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domingo, 4 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18379: Efemérides (270): no 4º aniversário da morte do nosso querido amigo Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014)... "O Chefe: cântico à maneira fula", poema de Artur Augusto Silva (1912-1983)


Lisboa, campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 7 de setembro de 2007 >

Neste rosto luminoso e fraterno, há carisma, afabilidade, determinação, coragem física e moral, visão estratégica  e capacidade de liderança,  seis qualidades pessoais que eu identificava e admirava no engº agrº Carlos Schwarz da Silva (1949-2014), mais conhecido por Pepito ("nickname" que vem dos tempos da meninice: segundo o irmão João, o Carlos tinha um herói, uma das figuras de banda desenhada do "Cavaleiro Andante", o Agapito, um nome com 4 sílabas, difíceis de pronunciar por uma criança, e que ele abreviava, chamando-lhe "Pepito").

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 18 de fevereiro de 2016 > A palmeira cresceu, está vigorosa, contrariamente a muitas que na zona foram atacadas pelo escaravelho da palmeira (Rhynchophorus ferrugineus Olivier) e morreram... Sempre que passo por ela, lembrou-me do Pepito e da sua face luminosa, e continuo a sentir o vazio da sua ausência.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Morreu há 4 anos, em 18 de fevereiro de 2014.  Era filho de Artur Augusto Silva (1912-1983) e de Clara Schwarz  da Silva (1915-2016). Filho e mãe eram (e continuam a ser) membros da nossa Tabanca Grande. O Pepito era líder, assumido por ele, aceite e respeitado por aqueles que com ele trabalhavam, nomeadamente na ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento. Conheci-o em 16/2/2006. Era um líder, muito mais do que um chefe. Aprendeu, seguramente como seu pai, a conhecer e a amar a cultura e a sabedoria dos povos da Guiné. Acreditou, até  talvez 1991, no projeto político do PAIGC. Em 1998, com a guerra civil, teve que recomeçar tudo de novo.  Era um homem despojado, do dinheiro, das honrarias, do poder... (*)

Era um grande amigo nosso, que nos continua a fazer muita falta, era uma extraordinária ponte entre nós, antigos combatentes, e o povo da Guiné-Bissau de hoje... Orgulho-me da sua amizade e vejo que a foto que eu lhe tirei, em 2007, ficará para sempre associada à sua memória... Era, em 2007,  um Pepito "luminoso", em grande forma, cheio de projetos e de esperança, aquele que eu fotografei à sombra da palmeira da minha Escola, que entretanto cresceu largos metros...em altura.

Há cerca de um mês atrás, o seu nome (e a sua memória) veio à baila, por causa da "relação especial" que ele teria com os felupes... Na realidade, não era exclusiva, essa relação: ele trabalhava com toda a gente, exceto com os 'esbirros' do 'Nino' Vieira ou os 'ninjas' do Kumba Ialá...  Trocámos alguns comentários sobre a sua ação em prol do desenvolvimento dos povos da Guiné, no poste P18236 (**) que reproduzimos mais abaixo. E o Cherno Baldé levanta uma questão interessante (mas incómoda): será que os guineenses o amavam e o reconheciam como guineense ?

Eu sei que ele tinha horror aos "demónios étnicos" que, qual caixinha de Pandora, se vez em quando dilaceravam a "sua" Guiné, a "sua" terra... Mas agora queremos apenas lembrar, para os mais novos, ou recém chegados à Tabanca Grande,  a data da sua morte, prematura, em Lisboa, em 18/2/2014 (***). E homenageá-lo com um poema do seu pai, Artur Augusto  Silva. É retirado, justamente, de um livrinho de que o Pepito foi um dos coordenadores, editado em Bissau, a título póstumo, em dezembro de 1997, pelo Institituto Camões, Centro Cultural Português da Guiné.Bissau.



O CHEFE
Cântico à maneira Fula



AO FERREIRA DE CASTRO


por Artur Augusto Silva


Que o som dos tambores inflame as minhas palavras;
que o grito dos guerreiros exalte o meu ardor
e a aprovação das mulheres
cubra este canto,
como as árvores cobrem as feridas dos heróis.

Como um tornado que passa pela floresta,
quebra os altos ramos
e faz tombar as grandes árvores,
assim Monjur passava entre os inimigos...

Como o raio que cai dos céus
e derruba a maior árvore da floresta,
assim Monjur vencia os poderosos.

Como a água tépida que escorre pelos corpos cansados
e faz reviver o coração,
assim Monjur governava o seu povo.

Com a rapidez da gazela das lalas
correu por toda a terra dos Fulas
o nome de Monjur
e Alá teve medo dele,
receou as suas vitórias e a sua santidade,
e resolveu que morresse.
Nesse dia o povo Fula
chorou o seu chefe,
e Alá dormiu descansado.

Alá, tu que és grande como a terra
e poderoso acima de todos,
tu que sabes o passado e o futuro
e tudo vês,
restitui-nos o grande chefe,
que te daremos doze carneiros brancos
e cinco bois,
e sete nozes de cola,
e um cabaço de almoço.


In: Artur Augusto da Silva - E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu poemas. Bissau: Instituto Camões, Centro Cultural Português, 1997, p9. 59-61.

2. Comentários ao poste P18236 (**)

Antonio Rosinha

A geração de Artur Santos Silva (1912),  dada a África, que se dizia popularmente de «africanistas», e que como ele apoiaram a candidatura de Norton de Matos contra Salazar, não viam o anticolonialismo como prioridade, nem como um fim a atingir. Eram essencialmente anti-salazaristas.

Havia em Angola muitos angolanos e cabo-verdeanos, como ele, onde ele também esteve no Governo de Angola, que tinham uma ideia muito precisa do que era preciso fazer e concertar nas colónias, mas não passava tudo de um sonho, naquele turbilhão que se apoderou de África no pós desgraça da II Guerra Mundial.


Cherno Baldé

Tambem sou admirador dos Felupes, do seu orgulho e tenacidade, em especial das suas dançaas tradicionais, mas achei muito exagerados todos esses adjectivos que não correspondem à verdade:

(i) melhores em quê? Pela sua capacidade sistemática de furtivamente matar e comer os viajantes que inadvertidamente se aventuravam nos seus territórios ?

(ii) mais puros ? Qual seria o critério ? Em Africa tudo é aparente, tudo relativo e surpreendentemente tão comum. Entre Banhuns, Diolas, Baiotes e Bijagós, todos eles vizinhos, o diabo que venha e escolha o pior ou o melhor, dependendo das circunstâncias e de que ponto de vista sáo vistos;

(iii) mais corajosos ? Na Guiné é uma tarefa extremamente difícil julgar esta faceta e por etnia. Todas as etnias tiveram seus heróis e gestas. Na Guiné todos reconhecem a bravura Felupe, mas dentro do seu minúsculo território de pântanos e tarrafes, pois nunca sairam destes limites.

E a afirmação de que foram as maiores vítimas da escravatura, parece-me sem fundamento e contraria à afirmação anterior de que seriam mais corajosos.

O engº  Pepito nunca escondeu a sua predileção pelos povos do litoral que considerava mais genuínos, mais puros, mais honestos, os Nalus, os Felupes, mas eram suas convicçoes pessoais q~ue não correspondem, necessariamente, à nossa realidade.A realidade é muito mais complexa.

