Mostrar mensagens com a etiqueta Fernando Calado. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Fernando Calado. Mostrar todas as mensagens

domingo, 27 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1788: Convívios (10): Pessoal de Bambadinca 1968/71: CCS do BCAÇ 2852, CCAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e 63 (Luís Graça)

Lisboa > Casa do Alentejo > 26 de Maio de 2007 > Encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71 > A organização coube ao Fernando Calado (na foto, à esquerda), coadjuvado pelo Ismael Augusto, ambos da CCS/BCAÇ 2852 (1968/71).

O grupo (mais de 60 convivas) teve na Dra. Rosa Calado (na foto, ao centro), elemento da direcção da Casa do Alentrejo, uma simpatiquíssima anfitriã. O editor do blogue e fotógrafo, à direita, chegou tarde, mas ainda a tempo de constatar que a organização esteve impecável e o que o sítio não podia ser melhor, em pleno coração de Lisboa. O fotógrafo de circunstância foi o Ismael.

O ex-soldado condutor auto da CCAÇ 12 Alcino Braga (que vive em Lisboa), com dois homens marcados para sempre pela guerra: o ex-Fur Mil At Inf António Fernando Marques, gravemente ferido numa mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1971 (1) (2); e o ex-Fur Mil Patuleia, meu vizinho, natural do Bombarral, e meu amigo (ficou cego na explosão de uma mina em Angola; é ex-presidente da ADFA). O Patuleia e o Marques conheceram-se no Hospital Militar Principal da Estrela.


Elementos da CCAÇ12 > O ex-soldado condutor auto Alcino Carvalho Braga e o ex- 1º Cabo Apontador  de Armas Pesadas José Manuel P. Quadrado (que pertenceu ao 1º Gr Comb da CCAÇ 12, comandado pelo Alf Mil Moreira, seguramente o melhor oficial da companhia). Não sei o que é um e outro fazem hoje na vida. E do Moreiro perdemos o rasto.

O Mourão Mendes (da CCS/BCAÇ 2852, que vive atualmente em Torres Novas) e Gabriel Gonçalves, o famoso GG  (ex- 1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 12, residente em Lisboa).


O ex-Fur Mil At Inf Joaquim A. M. Fernandes, da CCAÇ 12, ao centro, falando com o Marques e o Patuleia. O Fernandes foi ferido, numa mina anticarro, em 13 de Janeiro de 1971, à saída de Nhabijões (2). Vive no Barreiro. Engenheiro, é director da Direcção de Infra-estrtuturas, da Quimiparque... Censurou-me, e com razão, de nunca aparecer nos convívios da malta de Bambadinca,  1968/71... Não me justifiquei: teria dificuldade em fazê-lo... Percebo as suas razões, entendo os seus ressentimentos, sou até capaz de comprender a sua ironia, não gostaria de magoar um amigo... De qualquer modo, hoje os meus camaradas da Guiné não se restringem apenas aos da minha ex-companhia, a CCAÇ 2590/CCAÇ 12...


O Marques e o Patuleia: amigos para sempre. Ambos estão reformados: O Marques, da sua actividade comercial; o Patuleia, como ex-funcionário da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (ainda o conheci, na Repartição de Finanças  da Reboleira, a 3ª da Amadora)...



José Fernando Almeida: ex-Furriel Miliciano de Transmissões, CCAÇ 12. Era o Don Juan da CCAÇ 12. Tinha, de resto, tempo, vagar e... talento para namorar as bajudas de Bambadinca: nunca saiu para o mato... Vive em Óbidos há 10 anos. Ao que sei, o Almeida está reformado da RDP.



O José Luís Vieira de Sousa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 12, com a esposa e com a Teresa, esposa do Humberto Reis (ausente na Suécia, em viagem de negócios). O Sousa é corrector de seguros no Funchal. O Reis falhou, pela primeira, o encontro do pessoal de Bambadinca 1969/71. Mas venho depôr em seu favor: ele esteve impecavelmente bem representado pela esposa, a Sra. Dona Teresa que, além de grande senhora, é uma santa (não é fácil ser companheira de um camarada da Guiné).

O Sousa, coitado, estava desolado, sem o aparentar: tinha vindo de uma viagem turística à Eslováquia, em voo charter, por conta de uma das seguradores com quem trabalha; mas na volta ficou sem bagagens nem bilhete de regresso ao Funchal... Mesmo assim arranjou disposição para ir ao encontro dos seus velhos camaradas de Bambadinca... Confessou-me que foi comprar uma camisa nova, no hipermercado... Enfim, um gesto que merece a nota de cinco estrelas, na escala de camaradagem, de 1 (Mínimo) a 5 (Máximo)... De resto, em 18 meses de intensa actividade operacional no TO da Guiné nunca vi este homem perder a face, a calma ou as estribeiras!... Ontem como hoje, o Sousa é um homem calmo, razoável, autocontrolado, afável... (Desta vez, não trouxe a sua viola!).


