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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15458: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (32): De 25 de Abril a 5 de Maio de 1974

1. Em mensagem do dia 6 de Dezembro de 2015,  o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a sua 32.ª Memória, coincidente com o dia que ia ditar o fim da Guerra do Ultramar, 25 de Abril de 1974.

CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

32 - De 25 de Abril a 5 de Maio de 1974

25 de Abril de 1974 – (quinta-feira): A Revolução de Abril

A Revolução de 25 de Abril de 1974 que calha agora referir, bem como as circunstâncias em que me surpreendeu nos matos da Guiné, vem no seguimento cronológico das narrativas que venho escrevendo no nosso Blogue e apenas por isso o faço. Pelo seu simbolismo e como marco histórico dos mais importantes do século XX para todos os portugueses e, ainda, por ser um tema que me é caro, nunca o trataria com duas penadas de pendor memorial. Nem este é o espaço e nem este é o tempo para o fazer. O que se segue é, por isso, apenas narração com base em pequenas notas ou cartas da época.

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A notícia da acção do Movimento das Forças Armadas que derrubou o governo em Lisboa, foi-me dada em pleno mato onde me encontrava emboscado ao longo da estrada, algures entre Nhala e Buba. Eram três ou quatro horas da tarde quando apareceu uma Berliet com uma escolta e um furriel “periquito” dos grupos que reforçavam a Companhia de Nhala, aos berros, muito eufórico, para que regressássemos porque a guerra ia acabar. Na Metrópole tinha havido uma revolução! Cheguei-me à estrada, ainda atónito, e disse-lhe para repetir, pois a brusca sacudidela nos meus neurónios roubara-me o entendimento. Era como se ele dissesse que a terra começara a girar ao contrário e estivéssemos de novo na alvorada. Mas ele insistiu e disse que prenderam os pides. “Prenderam os pides!”. Não havia dúvidas, houvera uma revolução e dera-se no sentido certo, porque há muito que eu admitia, com os meus botões, que houvesse uma revolução para depor Marcelo Caetano, mas de sentido contrário, desencadeada pelos seus detractores da extrema-direita. Fiquei apopléctico, o coração desordenado, a comoção a perturbar-me.

O pessoal subiu alegre para as viaturas, mas algo contidos, sem terem percebido o alcance do que acontecera. Eu e o furriel, pelo contrário, sentámo-nos no capô da Berliet e fizemos grande parte do trajecto a agitar as armas e a berrar para o ar. Os soldados riam-se com estes excessos e com a perplexidade de uma faceta que me desconheciam: eu também era maluco... Se acaso houvesse um grupo de guerrilheiros a observar-nos a passagem, em tal propósito, por certo ficariam bloqueados de acção e compreensão. Talvez até fugissem para a fronteira...

Chegámos ao aquartelamento e estava tudo em grande confusão, agarrados aos rádios, muitos a alvitrar mas, de concreto, pouco mais se adiantava ao que já sabíamos da lacónica mensagem enviada à Unidade: “Agências noticiosas informam Governo Professor MARCELO CAETANO derrubado por movimento forças armadas”. (Teor revelado recentemente pelo meu amigo e camarada, 1.º Cabo Cripto da minha Unidade, José Carlos Gabriel). No geral, todos se mostravam radiantes, porque a expectativa, fosse lá o que fosse o golpe dos militares, era que acabasse a guerra e pudessem regressar a casa. Com a falta de informação e a noção do que aconteceria a seguir, também não era possível fazer juízos e ter outras reacções. Retirar interpretações políticas dos acontecimentos, muito menos, tal era o grau de despolitização geral.

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Entramos no mês de Maio sem que se saiba muito mais do que se passa em Lisboa. A nossa actividade operacional, para já, mantém-se com toda a normalidade, entre patrulhamentos e contra penetrações mas sem sinais da guerrilha. A História da Unidade refere na “situação geral” relativa ao mês de Maio: “A actividade violenta IN foi nula em todo o Sector, não tendo mesmo sido assinaladas quaisquer colunas entre o UNAL e INJASSANE”. De facto, cumpríamos as missões como antes mas, essa acção nula do inimigo e uma certa esperança no futuro, fazia-se notar já num certo desplante, (ver foto 1), ainda que sempre na defensiva. As obras da estrada prosseguiam também normalmente, com a diferença de que o Destacamento de Engenharia N.º 1 deixou os trabalhos da frente de A. Formosa, (excepto alcatroamento), passando a abrir a estrada A. FORMOSA/PATE EMBALO/RIO CORUBAL e a fazer a reparação e alcatroamento da pista de A. Formosa, logo interrompidos no dia 4 por falta de alcatrão.

Foto 1: Maio de 1974 - Grupo de graduados escoltando uma carroça de arroz a caminho de Nhala. Eu venho armado com minha poderosa pressão-de-ar de calibre 5,5mm com mira telescópica.


