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sexta-feira, 10 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23340: Lembrete (40): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, amanhã, dia 11, às 11h00: apresentação do livro do Joaquim Costa, ex-fur mil, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74): "Memórias de Guerra de um Tigre Azul" (Rio Tinto, Lugar da Palavra Ed., 2021, 179 pp.)

 





Capa do livro do  Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", que vai ser lançado amanhã, dia 11 de junho de 2022, sábado, pelas 11h00, na Tabanca dos Melros, Quinta do Chouoal dos Melros, ria de Cabanas, 175, 4510-506 Fânzeres.  Apresentação a cargo do editor do nosso blogue, Luís Graça, que se fará representar pelo nosso amigo e camarada, e também ele escritor, António Carvalho.(`*)

O livro "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp., pode ser pedido diretamente ao autor, através do email jscosta68@gmail.com

O valor é de 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro. Não esquecer de indicar o endereço postal.

Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, Os Tigres do Cumbijã (Cumbijã, 1972/74) é natural de V. N. Famalicão. Engenheiro ténico e professor reformado, vive em Fânzeres, Gondomar há mais de 20 anos.



1. Mensagem de Joaquim Costa, ex-fur mil at armas pesadas, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74) (**)


Data - sábado, 4/06, 12:16 (há 6 dias)

Apresentação do livro: Memórias de Guerra de um Tigre Azul

Olá Luís

Espero que essa recuperação esteja a correr pelo melhor.

Estando a aproximar-se o dia da apresentação do meu livro, como tinha prometido, aqui vai a constituição da mesa. Espero que o “bicho” não faça estragos.

Como sabes nunca pensei num plano B, pois a tua presença sempre a coloquei como imprescindível. Obviamente que continuas a ser o homem da apresentação, mas a farda sempre assenta melhor para quem foi feita.

Como tal, não ficaria de bem com a minha consciência se não fizesse um último esforço: O meu camarada, ex Furriel Carlos Machado, que vai fazer parte da mesa, vive em Lisboa e vem no seu carro no próprio dia da apresentação, regressando a Lisboa no fim do almoço /convívio. Ele próprio agradecia fazer a viagem com uma excelente companhia. Pensa nisso!!!

Um grande abraço, Joaquim Costa

Constituição das mesa:

  • Luís Graça - sociólogo e editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, que fará a apresentação do livro . (Na impossibilidade física de estar presente, por razões de saúde, será representaddo pelo escritor António Carvalho, autor de "Um caminho de Quatro Passos",Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora,2021,  218 pp. ex-fur mil enf, CART 6250, "Os Unidos de Mampatá", Mampatá, (1972/74; vive em Medas, Gondomar, e lerá um texto que o nosso editor Luís Graça lhe enviou);
  • Carlos Machado - engenheiro técnico e  ex-furriel dos Tigres do Cumbijã, CCAV 8351 (Cumbijã, 1972/74), que dirá de sua justiça, quanto à narrativo do autor e a sua versão dos factos.
  • João Carlos Brito - professor, bibliotecário e escritor, em representação da Editora: Lugar da Palavra
  • Joaquim Costa - o autor.




Guião da CCAV 8351/72

2. F
icha de unidade > Companhia de Cavalaria n.º 8351/72

Identificação CCav 8351/72

Unidade Mob: RC 3 - Estremoz

Cmdt: Cap Mil Cav Vasco Augusto Rodrigues da Gama

Divisa: -"... Na Guerra Conduta Mais Brilhante"

Partida: Embarque em 270ut72; desembarque em 270ut72 |  Regresso: Embarque em 27Ag074

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 280ut72 a 17Nov72, no CMl,  em Cumeréseguiu, em 19Nov72, para Aldeia Formosa, a fim de efectuar o treino operacional sob orientação do BCaç 3852 e, a partir de 04Dez72, reforçar aquele batalhão e depois o BCaç 4513/72, com a missão prioritária de segurança e protecção dos trabalhos da estrada Mampatá-Cumbijã-Mejo, em cooperação com outras subunidades.

Em 03Abr73, quando os trabalhos da estrada atingiram Cumbijã, deslocou parte dos efectivos para esta povoação, a fim de garantir a segurança e protecção do parque de máquinas de engenharia e a continuação dos trabalhos.

Em 17Mai73, com a realização da  Op Balanço Final, instalou-se temporariamente em Nhacobá, até 26Mai73, após o que ficou em Cumbijã, com a mesma missão anterior.

Em 26Ju174, após substituição em Cumbijã por dois pelotões da CCav 8350/72, recolheu a Buba e depois a Cumeré.

Em 30Jun74, foi colocada em Bissau, onde passou a colaborar na segurança e vigilância periférica da cidade até ao seu embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade. Tem Resumo de Factos e Feitos (Caixa n." 128 – 2.ª Div/4.ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág.  520.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de maio de  2022 > Guiné 61/74 - P23245: Agenda cultural (811): Tabanca dos Melros, Fânzeres, Gondomar, 11 de junho de 2022, sábado, 11h00: Luís Graça apresenta o livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul"

(**) Último poste da série > 27 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23301: Lembrete (39): Cerca de 80 participantes no 26º Convívio do Pessoal de Bambadinca 1968/71 + CCAÇ 1439 (1965/67), que se realiza amanhã, nas Caldas da Rainha

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23276: Convívios (927): A Magnífica Tabanca da Linha reabre hoje, em Algés, no Restaurante Caravela de Ouro, ao fim de mais de dois anos de pandemia... Uma luzidia representação do Porto, de "O Bando" (incluindo 3 escritores), vem animar este 48º convívio, já histórico...


Uma foto de família, já antiga, do "Bando do Café Progresso, das Caldas à Guiné", tirada por ocasião dos seus 10 anos de existência... Legenda: "Em 10/11/2017,  o Bando em Mogadouro, a caminho de Vila For". 

Na altura ainda eram vivos o Jorge Teixeira (Portojo) (o quinto da fila de trás, a contar da direita, se não erro), e o Joaquim  Peixoto (o terceiro da primeira fila, a contar da direita). 

Mas, já agora, aqui ficam os seus nomes, da esquerda para a direita: 1ª fila: João,  Jorge Teixeira, António Tavares, Zé Manel Cancela, Xina, Valdemar,  José Ferreira (o que único que usa chapéu... preto), Cibrão, Joaquim Peixoto,  António Carvalho e Fernando Súcio; 2ª fila: Jorge Lobo, um elemento não identificado (por detrás do Cancela), Ricardo Figueiredo, Alberto, Eduardo Campos, Freire, Manuel, e António Pimentel... 

Grande parte deles são também membros da Tabanca Grande, mas faltam aqui nomes como o Eduardo Moutinho. Não sabemos quem tirou a foto

Foto: página do Facebook do Bando (2017), com a devida vénia


1. Ao fim destes dois anos e tal de pandemia de Covid-19 que obrigaram a fechar as nossas Tabancas e a impedir os nossos convívios regulares, a Magnífica Tabanca da Linha, com sede em Algés, Oeiras, abre as portas de par em par (, do "reservado" do Restaurante Caravela d' Ouro) (*) para receber cerca de 9 dezenas de convivas, os "magníficos" do costume, os "meninos da Linha", mais uma luzidia representação do Porto, a mais famosa tertúlía literária, memorialística, cultural, recreativa, gastronómica, almocarística, jantarística e escursionista resgistada originalmente sob o nome Bando do Café Progresso, das Caldas à Guiné e, mais familiarmente conhecida nas redes sociais como os "Bandalhos", agora sem pouso certo (deixaram o Café Progresso e voltaram à vida nómada). O Bando, apesar de tudo, tem um chefe que é o Bandalho-Mor, Jorge Teixeira. 

Eis a lista dos "Bandalhos" que ainda vinham há um bocado no comboio da manhã que há de chegar a Santa Apolónia, e que o António Carvalho me confirmou pelo telemóvel. Diga-se, de passagem, que não é uma simples representação dos "Bandalhos", é uma verdadeira "deputação":

  • António Carvalho (escritor)
  • Eduardo Campos
  • Eduardo Moutinho Santos (régulo também da Tabanca de Matosinhos)
  • Fernando Súcio
  • Francisco Baptista (escritor)
  • Jorge Teixeira (Bandalho-mor)
  • José António Sousa
  • José Ferreira da Silva (escritor)
  • José Manuel Cancela
  • José Sousa
  • Ricardo Figueiredo 

Estão 3 limusines em Santa Apolónia à espera dos "Bandalhos" para os levar até magnífica mesa da Tabanca da Linha.  É tudo gente que vem por bem, apesar do seu indisfarçável (e às vezes truculento) "humor tripeiro": além de 3 escritores, já consagrados, o grupo incluiu dois juristas,  cujos préstimos estão sempre disponíveis para as pequenas e grandes ocasiões, o Eduardo Moutinho Santos e o Ricardo Figueiredo. 

