: um militar da tropa da Província pisa uma mina, dá por ela e fica com o pé lá em cima... É uma mina de descompressão e poucas hipóteses tem de lá sair com vida.

Põe-se areia a volta. Cobre-se o corpo de roupa mas ele salta rápido. Não morre mas fica sem o pé. Durante a minha viajem de regresso na Berliet que seguia à minha frente, ia o Filipe com a perna já em adiantado estado de gangrena. Irá sobreviver. Somos amigos, ele vive no Porto e ainda hoje recordamos esse tempo, o que nos dá vontade de chorar!


Chegamos a Binta e o Filipe é logo evacuado! A coluna não pára. Seguimos para Farim e daí logo em direção a Mansoa.

É a alegria geral! Que saudades da rapaziada! Chegamos a casa!...
- FORAM OS PIORES DIAS DA MINHA VIDA!- Pensava eu. 


A malta faz perguntas mas a nós não nos apetecia responder, só para não voltarmos a pensar naquele inferno. Ao diabo com Guidaje!~(Como eu estava enganado, mas ainda não o sabia!). [O Amílcar Mendes voltará lá em 29 de maio, na escolta a uma outra coluna logística].

Comentário: Ainda hoje sonho com Guidaje! Algumas coisas do que aconteceram foram tão reais que iriam ficar gravadas na minha memória até chegar ao STRESS!

Sentir na carne não é o mesmo que me sentar a escrever sobre um acontecimento. Isso é ficção e, pelo que vou lendo, há muitos ficcionistas que se arvoram em paladinos da verdade. Paz à sua alma!... (**)

A. Mendes


Texto e fotos: © Amilcar Mendes (2006). / Blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. este e os postes anexos a este > 4 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2719: Guidaje, Maio de 1973: Só na bolanha de Cufeu, contámos 15 cadáveres de camaradas nossos (Amílcar Mendes)

(**) Segundo informação do nosso camarada José Manuel Pechorro, o pessoal da CCAÇ 19, do recrutamento local, era de etnia mandinga. O Pel Art 24, por sua vez, era constituído sobretudo por pessoal balanta.

Do José Manuel Pechorro, vd. também os seguintes postes:

19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

21 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)

16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

4 de Abril de 2010 Guiné 63/74 - P6105: (Ex)citações (63): O Ten Cor Correia de Campos foi um dos heróis de Guidaje (José Manuel Pechorro)


(***) Último poste da série > 28 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9954: Efemérides (61): Guidaje foi há 39 anos: Operação "Mamute Doido" (2): Desenrolar da emboscada na zona do Cufeu (António Dâmaso)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Guiné 63/74 - P9943: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (17): Guidage (com g) foi há 39 anos...












Guiné > Região do Cacheu > 38ª CCmds (2º e 4º Gr Comb) > 11 de Maio de 1973 > Coluna logística que partiu de Farim, a caminho de Guidaje. Na foto de cima, o Gr de Combate do 1º Cabo A. Mendes, o 2º a contar da direita, com boina. Na foto do meio, progressão da coluna auto na picada de Guidaje... Na última foto, uma vista da bolanha do Cufeu, com destroços de viaturas (e cadáveres)...

Fotos : © Amilcar Mendes (2006). Todos os direitos reservados. 


1. Escrevi há dias que "sobre Guidaje, há uma referência apenas no Diário da Guiné (1972/74), da autoria do nosso camarada e amigo António Graça de Abreu (AGA). Vem na entrada Mansoa, 26 de Maio de 1973"" (*) ... 

É meia verdade, meia mentira... Sobre "Guidaje" (com j), há de facto apenas um referência, mas sobre "Guidage" (com g), há mais umas tantas... A grafia de Guidaje/Guidage é controversa, os dois vocábulos são usados pelos nossos cartógrafos... Eu grafo de uma maneira (Guidaje), outros tendem a usar a forma mais comum, que é Guidage...Neste caso, sigo o (bom) conselho do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa...E é assim que tem aparecido no nosso blogue, Guidaje, com j...

Mas no caso do livro do AGA, eu devia ter tido mais cautela, como mandam as boas regras... Ora, na realidade o AGA estava no CAOP1, em Mansoa,  durante a "batalha de Guidaje" [, grosso modo, entre 8 de maio e 8 de junho de 1973, ] e,  sendo um homem em geral bem informado,  por certo que escreveria algo mais sobre Guidaje, tal como escreveu sobre Guileje e Gadamael... Em 25 de junho de 1973, o CAOP1 (e com ele o AGA) é transferido para Cufar, na região de Tombali.