O Ismael Augusto e o José Manuel Amaral Soares, ex-furriel mil sapador, ambos da CCS do BCAÇ 2852. O primeiro vive em Lisboa (trabalhou na RTP como engenheiro e gestor; é actualmente consultor e docente universitário nas áreas da multimédia). O Soares, por sua vez, vive em Caneças.

Malta da CCS do BCAÇ 2852: em primeiro plano, o ex-furriel milicano vagomestre Carvalhal (que vive em Vila Nova de Famalicão e foi um dos organizadores do encontro do ano passado), o Fernando Taco Calado e o Mourão Mendes. Não consigo identificar o camaradas que está por detrás do Calado. Nem sei qual era o posto e a especialidade do Mourão Mendes.

O Jorge Cabral (ex-Alf Mil do Pel Caç Nat 63), conversando com o Ismael e  Otacílio Luz Henriques (ex-1º cabo bate-chapas, do pelotão do Ismael, o pessoal da ferrugem). Como toda a gente sabe, o Cabral é advogado e docente universitário, além de excelente escritor. Bem gostaria de ver editado um book com as suas deliciosas estórias cabralianas... Prometeu-me em breve mandar mais uma: disse-me o título, que não fixei...

O Agnelo Ferreira Pereira e a esposa. Ambos são meus conterrâneos, da Lourinhã. É um velho amigo de infância. Foi o primeiro camarada com quem falei, ao passar por Bambadinca no dia 2 de Junho de 1969, a caminho do meu destino (Contuboel, a nordeste de Bafatá), quatro dias depois do grande ataque ao aquartelamento, sede do Sector L1.

O Agnelo era operador de transmissões, fazendo parte da equipa do ex-Alf Mil Trms Fernando Calado. Recordo-me ainda das palavras do meu amigo: - "Podíamos ter morrido todos" [se as canhoadas e morteiradas tivessem acertado em cheio no alvo]... O Agnelo está hoje reformado. Trabalhou, com os irmãos, como despachante alfandegário... A entrada na CEE provocou um terramoto nesta actividade... E o Agnelo sofreu com isso...

O Isamael e o casal Calado. A Rosa (que é professora de história no ensino secundário, em Lisboa) faz parte dos orgãos de gestão da Casa do Alentejo. Teve a gentileza de fazer as honras da casa. Pequeno privilégio, mostrou-me a mim, ao Fernando e ao Isamael, algumas das salas, não abertas ao público, e que foram recentemente remodeladas... A sua próxima batalha é encontrar um (ou mais) mecenas para as urgentes obras de reparação da cobertura do prédio.

Dois antigos elementos da CCAÇ 12 > à esquerda, o Francisco Patronilho (ex-Sold Condutor Auto, vive hoje em Brejos de Azeitão) e, à direita, o Fernando Andrade Sousa (ex-º Cabo Aux Enf, vive na Trofa, tendo organizado, em 2006, juntamente com o Carvalhal, o anterior encontro do pessoal de Bambadinca 1968/71).

O Patronilho, que já era casado e tinha um filho, quando esteve em Bambadinca, teve que puxar pela imaginação e suar as estopinhas para arranjar um dinheirinho extra para mandar à família e ir visitá-la nas férias... De regresso à vida civil, foi preparador de trabalho na Lisnave até se chatear com o ambiente e montar o seu próprio negócio, na área da reparação automóvel (se bem percebi), na terra onde vive... O Sousa, residente na Trofa, tanto quantome lembro, trabalhou na indústria têxtil e reformou-se no bom tempo, há menos de meia dúzia de anos... Nenhum deles tem ou usa e-mail. Mas o Sousa de vez em quando vai espreitar o nosso blogue...


O ex-Furriel Miliciano At Inf, da CCAÇ 12, Joaquim Pina. Continua a viver em Silves (Algarve). Foi ferido em combate, no decurso da Operação Borboleta Destemida, em Janeiro de 1970. Era um exímio amador de ilusionismo e bom tocador de viola. Um homem extramamente afável e bom camarada. Gostei de o rever. Não sei o que faz hoje. Confessou-me que não conhece o blogue nem tem e-mail, o que não é crime, mas é uma... pena (3).

Fotos: © Luís Graça (2007). Direitos reservados.