5 de Maio de 1974 – (domingo): notícias de Bissau

As notícias da Metrópole escasseiam. Ao contrário, as notícias de Bissau correm céleres dando conta de situações de alguma gravidade. Os nativos da cidade estão agressivos para com os brancos em geral e para com os pides em particular. Tem havido problemas todos os dias e os rebentamentos nas ruas sucedem-se. Um grupo de negros enfurecidos apanhou na rua junto ao mercado de Bissau a mulher de um pide e despiu-na completamente. A tropa interveio e impediu acções certamente mais graves. Aparentemente a guerra arrefeceu depois do dia 25 passado, mas receia-se que, a demorarem as resoluções sobre o ultramar, as coisas se compliquem ainda mais.


Histórias marginais (6): Uma luzinha perturbadora

Estava uma noite tranquila e fresca, depois de uma tarde chuvosa. Ainda era cedo e eu estava sentado à cabeceira da cama a ler o Erico Veríssimo, da mini biblioteca que tinha dele.

Ouço uma rajada de G-3 a partir do posto de sentinela ali próximo da messe, o posto mais alto do aquartelamento. C’os diabos!... Tinha o grupo de serviço. Pus os pés de fora da cama e fiquei um bocado a aguardar. Dois toques na porta e aparece o furriel a dizer:
- Desculpa lá, mas tenho que te dizer que a sentinela aqui deste posto viu uma luz na mata e fez fogo. Já estive lá em cima com ele no posto e, o que é estranho, é que a luz voltou a aparecer. Disse-lhe para não fazer mais disparos e que te vinha chamar.
- Mas não estás a pensar que está lá alguém no mato com uma lanterna e que se deixa ficar mesmo depois de levar com uma rajada, ou estás?! - Perguntei, enquanto me calçava.
- Não sei, mas é um bocado esquisito.
- Ainda mais essa!... - Disse eu já a ficar irritado.

Subimos ao posto e vi o soldado com os olhos focados na mata do lado da caserna do 2.º grupo. Apontou e disse: - É ali. - Mas “ali” era escuro como o breu e só se enxergavam as árvores da orla, apesar do potente projector de halogénio que, do arame farpado, apontava naquela direcção. Olhei um bocado e, realmente, vi uma luz pequena mas com uma refulgência intensa, mas que logo se apagou, reaparecendo para de novo se apagar. Por vezes mantinha-se algum tempo acesa. Na minha cabeça foi surgindo uma hipótese simples que poderia explicar aquilo. E, nos instantes em que ali estive, não vi mais hipótese nenhuma. Disse ao soldado para avisar os postos próximos de que, eu e o furriel iríamos sair do arame farpado naquela direcção, e ficámos até ao regresso do soldado a apreciar aquela estranheza. Não me abri, denunciando o que era apenas uma suspeita.

Caminhámos atentos, de G-3 apontadas, pela zona descapinada em direcção à mata, parando sempre que a luz se apagava e avançando quando se acendia, de modo a não perder o sítio do foco. Já próximos da orla da mata, compreendi que a luz não provinha do chão, descartando desde logo a hipótese que mentalmente admitira, mas sim de uma altura aproximada de um metro e meio. Ao entrar na mata, sempre com a atenção concentrada no ponto luminoso intermitente, avancei mais rápido e... Fiquei apenas com um ramo de folhagem frente à cara.

Esbocei um sorriso ao perceber a origem do fenómeno, mas confesso que fiquei um pouco perplexo: na concha de uma pequena folha, que oscilava com a aragem, estava uma gotinha de água. Apenas. Dela refulgiam reflexos a devolver a intensa luz do projector. Muitas outras folhas, porventura, teriam a sua gotinha da chuva da tarde, mas apenas aquela apanhava no ângulo certo a luz do projector, de modo a estragar-nos parte da noite. Fomos explicar isso mesmo ao soldado. Afinal não eram reflexos de vidros espalhados pelo chão, como admitira.

Foto 2: Uma luzinha perturbadora.
Texto e fotos: © António Murta

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15435: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (2): Dia 24 de Abril de 1974, corte da estrada Nhala-Buba

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15435: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (2): Dia 24 de Abril de 1974, corte da estrada Nhala-Buba

1. Continuação da 31.ª Memória1 do nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviada ao nosso Blogue no dia 26 de Novembro passado.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

31 - Dias 23 e 24 de Abril de 1974 (2)


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

ABR74/24 – Forças da 2.ª CCAÇ/4513, em reconhecimento à zona do pontão rebentado, detectaram o local onde estava instalado o GR IN, que montou segurança aos elementos que destruíram o pontão e pelos vestígios encontrados estimou-se o GR IN em 40 elementos, que após a acção, retiraram em direcção ao Unal.


Das minhas memórias: 

24 de Abril de 1974 – (quarta-feira). Corte da estrada Nhala-Buba

Ouvira-se na noite anterior uma explosão potente e não longínqua na direcção de Buba. Pensámos logo na estrada. Mas não tínhamos ninguém no mato e era já tarde, não havia pressa. Não recordo quem seguiu de manhã para o local mas, quando cheguei de Unimog, com pessoal que nem era do meu grupo, já havia uma equipa a trabalhar e já tinham retirado do buraco da estrada uma viatura da Engenharia. Tanto quanto recordo, a viatura vinha de Buba a grande velocidade e sem escolta. A estrada estava cortada em toda a sua largura. Concluiu-se que o condutor, naquela grande recta, não se apercebera a tempo do corte na estrada e batera com a cabina no fundo da cratera, tendo morrido. Estranhamente, a HU não faz qualquer alusão a este acidente nem à morte do condutor. Mas também as fotografias que possuo não esclarecem nesse sentido. A menos que o condutor já tivesse sido evacuado quando eu cheguei. E eu devo ter chegado muito tarde porque nem sequer estava de serviço, como se pode ver pela farda n.º 2 que envergava. A verdade é que sempre recordei este acidente com a morte do condutor e as dúvidas só surgiram, quarenta anos depois, ao conhecer a História da Hnidade. Mas a HU vale o que vale e a minha memória ainda menos. Seguem-se algumas fotografias desse episódio.