(...) E, paradoxalmente, quanto maior era o amor que ele lhes dedicava, maior era o ódio e o desprezo destes povos do litoral para com os Europeus e tudo o que representavam. Apesar do imenso amor e sacrifício consentido em prol dos mesmos, não creio que estes tenham compreendido e o tenham reconhecido e aceitado como seu filho ou ainda como Guineense, filho da terra. A Guiné tem destas coisas, impossíveis de entender.


Luís Graça


Cherno, o Pepito era sportinguista e guineense como tu... Ele nem sequer tinha dupla nacionalidade... E levou uma bandeira do Sporting e outra da Guiné-Bissau na urna que foi diretamente para o crematório...

O amor aos felupes (e aos nalus) era igual ao dos fulas... Sabias que ele tinha uma ilha no rio Corubal oferecida pelo Cherno Rachid, de Aldeia Formosa ? E o pai dele tinha igualmente grandes amigos entre os "homens grandes" do teu povo...

Se calhar fui eu que adjetivei de mais... Devemos ser sempre cautelosos e comedidos no uso do superlativo relativo de superioridade quando falamos de povos e de atributos... Tens razão nas tuas críticas... Ao divinizar un,  estamos a diabolizar outros...

Cherno Baldé

Eu trabalhei com ele, lado a lado, quando foi Ministro das Obras Públicas (1999/2000), na altura eu era Director Executivo do Fundo Rodoviário, constatei de perto o seu patriotismo, seriedade e afinco no trabalho, homem simples que nunca usava gravata, que o incomodava. Ainda, eu era estudante em Bafatá e já o conhecia de nome em Contuboel, como Director do DEPA (1978/80). Não é isso que está em causa.

A questao é a seguinte: Sera que o seu sacrifício foi compreendido e reconhecido? Será que aqueles Guineenses "puros e autênticos" o reconheciam como seu filho, irmão, Guineense igual a eles?

Não esquecer que a primeira constituição guineense aprovada após a abertura politica (1992?) não reconhecia o próprio Amílcar Cabral como filho legítimo da Guiné-Bissau e com ele muitos e muitos outros, dos chamados "Burmedjos".

José Teixeira

Tive a felicidade de acompanhar de perto a vida do saudoso Pepito nos últimos 6 anos da sua vida. É verdade que ele tinha afeição especial pelos Felupes, no que respeita a seriedade, assunção de compromissos e como povo trabalhador. Tinha na região onde os Felupes são maioritários, vários projetos de desenvolvimento e a sua relação com eles era de Grande homem grande, mas dinamizava projetos independentemente da etnia, por ex. em Ingoré ( Balantas e Fulas) sem distinção de raças. 

No Sul o Rei dos Nalus assumiu-o como filho e era com este velho rei que ele se aconselhava, a quem chamava pai. Outro povo que acarinhou foi o Tanda, uma pequena etnia protegida pelos Fulas de Iemberem. 

Em suma,  promovia projetos de desenvolvimento onde as populações tinham carências e aceitavam trabalhar nos projetos em parceria, sem distinção de raças. Claro que com as tabancas onde a população não colaborava, o Pepito não avançava. 

Testemunhei vários momentos gratificantes de acarinhamento ao Pepito em diversas tabancas de predominância étnica diversa. Claro que centrava a sua atividade nas áreas mais afastadas dos centros de decisão, e de acessos mais difíceis, onde naturalmente havia mais carência, Como o Norte (predominância Felupe) e o Sul (Cantanhês) onde a predominância se repartia entre Fulas Balantas, Nalus e outros. Ele chegava à Tabanca, sentava-se à sombra dum mangueiro e ouvia os mais velhos, e as mulheres sobre as suas necessidades, sonhos e projetos, organizava-os e propunha parcerias de atuação fazendo-os comprometerem-se com os projetos, por exemplo as escolas EVA - Escola de valorização ambiental geridas pela a sua esposa Isabel. Acesso à água, melhoria das condições ambientais e de apoio à saúde.


3. Artur Augusto Silva (1912-1983): nota biográfica

(i) nasceu na Ilha da Brava, a 14 de outubro de 1912;

(ii) viveu os primeiros anos em Farim, na Guiné;

(iii) estudo em Lisboa, onde tirou a licenciatura em Direito (1938);

(iv) ainda estudante, fundou (e foi director de) a revista “Momento”, equivalente à coimbra “Presença”:

(v) ainda enquanto estudante, publicou vários artigos, fez jornalismo, organizou e promoveu saraus literários, exposições de arte moderna, conferências culturais;

(vi) em 1939, partiu para Angola, onde trabalhou como Secretário do Governador Geral, Manuel Marques Mano;

(vii) de 1941 a 1949 exerceu advocacia em Lisboa, em Alcobaça e em Porto de Mós:

(viii) Em 1949, partiu para a Guiné onde foi advogado, notário e substituto do Delegado do Procurador da República;

(ix) foi também membro do Centro de Estudos da Guiné, juntamente com Amílcar Cabral, de quem era grande amigo;

(x) participou, com esposa, dra. Clara Schwarz da Silva (1915-2016), e outras figuras da elite local,  na fundação do futuro liceu de Bissau, Honório Barreto;

(xi) fez estudos sobre os usos e costumes jurídicos de algumas etnias como os Fulas (1958),  Feluopes (1960) e Mandingas (1969);

(xii) visitou vários países africanos,  e foi defensor de presos políticos, nos início da década de 1960  em 61 julgamentos, um deles com 23 réus, todos acusados de subversão,  teve apenas duas condenações;

(xiii) era seguido pela PIDE desde os anos 40; em 1966,  foi preso à chegada ao aeroporto de Lisboa; esteve cinco meses em Caxias sem culpa formada:

(xiv) libertado por intervenção de Marcelo Caetano e de outros responsáveis políticos, que o admiravam como homem de carácter, mesmo discordando das suas ideias políticas, foi proibido  regressar à  Guiné, ficando com  residência fiixa em Lisboa;

(xv) regressou à  Guiné-Bissau, em 1976, tendo sido convidado pelo então Presidente Luís Cabral para trabalhar como juiz no Supremo Tribunal de Justiça; também foi professor de Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau;

(xvi) faleceu em Bissau a 11 de julho de 1983.

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

18 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15765: Efemérides (216): O Pepito deixou-nos há 2 anos... Retenho a ideia que tinha dele em vida: um homem de grande coragem física e moral, um cidadão de princípios e de valores, um intelectual de fina inteligência e sensibilidade sociocultural, um engenheiro agrónomo e gestor com uma espantosa capacidade de trabalho, organização, determinação e liderança, um dirigente de arguta visão, um abnegado patriota, um amigo generoso e hospitaleiro, um bom pai e melhor avô, e sobretudo, um bom gigante com um coração de ouro... Enfim, um homem que, perante a adversidade, sabia que "desistir era perder, recomeçar era vencer"... (Luís Graça)

7 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12804: Manuscrito(s) (Luís Graça) (25): O Pepito que eu conheci... em 16/2/2006 e que, no fim da conversa de 1 hora, me fez um pedido algo insólito: um obus 14 para o Núcleo Museológico Memória de Guiledje...

31 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: História de vida (12): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)


(**) Vd. poste de 21 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18236: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) -Parte XI: Mulheres e bajudas (3): homenagem à felupe (poema de Artur Augusto Silva)

(...) Nas muitas conversas que tive com o Pepito, ao vivo e por email, entre 2006 (quando o conheci) e o mês e ano da sua morte (em 18/2/2014), verifiquei que ele tinha, tal como o pai uma enorme admiração pelos felupes, o seu "chão" e a sua cultura. O pai era autor dum livro, etnográfico, sobre os felupes: Usos e costumes jurídicos dos felupes da Guiné / Artur Augusto da Silva.