Videoclipe (36 segundos) > O nosso Pavarotti alentejano... Voz: Fernando Taco Calado (ex-técnico superior na área da gestão de recursos na Petrogal; actual docente universitário; excelente executante do cante alentejano). Assistência: O ex-furriel dos reabastecimentos Lopes (espantosamente tem a mesma cara de há 38 anos, e que eu reconheci imediatamente) e o ex-furriel vagomestre Carvalhal (ex-CCS do BCAÇ 2852)... Faltou desta vez a viola do J. L. Vacas de Carvalho (ex-Alf Mil Cav, do Pelotão Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1969/71). Há uma voz, que se ouve, a reclamar a massa do almoço, e que é a da Dra. Rosa Calado, da direcção da Casa do Alentejo... Entrentanto, sou testemunha de que o nosso Fernando, depois deste pequeno ensaio de um belíssimo cante alentejano, liquidou as contas do almoço... Cerca de 1500 euros, se a vista ou a memória me não atraiçoam...

Para reproduzir o vídeo, basta clicar duas vezes na imagem e, naturalmente, ligar o som... Devo acrescentar que o Fernando Taco Calado já nos tinha dado, há uns meses atrás, no encontro da Ameira, um cheirinho dos seus grandes dotes vocais (4), fazendo-nos (re)lembrar algumas das nossas noitadas de Bambadinca... A este propósito, costumo lembar que eramos mochos - os operacionais e muitos outros... Vivíamos de noite, dormíamos de dia (quando nos deixavam)... Para quem andava no mato, as 4 da madrugada eram a hora mortal do dia, a hora de todas as angústias... Saíamos ainda de noite, cerrada, para as nossas operações, tentando surpreender o IN no seu sono profundo... Depois do jantar, e até às tantas, era preciso ocupar o tempo: cantando, jogando, bebendo, escrevendo, ou simplesmente tabaqueando o caso, como dizem os alentejanos...

Vídeo: © Luís Graça (2007). Direitos reservados. Vídeo alojado no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau_Videos. Copyright © 2003-2007 Photobucket Inc. All rights reserved.


Casa do Alentejo, Lisboa, 26 de Maio de 2007 > Almoço-convívio do pessoal de Bambadinca 1968/71 > Vídeo (36 segundos) > O nosso Pavarotti alentejano > Fernando Calado, natural de Ferreira do Alentejo, no seu melhor... mas desculpando-se de que um alentejano nunca canta sozinho...

Na emblemática e histórica Casa do Alentejo, sita no nº 58 da Rua Portas de Santo Antão, em pleno ventre de Lisboa, sob a batuta do Fernando Calado e do Ismael Augusto, realizou-se mais um almoço-convívio, no passado dia 26 de Maio, do pessoal que esteve em Bambadinca, entre 1968 e 1971.

Os convivas ultrapassaram as 6 dezenas, incluindo familiares. Cheguei, conforme prometido, já no fim do repasto, mas deu para rever velhos camaradas da Bambadinca do meu tempo, tanto da CCS do BCAÇ 2852 como da CCAÇ 12... Do pessoal de outras unidades adidas ao comando do Sector L1 só encontrei o Mário Beja Santos (Pel Caç Nat 52, que estava de saída quando eu entrei) e o Jorge Cabral (Pel Caç Nat 63).

Do pessoal da minha antiga companhia, revi alguns ex-furriéis milicianos (Pina, Fernandes, Marques, Almeida e Sousa), ex- condutores como o Patronilho e o Braga, ex-ajudantes de enfermeiro como o Sousa, e ainda ex-operadores cripto: o Gabriel Gonçalves e o Murta (de que não tenho registo fotográfico).

Da CCS do BCAÇ 2852, há a registar a presença dos ex-Alf Mil Ismael Gonçalves (Manutenção) e Fernando Calado (Transmissões), os dois organizadores do encontro, além do ex-Furriédis Miliciano Soares (Sapador), Carvalhal (Vagomestre) e Lopes (Reabastecimentos).

O Mendes Mourão será o organizador do próximo encontro, em Maio de 2008, em Torres Novas. Tive também o grato prazer de encontrar o meu amigo Agnelo Ferreira Pereira e esposa, ambos da Lourinhã.
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

(...) " Excertos do Diário de Um Tuga (ex-furriel miliciano Henriques, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) > 13 de Janeiro de 1971 > E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).


(2) Vd. post de 23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)


(...) "História da CCAÇ 12 (1969/71)

"(19) Janeiro de 1971: 1 morto de 6 feridos graves aos 20 meses


"O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:

"(i) Às 5.45h o 1º Gr Comb detectou, durante a batida à região de Ponta Coli, vestígios dum grupo IN de 20 elementos vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT.

"(ii) Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C.

"0 condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf. Mil. Moreira] (a), 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917).

"(iii) Imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.

"Ao chegar junto da viatura minada, o Cmdt do 4° Gr Comb [Alf. Mil. Rodrigues] (b) deixou duas praças a fazer a pesquisa, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.

"Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe [um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões (c), agora transferidos para o reordenamento], mas nas proximidades do reordenamento (Bolubate) aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalha na bolanha.

"(iv) Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur. Mil. Marques e Henriques] (d) , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf. Mil. Rodrigues, o Sold TRMS Pereira e os Sold Cherno e Samba" (...).

(3) Vd. post de 12 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXIII: Op Borboleta Destemida: uma emboscada de meia-hora (Poindon/Ponta Varela, CCAÇ 12, Janeiro de 1970) (Luís Graça)

(...) "Enveredando por aí, e passados uns 100 metros, os homens da frente (1º Gr Comb da 12), ao entrarem numa clareira, detectaram um grupo IN instalado atrás de baga-bagas e de árvores. Evidenciando grande rapidez de reflexos, o apontador de LGFog 8,9 Braima Jaló foi o primeiro a abrir fogo. No mesmo instante começámos a ser violentamente flagelados com Mort 82, Lança-Rckets e rajadas de metralhadora. Uma granada de morteiro rebentou junto da 2ª secção do do 1º Gr Comb, tendo os estilhaços atingido o Furriel Mil Pina, o 1º Cabo Atirador Valente e os soldados Baiel Buaró e Sajo Baldé " (...).

(4) Vd. post de 24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1208: Eu ouvi o passarinho, às quatro da madrugada (J.L. Vacas de Carvalho / Fernando Calado)

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969


T/T Uíge > CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) > Três oficiais milicianos, da esquerda para a direita: Ismael Augusto (manutenção), o David Payne (medicina) e o Fernando Calado (transmissões). Todos eles estavam em Bambadinca, na noite em que o aquartelamento foi atacado em força pelo PAIGC, como represália pela Op Lança Afiada (1). Bambadinca voltara a ser atacada, a 14 de Junho de 1969. O Calado e o Augusto são os organizadores do encontro, deste ano, do pessoal de Bambadinca (1968/71). O Payne, infelizmente, já morreu. (LG)

Foto: © Fernando Calado (2007). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > O Alf Mil de Transmissões, de braço ao peito, junto à parede, crivadas de estilhaços de granada de canhão sem recuo, das instalações do comando, messe e dormitórios de oficiais e sargentos, na sequência do ataque de 28 de Maio de 1969. Esta era a parte exterior dos quartos dos oficiais, mais exposta, uma vez que o ataque partiu do lado da pista de aviação. O Fernando traz o braço ao peito, não por se ter ferido no ataque mas sim por o ter partido antes, num desafio de... futebol.

Foto: © Fernando Calado (2007). Direitos reservados.



47ª Parte da série Operação Macaréu à Vista, da autoria de Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (2). Texto enviado a 3 de Maio de 2007. Subtítulos do editor do blogue.


Caro Luís, muito obrigado por teres impulsionado este segundo encontro [, em Pombal, no dia 28 de Abril de 2007,] onde revi camaradas inesquecíveis como o Humberto ou conheci outros como o Mexia Alves, um pouco a história da minha vida no Cuor.

O texto que te envio hoje centra-se no ataque a Bambadinca, em 28 de Maio [de 1969]. Tens aí a fotografia do Calado de braço ao peito a mostrar os estilhaços de uma morteirada junto às habitações dos oficiais. Eu próprio escrevi um aerograma à Cristina em cima do acontecimento, que tens plena liberdade para usar. Não me recordo de outras imagens deste evento e, como sabes, as marcas passaram depressa. Quando a CCAÇ 12 chegou, já se tinha feito a cosmética. E o segundo ataque deixou ainda menos marcas. Seguem igualmente pelo correio os dois livros referidos. Um grande abraço do Mário.


Finete está a arder?
por Beja Santos


Hoje, 27 de Maio [de 1969], levanto-me estonteado e bem derreado pela emboscada feita há poucas horas em Sinchã Corubal. Tenho uma secção de pelotão de milícias em Finete, onde vão trabalhar no levantamento de um novo abrigo e na construção do balneário. Vamos, pois, levar um dia ameno, entregue aos afazeres domésticos até que o Teixeira nos comunique a hora de partida para Mato de Cão.


Antecipando a vingança da gente de Madina


O que aconteceu ontem em Sinchã Corubal (2) não me sai da cabeça mas procuro prevenir a reacção da gente de Madina: Será que desta vez irei ser emboscado entre Canturé e Gambaná? Em Mato de Cão é impossível, é um planalto de onde se avista todo o palmeiral de Chicri, qualquer aproximação é facilmente detectada de dia. A não ser que eles ensaiem uma emboscada nocturna, embora seja difícil saber qual o itinerário que vamos usar, faça sol ou chuva andamos sempre por caminhos diferentes para evitar as mais amargas surpresas. E momentos há em que duvido da capacidade de beligerância da gente de Madina.