Foto 21 - 24 de Abril de 1974 – Recta na direcção de Buba, fotografada no local da sabotagem. 

Foto 22 - 24 de Abril de 1974 – Desvio a contornar o corte da estrada. 

Foto 23 - 24 de Abril de 1974 – Cratera no meio da estrada. 

Foto 24 - 24 de Abril de 1974 – Viatura da Engenharia já retirada da cratera. 

Foto 25 - 24 de Abril de 1974 – Eu, junto da viatura sinistrada. 

Foto 26

Foto 26 e 27 - 24 de Abril de 1974 – Preparação para içar a viatura. Seria depois rebocada para Buba. 

Foto 28 - 24 de Abril de 1974 – O meu regresso a Nhala com uma secção de pessoal (não sei de que grupo) que me acompanhara. 

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

1 - Vd. poste de 1 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15432: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (1): Dia 23 de Abril de 1974, visita do General Bettencourt Rodrigues a Nhala

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15432: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (31) (1): Dia 23 de Abril de 1974, visita do General Bettencourt Rodrigues a Nhala

1. Em mensagem do dia 26 de Novembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

31 - Dias 23 e 24 de Abril de 1974 (1)


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

ABR74/23 – Pelas 08h00 chegou a A. FORMOSA Sua Excelência o General e Comandante-Chefe, acompanhado pelo seu Chefe do Estado-Maior COR. HUGO DA SILVA, Comandante do BENG TEN-COR MAIA E COSTA e Ajudante de Campo, a fim de visitarem a frente de trabalhos da estrada A. FORMOSA-BUBA. Depois de serem prestadas as honras do estilo, Sua Excelência percorreu demoradamente o aquartelamento, apreciando as obras em curso. Depois de um briefing no Gabinete de Operações, e acompanhado pelo Comandante e 2.º Comandante do Batalhão e restante comitiva, deslocou-se à frente de estrada e ao aquartelamento de NHALA. [Sublinhado meu]. Na frente de trabalhos reuniu-se com o pessoal de Engenharia, o qual felicitou pelo trabalho desenvolvido. Após esta visita regressou a A. FORMOSA, onde almoçou, seguindo depois do mesmo para BISSAU. (...).

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Apontamento: O General Bettencourt Rodrigues.

O General Bettencourt Rodrigues foi um militar brilhante e teve uma carreira longa e preenchida de altos cargos, ensombrada apenas por um final inesperado e sem glória, quem sabe, por preferir manter-se coeso com os seus ideais a aderir ao Movimento das Forças Armadas que acabara de depor o governo de Lisboa. Por via deste desfecho, nunca saberemos que impacto teria a sua acção na administração da Guiné e no evoluir da guerra que, naquela época e nalguns sectores, atingia estádios decisivos e preocupantes, mormente no meu Sector S-2, (com informações ainda muito secretas mas alarmantes sobre os planos do PAIGC), como mais tarde darei conta.

O General Bettencourt Rodrigues não precisa de grandes apresentações. Ainda assim, relembro alguns dados biográficos. [Fonte Wikipédia para factos e datas]. José Manuel Bettencourt Rodrigues [Bettencourt, na Wikipédia], (Funchal, 5 de Junho de 1918 – Lisboa, 28 de Abril de 2011).

- Em 1939 concluiu o Curso de Infantaria da Escola do Exército como 1.º classificado.
- Em 1951 concluiu o Curso de Estado-Maior com a classificação “Distinto”.
- Até à sua promoção a general em 1972, sucederam-se os cursos e as distinções, numa carreira militar notável, tendo sido também Ministro do Exército (1968-1970) e adido militar e aeronáutico junto da Embaixada de Portugal em Londres.
- Em 21 de Setembro de 1973 (a História da Unidade do BCAÇ 4513 refere 29 de Setembro a chegada à Guine), toma posse como Governador-Geral e Comandante-Chefe do Comando Territorial e Independente da Guiné.
- Em 26 de Abril de 1974 foi preso no Forte da Amura (Bissau), por militares do MFA.
- Em 14 de Maio de 1974 passou à situação de reserva por despacho da Junta de Salvação Nacional.


Das minhas memórias: 

23 de Abril de 1974 – (terça-feira) - A visita do General.

A visita do General Bettencourt Rodrigues a Aldeia Formosa e a Nhala foi, provavelmente, a última que fez na Guiné na qualidade de Comandante-Chefe. Pareceu-me uma pessoa muito acessível, afável e atenta aos problemas que lhe eram colocados. Mas foi a impressão de um contacto muito breve.