(...) Para o Pepito, os felupes eram a melhor etnia da Guiné, os mais puros, os mais autênticos, os mais valentes, os mais leais... E é bom lembrar que foram, historicamente, as grandes vítimas do esclavagismo. Povo ribeirinho, era caçado pelos temíveis mandingas e vendidos aos negreiros europeus... O memorial da escravatura, no Cacheu, muito deve ao Pepito, que infelizmente já nºao viveu o suficente para assistir à sua inauguração, em 2016. (...) 

domingo, 21 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18236: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) -Parte XI: Mulheres e bajudas (3): homenagem à felupe (poema de Artur Augusto Silva)


Foto nº 376 > Mulher e ronco felupes, São Domingos, 1969.


Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69), e que vive atualmente em  Vila do Conde [, foto atual à esquerda].



Comentário do nosso editor LG (*):

Virgílio, falta explicar, aos nossos leitores, porque é que vocês chamavam, à "ilha dos felupes", em frente a S. Domingos, a "ilha maldita"...

Como te expliquei a Isabel Levy Ribeiro é mãe das nossas grã-tabanqueiras Cristina e Catarina Schwarz da Silva, filhas do nosso saudoso Pepito (1949-2014) e netas da nossa insigne senhora don Clara Schwarz (1915-2014), professor do Liceu de Bissau, desde a origem até 1966,  e do escritor e advogado Artur Augusto Silva (1912-1983). A família Schwarz da Silva tinha casa de praia em Varela e mantinha uma "relação especial" com o chão felupe... 

O Artur Augusto Silva tem um belíssimo poema sobre a mulher que vou reproduzir  a seguir... Segue este link para saberes mais

Nas muitas conversas que tive com o Pepito, ao vivo e por email, entre 2006 (quando o conheci) e o mês e ano  da sua morte (em 18/2/2014), verifiquei que ele tinha, tal como o pai uma enorme admiração pelos felupes, o seu "chão" e  a sua cultura. O pai era autor dum livro, etnográfico, sobre os felupes: Usos e costumes jurídicos dos felupes da Guiné / Artur Augusto da Silva.

Para o Pepito, os felupes eram  a melhor etnia da Guiné, os mais puros, os mais autênticos, os mais valentes, os mais leais... E é bom lembrar que foram, historicamente,  as grandes vítimas do esclavagismo. Povo ribeirinho,  era caçado pelos temíveis mandingas e vendidos aos negreiros europeus... O memorial da escravatura, no Cacheu, muito deve ao Pepito, que infelizmente já nºao viveu o suficente para assistir à sua inauguração, em 2016.

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Ela

(Poesia à maneira felupe)

por Artur Augusto da Silva


Tu que tens o andar gracioso das gazelas
e a quem nenhuma companheira se iguala,
tu que tens a força do touro branco
e a elasticidade da onça:
tu que crescestes como o arroz  em ano de chuva
e és uma espiga alta e farta,
quando entras no terreiro para dançar
pareces uma estrela brilhante em noite de nuvens.

Tu és a que tem as ancas largas
e os seios grandes e firmados
e com quem todos os homens querem casar.

A tua pele é luzidia
como a lama das bolanhas depois das lavras,
e o teu sorriso é igual ao primeiro arroz que germina
e os teus dentes são brancos...

Não preciso  de dizer o teu nome
porque todos sabem quem tu és.


In: Artur Augusto da Silva - E o poeta pegou num pedaço de papel e escreveu poemas. Bissau: Instituto Camões, Centro Cultural Português, 1997, p. 27.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15765: Efemérides (216): O Pepito deixou-nos há 2 anos... Retenho a ideia que tinha dele em vida: um homem de grande coragem física e moral, um cidadão de princípios e de valores, um intelectual de fina inteligência e sensibilidade sociocultural, um engenheiro agrónomo e gestor com uma espantosa capacidade de trabalho, organização, determinação e liderança, um dirigente de arguta visão, um abnegado patriota, um amigo generoso e hospitaleiro, um bom pai e melhor avô, e sobretudo, um bom gigante com um coração de ouro... Enfim, um homem que, perante a adversidade, sabia que "desistir era perder, recomeçar era vencer"... (Luís Graça)



Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Liosbnoa > 6 de setembro de 2007 > A face lumionsa do engº agrº Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito'  (Bissau, 1969-Lisboa, 2014)... Tal como a máquina fotográfica a fixou, há mais de 8 anos atrás...


Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade NOVA de Lisboa > 18 de fevereiro de 2016 > A palmeira cresceu, está vigorosa, contrariamente a muitas que na zona foram atacadas pelo escaravelho da palmeira (Rhynchophorus ferrugineus Olivier) e morreram... Sempre que passo por ela,  lembrou-me do Pepito e da sua face luminosa...  Hoje voltei a sentir o vazio da sua ausência...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados.

1. Faz hoje dois anos que o Pepito, "nickname" de Carlos Schwarz da Silva, nos deixou, aos 64 anos,  Era um lusoguineense, filho de pais portugueses, nascido em Bissau, em 1/12/1949. Morreu, em Lisboa, no Hospital Curry Cabral, em 18/2/2014. 

A sua vida foi um exemplo para todos os que com ele trabalharam, dentro e fora da Guiné-Bissau. Muitas imagens foram usadas para o descrever, a corpo inteiro. Mas continua a faltar um grande biógrafo para um "homem grande" como ele que não foi apenas um "construtor de sonhos" (José Teixeira) como um  "arquiteto de pontes de diálogo" (Luís Graça), e, claro, sempre, um lutador, um sobrevivente,  um resistente,  um cidadão  do mundo.

No dia do seu 63º aniversário, escrevi: "Espero que a Guiné e o seu povo continuem a merecer a vida e a história de vida deste homem que nos honra a todos".

No Natal de 2005, recebi uma prenda do Pepito que muito me sensibilizou. Ele enviou-me, para publicação no blogue, um dos contos, escritos pelo seu pai, já falecido (Artur Augusto Silva) e que os filhos (Henrique, João e Carlos Schwarz da Silva) decidiram reunir em livro. Dois meses depois, em fevereiro de 2006,  conheci pessoalmente o Pepito, que me ofereceu o livro ("O cativeiro dos bichos"). Foi o início de uma bela amizade, que lamentavelmente só iria durar 7 anos.

À medida que foi nasccendo entre nós essa amizade (que foi curta mas grande) e que o fui conhecendo melhor, reforcei a ideia que tinha dele em vida: um homem de grande coragem física e moral, um cidadão de princípios e de valores, um intelectual de fina inteligência e sensibilidade sociocultural,  um engenheiro agrónomo e gestor com uma espantosa capacidade de trabalho, organização, determinação e liderança,  um dirigente de arguta visão, um abnegado patriota, um amigo generoso e hospitaleiro, um bom pai e melhor avô, e sobretudo, de um bom gigante com um coração de ouro... Enfim, um homem que  perante a adversidade,  sabia que "desistir era perder, recomeçar era vencer"...

O José Teixeira, dirigente da Tabanca Pequena ONGD,  também grande amigo e admirador do Pepito, escreveu sobre ele:

"Tive a felicidade de caminhar várias vezes a seu lado pelo interior da Guiné. Impressionava-me vivamente a forma como era acolhido em festa. Como os mais velhos e os mais novos se acercavam dele, em grupo ou isoladamente, para lhe darem conta dos resultados dos projetos em desenvolvimento. (...) Havia sempre razão para um sorriso de esperança. Havia sempre uma mão estendida num cumprimento afetuoso. Havia sempre uma palavra amiga e de estímulo. O Pepito acreditava naquela gente, mais que ninguém porque conhecia pessoa a pessoa e chamava-a pelo nome."