Só soube  há dias do evento, ao falar ao telefone com o meu vizinho Humberto Reis e depois ontem  com o António Carvalho, o Manuel Resende (régulo da Magnífica Tabanca da Linha), o Jorge Ferreira e o Manuel Gonçalves (que vai lá estar com a sua companheira e a minha querida amiga Tucha, e uma neta), e ainda pelo anúncio que o Francisco Baptista aqui fez no blogue:

(...) "No próximo dia 19, irei com alguns camaradas do Porto, ao almoço da Tabanca da Linha, que, tendo como Régulo o camarada Manuel Resende, cada vez ganha mais fama pelas bebidas e cozinhados que revigoram o corpo, aquecem a alma e ajudam a criar um alegre convívio, que todos os ex-combatentes da Guiné apreciam.

Tal como eu dois outros camaradas (António Carvalho e José Ferreira da Silva) levaremos livros , eu já li os três e gostei muito, experiências diferentes, estilos diferentes, mas todos interessantes." (...).

Pessoalmente bem gostaria de partilhar as alegrias deste convívio, hoje 5.ª feira, e dar um abraço fraterno, repleto de saudades, a toda a rapaziada fixe que vai lá estar, de Norte a Sul. Razões de saúde (estou em convalescença e recuperação, depois de uma recentíssima artoplastia total ao joelho esquerdo). Mas o abraço vai na mesma, virtual, com uma especial saudação ao régulo da Magnífica Tabanca da Linha, Manuel Resende... Espero que, apesar do espaço amplo e arejado do restauarnte Caravela D'Ouro, todos se saibam proteger uns aos outros, usando a máscara sanitária que já faz parte desde março de 2020, da nossa indumentária... (LG)

PS - Ainda bem que o nosso talentoso e transmontano Francisco Baptista também já leu o livro que escreveu e que tem vindo a apresentar a vários públicos.  Diz que gostou (do dele, e dos outros). E eu também posso acrescentar que gostei... e estou sempre a incentivar a malta para escrever.



Um excelente cartão de visita dos Bandalhos... porque nem só de pão vive o homem (e muito menos o camarada que comprou bilhete para as Caldas e foi parar à Guiné). (**)

2. Ainda sobre o historial dos "Bandalhos"... Na sua página do Facebook lê-se:


(...) Tudo começou porque em 10/11 de Abril de 1967, um grupo de ex-camaradas do Porto se encontrou nas Caldas da Rainha no RI5. Seguiram a 24 de Junho para a EPA, em Vendas Novas de onde debandaram a 12 de Setembro.

Quase todos se reencontraram em Paramos/Espinho a 25 de Setembro. Laços de amizade foram-se cimentando. A partir de Fevereiro/Março de 1968 debandaram de novo: Lamego, Gaia, Tomar, Santa Margarida, Torres Novas foram alguns dos destinos.

Até que chegou a Guiné e muitos outros destinos nos separaram. Regressados todos entre Maio e Junho de 1970, alguns de nós víamo-nos por aí, até que o tenaz Fernando Jorge Teixeira, mais conhecido por Presidente JTeix.45, conseguiu ir reunindo um pequeno grupo, que hoje só faz desgraças por onde passa. O Bando não é enorme, mas tem correspondentes e muitos amigos e ex-camaradas com percursos idênticos.

Bandalhos desde Janeiro de 2009, a sua História pode ser vista e lida em http://bando-do-cafe-progresso.blogspot.pt/ (...)
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Notas do editor:

quarta-feira, 18 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23274: (In)citações (205): Os nossos livros são as memórias da nossa vida e da nossa passagem pela guerra da Guiné (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 / BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), com data de 16 de Maio de 2022:

O Zamith Passos, de há cinquenta e dois anos é um homem e um amigo que eu estimo e considero especialmente. Ele como furriel e eu como alferes, comandámos o 2.º pelotão da CCaç 2616, o melhor que pudemos, conjugando as experiências e conhecimentos de um e do outro.
Depois de anos sem contactos pela turbulência da vida, há alguns anos que nos reencontramos como velhos amigos e camaradas para lembrar as longas caminhadas pelo Chinconhe, pela Bolanha dos Passarinhos, outros locais arborizados, quentes e húmidos, pelo bar de sargentos e oficiais e outros locais que nunca esqueceremos.

Ele tem sido o organizador, nos últimos anos, dos almoços da Companhia. Convocou mais um que se realizou no passado dia 7 de Maio, na esplanada de um restaurante em Lisboa, na Zona da Expo/98, com boas vistas sobre o rio Tejo. O anterior, em que não pude estar presente, foi antes da pandemia em 2019 e estiveram presentes mais de cinquenta pessoas, entre ex-militares e familiares. Este ano havia somente 30 comensais, alguns foram morrendo, como o Paulo Fragoso, vítima de covid (meu grande amigo. Trocamos muitas mensagens e telefonemas), outros estão adoentados, outros menos sociáveis e mais recolhidos pelos três anos deprimidos, em que temos vivido.

Entre os camaradas, esteve também o General Pezarat Correia, distinto militar do 25 de Abril, do Conselho de Revolução, com obras relevantes editadas, de índole histórico e político-militar, doutorado pela Universidade de Coimbra, convidado por ter sido o Major de Operações do Batalhão 2898, a que pertencia a nossa companhia.
Gostei de me ter distinguido com um grande abraço, quando, através do Zamith Passos me identificou, não por feitos militares, mas por ter lido um artigo do livro "Cartas de Amor e de Dor" da escritora Marta Martins Silva, que ele prefaciou em que me dá um elogio tão grande, que eu só consigo justificar pela amizade e camaradagem pelos militares que comandou.

Buba > Eu e o Zamith Passos
Um abraço entre camaradas
Aspectos do convívio


Prefácio de Pedro Pezarat Correia no livro “Cartas de Amor e de Dor”, de Marta Martins da Silva; pp 17 e 18:

É nas cartas de alguns graduados, oficiais e sargentos milicianos, como Lobo Antunes, Francisco Baptista, Beja Santos, Graça de Abreu, Bação Leal, que aquela tomada de consciência é mais expressiva. A correspondência de Bação Leal tornou-se icónica: “Estou farto deste carnaval de cadáveres […] a única porta é o suicídio”. Não se suicidou, mas viria a morrer em operações em Moçambique. Francisco Baptista, quando em Março de 1970 embarcou para a Guiné, ia já “plenamente convencido da inutilidade dessa guerra”[2] António Graça de Abreu faz uma premonição reveladora de uma consciência avançada: “Aí em Portugal é que o PAIGC vai ganhar a guerra”. O contributo da luta dos movimentos de libertação para o que viria a ser o 25 de Abril, que ainda não está suficientemente estudado, é incontroverso.

[2] - Francisco Baptista, alferes miliciano, foi integrar a CCAÇ 2616 em Buba, que pertencia ao meu Batalhão, o BCAÇ 2892 com sede em Aldeia Formosa, no qual eu era oficial de operações, onde substituiu um alferes morto em operações, o que me permite confirmar inteiramente as situações que ele relata.

Agosto de 2021
Pedro de Pezarat Correia


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Os mortos sozinhos na capela (quem rezava por eles?)

Francisco Baptista embarcou para a Guiné a sentir-se "politicamente derrotado pois estava plenamente convencido da inutilidade dessa guerra", pelo que os dois anos de comissão foram-lhe muito penosos. "Antes da minha partida, tinha bem a noção das mortes que ocorriam nas três frentes da guerra, pois, pouco tempo antes, tinha estado durante três meses no Quartel-General de Lisboa, para onde eram comunicados diariamente os mortos. Os mortos da Guiné, um, dois, três, por dia - por vezes mais -, eram sempre em maior número. Tendo em conta o número de mortos, fiz um cálculo e, segundo as leis da probabilidade, achei que teria mais hipótese de regressar com vida do que o seu contrário, mas com cálculos ou sem eles os transmontanos que eu conheci não fugiam à guerra, pelo contrário; os rapazes que tinham emigrado, a salto, para a Europa, vinham todos à inspecção militar e a "dar a tropa", conforme expressão deles, muitas vezes já casados e com um grande prejuízo financeiro", começa por dizer Francisco Baptista.