Nas imagens que mostrarei a seguir, “reportagem” que não é de todo exaustiva, pode notar-se uma certa ausência de tropa em Nhala, pela mesma razão da ocorrida aquando da visita da Cilinha, mas que não referi no relato que dela fiz. Essa ausência deve-se ao que a História da Unidade do BCAÇ 4513 expressa sem rodeios:

“ABR74/23 – (...). Em virtude da visita de Sua Excelência o Comandante-Chefe, foi montado na estrada A. FORMOSA-BUBA um dispositivo especial de segurança, com forças da 1.ª CCAÇ, 2.ª CCAÇ, 3.ª CCAÇ/4513, CART 6250”.

Como última nota referente a este dia, diz ainda o seguinte a História da Unidade: “Pelas 22h30 GR IN destruiu um pontão da estrada alcatroada BUBA-NHALA em região XITOLE 2 G 7-39”.

Mas o senhor General já não ouviria o grande estouro, recatado em Bissau para onde regressou após ter almoçado em A. Formosa. No final deste poste mostrarei algumas imagens colhidas no local, no dia seguinte à sabotagem, 24 de Abril de 1974.


Fotografias da visita do General Bettencourt a Nhala comentadas ao jeito de legendas



Foto 1 - 23 de Abril de 1974, Aldeia Formosa - O General Bettencourt Rodrigues recebe honras militares, ladeado à sua esquerda pelo Major Dias Marques, 2.º Comandante do BCAÇ 4513. [Fotografia inestimável do camarada Fernando Costa, com a devida vénia].

Foto 2 - 23 de Abril de 1974, Nhala - Chegada do General Bettencourt Rodrigues às imediações do aquartelamento, descendo a base recente da estrada nova. Na frente do jeep, preparando-se para descer, o Comandante do Batalhão 4513, Ten-Cor Carlos Alberto Ramalheira.

Foto 3 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Depois das honras militares o General cumprimenta o CMDT de Nhala, Capitão Braga da Cruz, da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513. Atrás de si, o Oficial de Dia, Alf Mil Campos Pereira.

Foto 4 - 23 de Abril de 1974, Nhala – A comitiva dirige-se para o aquartelamento. À esquerda da imagem o Coronel Hugo da Silva, Chefe do Estado-Maior, cumprimenta o Oficial de Dia. Em primeiro plano, de Kalashnikov, o Tenente Ajudante de Campo. E guarda-costas, pareceu-me.

Foto 5 - 23 de Abril de 1974, Nhala – No centro do aquartelamento o General dialoga com o Cmdt de Nhala.

Foto 6 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Detalhe da fotografia anterior.

Foto 7 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O Tenente guarda-costas aproveita para ler uma carta chegada da Metrópole, quero crer. Porquê? Porque o envelope é debruado pelo tracejado característico do correio aéreo.

Foto 8 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Por uma mania que ainda uso quando calha, fechei num círculo visitantes e anfitriões. De bigode, fitando-me, o Major Dias Marques, que percebeu a maldade, (inocente, diga-se), parece pensar: Lá está este gajo outra vez com as suas maluqueiras...

Foto 9 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Após inspecção ao depósito de géneros (com cão a sair), da responsabilidade do Fur Mil Vaguemestre Sebastião Oliveira.

Foto 10 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Diálogo à porta do Cmdt de Companhia, com a presença de um homem grande que deve ser um “notável” da tabanca, mas que não recordo.

Foto 11 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O homem grande dialoga com o General através do intérprete atrás de si. O rapaz à direita parece rir-se do português do homem grande ou do dialecto do General.

Foto 12 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Outro homem grande chega-se à conversa, enquanto começam a aparecer as mulheres da tabanca com ar decidido.

Foto 13 - 23 de Abril de 1974, Nhala - Começa o ajuntamento popular movido pela curiosidade e pelo tributo de honra ao homem grande da tropa. Manga de ronco.

Foto 14 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Já não vai haver hipótese de reunir no gabinete. Tudo irá a “despacho” ali à porta.

Foto 15 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Esta bajudinha linda, indiferente à atenção devida ao General, fixa-se na minha objectiva, entre curiosa e apreensiva, não podendo imaginar, nem eu, que um dia a mostraria ao mundo e que, nessa altura (agora), já teria mais de quarenta anos.

Foto 16 - 23 de Abril de 1974, Nhala – O diálogo prossegue e nosso cabo vai assegurando o entendimento das esquisitas falas, sob o olhar atento do Sr. Tenente guarda-costas.

Foto 17 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Continua a chegar população. Ou melhor: mulheres e crianças, quase só. As palmas vibram, secas, e a mulher grande dança como um tornado. Manga de ronco.

Foto 18 - 23 de Abril de 1974, Nhala – As visitas preparam-se para partir. Ao volante do jeep, o Cmdt do Batalhão Ten-Cor Carlos Ramalheira e, ainda a subir, à esquerda, o Cmdt de Operações do BCAÇ 4513, Capitão Cerveira. De cigarro, à direita, o Coronel Hugo da Silva. No jeep de trás o resto da comitiva, apenas se reconhecendo ao volante o Major Dias Marques.