O Pepito teria, com certeza, os seus defeitos, como qualquer ser humano. Os amigos são magnânimos ao engrandecer as virtudes e ao minimizar os defeitos dos grandes homens e, sobretudo, dos amigos.

Quero, porém,  recordá-lo como o descrevi ao meu filho, João Graça, na véspera de partir, em dezembro de 2009, para a Guiné onde foi passar duas semanas, entre 6 a 19 de Dezembro de 2009, numa jornada mix de voluntariado e de férias. Ofereceu os cinco primeiros dias (de 6 a 10 de Dezembro de 2009), para trabalhar como médico no Centro de Saúde Materno-Infantil de Iemberém, no Cantanhez, com apoio (logístico) da AD - Acção para o Desenvolvimento e a hospitalidade do Pepito (e da Isabel Levy Ribeiro). Para além de Bissau e do Cantanhez, o João esteve nos Bijagós, na zona leste (Bambadinca, Bafatá, Tabatô e Gabu) e na região do Cacheu (São Domingos): foi um jornada, também para ele, inesquecível... (Valeu um ano de faculdade... de medicina!).

Devo também ao Pepito a oportunidade de regressar à Guiné, 37 anos depois da guerra colonial... Escrevi sobre isso aqui, no primeiro de 18 postes publicados na série "Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça):

(...) "Regresso à Guiné. 37 anos depois. É duro, é uma provação. Tenho sentimentos ambivalentes. Quero e não quero ir. Há o Graça que quer ir, o fundador e o editor deste blogue; e o Henriques que não quer, o velho tuga, o furriel miliciano, apontador de armas pesadas de infantaria que esteve na CCAÇ 12, em Bambadinca, em 1969/71, e a quem deram uma G3 de atirador de infantaria… Durante muito tempo, todos nós quisemos esquecer a Guiné, ao mesmo que alimentámos o desejo secreto, voyeurista, de lá voltar… Eu decididamente não teria lá voltado se não tivesse surgido a oportunidade que representou, para mim e outros camaradas, a realização do Simpósio Internacional Guiledje na Rota da Independência da Guiné-Bissau, que vai começar amanhã e prolongar-se até 7 de Março de 2008. (...) Mas já houve mais resistências ou defesas, há uns tempos atrás, quando recebi o convite dos organizadores do Simpósio. Agora os dados estão lançados, é tarde demais para hesitações. Vou à Guiné, não em romagem de saudade (acho piroso o termo…), mas pura e simplesmente em trabalho. Quero convencer-me disso. É mais fácil assim. Racionalizo, logo passo o teste. (...).

Essa viagem (com ida ao Cantanhez, num fim de semana prolongado) reforçou a minha convicção de que a Guiné-Bissau é um terra de esperança e de futuro... Pepito escolheu, e não foi por acaso, a escultura do Nhinte-Camatchol como "mascote" do Simpósio Internacional de Guiledje.  Em Bissau escrevi um longo poema que terminava assim:



(...) E que o Nhinte-Camatchol, 

o grande irã dos nalus,
te proteja,
Guiné, Tabanca Grande.
E o Deus dos cristãos,
dos grumetes do Geba e da Amura,
e o Alá dos fulas, mandingas e beafadas,
e os irãs dos balantas, manjacos, papéis, bijagós
e demais povos ribeirinhos, animistas,
que todos eles te inspirem
e te protejam! (...)

O Nhinte-Camatchol não protegeu o Pepito, que sacrificou muito da sua saúde, segurança e "qualidade de vida" (suas e da sua família) pelo seu povo. Esperemos que Deus, Alá e os Grandes Irãs protejam aquela terra que continuamos a amar, e os nossos amigos que lá vivem. Eles merecem. E que o exemplo do Pepito continue a ser inspirador, para eles e para todos nós. (LG)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém> Simpósio Internacional de Guileje > 1 de Março de 2008 > Grafito com o desenho nalú do irã protetor da tabanca, o Nhinte-Camatchol, e que fez parte do logótipo do Simpósio, organizado pela AD -Acção para o Desenvolvimento, o INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesqusias, e UCB - Universidade Colinas do Boé

O Nhinhe Camatchol é uma escultura dos nalus do Cantanhez usado na festa do fanado. Representa uma cebeça de pássaro com rosto humano, sendo a mensagem aos participantes deste ritual de iniciação à vida adulta a seguinte: que todos eles passam a considerar-se como verdadeiros irmãos, mais verdadeiros que os próprios irmãos biológicos. O que deve ser entendido como a afirmação do interessse colectivo, comunitário, acima do interesse dos indivíduos e das famílias. Orginalmente esta máscara não poderia ser vista pelos não iniciados, sob pena de morte (Campredon, Pierre – Cantanhez, forêts sacrées de Guinée-Bissau. Bissau,Tiguena. 1997, pp. 32-33).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.


2. O Pepito, direta e indiretamente, tem no nosso  blogue algumas centenas de referências, desde 2006. É-nos impossível, por falta de tempo,  fazer um recolha sistemática num universo que já vai a caminho dos 16 mil postes (não falando das imagens, algumas centenas das quais são dele ou relacionadas com ele e os seus projetos).

Aqui ficam alguns marcadores e, mais abaixo, uma seleção de postes (incompleta, já que faltam muitos postes entre 2006 e 2008).

Em termos biográficos, é de lembrar que ele descende de uma notável família, portuguesa, de origem polaco-judaica, pelo lado materno (Clara Schwarz) e caboverdiana, pelo lado paterno (Artur Augusto Silva). Clara Schwarz, com 101 anos, honra-nos com a sua presença na Tabanca Grande, sendo a nossa decana. (**)


AD - Acção para o Desenvolvimento (216)

Artur Augusto Silva (26)

Clara Schwarz (39)

João Schwarz da Silva (4)

Núcleo Museológico Memória de Guiledje (21)

Pepito (197)

Samuel Schwarz (3)

Simpósio Internacional de Guiledje (12)

Tabanca de São Martinho do Porto (16)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 17 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15758: Efemérides (215): Canquelifá, 9 de fevereiro de 1970: o burro, as carraceiras e o tiro ao alvo com uma Mannlicker... Ou quando um burro valia mais do que um Unimog... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)

(**) Vd. postes de:

8 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15722: Notas de leitura (806): Textos de Carlos Schwarz (Pepito), na Revista Sumara, publicação da responsabilidade da Fundação João Lopes, Cabo Verde (Mário Beja Santos)

31 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13828: Notícias dos nossos amigos da AD - Bissau (36): Vídeo de homenagem ao Pepito (1949-2014)


18 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13006: 10º aniversário do nosso blogue (12): Faz hoje 2 meses que o Pepito nos deixou... Em sua memória reproduzimos aqui um vídeo de 2012, em que ele relata, com humor e boa disposição, uma das cenas de violência de que foi vítima, na sua casa do Quelelé, ao tempo de Kumba Ialá (c. 2000)...



21 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12869: Blogpoesia (377): O Dia Mundial da Poesia, 21 de março de 2014, na nossa Tabanca Grande (VIII): Pepito, o construtor de sonhos (José Teixeira, ONGD Tabanca Pequena, Matosinhos)


7 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12804: Manuscrito(s) (Luís Graça) (25): O Pepito que eu conheci... em 16/2/2006 e que, no fim da conversa de 1 hora, me fez um pedido algo insólito: um obus 14 para o Núcleo Museológico Memória de Guiledje...