Converso com os furriéis, hoje é melhor dar condições para haver aulas para os soldados e crianças, vistoriar as munições e o abastecimento de víveres, fazer uma capinação lá para os lados de Sansão, olhar com mais cuidado a contabilidade, já que as folhas de pagamento têm que ser enviadas urgentemente para Bambadinca.

Enquanto ganhamos balanço para as actividades no interior de Missirá, o Casanova recorda-nos que o mês que finda [, Maio de 1969,] foi marcado por emboscadas a colunas em todo o sector, flagelações brutais a tabancas em autodefesa como Amedalai, Moricanhe e Taibatá.
- Se digo isto, é só para lembrar que andamos numa permanente correria e o nosso inimigo não nos vai fazer excepção, vamos ser atacados em breve. Proponho que conversemos sobre medidas mais rigorosas de segurança. - Aceito a sugestão e o tema fica para ser apreciado sem papas na língua ao almoço.

A hora do expediente ou a burocracia da guerra

Com o Pires, aprecio o expediente corrente: as queixas do Setúbal quanto às velas do radiador do burrinho [, o Unimog 411,] a necessidade de fazer uma coluna com a nova vaga de doentes cheios de malária e até um soldado milícia com elefantíase, o abate de vários cantis que desapareceram nos últimos patrulhamentos; depois procedemos ao apuramento das contas e concordei com as folhas de pagamentos dos milícias de Missirá e Finete; ainda com o Pires tratei do novo mapa das férias, o aquartelamento de Missirá obrigou todos a um esforço medonho, há que reintroduzir a escala de férias ainda que moderadamente dado o número significativo de baixas por doença.


Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Furriel Mil Pires > "O Pires era um algarvio discreto, sóbrio na comunicação e de uma lealdade a toda a prova. Por vezes zanguei-me com ele, por falta de sugestões ou iniciativas. Concentrei demasiados poderes e cometi asneiras e fui imprevidente. Quando o Casanova começou a desmoronar-se psicologicamente, não dei por nada, por pura insensibilidade. Julgo que devia ter empenhado mais o Pires que era meticuloso e tinha um excelente trato com a tropa africana. Ao fundo, vê-se o último abrigo a ser arranjado, que era o dele. Ele queixava-se que lhe tinha deixado a segurança para o fim. Não foi bem assim, já que a carapaça tinha duas camadas de cimento recheadas de três folhas de bidão. Quando abandonarmos Missirá em Novembro este abrigo já não existirá´".



Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Fonte de Cancumba, a noroeste de Missirá.

"Sem a água da fonte de Cancumba a vida em Missirá era impossível. Todos os dias, no mínimo duas vezes, uma secção ia buscar bidões, jerricãs e garrafões. Na véspera de eu chegar a Missirá (3 de Agosto de 1968) veio gente de Madina deixar propaganda e avisos sinistros. Até fins de Outubro de 69, registei por seis vezes a presença do inimigo, aqui. Nunca envenenaram a água. Montávamos segurança para as mulheres lavarem a roupa e abastecerem-se. Era ali que elas tomavam banho com as crianças, recusaram sempre o balneário de Missirá.

"O grande tormento era quando o Unimog 404 ou o burrinho, o 411, estavam avariados. Então, meia Missirá arrastava os bidões ida e volta, operação penosa só compensada pelo banho frio, muitas vezes a cheirar a petróleo. O Furriel Pires tirou a fotografia para celebrar a cabeça rapada".



Fotos e legendas: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Pires, de quem são as chapas, e que era furriel miliciano no Pel Caç Nat 52). Direitos reservados.

Ao fim da manhã, concluído este expediente, e aguardando que Umaru Baldé anuncie que o almoço esteja pronto, olho para o correio recebido e por responder, e guardo energia para correspondência tão dispersa: recebi um amável aerograma do Cláudio Neto, que foi meu furriel na CCAÇ 2402, que me descreve a vida dura que levaram depois de estar em Có e que termina assim: "Não o esqueço nem ao Medeiros Ferreira" (3).

Começo um aerograma para a Cristina, lançando uma trivialidade: "O capim começa a aproximar-se do arame farpado, anoitece muito depressa com um céu funesto, pela noite fora a parada azula-se com o rugido das borrascas. " Será que o cansaço já me rouba a inspiração, estou condenado a escrever estas frases sem nexo? No fundo, ando à volta de uma questão principal que é responder à Cristina se vamos ou não casar por procuração, ainda há uma remota esperança do meu recurso ser aceite e a punição dos dois dias de prisão eliminada, e então poderia ir a Lisboa e casarmos. Esta dúvida vai manter-se até Agosto, altura em que conhecerei que a punição se manterá ainda com redacção diferente, o que vai mudar toda a minha argumentação. Vejo a sombra de Umaru à porta do meu abrigo, oiço-lhe os seus passos que esmagam o saibro. É com alívio que suspendo estas cogitações, esta dor em aerogramas onde nada posso prever para o meu futuro, para o nosso futuro.