Faz assim todo o sentido recuperar algumas das entradas do seu diário, onde há uma referência explícita a Guidage (com g). São seis entradas (ou sete, se contabilizarmos a já atrás referida - Mansoa, 26 de maio de 1973). A "batalha de Guidaje" tocou-o de perto, se bem que indiretamente através das baixas da 38ª CCmds, unidade de intervenção afeta ao CAOP1, quer através da morte do soldado condutor auto do CAOP1,  David Ferreira Viegas, natural de Olhão, morto em 12 de maio de 1973 [, já em Guidaje, no aquartelamento,  após a realização da 3ª coluna para Guidaje, a 11]. (**)

Há uma edição comercial do livro do AGA. Referência completa: António Graça de Abreu - Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura. Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp. (*) (LG)


(...) Mansoa, 8 de Abril de 1973

Outra DO pilotada pelo furriel piloto aviador Baltazar da Silva foi abatida pelo IN quando voava entre Bigene e Guidage. O rapaz morreu, junto com um alferes médico e um sargento. O Baltazar almoçou comigo na semana passada, esteve aqui no meu quarto desanimado e triste. Escrevi então que ele havia partido para Bissau “com a morte na alma”.


(...) Mansoa, 14 de Maio de 1973 

Parece estar em embrião uma nova alteração na localização do CAOP 1. Fala-se em irmos para o sul, a zona onde há mais guerra na Guiné. Mas quem está a embrulhar há cinco dias consecutivos é o aquartelamento de Guidage, bem lá no norte, na esteira dos lugares de morte e de loucura.

Quanto à transferência do CAOP não ficou ainda nada decidido. Isto está incerto como o vento em mudança de estação. De resto, um comando de operações sem meios aéreos como funciona? Reina uma certa incerteza e confusão entre quem manda em Bissau. O general Spínola foi agora a Lisboa pedir mais armas e meios para combater o PAIGC e ao que consta o Marcello Caetano disse-lhe ser impossível reforçar as tropas na Guiné.


(...) Mansoa, 19 de Maio de 1973

Há dez dias atrás, por causa de vacas, aproveitei uma boleia e fui até Cutia, a vinte quilómetros daqui, na estrada alcatroada para Mansabá e Farim.

Os balantas, etnia predominantemente na região de Mansoa, não querem vender vacas aos militares portugueses. Em Farim, sessenta quilómetros a norte, os fulas, outra etnia, vendem os animais com facilidade. Como em Mansoa falta carne para a alimentação diária, é preciso recorrer ao que há, neste caso as vacas de Farim. 

Fez-se uma coluna com quatro unimogs do CAOP e quarenta homens da 38ª. de Comandos  (***) para irem lá ao norte buscar as vacas. Como à tarde havia coluna de Cutia para Mansoa, peguei na G3 e segui com o nosso pessoal. Regressei calmamente a Mansoa, depois de mais uns quilómetros a conhecer a mata, o aquartelamento e a aldeia de Cutia, florestas, bolanhas, a terra pobre. 

Os comandos e os quatro condutores do CAOP seguiram viagem e quando chegaram a Farim havia realidades bem mais duras do que a história da compra e transporte das vacas. Era crítica a situação em Guidage, uns quarenta quilómetros a noroeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal. O aquartelamento estava a ser atacado há dois dias, de quatro em quatro horas, em média. Duas colunas de reabastecimento haviam partido de Farim para Guidage com víveres e munições e foram ambas atacadas na estrada, com mortos e muitos feridos. Tornou-se necessário chamar os aviões Fiats de Bissau, não para bombardearem o IN mas para destruir as Berliets carregadas de víveres e munições, abandonadas pelas NT, evitando assim que caíssem nas mãos dos guerrilheiros.

Os Comandos mais os nossos condutores do CAOP iam buscar vacas, mas nessa altura o mais importante era socorrer Guidage. De emergência, organizou-se nova coluna de Farim para Guidage reforçada com os nossos homens. Foi uma caminhada de morte, havia abutres a rondar os cadáveres dos soldados portugueses abandonados na picada pela coluna anterior, havia minas, uma delas rebentou sob o Unimog da frente, arrancou-lhe uma roda que foi projectada e passou por cima da cabeça do alferes Dias, da 38ª. de Comandos, houve emboscadas e um soldado comando ficou sem um pé e sem três dedos da mão direita. O infeliz foi o Tavares, um rapaz ribatejano do Cartaxo que até conheço bem, pai de dois filhos. Como não se fazem evacuações de helicóptero, levaram-no até Guidage com o coto e a mão amarrados em ligaduras. 