25 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12772: In Memoriam (184): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori!... E obrigado, homem grande e querido amigo, pelo teu calendário de 2014, com belíssimas fotos do Ernst Schade sobre as gentes da tua terra que tu amavas como poucos (Luís Graça)


15 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11098: In Memoriam (138): Cadi Baldé (c. 1984-2013), mãe da pequena Alicinha do Cantanhez (Luís Graça / Alice Carneiro)

6 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11064: Diário de Iemberém (Anabela Pires, voluntária, projeto do Ecoturismo, Cantanhez, jan-mar 2012) (5): Em Catesse, com o Pepito... Pela primeira vez tive medo!...Medo de não conseguir corresponder ao tanto que a população espera de todos nós!

2 de novembro de  2012 >  Guiné 63/74 - P10606: Blogpoesia (301): Na ka misti tchora mas, Guiné (Luís Graça)


25 de abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8165: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (20): O nosso Blogue serviu para colar partes da vida separadas pela guerra e que através dele se reencontraram (Pepito, AD- Acção para o Desenvolvimento, Bissau)

3 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6102: PAIGC - Quem foi quem (9): Abdú Indjai, pai da Cadi, guerrilheiro desde 1963, perdeu uma perna lá para os lados de Quebo, Saltinho e Contabane (Pepito / Luís Graça)

1 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6086: Ser solidário (63): Gente feliz... com lágrimas: a Cadi e a sua filha, a Maria Alice do Cantanhez (Pepito / Luís Graça)

26 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4863: Agenda cultural (24): A História de Cristina, por Mikael Levin, no CCB, de 31/8 a 8/11 (Carlos Schwarz, 'Pepito' / Luís Graça)

3 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3168: Ser solidário (20): Bissau: O triste caso da Cadi e a ajuda extraordinária do Tino, que trabalha na AD (Nuno Rubim)

3 de setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3167: Ser solidário (19): Morreu o Nuninho, da Cadi. De paludismo. De abandono (Luís Graça)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14271: In Memoriam (219): Faz hoje um ano que o Pepito nos deixou, demasiado cedo, sem tempo para se despedir dos muitos amigos que tinha (e continua a ter) pelo mundo... Vamos recordá-lo numa documentário que a RTP2 passou em 2011 ("Eu Sou África - Carlos Schwarz da Silva, Episódio 10")... E vamos fazer força para que o seu nome passe a ser recordado numa rua de Bissau



Lisboa > Campus da Escola Nacional de Saúde Pública da NOVA > 6 de setembro de 2007 > Engº Agrº Carlos Schwarz da Silva (Bissau, 1949-Lisboa, 2014).

Pepito, para sempre! (*)...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados.


Portugal > Alcobaça > São Martinho do Porto > Estrada do Facho > Casa do Cruzeiro  > c. 1957 > O pai, Artur Augusto Silva (1912-1983), com os filhos,  da esquerda para a direita, João, Iko e Carlos (1949-2014).  Cortesia de João Schwarz da Silva, que nos diz que a data deve ser "provavelmente 1957"... Teria então o Pepito (, nascido em Bissau, em 1949) os seus oito anos...

Foto (e legenda): © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados.




São Martinho do Porto > Estrada do Facho > 7 de Agosto de 2008 > Casa do Cruzeiro, a casa de verão de Carla Schwarz da Silva, mãe do nosso saudoso amigo Carlos Schwarz (Pepito) (1949-2014)...
 Uma vista fabulosa da baía de São Martinho do Porto, a partir da janela do quarto que era, na altura, do Pepito e da Isabel Levy Ribeiro.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.


São Martinho do Porto > Estrada do Facho > Casa do Cruzeiro > 7 de Agosto de 2008 > Casa de verão de Carla Schwarz da Silva, mãe do nosso saudoso amigo Carlos Schwarz da Silva (Pepito) (Bissau, 1 de4 dezembro de 1949 - lisboa, 18 de fevereiro de 2014). Na foto, mãe e filho.

O Pepito vinha todos os anos,com a família, passar férias nesta casa de praia, em agosto. Adorava estar horas, em amena cavaqueira coma família e os amigos, á sombra dos pinheiros da casa. A casa era já secular, tendo  pertencido a um conhecido ator do teatro de revista, de Lisboa. O avô do Pepito, Samuel Schwarz, comprou-a e ofereceu à fillha, em meados dos anos 30, se não erro.  Artur Augusto Silva foi advogado em Alcobaça e em Porto de Mós no pós-guerra. O casal viveu em Alcobaça entre 1945 e 1949, antes de partirem para a Guiné (ele, em finais de 1948 e o resto da família em 1949). Foram amigos pessoais e visitas de casa do pintor Luciano Santos (Setúbal, 1911-Lisboa, 2006).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.



Lisboa > 1950  > Em primeiro plano, o Carlos, ainda bebé, mais os irmãos Henrique (Iko) e João.

Foto: © António Lopes (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.Todos os direitos reservados.


1. Morreu faz um ano, hoje... De repente, demasiado cedo,  sem se poder despedir da  vida e dos muitos amigos que tinha pelo mundo...  Tinham vindo a Lisboa para celebrar os 99 anos da mãe (a 14 de fevereiro de 2014) e fazer exames médicos... Morreu 4 dias depois...

Sentimos todos a sua falta... Vamos recordá-lo numa documentário que a RTP2 passou em 2011...

Carlos Schwarz da Silva | 09 Abr, 2011 | Episódio 10

http://www.rtp.pt/play/p663/e43062/eu-sou-africa



Ficha Técnica:

Género: Documentário
Produção: Vitrimedia;
Realização: Maria João Guardão


Sinopse:

Carlos Schwarz da Silva, guineense nascido em [Bissau], em 1949, só exerceu o nome enquanto se fazia engenheiro agrónomo em Lisboa, ao mesmo tempo que se diplomava na luta estudantil contra a ditadura. 

Na Guiné Bissau, todos o conhecem como Pepito, lutador incansável contra as más práticas de Estado, mas sobretudo contra a fome, pela cidadania e pelo desenvolvimento. Fundador do pioneiro DEPA (Departamento de Experimentação e Pesquisa Agrícola) e da ONG Ação para o Desenvolvimento (AD), deputado, neto de polacos que sobreviveram ao Gueto de Varsóvia, filho de um jurista nacionalista preso pela PIDE, pai de 3 filhos, avô de 2 netos, Pepito é, nas palavras dos anciãos balantas, um “homem grande”. 

"Eu Sou África” é uma série documental de 10 episódios, dois por cada um dos PALOP: Angola, Moçambique, Cabo-Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Cada um dos filmes desta série retrata a vida e a obra de uma africana ou africano implicado na história e no desenvolvimento social, político e cultural do país onde nasceu. “Eu Sou África” revela dez heróis desconhecidos do grande público e desfaz os lugares comuns depreciativos da realidade dos PALOP. Na diversidade das suas experiências e reflexões, o que estes dez africanos dão a ver é a emergência de uma nova África de língua portuguesa – um lugar em que a esperança tem toda a razão de ser.

(Fonte: RTP, com a devida vénia)

2. Comentário de L.G. (**):

O Pepito (1949-2014) foi, em 2011,  uma das vinte personalidades escolhidas pela realizadora do programa "Eu Sou África", Maria João Guardão, para ilustrar a ideia de que a África, a África dorida e sofrida de ontem e de hoje, é um continente de esperança e de futuro.