Ao almoço, antes de dar a palavra aos três furriéis e aos cabos presentes (o Alcino, o Barbosa, o Teixeira e o Raposo) anuncio que o Raposo vai partir e que Bissau informou que o seu substituto, António da Silva Queiroz, vai chegar em breve. Aproveito para agradecer ao Raposo toda a ajuda que me deu na intendência dos víveres e anuncio que ele será substituído pelo Alcino. Olho-o quando faço este anúncio e sinto a muita amizade que se vai consolidando entre nós.

Recordo o dia, há meses atrás, quando o conheci junto à Capela de Bambadinca, ele tremia como varas verdes, seguramente que o tinham praxado, dizendo-lhe que ia para o pior dos infernos, às ordens de um chefe alucinado. O Alcino é um camponês que reclama sopas adubadas, tem saudades do vinho forte da sua região, tem saudades do seu terrunho, está desamparado de afectos, é frugal no contacto humano, é uma criatura inocente que sofre com a nossa linguagem de caserna, um palavreado indisponível para os seus valores telúricos. Naquele momento ainda não sei o papel determinante que ele vai ter um dia para o encadeado destas recordações, quando, de um só jacto, eu lhe dedicar uma carta, escrita com a maior das intranquilidades e com o meu pedido público de desculpas por nunca mais ter sabido dele, depois de ele passar a sinistrado de guerra.

As preocupações do Casanova são sentidas por todos: vivemos a um ritmo alucinante, com colunas à fonte de Cancumba, desmatamos e descapinamos por vezes em situações de risco, vamos diariamente a Mato de Cão, com as chuvas a precariedade dos abastecimentos obriga-nos a caminhar e a patinhar até Bambadinca, há as emboscadas nocturnas, a segurança ao Sintex, o que ainda resta das obras de Missirá, as idas a Finete, e o mais que se sabe. A correr de um lado para o outro, esqueçemo-nos que o inimigo vigia, recolhe informações e um dia explorará fraquezas, multiplicamos as actividades e o número de efectivos baixa.

Fico mandatado para falar com o Comandante [do BCACAÇ 2852, sito em Bambadinbca,] sobre a necessidade de recebermos mais efectivos, as duas secções de milícias de Missirá devem voltar, há que propor apoios da CCS, gente dos morteiros, sapadores, apontadores de metrelhadora, praças. Precisamos de ajuda, é esta a mensagem que recebo dos presentes. E nos presentes está o Adão que é soldado-maqueiro e alinha em tudo: nos patrulhamentos, nas colunas e nos reforços.
- Já agora, meu alferes, lembre-se de mim, não me quero ir embora, mas fazia jeito mais dois maqueiros, com a vida que levo nem tenho tempo para estar em Finete.

Findo o almoço, recomeçámos as nossas tarefas, fui com uma secção reforçada até à ponte de Sansão. Regressei ao anoitecer, jantei e na parada revistei o armamento dos vinte homens que me iam acompanhar na emboscada nocturna. Esta exigência das emboscadas nocturnas era uma novidade do nosso major de operações: fosse em que condições fosse, era determinado a todos os destacamentos que tivessem uma emboscada montada para dissuadir o inimigo, desde o anoitecer até horas que tornassem as flagelações praticamente impossíveis. Com a usura das nossas actividades, estava decidido que quem ia a Mato de Cão não emboscava. O quebra-cabeças era prever os cenários de ataques a Missirá e como é que nós podíamos reentrar no quartel sem ficar debaixo de dois fogos...

Naquela noite quem se meteu até à cintura numa bolanha entre Missirá e Cancumba até às 11:30 da noite fui eu e um contigente de caçadores nativos e milícias. Findo este tempo, que não dá para dormir no tépido da água porca e barrenta, sempre afugentando a mosquitada a zunir furiosa porque não pode atravessar a rede mosquiteira, e debaixo da tensão que é estar com os olhos concentrados nas diferentes sombras que nos cercam e nos ruídos próprios das florestas, regressámos com o corpo moído e a vontade de mergulhar no duche frio do costume.


Em socorro de Finete...


Era precisamente meia noite e vinte e cinco quando começámos a ouvir roncos em catadupa dos obuses, uma sinfonia de armas pesadas, rockets e morteiros, a terra tremia bem perto de nós, o negrume da noite deu lugar a riscos desses pequenos cometas que são as balas tracejantes a esvoaçar no éter. Ainda a limpar-me , subo ao abrigo onde Ussumane Baldé assiste deslumbrado ao foguetório e sinto o coração contricto quando lhe pergunto:
- Ussumane, é Finete que está a ser atacada? - A resposta é me dada pelo seu olhar súplice:
- Ah, meu alfero, eles vão partir Finete todinha!.