Foto 19 - 23 de Abril de 1974, Nhala – Tudo a postos trocam-se os últimos cumprimentos. Ao fundo, a messe de sargentos com alguns deles a assistir às despedidas.

Foto 20 - 23 de Abril de 1974, Nhala – A comitiva saindo de Nhala rumo a A. Formosa. No jeep de trás, reparo agora, segue o intérprete africano que, afinal, já acompanhava o General Bettencourt.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Últimos 10 postes da série de:

22 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15139: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (21): De 2 a 25 de Setembro de 1973

29 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15174: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (22): De 09 a 23 de Outubro de 1973

6 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15207: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (23): De 27 de Outubro a 12 de Novembro de 1973

13 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15244: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (24): De 14 de Novembro a 22 de Dezembro de 1973

20 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15271: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (25): De 6 a 26 de Janeiro de 1974

27 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15297: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (26): De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

3 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15320: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (27): De 01 a 31 de Março de 1974

10 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15348: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (28): De 01 a 7 de Abril de 1974

17 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15376: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (29): De 08 a 16 de Abril de 1974
e
24 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15404: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (30): Abril de 1974

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15404: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (30): Abril de 1974

1. Em mensagem do dia 21 de Novembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos mais uma página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

30 - Abril de 1974

Das minhas memórias: Os patrulhamentos

Desde o início da construção da estrada Aldeia Formosa-Buba, em Outubro de 1973, até quase ao final de Maio de 1974, é recorrente na HU do BCAÇ 4513, o seguinte registo: “Forças do Batalhão e de reforço continuam a dar segurança aos trabalhos de Engenharia, assim como a executar patrulhamentos para as regiões de fronteira e contra-penetrações nos tradicionais corredores de passagem IN”. A maioria desses patrulhamentos, para as regiões frequentemente vigiadas, não me deixaram grandes memórias. Eram as rotinas. Mas os que fiz por caminhos nunca antes calcorreados, para regiões que me eram indicadas no mapa da sala de operações, pelo contrário, deixavam-me quase sempre memórias indeléveis. Por isso, ainda hoje, sou capaz de os descrever sem necessidade de recorrer a notas escritas. Mesmo que não acontecesse nada de grave, e eu tive quase sempre a sorte de não me acontecer nada, (faço por esquecer o que penámos enquanto Companhia de intervenção nos chãos massacrados de Cumbijã, Nhacobá e arredores), às vezes bastava uma pequena descoberta, deparar-me com um sítio estranho ou uma paisagem desconcertante, e não esquecia mais.

Certo dia, o Comandante de Companhia indicou-me no mapa uma zona e um rio. Acautelara a contratação de um guia e avisou-me que o único caminho era a corta-mato. Apenas iria o meu grupo de combate. Saímos cedo pela picada para Buba mas pouco andámos e o guia flectiu à direita. Embrenhámo-nos na mata que, logo ali, se apresentava como intransponível. Mas isso ao princípio não me perturbou nada, pois já tinha passado por muitas matas assim. Pensava eu. O guia, de catana em punho ia abrindo caminho, mas chegou-se a um ponto em que o pelotão teve de parar porque a abertura de passagem não era ao ritmo dos nossos passos. Pior, foi quando vimos o guia pôr-se de joelhos e começar a gatinhar à medida que abria um túnel no matagal. Mas seria que não houvesse uma passagem mais aberta, que ao menos caminhássemos de pé? Olhei à esquerda e à direita, hesitei, mas pensando bem, o guia conhecia a zona e não seria por gosto, certamente, que ia ali de gatas. Fiquei preocupado. A passagem que ia fazendo rente ao chão era estreita, muitos galhos e paus secos, arbustos densos. Pessoal! Atenção às patilhas de segurança, atenção às cavilhas das granadas à cintura, armas no chão ao longo do corpo, um de cada vez! Que caraças!... Mais que uma vez tive de parar e esticar-me para trás a agarrar o quico, afastar ramos por causa dos olhos. Apetecia-me parar tudo, voltar atrás, mas o guia já ia lá à frente, perdi-o de vista. Queria dizer-lhe que por ali não seguíamos mais, tinha que haver uma alternativa ou regressávamos. Mas tinha que avançar se lhe queria falar, e ele sempre distanciando-se... Mas depois apercebi-me que os da frente se adiantavam muito e calculei que estavam a entrar em mata aberta. Tranquilizei-me. Era melhor não dizer nada ao guia. De qualquer modo já não devia faltar muito... Mas faltava. Transpirávamos por todos os lados mas, pelo menos, caminhávamos de pé. Chegámos à orla da mata exaustos, cheios de fome e de mau humor.

Quando olhei em frente, para um mar de luz, vi uma savana amarela e, a cerca de cem metros ou pouco mais, um cordão infindável e cerrado de árvores de copa redonda até ao chão. Era o rio, não havia dúvidas. O que me deixou desconcertado foi a semelhança incrível com o cenário que se me deparou ao sair de uma mata, tão longe dali, quando patrulhava uma região para os lados do Cumbijã. Apenas com a diferença, lá, do ar intensamente salgado, e com bolanhas outrora cultivadas próximas da savana e das lalas. Aqui era só savana rasa, atravessada pelo rio paralelo à orla da mata, e o ar era limpo. Tudo tão plano que pouco se vislumbrava para além das árvores do rio. Perguntei ao guia se estávamos no sítio certo e ele acenou-me com a cabeça e disse um “sim”, lacónico.
- Então vamos lá espreitar o rio - disse-lhe eu. Respondeu-me qualquer coisa do género:
- Eu não dá mais passo. Lá, - e apontava para além do rio -, tudo turra.