As probabilidades estiveram efectivamente do lado de Francisco, que partiu para a Guiné no dia 19 de Março de 1970, no navio Alfredo da Silva, integrado na Companhia de Caçadores 2616 do Batalhão de Caçadores 2892. Ele voltou com vida, mas nem todos tiveram essa sorte. "Os momentos mais difíceis para mim, como para os outros, eram a morte de camaradas. Foi difícil, ainda dói, a morte do Albano, tão bom camarada, a morte do furriel Ferreira, éramos amigos, a morte de dois soldados milícias africanos, ao meu lado, sendo eu o responsável por essa força de combate", partilha.

Era impossível não sentir, mesmo quando - e foi o caso de Francisco - se nasceu nuyma aldeia do interior, "com costumes ancestrais onde a morte era tão natural como a vida". "Lembro-me de ir desde criança, ainda antes mesmo da idade escolar, aos funerais dos meus primos aina meninos, muitas vezes a ajudar a levar as urnas para o cemitério. Com dez anos assisti à morte do homem que mais amei, o meu avô paterno, lembro-me de tudo, da da minha mãe e das outras mulheres à volta da cama dele, da minha avó paterna a rezer orações antigas, que só ela conhecia, da respiração ofegante dele e do estertor da morte. O meu avô, o meu grande amigo, quis-me dizer como morre um homem, para eu saber enfrentar a morte com coragem. Na minha memória afetiva guardo esse dia com saudade mas sem mágoa, e com a mesma naturalidade como outros dias que passei com ele a regar a horta, ou à noite, nos serões da lareira". Mas na guerra a morte não era tão natural.


Texto de Francisco Baptista publicado no livro "Cartas de Amor e de Dor, de Marta Martins da Silva, pág. 262

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O último semestre da CCaç 2616, em Buba, foi um tempo malfadado. Todos os tipos de azares e desgraças, aconteceram. Além dos habituais ataques de armas pesadas ao aquartelamento, que dado os abrigos e valas existentes, não representavam grande perigo, houve toda a sorte de acontecimentos funestos. A Companhia sofreu com tudo isso quatro mortos e cerca de 20 feridos, alguns graves.

Em abono da verdade um morto e muitos feridos pertenciam a um Pelotão doutra Companhia do Comando de Aldeia Formosa que estava a reforçar a nossa. Este acidente foi provocado por uma granada de lança-granadas-foguete que depois de se lhe retirar a segurança para a introduzir na arma, com alguma inclinação a um metro e pouco do chão podia explodir. Foi isso que aconteceu junto à arrecadação do material provocando a morte imediata dum soldado e ferimentos, alguns muito graves, em cerca de quinze outros camaradas. Essa granada, penso que fabricada no Braço de Prata, teve poucos meses de utilização pois terá provocado outros acidentes noutros quartéis.

Houve de tudo, desde minas anti-pessoais e anti-carro a reencontros com a guerrilha no mato a três acidentes graves com diferentes tipos de granadas.
Este rol de desgraças penso que começou quando o Albano morreu e dois amigos dele ficaram gravemente feridos com a explosão de uma granada de mão.
Deste acidente penso que terá havido duas versões pelo que me abstenho de contar qualquer delas. Foi um acidente infeliz como houve tantos na Guiné.

Muitas armas e material explosivo, por vezes pouco seguro, deficiente instrução militar. Meses de relativo relaxe em que parecia que a guerra já tinha acabado, alternados com dias agitados por disparos e rebentamentos. Meses dum sol tropical escaldante alternados com meses de aguaceiros sem fim. A maior parte dos camaradas confinados durante quase dois anos a viver no aquartelamento, sem possibilidade de poderem gozar férias. Tudo isto criava condições propícias a todo o tipo de acidentes.

O Albano era pescador de Setúbal tal como os outros dois camaradas. Era discreto, diligente, trabalhador, popular entre todos os militares do quartel. Era um tipo de homem capaz de se relacionar com todos os outros, acima ou abaixo da sua escala hierárquica ou social, sem fazer concessões a ninguém. Só homens superiores conseguem ter este comportamento, porque para lá dos seus conhecimentos literários, técnicos ou artísticos, conseguem ter a visão correta da miséria e da grandeza dos seus semelhantes.

Tendo a idade da maioria de todos nós revelava já ser um homem mais maduro. A isso não seria alheio o facto de já ser casado e ter duas filhas e como tal ter tido cedo responsabilidades que obrigam um homem a crescer.

Lembro-me do seu corpo estar depositado na pequena capela do quartel a aguardar transporte para Bissau. Penso nisso, no choque que a sua morte provocou em todos e apesar disso na solidão de morte do seu corpo, sozinho na capela, abandonado por todos. Olho para o monitor do computador e parece que me revejo a passar próximo da capela, que ficava ao lado da estrada que levava ao cais, em frente à messe de oficiais, a pensar que o meu comportamento e o dos outros não estava a ser correcto em relação o Albano.

Vinha-me à memória a morte dos meus avós e do meu padrinho, velados em casa sempre com tanta gente à sua volta, toda a aldeia, parentes e amigos das terras próximas a entrar e a sair para nos cumprimentar e rezar pelos morto. Lembrava-me principalmente do meu avô materno Francisco, um homem calmo, meigo, amigo de tratar da horta, e de ir à "venda" beber um copo com os amigos. Para mim foi o melhor homem que alguma vez conheci e sempre ouvi os maiores elogios acerca dele, bom homem e um lavrador dos melhores.

Assisti à sua morte, recordo tudo, desde o quarto em que estava deitado, às rezas antigas, que não conhecia, que a minha avó paterna fez. Recordo também que quando expirou, a minha avó mandou vir um pão (dos grandes pães que a minha mãe cozia) e foi partido em duas partes para dar a dois pobres. Depois do funeral a minha mãe mandou dar um quartilho de azeite a todas pessoas da aldeia que dele precisassem. Não sei ou já esqueci qual o significado daquele pão.

Lembro-me dessas noites longas de velório com a minha mãe, tias, primas e outras mulheres sentadas em redor da urna sempre a rezar terços. Os homens demoravam-se pouco, saiam e depois ficavam na rua a falar das colheitas, dos animais, enfim das vidas em geral.

Na morte do camarada Albano, em Buba, faltou o amor e compaixão das mulheres para dar sentido e dignidade à despedida.
Éramos homens e jovens, não dávamos valor às cerimonias e rituais que existem e sempre existiram em todos os tipos de sociedades e têm um papel importante para repor a paz e a harmonia entre os vivos e os mortos.

As mulheres conhecem todos esses mistérios, sabem falar com os mortos e não têm pudor em chorar e em manifestar as suas crenças e a sua fé. Como dizia o poeta Louis Aragon, a mulher é o futuro homem. Eu diria que ela é o princípio e o fim do homem pois é ela que lhe dá a vida e que no final o entrega e recomenda aos deuses.

Em Buba não tínhamos padre e não me recordo de alguém que o substituísse com uma mensagem de despedida que reunisse todos os militares do quartel ou pelo menos a Companhia. Sei lá, esse ou outro gesto, como toda a Companhia formada em silêncio em frente à capela onde estava o corpo.


(Francisco Baptista, texto publicado a 21 de março de 2014 no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

Texto de Francisco Baptista publicado no livro "Cartas de Amor e de Dor, de Marta Martins da Silva, pp. 263 e 264

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Com textos meus, editados no Blogue do Luís Graça e com outros textos, editei um livro que tem este e muitos outros textos, sobre a minha vida na Guiné e em Brunhoso, uma aldeia pobre de Trás-os-Montes, onde nasci e me criaram.

No próximo dia 19, irei com alguns camaradas do Porto, ao almoço da Tabanca da Linha, que tendo como Régulo, o camarada Manuel Resende, cada vez ganha mais fama pelos bebidas e cozinhados que revigoram o corpo, aquecem a alma e ajudam a criar um alegre convívio, que todos os ex-combatentes da Guiné apreciam.

Tal como eu dois outros camaradas levaremos livros , eu já li os três e gostei muito, experiências diferentes, estilos diferentes, mas todos interessantes.