Os minutos passam e não vejo chegar resposta do fogo de Finete.
- Que é que leva aqueles gajos a demorarem tanto tempo a reagir? - A multidão cresce na parada, não há militar e civil que não esteja esgazeado a ver este ataque assustador, quer pelo porte, quer pela falta de reacção.

De vez em quando há fogachos em direcção contrária, mas quem domina nesta cantilena de morte são as armas pesadas e os sons que conheçemos ao armamento do PAIGC. O meu olhar mareja-se de lágrimas incontidas, de tudo me recrimino por não ter pensado que o PAIGC ia rapidamente embalar uma resposta à nossa aparição em Sinchã Corubal. O fogo atroador prossegue, todos lastimam a destruição de uma Finete e há quem já vaticine que está reduzida a escombros.

Pela última vez, no alto daquele abrigo que abre para Sansão e que numa grande angular permite ver tudo o que é floresta de 14 quilómetrs até Finete, vejo e olho e começo a sentir no ar a nuvem espessa de um fogo que devasta quem vive para aqueles lados do Geba. É então que grito que vou partir com os voluntários que se oferecerem , em auxílio de Finete. Para quem falou de prudência à hora do almoço, é exactamente o oposto o que se está a viver no frenesim na parada de Missirá: O Setúbal já faz roncar o Unimog 404 para onde vão saltar cerca de 20 voluntários armados até aos dentes.

No meio daquele desatino, ainda consigo seleccionar dois bazuqueiros, três apontadores de dilagrama e levo o morteiro 60. Sento-me ao lado do Setúbal e determino:
-Daqui até à entrada de Canturé podes ir a 100 à hora. Depois páras, iremos todos a pé os últimos 4 quilómetros.

A corrida desenfreada é digna de um filme: aos tombos dentro da caixa do Unimog, os meus soldados examinam as cartucheiras, as cavilhas das granadas, a posição em riste das metralhadoras; gritamos como num manicómio acerca de cuidados que sabemos que não iremos cumprir, zelos impossíveis de respeitar, apelo à serenidade que ninguém controla. E minutos depois, muitos minutos depois, o Unimog pára arfante onde começa a longa recta de Canturé, muito antes da curva que se orienta para Gambaná e daqui para Mato de Cão.

O Setúbal vai sozinho na viatura e de faróis apagados. Graças a uma nesga de lua, dez homens de cada lado flanqueiam a picada.O ar está empestado pela pólvora. Caminhamos à espera do pior. A prudência vai aparecer a dois quilómetros de Finete, onde o mato é denso e os poilões escondem o luar. De tanto gritar durante a viagem, como se estivéssemos a incutir coragem uns aos outros, damos agora com o silêncio sepulcral que nos envolve. Que raio de Finete é esta que não tem cubatas a arder, nem se ouvem tiros isolados, nem gritos dos agonizantes?

Com alívio, em marcha lenta, passamos os pontos onde era possível o inimigo estar emboscado. E do alto do alcantilado, que é essa inclinação abrupta que descemos e subimos para chegar ou partir de Finete, assobia-se aos sentinelas que respondem com entusiasmo. Aguarda-nos um quadro surreal: somos recebidos com entusiasmo, abraços, tudo quanto é sinal de boas vindas. Vejo Bacari Soncó avançar em passo lesto e abraçar-me. É a medo e com a voz embargada que lhe pergunto:
-Irmão, temos muitos mortos? - Um olhar coruscante precede o atónito da resposta:
- Mortos, mortos de quê?. Mortos só se for em Bambadinca, ali é que há manga de canseira!- Atónito estou eu:
-Bambadinca, então foi Bambadinca que foi atacada?



Os pormenores do ataque a Bambadinca, em carta enviada à Cristina

E o Unimog marcha aos tropeções pela bolanha de Finete. Quando chegamos à margem do Geba, o canoeiro Mufali vem buscar-nos. O rio está na vazante, entramos na canoa com lama até à cintura. Na outra margem aguarda-nos o Machado e as suas Daimlers. Enquanto subimos a rampa para o quartel, dá-me os pormenores do ataque.

Em aerograma à Cristina, no rescaldo da manhã seguinte:

Os rebeldes vieram pela pista de aviação e cemitério, atacaram o quartel frente à porta de armas, perto da tabanca fula, onde o Almeida (Pel Caç Nat 63) tem a sua tropa, as morteiradas caíram perto da central eléctrica, residência de oficiais e sargentos. Todos, que nunca tinham sonhado em tal arrojo, encheram-se de pânico, e vieram para a parada onde desataram a fazer fogo desnorteado, e só não houve feridos e mortos por milagre.