Durante dois dias, em Guidage, foram atacados treze vezes, com morteiros e canhão sem recuo. Os guerrilheiros afinaram a pontaria para dentro das valas onde se abrigavam os nossos homens. Lá morreu mais um soldado da 38ª. de Comandos e o soldado condutor auto David Ferreira Viegas, do CAOP 1. Era um dos meus homens, um rapaz baixo, magrinho, tímido, natural de Olhão. Tinha vinte e um anos, fora pescador no Algarve, estava connosco no CAOP desde 3 de Março e na tropa há apenas oito meses.

Não trouxeram o corpo do Viegas para Mansoa, meteram-no na urna e seguiu de barco para Bissau. Tenho sido eu a tratar das coisas dele, fui-lhe mexer na mala e fazer o espólio de todos os seus pertences para enviar à família. Possuía tão pouco, algumas quinquilharias e uma roupita tão pobre! O povo português vai morrendo, o nosso David foi apenas mais um.

Comoveu-me o último aerograma com data de 27 de Abril que lhe foi enviado pela mãe, escrito pela Rosarinho, uma das sobrinhas, porque a mãe é analfabeta. A Elsa Maria, outra sobrinha pequena, como ainda não sabe escrever, mandou contas ao tio David:

1 2 3 4 5 2 1 

1 2 3 4 5 2 1 

___________
2 4 6 8 0 3 3

A Ana Cristina Viegas Fava, também sobrinha, diz:  “Tio, eu já sei escrever e quando o tio estiver aborrecido escreva para mim que eu lhe respondo, está bem? "

O David Ferreira Viegas, contava apenas vinte e um anos. Não vai escrever a mais ninguém.

(...) Mansoa, 29 de Maio de 1973 

Fui ao cinema ver um filme intitulado “Os Noivos da Revolução”, com o Jean Paul Belmondo.(...).

Em Portugal, as notícias sobre a Guiné continuam a ser alarmantes. De facto, Maio foi excepcional. As NT, incluindo os africanos que combatem ao nosso lado, tiveram mais de sessenta mortos e uma centena de feridos. Creio que isto bate todos os recordes. Agora, com a época das chuvas, a guerra vai acalmar um pouco.

As notícias em Portugal são também manipuladas, confusas, às vezes ridículas. No boletim oficioso das Forças Armadas lê-se “um grupo de guerrilheiros do PAIGC que tentava infiltra-se no Território Nacional foi repelido e perseguido pelas nossas tropas, tendo sofrido um número indeterminado de mortos.” Pode haver um fundo de verdade neste tipo de notícias mas quem descreve o que verdadeiramente aconteceu em Guidage ou em Guileje, quem fala na emboscada da coluna de Mansabá para Mansoa que provocou quatro mortos e quinze feridos quando o IN só registou dois feridos? 

A opinião pública portuguesa alertar-se-ia demasiado se as notícias divulgadas na nossa terra correspondessem à realidade do que se passa na Guiné. Em Portugal as pessoas sabem que, por causa da guerra, a Guiné é terra má e suja, mas quantos entendem os porquês, conhecem o dia a dia das nossas tropas? Os boatos distorcem, aumentam, assustam. Tudo por uma razão simples, não temos liberdade.

(...) Mansoa, 14 de Junho de 1973 

Recebi uma carta do Algarve,  da mãe do David Viegas, o nosso soldado condutor morto em Guidage. Havia-lhe escrito uma sentida carta pessoal, logo após a morte do rapaz. Respondeu-me agora, naturalmente chorosa pelo falecimento do David, o mais novo dos seus cinco filhos, agradecendo ter-lhe dado notícias. 

Como já referi, a senhora é analfabeta e é uma sobrinha quem lhe escreve as cartas. Eu informara-a de que o filho havia morrido devido ao rebentamento de uma granada de morteiro na vala onde se abrigava, teve morte quase instantânea e não sofreu. Assim foi, na realidade, mas não lhe contei que o Viegas ficou horrivelmente desfigurado, a granada rebentou junto à sua cabeça e os estilhaços apanharam-lhe toda a cara. Os outros três condutores do CAOP 1 que estavam com ele em Guidage e o viram morrer ali ao lado, descreveram-me o sucedido com lágrimas nos olhos. O Viegas era bom rapaz, pacífico, não se chateava com ninguém. O caixão está em Bissau, à espera do “Niassa”, o navio que o levará para Portugal, rumo a Olhão, a terra onde nasceu.

Eu não sabia, mas quando o rapaz morreu, o major P. disse-me que existia uma carta modelo, um texto padrão sempre igual utilizado em todo o Ultramar a enviar aos pais dos soldados mortos em combate. Tratámos de a copiar e seguiu para Olhão, espantosamente assinada não pelo coronel, comandante do Comando de Agrupamento Operacional Nº. 1, a que o Viegas pertencia, não pelo major P., oficial de Operações e Chefe do Estado Maior do CAOP 1, não por mim, simples alferes que tenho os condutores como meus subordinados, mas assinada pelo furriel Victor Henriques, meu subalterno que mal conhecia o Viegas e nunca esteve em Guidage. (...)