Abraço
Francisco Baptista


Eis as capas dos livros:
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23196: (In)citações (204): As comemorações do dia 25 de Abril de 1974 (Victor Costa, ex-Fur Mil Inf)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23005: Notas de leitura (1420): "Um caminho de quatro passos", de António Carvalho (2021, 219 pp.): apontamentos etnográficos para o retrato da nossa geração, de antigos combatentes - Parte III (Luís Graça): uma excursão a Lisboa, de 4 dias, em 1959


Guiné > Bissau > s/d [1971/73 ] > Um autocarro dos transportes colectivos de Bissau, carreira Bissau/Bissalanca!... Uma verdadeira peça de museu...  Tinha tejadilho, como o da excursão a Lisboa, em 1959, aqui narrada pelo António Carvalho... Mas seria seguramente de um modelo muito mais antigo... Matrícula G-620...  Empresa: ABP (?)... Uma foto para o nosso Álbum das Glórias... Foto do nosso saudoso Victor Barata (1951-2021), o "Vitinho".

Foto (e legenda): © Victor Barata (2007). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem complementa: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa do livro: António Carvalho - Um Caminho de Quatro Passos. 
Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 218 pp., ISBN: 978-989-731-187-1.


1. Para além das pequenas histórias relacionadas com a sua experiência como furriel miliciano enfermeiro no sul da Guiné, durante dois anos (CART 6520/72, Mampatá,1972/74), já aqui reproduzidas na série "Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho..." (vd. os oitos postes publicados) (*),  encanta-nos, na primeira parte do livro "Um caminho de quatro passos,  as memórias da infância do autor passada em Medas, Gondomar, num ambiente rural que muitos de nós conhecemos, tanto no Portugal continental como insular.

Como já tivemos ocasião de o dizer, são apontamentos, observações, registos, relatos, pequenos retratos e histórias de pessoas da família e outros conterrâneos. de inegável interesse etnográfico ou documental para se poder conhecer um pouco melhor a infância e a adolescência da geração que fez a guerra colonial / guerra do ultramar, bem como as suas  origens (**).

Por outro lado, o António Carvalhal tem um grande talento narrativo e sabe usar, com maestria, o léxico próprio das suas gentes, vocábulos e expressões que não se usam no Sul (como moletes, canalha, coxão de  carneiro).  

Em dia de anos (72), e em sua homenagem,  tomamos a liberdade de reproduzir aqui mais um excerto de uma das suas saborosas narrativas, a excursão que fez a Lisboa, de 4 dias, em 1959, acompanhado do mano Fernando, do avô e do tio-avô (que era professor) e dos filhos deste, seus primos. Para os putos da província, ir à capital do império, nesse tempo, era uma pequena grande aventura... à ida passaram pelo Mosteiro da Batalha e , no regresso, ainda passaram pelo Estoril e por Mafra...

Mas o nosso António, com os nove anos feitos,  estava longe de imaginar que os "sinos do império" iriam tocar a rebate, menos de 2 anos depois... E que a guerra colonial / guerra do ultramar também iria sobrar para ele e para o mano Manel... (LG)

 

A EXCURSÃO

por António Carvalho


O nosso avô tinha-se distraído das horas, deslumbrado com o movimento da cidade grande, na companhia do cunhado. Um tinha levado os netos, o outro os filhos que lhe vieram bem tarde. Os netos éramos nós, eu e o meu irmão Fernando, os filhos iam sob a autoridade de um pai já tão avantajado na idade que bem podia ser avô deles.

Nós e os nossos primos ficámos por ali, enquanto os cunhados se passeavam pelas artérias da urbe, olhando as novas formas da cidade, os grandes prédios das avenidas novas, os cafés e leitarias, os fatos e até os vestidos e saias esticadas, que emproadas mulheres de lábios pintados envergavam.

Tínhamos saído no dia anterior, para uma excursão a Lisboa, que demoraria quatro dias. Entrámos na camionete, no Largo da Igreja, ainda o dia se não tinha feito, e lembro-me que trazíamos uma cesta de verga com tampa e um garrafão de verde tinto do nosso, que o chofer acomodou, subindo pela escada da traseira da camionete, no tejadilho, conforme faria com os merendeiros que todos levavam para o consumo, se não de toda a viagem, pelo menos para as primeiras jornadas.

Não era qualquer um que se podia dar ao luxo, em 1959, de integrar aquele grupo excursionista, embora já se tivesse tornado, por esta quadra, mais acessível uma digressão destas do que as primeiras que se fizeram nas décadas anteriores. O ano de 1930 marca o início do ciclo dos automóveis e das camionetes na freguesia, com a chegada da estrada à igreja. Em 1934, o bilhete para uma viagem de três dias, a Fátima, custava sessenta e cinco escudos, o equivalente a sete dias de labor de um trabalhador já com alguma especialização. Mais tarde, em 1941, um bilhete, para uma viagem de idêntico itinerário, custava oitenta escudos, quantia que o mesmo trabalhador auferia em cinco dias. 

Instalou-se no primeiro banco, logo a seguir aos dois degraus que teve que escalar com o esforço que lhe impunha o sacana do reumatismo que lhe pegara logo depois dos cinquenta. Tinha reservado ali dois lugares, o do lado do corredor para si, ficando, por deferência, o da janela para o cunhado e amigo, professor. Este era irmão da minha avó e exerceu o magistério primário, na escola do lugar de Vila Cova, preparando para a vida várias gerações de medenses, durante o longo período de trinta e nove anos, só superado pelo professor José Moreira Gomes que lecionou durante quarenta e três anos, nessa mesma escola.

Nós, a canalha, iríamos mais atrás. Depois daquela primeira estação, o autocarro pararia apenas em dois outros sítios, para se engordar dos pouco mais de quarenta passageiros. Em Vila Cova entraria o cunhado, professor, com os dois filhos. Instalou-se, ainda que relutante, no lugar do lado direito do meu avô, junto à janela, por achar perigoso fazer a viagem naquele posto avançado, sem a proteção que lhe dariam as costas do banco da frente. O problema é que na frente do seu lugar só existia o precipício formado por aquele poço das escadas. Poderia, se o chofer tivesse que travar a fundo, cair de escantilhão, naquele buraco fronteiro formado pelas escadas, mas como o cunhado lhe tinha, por amabilidade, arranjado aquele poleiro, mais não podia fazer do que se precaver, agarrando-se a uma guarda de ferro, uma espécie de corrimão, que lhe dava pelo umbigo.

Nós, o bando dos quatro rapazinhos, éramos dos poucos, talvez os únicos da nossa idade, daquela caravana, que um passeio daqueles era mais para gente grande. Lembro-me do Mosteiro da Batalha e da impressão que me causaram as colunas enormes debaixo de arcos ogivais que pareciam poder ruir a todo o momento, das estátuas jacentes e das rosáceas policromáticas.

Na memória me ficou também a imagem icónica da Torre de Belém e o gigantismo dos Jerónimos. Mas se pasmei perante a visão desses monumentos, pela sua grandiosidade e valor simbólico, como marcos de afirmação da independência e púlpitos da epopeia marítima, confrontado com a aparente modéstia do Palácio de Belém, senti-me desiludido, porque julgava que ele não tinha, proporcionalmente, a relevância institucional do seu locatário. Mais tarde vim a saber que, afinal, naquele tempo, o ápice do poder, estava no Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.

Os quase dois dias de paragem em Lisboa deram para tudo o que precisávamos de ver e fruir, segundo o plano que o meu avô tinha mentalmente traçado e, naquele caso, o que lhe servia também a nós interessava. Atravessámos o rio, muito mais largo que o nosso Douro, numa barcaça, até Cacilhas, de onde se via agigantada a cidade, fomos ao Jardim Zoológico e ainda andámos de metro, debaixo do chão, como nunca tínhamos experimentado.

Ao segundo dia o sol acordou-nos, de manhã, já em Lisboa, onde tínhamos chegado pela noite dentro e dormido, enroscados, sobre os macios assentos de couro da camionete. O meu avô levou-nos a uma leitaria ali bem próxima do largo onde a camioneta se ancorou e de onde só saiu no dia do regresso a casa, com passagem pelo Estoril e pequena paragem em Mafra.

Eu e o meu irmão comemos dois moletes com manteiga e bebemos uma chávena de café com leite cada um e o mesmo terá sucedido com os nossos primos que se sentaram com o pai na mesma mesa. Foi aí que eu fiquei a saber, quando tivemos que traduzir, para o empregado de mesa, moletes por papos-secos, que os nomes de algumas coisas podem ser diferentes quando mudamos de cidade.