O programa, em dez episódios, passou na RTP2, e na RTP África. Em  9/4/2011, a realizadora do programa, Maria João Guardão, mandou-nos uma sinopse do vídeo do episódio nº 10, com uma simpática  mensagem  dirigia ao nosso blogue no dia em que o filme passou na RTP2:

 (.,..) Sou realizadora de uma série documental - Eu Sou África - , cujo último episódio se mostra hoje [, sábado,] na RTP2, 19h. Sucede que este último episódio se fez com e à volta de Carlos Schwarz da Silva, Pepito, e dos seus. E sucede ainda que a primeira vez que li a historia da vida dele foi no auto-retrato publicado na sua Tabanca [, vd. A sombra do pau torto, por Carlos Schwarz] (...)

Um ano depois da sua morte sabemos que há gente que o amava e admirava que está a fazer esforços para perpetuar o seu nome numa rua de Bissau. Foi a boa notícia que há dias nos deu a Catarina Schwarz:

(...) A minha avó em tempos e em tom de desabafo, disse que gostaria de ver o nome do meu pai numa rua de Bissau. Nós começamos a tratar desse assunto junto à Câmara Municipal de Bissau e ao que parece a Associação de Moradores de Quelelé [, bairro onde a AD tem a sua sede e fica a casa de família] teve a mesma ideia e intenção. Vamos muito provavelmente unir esforços para que isso aconteça. (...)

Vamos também juntar os nossos pauzinhos e dar força a esta iniciativa. A Guiné e a África precisam de exemplos de vida como a deste  homem com quem tivemos o  privilégio de conviver e que contava, na nossa Tabanca Grande, com bastantes amigos, gente que o estimava e admirava(**)

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Notas do editor

(*) Vd. poste de 18 de fevereiro de  2014 > Guiné 63/74 - P12738: In Memoriam (178): Carlos Schwarz da Silva (1949-2014)... Pepito ca mori! (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 15 de fevereiro de  2015 > Guiné 63/74 - P14262: In memoriam (218): morreu um "homem grande", o nosso camarada Amadú Bailo Jaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), que fez parte do Batalhão de Comandos Africanos e da CCAÇ 21, um combatente valoroso e um homem de valores (Virgínio Briote)

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14249: Homenagem da Tabanca Grande à nossa decana: a "mindjer grande" faz hoje 100 anos... Clara Schwarz da Silva, mãe do Pepito (1): 100 anos não é apenas uma vida, são muitas vidas, que atravessam dois séculos e muitos lugares do mundo (Luís Graça)







Guiné > s/d > "Durante a  estadia na Guiné [, 1948-1966], Artur [Augusto Silva] viveu feliz tanto em Bissau onde trabalhava como em Varela onde ia em geral passar as férias do Natal. Aqui vão  fotografias desses tempos".

[As fotos são da página do filho do casal, João Schwarz da Silva, que vive em Paris: Des Gens Interessants. Temos a sua amável autorização para utilizar a documentação inserida na sua página sobre pessoas que tiveram vidas "interessantes", basicamente amigos e família, a começar pelos seus pais, Artur Augusto Silva e Clara Schwarz da Silva, nascidos respetivamente em 1912 e 1915]

Fotos (e legendas):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]



Portugal > Alcobaça > São Martinho do Porto > Estrada do Facho > Casa do Cruzeiro  > c. 1957 > O pai, Artur Augusto Silva (1912-1983), com os filhos, da esquerda para a direita, João, Iko [Henrique] e Carlos (1949-2014).

Cortesia de João Schwarz da Silva, que nos diz que a data deve ser "provavelmente 1957"... Teria então o Pepito (, nascido em Bissau, em 1949) os seus oito anitos... Que matulão, para a idade!  Nessa altura, a família vivia em Bissau e vinha passar férias à metrópole, mais concretamente na "Casa do Cruzeiro"...

Foto (e legenda): © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG, com a devida vénia]



Da esquerda para a direita, Clara Schwarz, Maria Helena  e Amílcar Cabral, na estrada de regresso de Dakar para Bissau em 1954.

Foto do arquivo pessoal de Clara Schwarz. O seu marido, o escritor e jurista Artur Augusto Silva, é que conviveu mais com Amílcar  Cabral. Clara, que foi professora no Liceu de Bissau, traduziu textos (técnicos, não políticos) de Cabral para francês.  Pepito, o filho mais novo, nasceu em Bissau, em 1949.

 Foi o nosso saudoso amigo Pepito (Bissau, 1949-Lisboa, 2014) quem nos cedeu esta foto, na altura em que aqui publicámos um notável texto seu sobre "Amílca Cabral, um agrónomo antes do seu tempo"...

Amílcar Cabral, casado com Maria Helena, regressou a Bissau, em setembro de 1952, tinha então 28 anos. Em entrevista dada, em Bissau, ao Diário de Lisboa, em 27/5/1980, três anos antes de morrer, Artur confidenciou que "privou bastante" com  Amílcar Cabral.  Ambos eram membros do Centro de Estudos da Guiné. A última vez que o viu,  foi em setembro de 1956, dias antes de fundar o PAI [mais tarde, PAIGC]. Uns meses antes, tinham-se encontrado em Angola e combinado um jantar em Bissau. Amílcar passou à clandestinidade, e o jantar nunca mais se realizou.

Foto; © Carlos Schwarz (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: LG, com a devida vénia].


 Guiné > Bissau > 1953 > Vista aérea da cidade, tirada na direcção sul-norte. Ao centro, a avenida principal, a Av República (hoje Av Amílcar Cabral) onde já se erguia, à direita, a sé catedral (arquiteto João Simões / Gabinete de Urbanização Colonial, 1945).  Ao fundo da avenida, do lado esquerdo já se erguia o cinema UDIB, o melhor edifício da cidade (arquiteto Jorge Chaves, 1949-52), de iniciativa privada. Em Bissau, com cerca de 5 mil habitantes, era lá que se reunia a elite local...

Ao fundo, à direita, o bairro de Santa Luzia  (1948), com uma estrutura reticulada: foi a primeira experiência de alojamento para populações nativas. Em primeiro plano o cais do Pidjiguiti, e parte da zona portuária ainda em obras...

Quando Artur e Clara chegaram a Bissau, no final dos anos 40, a cidade estava em plena fase de densolvimento, graças ao dinamismo e *a visão do governador Sarmento Rodrigues. Vários edifícios públicos estavam a construir-se,  havia ruas por asfaltar, espaços para ajardinar e alindar...


Foto (e legenda): © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG, com a devida vénia]


1. Mensagem do nosso editor LG:

Camaradas, amigos/as: hoje, sábado, 14, a nossa amiga Clara Schwarz faz 100 anos. Nasceu em Lisboa em 1915. De origem judia (pai polaco e mãe russa), casou com o escritor e advogado Artur Augusto Silva (, nascido na Ilha da Brava, Cabo Verde, em 1912).  Teve 3 filhos, o mais novo dos quais o nosso saudoso Pepito (1949-2014). Clara viveu na Guiné em dois períodos: 1949-1966 e depois da independência, até ao ano da morte do marido, em 1983.