(...) Cufar, 27 de Junho de 1973 

De Lisboa, contam-me as “bocas” que por lá correm. E “bocas” falsas.

Fala-se em evacuar da Guiné mulheres e crianças. Mas onde e porquê? É verdade que a população nativa, os africanos das aldeias de Guidage, Guileje e Gadamael, abandonou essas tabancas por causa do perigo nas flagelações constantes do IN. Mas não houve nenhuma evacuação nem sei se tal está previsto pela nossa tropa. Também é verdade que muitos milhares de habitantes da Guiné Portuguesa procuraram fugir à guerra e refugiaram-se quer no Senegal quer na Guiné-Conacry, no entanto esta procura de um lugar mais pacífico para habitar não é novidade, começou há já alguns anos com o agravamento do conflito armado.(...)

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Notas do editor:

(*) 14 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9898: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (16): Guidaje foi há 39 anos...


(**) Vd os seguintes poste do J. M. Pechorro e do Daniel Matos:
19 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5300: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - I Parte (José Manuel Pechorrro)

21 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5310: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - II Parte (José Manuel Pechorrro)


16 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5479: O assédio do IN a Guidaje (de Abril a 9 de Maio de 1973) - Agradecimento e algumas informações (José Manuel Pechorro)

3 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6307: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (14): Cemitérios de Guidaje e Unidades mobilizadas na Madeira

(***) Vd. postes de Amílcar Mendes (38ª CCmds):

22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte


(...) Resumo:

9 de Maio de 1973 > O 2º e o 4º grupos [da 38ª Cmds] vão hoje fazer uma escolta a uma coluna de Mansoa para Farim.

13 de Maio de 1973 > Regressei hoje a Mansoa. Cinco dias fora. Meu Deus, foram os piores dias da minha vida. Irei tentar descrever tudo o que passei. Os horrores da guerra! Nunca pensei que fosse possível acontecer o que vi. Terrível de mais para ser verdade. (...)

(...) 11 de Maio de 1973

Saimos de madrugada de Farim com destino a Guidaje. Primeiro a Binta onde os picadores se irão juntar aos nossos grupos. Daí entramos na maldita da picada. Os picadores seguem na frente.  (...)


(...) Ao passar na bolanha do Cufeu é impossível descrever o que encontramos sem sentir um aperto na alma: dezenas de viaturas trucidadas pelas minas. Os cadáveres pelo chão são festim para os abutres. É uma loucura. Pedaços das viaturas projetadas a dezenas de metros pela acção das minas. Estrada cheia de abatizes. Tentamos não olhar. Nunca vi tanto morto, nossos e do IN, deixados para trás ao longo da picada.  (...)


23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)

(...) 11 de Maio de 1973 (continuação)

(...) A coluna, à saída da bolanha do Cufeu (2), pára. Ouve-se ao longe tiros e rebentamentos. A companhia que vinha ao nosso encontro, caiu numa emboscada na ponte. Pelo rádio ouvimos o oficial que comanda a companhia emboscada pedir apoio aéreo, porque o IN é em muito maior número e ele diz que está a ser dizimado. Chegam dois Fiats e tentam dar cobertura à companhia emboscada mas dizem que é impossível porque o IN esta demasiado próximo...

Ouço então o apelo mais dramático ouvido em toda a minha vida: Pela rádio o oficial que comandava a companhia emboscada apela à aviação:

BOMBARDEIEM TUDO! A NÓS, INCLUINDO! A SITUAÇÃO É DESESPERADA! ESTAMOS A SER TODOS MORTOS, POIS OS GAJOS SÃO EM NÚMERO MUITO SUPERIOR! (...)



(...) Já com Guidaje à vista subimos para as viaturas e eu sigo naquela só com três rodados, e onde segue o morto.

Chegamos a Guidaje! É a primeira coluna a chegar de há três semanas a este tempo. A população vem receber-nos com gritos de alegria, dá-nos água, trata-nos com carinho, sentem que o isolamento acabou.

Assim que entramos no destacamento, somos brindados com um ataque de morteirada. Com a noite vamos para as valas, que é onde se vive em Guidaje! O Filipe está num abrigo a soro, fui vê-lo e ele delirava a chamar pela família.(...)


Durante a noite iremos sofrer mais 4 ataques e um deles será mortal (...).

23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje

24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...