Julgavam os cunhados que a canalha poderia ficar ali, queda e serena, enquanto eles iam vadiar pela cidade ? Os nossos primos, esses bem admoestados pelo seu pai, cumpriram quase todas as normas, mas eu e o meu irmão, cansados de andar por ali a calcorrear ruas, por um perímetro que nos parecia seguro, já não quisemos esperar mais pelo almoço que estava à nossa espera, naquela cesta grande arrumada sobre o tejadilho da camionete.

A agilidade e a sofreguidão empurraram-nos pelo escadote de ferro até lá acima , subestimando os avisos que o nosso avô nos fizera. Havia ainda dentro daquela grande lancheira, um alguidar de arroz a par de outro com um avantajado coxão de carneiro. Foi a primeira e única vez que almocei sobre um autocarro e, por certo, nunca mais repetirei a experiência, porque já não há autocarros com cestas no tejadilho. (...) (pp. 154/156).


Selecão de excertos, e negritos, da responsabilidade do editor LG. (***)
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Fonte: António Carvalho - Um Caminho de Quatro Passos. Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 218 pp., ISBN: 978-989-731-187-1.

O livro pode ser adquirido, ao preço de 15,00 Euros (portes incluídos, no território nacional ou estrangeiro) Contactos do autor, António Carvalho, Medas, Gondomar

Email: ascarvalho7274@gmail.com 
Telemóvel: 919 401 036


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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

24 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21942: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (8): O valor da seringa

22 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21935: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (7): O milagre de Nhacobá

19 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21920: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (6): O soldado dos pés inchados

17 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21912: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (5): Dormir com o inimigo

15 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21905: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (4): A vaca

12 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21891: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (3): O canhangulo

10 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21880: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (2): Despejado na Guiné

12 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21762: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Manpatá, 1972/74) (1): Contra os canhões marchar, marchar...

(**)  Vd. postes anteriores:



(***) Último poste da série > 16 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23003: Notas de leitura (1419): Prefácio do nosso camarada Adão Cruz, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Caquelifá e Bigene, 1966/68) , ao livro "A Máscara (teatro)" (2015), de Alberto Bastos, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)

Guiné 61/74 - P23004: Parabéns a você (2037): António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) e Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 1426 (Geba, Camamudo e Cantacunda, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22994: Parabéns a você (2036): Miguel Rocha, ex- Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70)

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22661: Tabanca Grande (527): António G. Carvalho, a viver em Ponta Delgada, ex-fur mil op esp, CCAÇ 2592 / CCAÇ 14 (Bolama e Cuntima, 1969/70). É Deficiente das Forças Armadas. Senta-se no lugar nº 853, à sombra do nosso poilão



Foto nº 1 > Guiné > Bolama >  Centro de Instrução Militar > CCAÇ 2592 / CCAÇ 14 > 1969 > Da esquerda para a direita, os furriéis milicianos Eduardo Estrela, o Manuel Ramos Marques Cruz (, de Vila Real de Santo António, já falecido) e o  António G. Carvalho.


Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Sector de Farim > Cuntima  > CCAÇ 2592 / CCAÇ 14 > 1969 > "Eu e dois soldados da etnia Felupe (esta etnia era canibal, mas estes diziam que já tinham deixado de ser), que faziam parte da nossa companhia. No mês de Novembro de 1969 (penso), fizeram queixa ao gen Spinola, dizendo que tinham ido para o exército, para aprender armas de branco para defender as suas famílias que estavam em S. Domingos, por isso não queriam ficar em Cuntima e realmente foram logo transferidos.


Foto nº 3 > Guiné > 
Região do Oio > Sector de Farim > Cuntima  > CCAÇ 2592 / CCAÇ 14 > Em Cuntima. Eu e o vagomestre Germano (do Porto). A inscrição que está no pedestal é de uma das  companhias que  esteve  aqui, a  CCAÇ 1789, do BCAÇ 1932 (1967/69), mobilizado pelo RI 15 (Tomar). A CCaç 2592 (futura CCAÇ 13) foi colocada  em 6 de novembro de 1969, em Cuntima, a fim de substituir a madeirense CCaç 2529 como força de intervenção e reserva do BCaç 2879,

Este vagomestre mandava fazer muitas vezes bife com batatas fritas, e sempre servia uísque, quando estavámos em Portalegre, no IAO. Grande Germano.

Fotos (e legendas): © António G. Carvalho (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de António Manuel Gaspar de Carvalho, novo membro da Tabanca Grande, nº 753:


Data - domingo, 24/10, 21:10 (há 16 horas)
Assunto - Blogue 


Olá, boa noite,  Camaradas.

Terei muito gosto em pertencer como elemento activo na tertúlia.

Pertencia à CCAÇ 2592, ao que depois se veio a formar a CCAÇ 14, não foi rendição individual

Como diz o Estrela (eu já não me lembrava), pertencia ao 3.º pelotão, cujo alferes era o Azevedo.

Para não ficar pesado irei enviando fotos com algumas legendas. A foto n.º 1  foi tirada em Bolama, alguns dias antes de termos sido atacados (com mísseis) a partir de S. João, cujo comandante do IN (soube-se depois) era o 'Nino' Vieira, que certamente sabem, tinha sido cabo do exército Português.

Sou António Manuel Gaspar de Carvalho. (agora escolham o nome que pretendem usar). Actualmente sou 2.º Sarg. DFA

Na altura do embarque no navio Niassa, penso que a 24 de Maio de 1969,  era Furriel Miliciano com a especialidade de Operações Especiais (Ranger), 1.º Classificado do 3.º turno de 1968, o 2.º Classificado foi o Humberto Reis, penso que da CCAÇ 2590 / CCAÇ12

No dia 2 de Março de 1970, por volta das 9 da manhã, em Cabele Uale caí numa mina antipessoal, com amputação abaixo do joelho), depois contarei a história.

Regressei a 11 de Abril de 1970, por evacuação, com destino ao HMP, após 38 dias de férias no HM 241, em Bissau

Abraço
AC

PS - Seguem também as fotos n.ºs 2 e 3


António Manuel Gaspar Carvalho (foto gentilmente cedida pelo seu amigo e camarada da CCAÇ 2592 / CCAÇ 14,  Edurado Estrela, ex-fur mil at inf (que esteve em Bolama e Cuntima, 1969/71) 


2. Através do Formulário de Contacto do Blogger,  o nosso camarada António G. Carvalho tinha-nos mandado a seguinte mensagem, sucinta, com data de sábado, 23/10, 17:23


"Estive na CCaç 14, furrriel, ferido em combate, tenho algumas fotos, como faço?
Cumprimentos,
António G. Carvalho"

3. Resposta do nosso editor LG, na mesma data, às 17h23:


António: Sê bem vindo. Gostaria de te ter aqui ao lado do teu camarada Eduardo Estrela, que é do meu tempo (eu sou da CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71). Manda duas fotos tipo passe, uma atual e outra do tempo da Guiné. Diz mais qualquer sobre ti. Terei muito gosto em apresentar-te à Tabanca Grande: somos já dois batalhões...

As fotos têm que vir digitalizadas (passas-as pelo scan), com legendas (data, local, etc.). E com boa resolução... Mantenhas. Um alfabravo. Luis Graça

4. Logo a seguir o Carlos Esteves Vinhal escreveu-lhe (e ele respondeu logo, na volta do correiro, vd. ponte 1, acima):

Data - Sábado, 23/10, 20:03
Assunto - Contacto com o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Caro camarada António Carvalho: Uma vez que já temos na tertúlia um camarada António Carvalho, por favor diz-nos o teu nome do meio. 

Entretanto, muito obrigado pelo teu contacto. Se aceitares a nossa proposta, teríamos muito gosto em receber-te como elemento activo da tertúlia do nosso Blogue.

Para o efeito, manda-nos uma foto actual e outra do tempo de Guiné (fardado), diz-nos o teu nome, posto, especialidade, data de ida e de regresso. Poderás ter ido integrado na CCAÇ 2592 que mais tarde passou a designar-se CCAÇ 14, ou mais tarde em rendição individual, depois confirma.

E finalmente diz-nos os locais onde usufruiste das férias que o governo de então te proporcionou nos melhores "resorts" da Guiné. Terás andado pelo Norte (Farim), não muito longe de Mansabá, onde estive entre 1970 e 1972.

Podes começar a mandar-nos as tuas fotos, com as respectivas legendas (à parte) que indicarão, se te lembrares, o local, a data, a situação e quem está retratado.