Disse aos furriéis para instalarem o pessoal na orla e fui sozinho direito ao rio, tal como fizera muito tempo antes, no cenário de salitre referido atrás. Estava entusiasmado com aquele belo trecho da natureza, e muito curioso com a visão para lá do rio. Deixei a arma e o cinturão no capim e subi aos ramos fortes que vinham até ao chão, árvores estranhas e espinhosas. De ramo em ramo e já por cima da água lá no fundo escuro, percebi que o leito não teria mais de três metros de largura e apenas se adivinhava pelos reflexos, na penumbra da galeria de árvores. Nem dava para entender se tinha movimento ou estava estagnado. De onde estava já dava para perceber que do outro lado a savana continuava mas, aqui, formando um triângulo comprido entre a mata densa, esgueirando-se à direita, ao fundo, e perdendo-se de vista.

O silêncio era total. Quedei-me uns momentos a observar através da folhagem essas matas à minha frente, com a luz a ofuscar-me a visão, e decidi avançar para descer do outro lado no tapete de capim baixo e seco. Queria ir espreitar as matas que delimitavam a savana, tentar encontrar vestígios que denunciassem passagens ou permanências, enfim, o costume. Aparentemente, tudo parecia virgem desse lado do rio. Mas não consegui avançar mais. Já tinha os braços cheios de arranhões e receei cair por ali abaixo e rasgar o corpo naqueles espinhos. Fazer o caminho inverso também não foi fácil e só me senti seguro quando pus os pés no chão.

Regressei ao grupo e, depois de descansar e comer qualquer coisa, voltámos a Nhala a corta-mato. Pareceu-me mais fácil esta caminhada, mas já era quase noite quando se nos atravessou à frente a picada que vinha de Buba. Iniciámos o percurso pela picada num ponto que me pareceu mais longínquo de Nhala do que aquele em que saíramos para iniciar de manhã o corta-mato. Isto fazia alguma diferença, devido ao adiantado da hora.

Já com o Sol no ocaso e pára na picada o grupo todo. Lá de trás passam palavra que um homem se estava a sentir mal. Vou ver e está o maqueiro a tratar um soldado deitado no chão, imóvel mas de olhos abertos. Já não recordo bem, mas parece-me que tinha sido acometido de um ataque epiléptico. Disse ao radiotelegrafista para contactar com Nhala para virem com um Unimog buscar o doente. Não atendeu ninguém. Mandei fazer uma padiola (maca) com um dólmen e dois paus e recomeçámos o caminho já com a noite fechada. Disse para se ir insistindo no contacto com Nhala, já não muito longe mas, talvez por ser hora do jantar, não respondiam. Entretanto já se via o clarão da iluminação do aquartelamento e punha-se-me a questão: como iremos entrar se a sentinela mais próxima não entender a situação? Saberá que há um grupo de combate no mato? Pensava também: E o capitão e os outros, mais os das transmissões, esqueceram-se todos de nós? Estava furioso e indignado e o caso não era para menos.

Antes que os projectores do arame farpado nos batessem de chapa e precipitassem a sentinela mais próxima, quase no canto da tabanca do lado da picada, mandei parar todos antes da curva próxima e avancei sozinho, cheio de cautelas. Com a luz a encandear-me e virado para onde julgava estar o posto, berrei alto chamando a sentinela. Uma vez, duas vezes sem obter resposta. Perdi a paciência. Desertaram todos, ou quê? Dei um tiro para o ar e aproximei-me mais, anunciando o meu nome bem alto, tentando sobrepor-me ao ruído do gerador eléctrico.
Quase de imediato ouço do outro lado:
- Estou a vê-lo, meu alferes. Podem entrar.
- Não, não! - Respondi-lhe - Vais imediatamente avisar as sentinelas mais próximas e de seguida dizer ao furriel enfermeiro que trazemos um doente.

Fomos entrando, exaustos e esfomeados, mas sem grande vontade de encarar os outros. Já todos tinham jantado no aquartelamento e cada um estava na sua vida. Custava a acreditar. Eu cheguei com umas trombas que deviam meter medo e respeito. Não recordo se cheguei a jantar e se o soldado doente ficou estabilizado. Acho que ignorei toda a gente, menos o capitão, a quem expus a minha incompreensão pela falta de resposta do posto de rádio e por todos se terem esquecido que havia um grupo no mato. Mas já não tenho a mínima lembrança do que me respondeu. Também não me recordo de uma situação parecida nem antes nem depois.

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Muito mais fácil e sem tensões, foi um patrulhamento que fizemos em bigrupo, iniciado pela estrada nova em direcção a Buba em viaturas, depois calcorreando um trilho da guerrilha e regressando pela picada Buba-Nhala. Com o meu grupo, o 4.º, saiu o 3.º grupo do alferes Barros. Como tudo correu bem e, no final deste patrulhamento rotineiro, (ou contra-penetração?), podíamos dizer que fora um belo passeio. Refiro isto como pretexto para deixar aqui mais algumas fotografias, até porque não tenho muitos registos fotográficos de saídas em bigrupo.