Licenciou-se em letras pela Universidade de Lisboa e frequentou o Conservatório Nacional de Música (onde tirou o curso de violino). Foi professora no liceu Honório Barreto, em Bissau. Tem gente, no nosso blogue, que foram seus alunos: estou-me a lembrar do António Estácio, do Manuel Amante da Rosa... (Ambos escreveram um pequeno depoimento para esta ocasião, que publicaremos a seguir.) Foi amiga ou pelo menos privou com o casal Cabral, Helena e Amílcar. No início dos anos 50, fez inclusive traduções, para francês, de trabalhos técnicos do engº agrº Amílcar Cabral.

O  pai de Artur Augusto Silva  havia falecido 1925 em Lisboa,  onde se encontrava para tratamentos. Deixava a esposa de 50 anos de idade e dois filhos ainda menores, João e Artur, que foram viver para casa da irmã Cristina, em Lisboa. Esta irmã mais velha (n. 1904)  tinha casado com o médico Augusto Pereira Brandão que na altura trabalhava em Farim, na Guiné.



S/d > S/d/ > "Da esquerda para a direita,  Cristina (nasceu em 1904), Artur (nasceu em 1912), Henrique e Margarida (os pais) e João (nasceu em 1910)."

Foto (e legenda):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]

Por sua vez, já aqui falámos do seu irmão, e tio do Pepito, o João Augusto Silva. Sobre ele escreveu Mário Beja  Santos:

(...) João Augusto Silva (1910-1990) foi funcionário da Administração Colonial na Guiné, em Angola e Moçambique. Desenhador, naturalista, decorador e escritor, foi galardoado em 1936 com o Prémio de Literatura Colonial da Agência Geral das Colónias. Foi também caçador, tendo abandonado a espingarda em troca da máquina fotográfica, com a qual se dedicou a capturar imagens de uma
das suas paixões: os animais. Nasceu em Cabo Verde, passou parte da infância na Guiné, terra a que regressará entre 1928 e 1936. As suas obras maiores são: “África: Da Vida e Amor da Selva” e “Animais Selvagens: Contribuição para o Estudo da Fauna de Moçambique”. Administrador do Parque da Gorongosa, será mais tarde Curador do Jardim Zoológico de Lisboa. Sobre a Gorongosa deixou um livro da maior importância “Gorongosa: Experiências de um Caçador de Imagens”. Foi recentemente homenageado pela Sociedade de Geografia de Lisboa. Foi irmão de Artur Augusto Silva, um investigador e poeta luso-guineense, aqui já várias vezes auferido, e tio do nosso confrade Pepito." (...)




Belíssima xilogravura de João Augusto Silva, publicada na revista "Momento", de fevereiro de 1936.


Foto (e legenda):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]


Desiludido com a vida do pós-guerra em Portugal, Artur decide partir, em finais de 1948, para a Guiné. Chega ao território em 6/11/1948. A família (Clara, João e Henrique) ir-se-á juntar-lhe no ano seguinte. Carlos ("Pepito") nasce em 1949.

Artur, até 1966, exerce naquele território a sua profissão de advogado, mas também fez de notário e até substituto do Delegado do Procurador da República. [Sobre Artur Augusto Silva temos duas dezenas e meia e meia de referências no blogue]

Escreve o seu filho João: "Em 1948, partiu para a Guiné (Bissau) para ali continuar a advocacia, com um sentimento pesado de frustração pela derrota politica, deixando para trás o Movimento de Unidade Democrática [MUD,] , desfeito, Leiria e Alcobaça, a mulher e dois filhos que em 1949 se juntaram a ele". (...). Depois da guerra, em 1945, o dr. Artur Augusto, como era conhecido, tinham esperanças na mudança democrática e pacífica do regime de Salazar.  Em 1947, o MUD foi ilegalizado e o o seu nome continuou debaixo do olho da política política... até ao 25 de abril.

Na Guiné, "foi um dos fundadores do Colégio Liceu de Bissau (Liceu Honório Barreto) que no inicio a partir de 1949 ocupava umas salas do Museu da Guiné que tinha sido criado em 1947 num edifício junto do Palácio do Governador". Em julho de 1952 era  governador Raimundo Serrão... "De 1949 a 1956, o liceu ocupou algumas salas do Museu. Só a partir do inicio do ano lectivo 1956 é que o Instituto Liceal Honório Barreto passou a poder contar com instalações próprias." 

Foi também membro do Centro de Estudos da Guiné. Licenciado em Direito, Artur havia estado, de 1939 a 1941, em Angola, como secretário particular do Governador Geral, dr. Manuel Marques Mano; de regresso a Portugal exerceu advocacia em Lisboa, Alcobaça e Porto de Mós. O casal viveu em Alcobaça e tinha casa de praia em São Martinho do Porto. Diz o filho João: "Depois de se casar, Artur Augusto exerceu a advocacia em Lisboa, mas a convite de Luciano Santos, um amigo pintor, decidiu mudar-se para Alcobaça onde havia falta de advogados".


Lisboa > s/d > c. 1930/40 > Artur Augusto Silva, numa festa,  com a Clara (à direita) e uma amiga.



Lisboa > 1935  > "Foi como director da revista Momento que Artur Augusto acompanhou o funeral de Fernando Pessoa em 1935, Possivelmente a única fotografia tirada nessa altura, mostra Artur à direita da fotografia ligeiramente encoberto por outro participante"

Fotos (e legendas):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]

Ainda como estudante (, passou pelo Liceu Camões, foi colega de faculdade de Álvaro Cunhal), e depois como recém-licencidado, Artur  Augusto participou intensamente da vida cultural e literária de Lisboa dos anos 30. Foi director da revista "Momento" e, nessa qualidade, acompanhou o funeral de Fernando Pessoa,  em 1935.

"Publicou vários livros, fez reportagens, dirigiu saraus literários, organizou exposições de arte moderna, promoveu conferências culturais na Casa da Imprensa, na Sociedade Nacional de Belas Artes e em vários outros locais de Portugal nomeadamente no Grémio Alentejano e no Porto", escreve o seu filho João Schwarz da Silva, que vive em Paris, numa sentida e bela homenagem que faz ao seu pai, na sua página "Des Gens Intéressants" [, Pessoas Interessantews].

Em 1953, morre o pai de Clara, Samuel Schwarz (, nascido em Zgierz, Polónia, Rússia, em 1880). Havia-se formado, em 1904, aos 24 anos, como engenheiro civil de minas, na École National Supérieure de Mines de Paris.




Bilhete de identidade de cidadão português de Samuel Schwarz, emitido em 25 de janeiro de 1941.



Autorização de residência, emitida em 19/2/11927, para a mãe de Clara, Agata Schwarz


Fotos (e legendas):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]


Samuel trabalhou em diversos países na indústria petrolífera (Baku, Cáucaso Russo) e na indústria mineira (Polónia, Inglaterra, Espanha, Itália e, por fim, Portugal). Em 1914, casa em Odessa com  Agatha Barbash,  filha de um banqueiro. (Nascida em 1884, em Tulczyn, Ucrânia, virá a morrer em 1950, em Lisboa)

Na altura em que eclodiu a I Guerra Mundial, em  1914, com 34 anos de idade, Samuel estava em viagem de núpcias em Portugal. Decidiu cá ficar. Começa a trabalhar em 1915 numa mina de volfrâmio, em Vilar Formoso, e noutra de estanho, em Belomonte, Na época vivia em Lisboa. Em 14 de fevereiro de 1915 nasce a sua filha, Clara.