Também nos podes mandar memórias escritas, em forma de estórias, com acontecimentos que ainda retenhas.

Para contactares connosco, utiliza este meu endereço (carlos.vinhal@gmail.com) e o do editor Luís Graça: luis.graca.prof@gmail.com

Ficamos na espectativa da tua resposta.

Em nome da tertúlia e dos editores segue um abraço e os votos de boa saúde.
Carlos Vinhal

Ex-Fur Mil da CART 2732
Mansabá/Guiné/1970-72

Co-Editor dos Blogues:
Luís Graça & Camaradas da Guiné
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt

CART 2732
https://cart2732.blogspot.pt

 5. Entretanto, o Eduardo Estrela, nosso amigo e camarada, da CCAÇ 14, deu-nos mais informação sobre o António G. Carvalho, em mensagem de sábado, dia 23, às 2oh33:

Boa noite Luís!

O António Carvalho era o outro furriel do meu grupo de combate da CCAÇ 14. (3.º  Pelotão). Era um grupo só com 2 furriéis, eu atirador de infantaria e ele de operações especiais. Grande companheiro e amigo com o qual temos mantido, não obstante ele viver há muitos anos em Ponta Delgada, um relacionamento que se traduz nalgumas presenças físicas em almoços onde o António faz questão de participar.

Ainda hoje estivemos a falar ao telefone e voltei a falar-lhe do blogue.

Lamentavelmente no dia 2 de Março de 1970 por volta das 9 da manhã, em Cabele Uale, a caminho do corredor de Sitató, foi vítima duma mina A/P e perdeu um pé.

Ele tem coisas e histórias para contar e fá-lo-á tenho a certeza. É mais um a engrossar as tropas desmobilizadas mas activas.

Grande abraço
Eduardo


6. Nova mensagem do Eduardo Estrela:

Data - 24/10/2021, 23:11

Olá Luís,  boa noite!

Na fotografia que o Carvalho mandou (Foto n.º 1), o da esquerda sou eu, ainda sem o bigode que me tem acompanhado até hoje.

Ao centro está o saudoso Manuel Ramos Marques Cruz, bom amigo que nos deixou há vários anos. Era natural de Vila Real de Santo António. À direita, está o António Carvalho.

Julgo não estar enganado se disser que a fotografia foi tirada no dia do juramento de bandeira e do desfile a seguir, das CCaç 13 e 14. Em Bolama.

Abraço, 
Estrela


7. Comentário final do editor LG:

António, és recebido de braços abertos. Tens aqui um lugar, o n.º 853, para te abrigares à sombra do nosso polião, árvore sagrada para os nossos amigos guineenses, guarmecendo e protegendo as suas tabancas. Para nós tem um grande simbolismo.

Há mais de um mês que não entrava, pelo seu prório pé, nenhum novo membro da Tabanca Grande. O último foi o Manuel Oliveira (n.º 850) (*). Os dois últimos entraram, infelizmente, a título póstumo: o  Celestino Bandeira (1946-2021) e Manuel Dias Sequeira (1944-2008), respetivamente os n.ºs 851 e 852.

Temos então mais um "ranger" na Tabanca Grande, um bravo "ranger" que felizmente sobreviveu à explosão de uma mina A/P, que lhe custou a amputação de uma perna (abaixo do joelho). É uma recordação dolorosa da Guiné que carregas toda a vida. 

Mas deixa-me confirmar que fostes connosco para o CTIG (CCAÇ 2590, CCAÇ 2591, CCAÇ 2592, etc. incluindo o hoje secretário geral do PCP, Jerónimo Sousa, soldado condutor auto da da CPM 2537, além de  outras unidades...) no Niassa, a 24 de maio de 1969, conforme podes verificar aqui, nesta ordem de transporte, constante do poste P19839.

Estás devidamente apresentado ao resto da malta. Conheces as nossas regras de convívio, que deves reler. Só espero que fiques connosco ainda por muitos e bons anos. 

A tua entrada ajuda-nos a mitigar a dor da perda recente de vários camaradas que faziam (e fazem) parte da história deste blogue. Como sabes, aqui partilhamos memórias (boas e más), mas também afectos. 

Ficamos  então a aguardar que nos envies  mais fotos e histórias da tua CCAÇ 14. Da Tabanca Grande também faz parte outro camarada da CCAÇ 2592 / CCAÇ 14, do teu/nosso  tempo, o António Bartolomeu: vê aqui. (O Bartolomeu esteve comigo em Contuboel,  a dar instrução de especialidade a um pelotão de mandingas, na mesma altura, em junho e Julho de 1969, em que eu, o Humbero Reis e outros estávamos a formar a CCAÇ 12, oriunda da CCAÇ 2590). 

Sei que tu e o Estrela estiveram no CIM de Bolama. Sobre Cuntima temos cerca de 60 referências. Sobre a vossa CCAÇ 14 só temos três dezenas de referências, enquanto sobre a CCAÇ 12 há 425. Espero que nos ajudes a encurtar as distâncias...

Ficas registado na Lista Alfabética da Tabanca Grande (vd. coluna estática do lado esquerdo) como António G. Carvalho, para te distinguir do António Carvalho, que chegou primeiro que tu, e que é de Medas, Gondomar.

Espero um dia destes poder conhecer-te pessoalmente. Um grande alfabravo para ti e para o Eduardo Estrela (que tem 18 referências no blogue). 
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domingo, 3 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22593: Notas de leitura (1386): "Um caminho de quatro passos", de António Carvalho (2021, 219 pp.): apontamentos etnográficos para o retrato da nossa geração, de antigos combatentes - Parte III (Luís Graça): a excursão de 4 dias, a Lisboa, em 1959


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Quinta de Candoz > Vindimas > 1979 > "De calças arregaçadas até ao joelho ou em cuecas, lá vão eles [, amigos, vizinhos e familiares do dono] pisando e repisando os cachos das uvas tintas até que a grainha comece a boiar no cimo do mosto. Às mulheres era interdita esta função: 'estragavam o mosto', diziam os antigos. Era um tabu que, a custo, só hoje foi esquecido e ultrapassado." (*) ...

No foto, vê-se, de perfil, ao canto direito, o dono da casa e da quinta, o José Carneiro (1911-1996), aos 68 anos. Está a servir canecas de vinho tinto aos homens do lagar que fazem uma pausa para comer uns peticos (ovos mexidos com salpicão mais aletria quente com canela...). Faria 110 anos, se fosse vivo, no passado dia 26 de setembro. 

O lagar já não existe, a casa, com paredes de granito de 200 anos, foi reconstruída... Os campos, em solcalcos, outrora de milho, roubados à floresta de castaheiro e carvalho, deram origem a uma moderna vinha... É hoje a sede da Tabanca de Candoz. 

E já não se produz tinto, só branco... Que este ano andou pelos habituais 13 graus... Castas principais: pedernã (arinto) e azul...Outras: loureiro, avesso, alvarinho... Subregião de Amarante...O grosso das uvas são agora entregues à Aveleda, Penafiel... A vinha dá para manter as despesas do casarão...

Mas lembro-me, em 1979, do "privilégio" que senti, por, aos 32 anos, e pela primeira vez na minha vida, ter sido convidado para ir pisar uvas (tintas) num lagar de pedra... Eu tinha chegado a (e sido aceite em) aquela casa há 3 anos atrás e já tinha dado uma neta ao dono da casa (, de resto, já avô de um bando de netos)... 

Nunca mais entrei num lagar, lugar sagrado.

Não sendo propriamente um "menino da cidade", tendo vivido numa pequena vila, Lourinhã, com avós, tios e primos ali ao lado, no campo (Nadrupe e Quinta do Bolardo), a escassos quilómetros, acompanhei até aos 10, 11, 12,  anos algumas das atividades marcantes da vida rural, como as vindimas, em setembro, ou a matança do porco, em pleno inverno,

Na região do Oeste, na altura uma das regiões do país com mais produção vitivinícola (até aos anos 60), vinham ranchos de homens e mulheres das Beiras, os "ratinhos" ou "bimbos", vindimar os milhares de hectares de vinha que havia espalhados pela Estremadura e Ribatejo... Deslocavam-se em grupo, com um capataz, e dormiam nos palheiros, como animais... Depois, os homens foram para a guerra ou a salto para França, arrancaram-se as vinhas, mecanizou-se a agricultura, a vinha e o trigo deu lugar a outras culturas mais rentáveis, primeiro os pomares de pera rocha e depois as hortícolas ...