Foto 1: O 3.º e o 4.º Grupos de combate da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 transportados em viaturas pela estrada Buba-Nhala, iniciam depois um patrulhamento apeado comandados pelo Alf. Mil. Tibério Barros e por mim, respectivamente. 

Foto 2: As viaturas regressam a Nhala. Os grupos prosseguem até se embrenharem na mata, lá mais à frente, para interceptarem o carreiro da guerrilha que cruza aquela zona. Repare-se que a estrada continua por alcatroar, tal como noutros troços, por falta de alcatrão. 

Foto 3: O meu grupo de combate aguarda que se ganhem distâncias para poder avançar. À frente vai o 3.º grupo. Em primeiro plano, de costas, o soldado Frade de Coimbra. Creio que era o único casado do grupo. 

Foto 4: Ainda na estrada, imagem agora colhida da frente da coluna, vendo-se os homens do 3.º grupo de combate. 

Foto 5: Pessoal do 3.ºgrupo, trilhando o carreiro da guerrilha. 

Foto 6: O meu grupo de combate, quase sem baixas, a gozar o merecido descanso. Nesta imagem faltam os dois furriéis. 

Foto 7: O 3.º grupo de combate também a descansar. O Alferes Barros é o do lenço azul e à sua esquerda a olhar para o fotógrafo, o Furriel Félix. 

Foto 8: Regresso a Nhala pela velha e saudosa picada. Na imagem, o pessoal do 3.º grupo. 

Foto 9: Tirada do mesmo ponto da anterior, a fotografia mostra o homem da bazuca do 3.º grupo e, em segundo plano e à direita, o Furriel Pastor do meu grupo. 

Foto 10: Ainda do mesmo ponto de vista, em primeiro plano o Radiotelegrafista Bento seguido do 1.º Cabo Maqueiro Baptista Custódio, ambos do meu grupo.

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2015 Guiné 63/74 - P15376: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (29): De 08 a 16 de Abril de 1974

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15376: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (29): De 08 a 16 de Abril de 1974

1. Em mensagem do dia 14 de Novembro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 29.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

29 - De 8 a 16 de Abril de 1974

Da História da Unidade do BCAÇ 4513: O reconhecimento de Sua Excelência

ABR74/08 – (...) De Sua Excelência o General Governador e Comandante-Chefe, foi recebida uma mensagem, manifestando o seu apreço pelo esforço desenvolvido pelo pessoal empenhado na segurança e trabalhos das duas frentes de estrada A. FORMOSA-BUBA.


Das minhas memórias:

15 de Abril de 1974 – (segunda-feira) – A estrada. Sempre a estrada

Em carta para a Metrópole refiro a dado passo: “Neste momento estão, ao todo, 7 grupos de combate em Nhala. Três, para além dos da minha Companhia, devido às obras da estrada nova. As máquinas ficam no mato a cerca de 9km daqui e temos de pernoitar lá para as proteger. Ainda mais, junto a um corredor do PAIGC. Passam-se, assim, 26 horas fora do aquartelamento”.

Era mesmo assim. Depois do encontro das duas frentes de trabalho ocorrido no passado dia 7 e com as máquinas a operar cada vez mais longe, para além das picagens de manhã cedo e da protecção às obras ao longo do dia, ainda tínhamos que dormir no mato para proteger a maquinaria. Era necessário rodar os grupos de combate nestas rotinas. Daí o reforço da tropa em Nhala.

E como era dormir no mato, em campo aberto, quase em cima de um trilho do inimigo? E, já agora, como era a última refeição do dia em tais circunstâncias? Tentarei dar uma ideia a seguir. Antes, referir que a preparação, de véspera, para um dia tão longo, era feita com mil cuidados e muitas preocupações. A Engenharia construíra no local de pernoita um abrigo à superfície, apenas com terra, que parecia uma LDG com uma barreira de segurança que a dividia em duas. Era assim uma espécie de barca do inferno mas, para não associar o Gil Vicente a um empreendimento sem grandiosidade, chamar-lhe-ei “LDG” em terra.

Antes de escurecer instalávamo-nos na “LDG” e organizávamo-nos como num destacamento, de modo estratégico e com sentinelas toda a noite em rotação. Dada a proximidade da mata nas nossas costas, o que eu mais temia era um assalto. E nós éramos apenas um grupo de combate desfalcado. Instruía todos para essa eventualidade. Recordo bem que, a pensar nessa situação extrema, arranjei de véspera uma saca velha de farinha e nela carreguei seis ou sete granadas defensivas (um peso do caraças, para além das que sempre usei à cintura), e que foi a minha cabeceira no dia das fotografias que junto.

Da mata à nossa frente, muito para além da estrada, e onde por mais de uma vez foram vistos vultos em movimento na orla, o meu receio era a flagelação prolongada. Mas também essa hipótese foi acautelada com maior quantidade de granadas.