Os cristãos-novos em Portugal no século XX
Autor: Samuel Schwarz
Editora: Livros Cotovia
Local: Lisboa
Colecção: Judaica
Ano de Edição: 2010
N.º de Páginas: 200
ISBN: 978-972-795-309-7

Sobre a vida fascinante deste homem Samuel Schwarz (1880-1953), vd. aqui o artigo escrito pelo seu neto João Schwarz da Silva:  judeu asquenaze,  era fluente em nove línguas,incluindo o hebreu. Foi um conceituado estudioso do judaísmo em Portugal, arqueólogo, historiador, autor da descoberta e da revelação pública, em 1925, da comunidade cripto-judaica de Belmonte, e .  bem como da antiga sinagoga de Tomar que comprou e efereceu ao Estado Português. Em 2010,  os Livros Cotiva reeditaram, em livro, o seu trabalho, de 1925, sobre os cristãos-.novos da Beira Baixa e, em especial,  de Belmonte, os rituais do Babatm do Kiopur e da Páscoa, orações ditas em português arcaico misturadas com palavras hebraicas, e que foram transmidas, sempre pelas mulheres, ao longo de quatro séculos e meio, pro sucessivas gerações.

Fotografia e assinatura no passporte do marido, emitido em
23 de agosto de 1946. Cortesia de João Schwarz da Silva 
Clara Schwarz da Silva é  nossa grã-tabanqueira desde 2010... Entrou para a Tabanca Grande, mais precisamente,  em, 14 de fevereiro de 2010, aos 95 anos.  Passou então a ser a Mulher Grande da nossa Tabanca Grande, com o nº de entrada 397. Hoje temos mais de 675 membros. É a nossa decana, e também a "mulher grande" da Tabanca de São Martinho do Porto (que se reuniu todos os todos os anos em agosto, quando o Pepito vinha de férias, de 2008 a 2012). Alguns de nós têm o privilégio de a conhecer e de ter privado com ela e a sua família, na famosa "casa do Cruzeiro", em São Martinho do Porto.

Foi sempre um mulher independente e cosmopolita. Até há bem pouco tempo era muito autónoma, usando com desenvoltura o telefone, o skype, o mail, a internet, e visitando o nosso  blogue… Ainda ontem telefonou à Maria Alice Carneiro, mamtendo com ela uma conversa perfeitamente normnal... Conduziu até tarde, com mais de 90 anos. Tem uma memória prodigiosa, é culta, é poliglota, e tem um grande  orgulho de seu pai, engenheiro de minas, de origem polaca,

Se outras não fossem válidas, bastaria invocar aqui o seu papel como co-fundadora, juntamenete com o marido e outros,  do Liceu Honório Barreto, hoje Liceu Nacional Kwame N' Krumah. Mais: foi professora de francês (e creio que também de português) de inúmeros guineenses, incluindo  dirigentes do PAIGC... (É capaz ainda de os citar de cor, e avaliar um a um!)...

Fala, sempre e ainda hoje, com muita ternura do seu marido, Artur, como um homem que "conhecia e amava a África" como poucos... Recordo-me de ela ter.me oferecido com dedicatória um pequena brochura dele, "Pequena Viagem Através de África"... Foi uma conferência que ele pronunciou na Associação Comercial da Guiné, em 1963, no 46.º aniversário da sua fundação. É uma admirável lição de sapiência e de sabedoria.

Três anos depois, em 1966, a PIDE prendia-o no aeroporto de Lisboa. O seu único crime era o de ser defensor de presos políticos... Libertado graças à intervenção pessoal, ao que se soube,  de Marcelo Caetano, seu professor de direito, após quatro ou cinco meses de Caxias, sem culpa formada, seria impedido de voltar à sua querida Guiné, agora a ferro e fogo... Sabe-se que o governador Schulz considerou-o "persona non grata" no território.




"Foi preso no aeroporto de Lisboa à chegada de Bissau [, em 26 de agosto de 1966,]  já em plena luta de libertação da Guiné, e foi detido na prisão de Caxias durante 4 meses sem julgamento. Foi libertado a 23 de Dezembro de 1966, por influência de alguns amigos que lhe conheciam e admiravam o carácter, mas foi-lhe fixada residência na capital . Escassos dias antes da libertação de Artur da prisão de Caxias, o Governador da Guiné (Arnaldo Schulz) mostra-se preocupado com a sua eventual libertação. [Sua Excelência o Governador é de opinião que aquele senhor não deve voltar à Guiné, pelo menos enquanto se mantiver o terrorismo".]

Foto (e legenda):  © João Schwarz da Silva  (2015). Todos os direitos reservados [Edição: LG, com a devida vénia]


Clara falou-me uma vez deste episódio triste e do cinismo do governador, Schulz, que era visita da casa dos Silva, em Bissau, e que inclusive acompanhou o Artur, até ao aeroporto, nessa triste viagem sem regresso... Só depois da independência é que Artur (e a Clara) voltaria, a convite de Luís Cabral, para desempenhar o lugar de juiz do Supremo Tribunal de Justiça... E lá morreria, em Bissau, em 1983. Era especialista em direito consuetudinário. Publicou livros sobre os usos e costumes jurídicos dos felupes, mandingas e fulas.

É também com a mesma frontalidade e coragem que a Clara vem protestar, em 2005, junto do Presidente da Câmara de Belmonte pela imperdoável omissão do nome do seu pai, Samuel, no recém-inaugurado Museu Judaico de Belmonte. Embora tarde, a injustiça foi reparada em 2007.

(...) "S. Schwarz está na origem da descoberta dos cristãos novos de Belmonte. Graças à sua enorme sabedoria ele revelou os ritos e costumes destes cristãos novos, em numerosos livros dos quais o principal, publicado em 1925, 'Os cristãos novos em Portugal no Século XX' , livros esses que são uma referência incontestável tanto para historiadores portugueses como estrangeiros." (...)

Hoje, sábado, 14 de fevereiro de 2015, os filhos, netos e bisnetos vão fazer-lhe uma festinha íntima. Ela fez questão de dizer "não queria nada", porque ainda não ultrapassou a profunda dor causada pela morte, inesperada, do seu querido Carlos... E não era seguramente esta a festa dos 100 anos que a gente tinha imaginado para ela...

À distância (, ela mora em Paço de Arcos, Oeiras), e respeitando a sua intimidade, queremos apenas levar-lhe uma palavra de afeto, apreço, conforto, amizade e homenagem... 100 anos não é apenas uma vida, são muitas vidas, que atravessam dois séculos e muitos lugares do mundo... Mais de metade da sua família, da Europa de leste, desapareceu com a II Guerra Mundial. E ela conheceu uma boa parte dela quando visitou a Polónia em 1938 (*)...

Clara Schwarz é uma mãe coragem. E um exemplo de vida, inspirador, para todos nós. Alguns/algumas de nós fizeram questão de  escrever duas linhas sobre esta mulher e nossa amiga, que sempre manifestou um grande interesse e carinho pelo nosso blogue. São esses testemunhos que publicamos a seguir, a par deste pequena resenha biográfica, que só possível graças à amável e afetuosa cumplicidade do João (que veio ontem de Paris se juntar à festa de família). Também sei que, pelo menos os filhos do Pepito, Ivan e Catarina, vai estar hoje a cantar os parabéns à avó, a "mindjer grande" que nos orgulha a todos/as. (**)

O editor Luís Graça (em nome pessoal e da Tabanca Grande)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4863: Agenda cultural (24): A História de Cristina, por Mikael Levin, no CCB, de 31/8 a 8/11 (Carlos Schwarz, 'Pepito' / Luís Graça)

(**) Vd. poste anterior de 14 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14248: Parabéns a você (860): Senhora Dona Clara Schwarz, Amiga Centenária, Grã-Tabanqueira