Mais tarde, a partir de 1976, descobri as vitivinicultura Norte, na região do vinho verde, e ainda a tempo de "apanhar em andamento o passado", a vinha de enforcado, as latadas, o milho, os engenhos (moinhos), as tradições comunitárias como as "serviçadas", a matança do porco,  os carros de bois "a chiar pelos montes acima", a parceria agrícola e pecuária (formas pré-capitalistas de peodução) , as feiras de gado, as romarias, os bailes mandados, etc.... E, pela primeira vez (e única) na minha vida também ajudei a pisar a uva (tinta, sim, porque o branco faz-se "de bica aberta")...

Legenda: da esquerda para a direita, os seguintes familiares e amigos do dono: Luís Graça (genro), Gusto (genro), Quim (genro), Manel (filho), António (filho) e Fernando (amigo da família, cunhado do Manel)

Foto (e legenda) : © Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Estas  tradições, ligadas a uma economia agrícola fracamente monetarizada, e ainda em grande parte de auto-subsistência (como aquela que se praticava até aos anos 50/60), hoje já se perderam, embora perdurando na memória dos "antigos"...  

Voltei a encontrá-las (e a saboreá-las) no livro do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos" (**). Há similitudes entre Medas (Gondomar) e Candoz (Marco de Canaveses): estamos a escassos 60 quilómetros de distância, na mesma região, a de Entre Douro e Minho. 

A primeira parte do livro (e nomeadamente a reconstituição do quotiano da vida rural em Medas, Gondomar,  até aos anos 60 do séc. XX) tem inegável interesse documental (e até etnográfico).  E sociológico: muitos dos homens e mulheres da nossa geração (, a que fez guerra colonial / guerra do ultrmar, 1961/74) conheceram a dureza da vida no campo e e do trabalho agrícola, e, em muitos casos, foi vítima, "avant la lettre", da exploração do trabalho infantil.

Para além da riqueza das observações sobre as culturas e as atividades agrícolas, os apontamentos que o autor nos deixa sobre a sua infância são saborosos  pelos regionalismos ou provincianismos usados, parte dos quais  continuam por grafar nos nossos dicionários ou então são deconhecidos de muitos falantes da língua portuguesa, a começar pelos citadinos e pelos nais novos.

Há uma subcultura camponesa do Norte que está em extinção. Na realidade, quem sabe o que é uma "pipa" e sua equivalência em litros ?  E menos ainda o signifocado de "desarroar as pipas" (tirar o sarro)... "Canastro" (ou espigueiro) também é um vocábulo estranho a um lisboeta. Tal como "canistrel" (pequeno cesto de vime). Tal como "calda bordalesa", "pingue de poro"... Ou ainda "queiró, carqueja e tojo".

A "ajuda rogada" é uma expressão idiomática que me parece muito mais nortenha do que sulista. Ou mesmo se pode dizer de "carro de milho" como medida, ou o "almude" ou a "talha de barro almudeira" (onde se guardava o azeite)... 

Embora o sistema métrico tenha entrado em vigor em Portugal, por volta de 1860, com a intenção de se uniformizae o sistema de pesos e medidas (, mudança fundamental para a criação de um verdadeiro mercado e, portanto, para o desenvolvimento da economia capitalista), persiste até hoje, no campo, o uso das antigas unidade de  medidas portuguesas, como por exemplo, moio, alqueire,  quarta, oitava, maquia , etc. (medidas de capacidade para secos); ou tonel, pipa, almude,pote, canada, quartilho, etc. (medidas de capacidade para líquidos).

Há expressões deliciosas, castiças, como "à  medida que crescíamos e íamos cabendo no lagar", "tanger os bois", "guiar à soga", "o moleiro que arrochava os sacos de farinho sobre o dorso das mulas", "os dois porcos grandes, que se queriam gordos", "um terço de despacho (desembaraço)"... Enfim, vocábuos e expressões, de sabor castiço, que enriquecem a língua portuguesa, embora tendam a desparecer ou sejam cada mais de uso local ou restrito.

Por isso, volta aqui a reproduzir-se alguns excertos das primeiras páginas do livro (pp. 15-19), com a amável condescendência do autor, e como incentivo à sua leitura integral.



Capa do livro do antónio Carvalho (**)


A PISA E A DESFOLHADA

Setembro era o mês de maior azáfama, porque se juntava a colheita do milho e a vindima, não havendo um minuto de folga naqueles dias ainda grandes, mas já sem as reparadoras sestas. 

Na nossa casa [ em Medas].e nas de envergadura semelhante era sempre preciso assalariar mulheres , sobretudo na vindima, mas também na colheita do milho porque, antes que viessem as chuvas de outubro, o vinho tinha que estar nas pipas e as espigas no canastro. 

Enquanto um carro [de bois, não havia ainda ] andava no transporte das uvas, dos campos para o lagar, o outro carregava as espigas, para a eira. O lagar grande, de quatro pipas, levava dois dias a encher, mas o mais pequeno ficava lotado num só dia. Se hoje havia uma pisa , amanhã podia haver uma desfolhada. As uvas eram pisadas à noite, sempre com a ajuda rogada dos nossos vizinhos. 

Nós, os da casa, à medida que crescíamos e íamos cabendo no lagar, não tínhamos como evitar esse esforço acrescido, mesmo depois de um dia de trabalho pesado. 

É certo que, quando chegávamos ali aos treze ou catorze anos, entrar pela primeira vez no lagar era sinal de que já éramos homens e essa assunção, havia muito tempo almejada, de uma pretensa maioridade, envaidecia-nos. 

O meu avô nunca pisava, mas estava sempre presente para servir vinho e cigarros aos pisadores, ao mesmo tempo que apontava para um ou outro ponto do lagar onde a grainha ainda não tinha chegado à superfície, sinal de que era preciso ali mais pé. O meu pai, esse andava por ali a dessarroar as pipas e a apertar-lhes as aduelas ou agarrado à prensa a aproveitar os últimos litros de vinho. 

No fim de cada pisa, à ordem do meu avô, saia o primeiro pisador e só se lhe seguia o segundo depois do primeiro ter lavado as pernas, e assim sucessivamente até ao último. 

Alguns pediam aguardente para se livrarem da comichão nas pernas aproveitando para, de um só trago, engolir um pequeno copo dela, antes que todos subissem as escadas de acesso à nossa grande cozinha, onde a minha mãe e a minha tia tinham posto na mesa três travessas grandes de arroz de tomate com bacalhau frito. 

Lembro-me de me sentir grande quando já fazia parte do grupo dos pisadores, sentado ali à mesa, com os meus irmãos mais velhos e o pessoal de fora.

As desfolhadas eram feitas também à noite, ao ar livre, com a luz do luar, se fosse dia dele, com a ajuda de algumas pessoas vizinhas, das nossas boas relações, sobretudo mulheres e raparigas bem novas que se juntavam na nossa eira, a pouco mais de cem metros de casa. Alguns, ainda crianças, à medida que o folhelho se ia juntando, adormeciam cansados, debaixo dele. 

Havia sempre um dos meus irmãos a subir a escada de acesso ao canastro, onde cabiam mais de seis carros de milho, enquanto outro se ocupava a acomodar as espigas dentro das divisórias. 

Era ali que as espigas ficavam a secar, para serem debulhadas, à mediada que precisássemos do milho, em qualquer dia de céu limpo. Debulhava-se sempre para cima de um carro de cada vez, guardando-se o milho, já limpo, numa das caixas grandes que tínhamos em casa. 

E era dessa caixa, enorme aos meus olhos de criança que, todas as semanas, se enchiam dois sacos para entregar ao moleiro que os arrochava sobre o dorso das mulas.

E não era demasiado o milho que mandávamos moer, porque para além da farinha para a fornada semanal, também os dois porcos grandes, que se queriam gordos, gastavam dela.


A CULTURA DA BATATA

Logo a seguir ao milho e ao vinho,  a batata era o produto mais representativo na nossa casa de lavoura, em termos de volume e de rendimento. 

Desde a década de quarenta até à minha adolescência uma parte significativa do trabalho era dedicado ao cultivo deste tubérculo que, semeado entre março e abril, não carecia de rega, adaptando-se assim muito bem aos nossos terrenos onde a água não abundava. 

O meu avô e mais tarde o meu pai deram uma especial atenção ao incremento desta cultura e terão sido, durante duas ou três décadas, os maiores produtores de batata da freguesia. 