Outro receio fundamentado era que, de manhã, com a chegada dos novos grupos de combate e as viaturas que nos levariam de regresso, fôssemos atacados aproveitando a inevitável confusão e excesso de homens no terreno, como já ocorrera noutros locais. Mas nem de noite nem de manhã aconteceu nada. Também poderíamos ser emboscados na correria maluca de regresso a Nhala, duas ou três viaturas com um pelotão mal dormido, desacautelado de cuidados. Enfim, mesmo ao almoço não estávamos livres de nos engasgarmos e morrermos asfixiados com as salsichas da bianda...

Imagem de satélite do Google Earth (2013), com a devida vénia, onde realcei a branco a estrada de A. Formosa-Buba (1973-74). A linha que tracei do “carreiro” de Uane é aproximada e intercepta a estrada (círculo vermelho) a, mais ou menos, 9 km de Nhala. Do lado de Buba não recordo a localização dos carreiros. As imagens que se seguem referem-se a uma das dormidas no mato na zona do círculo vermelho. 

Foto 1: Abril de 1974 – Local de concentração das máquinas da Engenharia após mais um dia de trabalho. É aqui que iremos passar a noite para a sua protecção. Em primeiro plano, parte do pessoal de um grupo de combate da CCAÇ 18, creio, que estiveram com o meu grupo na protecção às obras durante o dia, e que agora se preparam para regressar a A. Formosa, deixando-nos sós. Vê-se uma White dos nossos camaradas da Cavalaria que os vão acompanhar. Tirando este bocadinho de terreno com sombras, onde até se podia fazer um piquenique, tudo em redor é inóspito e desolador. Um cenário de matas e terras revolvidas, quase apocalíptico. Em contraponto, o humor do pessoal parecia desenquadrado, como se não estivessem ali para o que se sabia. E quando assim era, significava que nada de mal nos acontecia. E não aconteceu.

Foto 2: Lamentavelmente desfocada, mas única, esta fotografia de mais alguns elementos do grupo de Cavalaria. 

Foto 3: Todo o pessoal abandona o local e regressa a A. Formosa. Esta White teve um dia uma fraqueza de ânimo mesmo à minha frente, em Nhala. Mais tarde contarei o episódio.

Foto 4: O meu grupo de combate dispersa-se e toma a última refeição do dia, antes de se abrigar para passar a noite. Que virá rápida. De pé, da esquerda para a direita: Furriel Oliveira, Rui Pereira, Furriel Pastor e 1.º Cabo “Tarouca”. Sentados: Manuel Gomes, à esquerda, e o Baptista à direita. O do centro não recordo o nome. 

Foto 5: O Furriel Oliveira faz a distribuição de água. 

Foto 6: Este é o Victor, andrajoso mas de grande carácter e bonomia. E safado. Foi preciso a película dos slides fazer o périplo Guiné-Metrópole-Espanha-Metrópole-Guiné, para eu perceber aquele riso sarcástico: tinha as calças rotas e uma exposição indecorosa. Na altura, com o cantinho de uma lâmina raspei do slide as indecências. Quer dizer, estraguei o slide.

Foto 7: O grande e eficiente bazuqueiro do grupo, “Mafra” (por ser de lá). Ao fundo vê-se o 1.º Cabo maqueiro, Custódio. 

Foto 8: O Alferes António Murta a dar corda a uma lata de feijoada, creio. O que recordo bem é que no final do repasto comi duas ou três mangas apanhadas ali próximo (Samba Sabali?). Fora o conselho de alguém para que passasse a noite sem ter frio... 

Foto 9: Rapazes do melhor que havia, e eram muitos no meu grupo. Da esquerda para a direita: José Gomes, “Mafra”, Victor e Osório (de costas). O Osório é de Coimbra e encontrei-o uma vez, para alegria de ambos. Pena que não tenha fotografado a totalidade do grupo, mas nem sei se tinha película para todos. Nem os custos eram como os de hoje.

Foto 10: O Sol ainda não espreita. Uns dormem, outros vigiam. Eu recomeço a fotografar. Esta imagem foi captada da barreira que divide em dois o grande abrigo: “LDG” em terra, lado do morteiro. E de Nhala.

Foto 11: Ainda do lado do morteiro, com o pessoal já despertar. A humidade nos ossos ficaria ainda por muito tempo.

Foto 12: O lado oposto da “LDG” com o “posto de comando” em primeiro plano, onde se vê o Furriel Oliveira a tomar o pequeno-almoço junto à minha cama. Na minha cabeceira é visível o cordão da saca das granadas defensivas. Felizmente, teria de carregar com elas de novo no regresso. Próximo, vê-se o “posto de rádio”, com o operador ainda a dormir. Lá para onde o nevoeiro ainda tudo cobre, a meia dúzia de quilómetros, fica Mampatá.

Foto 13: Em tempo de guerra também se limpam armas, e o Fur. Oliveira esmera-se. Está na hora de “desembarcar” e montar guarda às viaturas que entretanto chegarão para nos levarem de regresso a Nhala. Não tarda, a nossa tranquilidade vai ser perturbada pela chegada, sempre caótica, dos grupos que nos virão render em jornada igual. Mas a nossa alegria vai ser muita ao vê-los chegar. Por nós, está cumprida a missão.

(continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

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