Em quase metade dos nossos campos, bem estrumados, semeávamo-las, ficando os restantes, aqueles que podiam ser regados, dedicados ao milho e feijão consociado. Depois de se ter coberto o terreno com uma boa camada de estrume, lavrava-se e gradava-se com os bois. 

O trabalho de que mais gostava, aí pelos meus oito ou nove anos, era de me sentar na grade, agarrado com uma das mãos a uma das travessas enquanto que, com a outra munida de uma vara, tangia os bois à ordem do meu pai ou de um irmão mais velho que os guiava à soga. 

Não me dói a consciência por , com o meu peso, exigir aos bois aquele esforço suplementar, porque, se não fosse eu a desfrutar daquele prazer, um calhau grande seria lá posto na minha vez para fazer os dentes da grade penetrar bastante na leiva.

Encontrando-se a terra bem desfeita logo se começava a semeadura. Numa ponta do campo, aproveitando a sombra de alguma árvore, à minha mãe cabia sempre o trabalho de partir as batatas de semente, o que ela fazia com uma rapidez impressionante, tendo ainda o cuidado de deixar um só galeiro para cada bocado. 

A minha avó materna também ajudava algumas vezes bem como a minha tia Quina, mas ficavam-se por um terço do despacho da minha mãe. O meu avô dirigia as operações dos homens da enxada, enquanto o meu pai já andava a lavrar outro campo. 

Havia normalmente dois ou três homens a abrir regos e meu avô, sabendo da capacidade e vontade de cada um, mandava sempre o mais lento começar no primeiro rego, deixando o último para o trabalhador melhor, forçando deste modo os mais lentos a andar da perna, antes que o mais rápido esbarrasse com ele, o que seria uma vergonha para o atropelado. 

A mim, como a qualquer um dos meus irmãos, a partir dos sete ou oito anos, estribados por uma varinha de vinte e cinco centímetros, cabia-nos a tarefa de dispor as batatas nos sulcos que os adultos iam abrindo.

Naquele tempo não se usavam herbicidas, por isso logo que as primeiras ervas daninhas afloravam à superfície recorria-se ao trabalho de mulheres que vinham fazer a sacha removendo toda a vegetação nociva. 

Entretanto era preciso pulverizar os batatais com calda bordalesa e inseticida de modo a erradicar-se o míldio e o escaravelho. Julho e agosto eram os meses da colheita e do armazenamento numa loja fresca e escura. Tínhamos batatas em barda e, como a produção excedia largamente o consumo, vendíamo-las para as mercearias da freguesia e até para o Porto onde as fazíamos chegar por barco rabão.

Os campos de batatas ficavam disponíveis para nova cultura , a partir de agosto, semeando-se então, nabos, em quase todos eles, no mês de setembro, logo que, na mudança do vento, se adivinhava a ocorrência das primeiras chuvadas outonais, aproveitando-se a generosa estrumação de que tinham beneficiado. 

A cultura do nabal era também muito rentável, até aos anos sessenta, quando vinham diariamente meia dúzia de mulheres da outra margem do rio, comprar grandes quantidades de nabos que carregavam em gigos bem acogulados, destinados à alimentação humana e à engorda de porcos.

A ÁREA BRAVIA E A  LAVRADIA

Nenhuma casa de lavoura podia ter grande expressão nem sustentabilidade se não tivesse uma área de terreno bravio proporcional ao terreno lavradio, onde os lavradores tinham as suas reservas de mato para as camas do gado. 

E a importância dos matos, constituídos fundamentalmente por queiró, carqueja e tojo,  tornou-se mesmo decisiva, quando a cultura do milho e da batata se impuseram, em detrimento da cultura do linho e dos cereais de grão miúdo, no séc. XIX, exigindo a estabulação do gado bovino para, deste modo, se obter maior quantidade de estrume. 

Ora nessa área de terreno  inculto, dispersa por várias parcelas a que os lavradores chamavam sortes, por terem sido distribuídas  por sorteio, em número proporcional à área agricultada de cada um, não crescia só o mato, mas medravam ainda o pinheiro e o eucalipto, para além das espécies autóctones, como o carvalho, o sobreiro, o castanheiro, o salgueiro e o medronheiro, estes em progressiva redução. 

Os lavradores maiores que tinham excedentes de mato,  vendiam, para os fornos do Porto, alguma carqueja e queiró, mas era na venda de lenha de eucalipto e pinho que eles, anualmente, incorporavam no seu orçamento familiar, uma verba significativa.

 Habitualmente era no fim do verão fim do verão que vendiam os seus pinheiros, reservando para consumo doméstico toda a ramagem que era empilhada ao lado das casas, perto da cozinha, numa meda proporcional ao número de pessoas de cada família. Eram essas rameiras, em vez das lenhas mais nobres, que se utilizavam nas  lareiras de quase todas as casas, antes da chegada dos fogões a gás e a eletricidade

A lenha das videiras que resultavam da poda, bem como os carolos do milho eram também combustíveis excelentes usados nas lareiras e nos fornos domésticos. As famílias que não tinham sortes pediam aos lavradores autorização para cortar uma rodada de ramos em cada pinheiro, carregando-os em feixes à cabeça, até suas casa. 

As medas de ramos de pinho feitas todos os anos, no fim do verão, à porta de cada família, faziam também parte dos monumentos rurais da minha freguesia e das vizinhas, e pelo seu tamanho também se ajuizava da pujança da casa.


O AZEITE , O ÓLEO DOURADO


Na agricultura de auto-suficiência tudo o que fosse importante para a alimentação havia de ser produzido numa casa de lavoura. 

Mas a oliveira não gosta dos ares marítimos do litoral nem dos nevoeiros, por isso dificilmente alguma casa de lavoura das Medas, por maior que fosse, produzia meia pipa de azeite [talvez cerca de 200 litros]. em anos bons, sendo que, na rigorosa gestão da nossa casa, era imperativo guardá-lo, dos anos melhores para os minguados. 

Entre novembro e dezembro  era a altura de se colher a azeitona nas oliveiras invariavelmente plantadas no bordo dos campos, para não ensombrarem as outras culturas. O povo dizia que eram aneiras, por isso nunca acreditava que a um ano farto pudesse suceder outro igual e tratava-as como parentes pobres da agricultura, sem grandes cuidados,  deixando que as copas se desenvolvessem na vertical, sempre com o propósito de  evitar que se apoderassem do solo com a sua sombra.

A colheita era quase toda feita através de escadas de pinho com passais de oliveira que os rapazes ou homens feitos escalavam, de canistrel na mão, para chegarem até onde fosse possível. Nalguns casos era mesmo imperioso varejar os ramos mais altos.

 Ultimamente estendíamos, debaixo de algumas oliveiras, um panal feito de serapilheira para a recolha da azeitona que varejávamos do chão e de cima das escadas. 

A azeitona colhida mais cedo e sempre à mão era para curtir em talhas de barro almudeiras, e era também nestas talhas grandes que se guardava o azeite, esse preciosíssimo óleo que era servido à mesa muito moderadamente e quase só em batatas cozidas, quando não fossem acompanhadas de carne gorda.

Na culinária a gordura que se usava mais frequentemente era o pingue de porco, branco como a neve, guardado em pequenas talhas para o ano.

António Carvalho

(Continua)

PS - Selecão de excertos, itálicos e negritos, da responsabilidade do editor LG.

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Fonte: António Carvalho - Um Caminho de Quatro Passos. Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 218 pp., ISBN: 978-989-731-187-1.

O livro pode ser adquirido, ao preço de 15,00 Euros (portes incluídos, no território nacional ou estrangeiro) Contactos do autor, António Carvalho, Medas, Gondomar

Email: ascarvalho7274@gmail.com | Telemóvel: 919 401 036

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

24 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21388: Manuscrito(s) (Luís Graça) (191): Quinta de Candoz: vindimas, a tradição que já não é o que era... (Augusto Pinto Soares) - Parte I

(**)  Vd. postes de:


3 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22593: Notas de leitura (1386): "Um caminho de quatro passos", de António Carvalho (2021, 219 pp.): apontamentos etnográficos para o retrato da nossa geração, de antigos combatentes - Parte II (Luís Graça)

(***) Último poste da série > 16 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23003: Notas de leitura (1419): Prefácio do nosso camarada Adão Cruz, ex-alf mil médico, CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (Caquelifá e Bigene, 1966/68) , ao livro "A Máscara (teatro)" (2015), de Alberto Bastos, ex-alf mil op esp, CCAÇ 3399 / BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)