O Capitão Neves foi para o morteiro enquanto a tropa do Almeida repelia os rebeldes que avançavam para a residência dos oficiais. Depois retiraram e entretanto o pesado morteiro de Bambadinca começou a reagir. Há muitos quartos esburacados e tectos desfeitos. Só há um ferido ligeiro: o apontador de morteiro do Almeida que ficara em Finete enquanto eu estava numa emboscada, ainda ontem. Esta é a resposta à grande operação do Corubal, de há dois meses atrás. Este o ajuste de contas....


A recordação mais impressiva dessa madrugada era a mulher do Tenente Pinheiro à porta do abrigo, enquanto as crianças dormitavam lá dentro. Ao amanhecer, verificámos a extensão dos danos, mas o meu lugar já não era ali. Ainda aproveitei para fazer compras de víveres, trazer algumas camas e fardamento.



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 1997 > Antigas instalações dos oficiais (à direita) e dos sargentos (à esquerda). A messe de sargentos ao fundo, do lado esquerdo; a dos oficiais, à direita (a cozinha era comum). Eram excelentes instalações hoteleiras, para a época e por comparações com outros outros aquartelamentos. A regra geral era a bunkerização (por ex., Mansambo). Em 28 de Maio de 1969, quando o pessoal metropolitano da futura CCAÇ 12 estava a chegar à Guiné, Bambadinca sofreu um grande ataque do PAIGC. Quando lá passámos uns dias depois, a 2 de Junho, eram ainda visíveis os impactes das granadas de morteiro (por ex., num dos quartos dos sargentos, à esquerda) e a estupefacção do pessoal... Recordo-me de ter trocado impressões com um conterrâneo meu, o 1º cabo de transmissões Agnelo Pereira Ferreira, natural da Zambujeira Lourinhã, e que pertencia à CCS do BCAÇ 2852... Dois meses antes, havia sido executada a grande Operação Lança Afiada (1) , destinada a varrer toda a margem direita do Corubal, e desalojar o PAIGC do triângulo Bambadinca-Xime-Xitole... A resposta, em força, não se vê esperar... Uma das questões controversas, já aqui debatidas, foi o papel do tenente-coronel Pimentel Bastos durante o ataque... Hoje sabemos que ele estava lá... Essa informação foi-me confirmada recentemente por dois alferes milicianos da CCS do BCAÇ 2852, o Ferando Calado (transmissões) e o Ismael Augusto (manutenção)... A anedota que no meu tempo se contava sobre o Pimbas é isso mesmo: uma mera anedota de caserna (4).

Bambadinca revisitada... Soubemos depois que, a seguir à independência, fora palco de trágicos acontecimentos: desvario revolucionário, ajustes de contas, julgamentos populares e execução sumária, por fuzilamento, de régulos fulas (o tenente Mamadu, por exemplo), além de combatentes que estiveram integrados nas NT (CCAÇ 12, incluída) (LG)...

Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.




Leitura: uma obra-prima de Simenon, O Comboio de Veneza

Regressei a Finete e daqui a Missirá a cogitar sobre as minhas fraquezas e as de Bambadinca. Pressentia que estavam mudanças no ar, o inimigo mais forte e indiferente aos aldeamentos em autodefesa. O inimigo sabia o que queria, tinha sempre a seu favor o conhecimento da mata e o factor da imprevisibilidade. Nós só podíamos esperá-lo e destruí-lo perto do nosso terreno, retirando-lhe a facilidade dos abastecimentos. Vou saber em Junho, Julho e Agosto que o inimigo vai ter o desplante de lançar morteiradas e fogo breve e retirar. Uma vez vou perder a cabeça e persegui-los pela noite escura, mas cedo compreenderei que é um acto demencial.

Em Missirá aguarda-me a notícia que nessa madrugada parto para Mato de Cão. Em breve vou fazer 24 anos. É aqui que me estou a fazer um homem, há dez meses atrás era impensável supor que a vida do Comandante de Missirá e Finete fosse a do meu atribulado quotidiano. Não gosto nem desgosto, limito-me a agradecer a Deus a coragem que Ele me oferece.

Durante este tempo, li dois livrinhos (mas que grandes livros!) que falam de comboios. Primeiro, O Comboio de Veneza, por Georges Simenon. Justino Calmar está em férias no Lido de Veneza, com a mulher e filhos. Num dia quente de Agosto, tem que regressar a Paris e toma o comboio que o leva até Lausana e daqui à Cidade Luz. Na carruagem, é interpelado por um passageiro que viria de Belgrado ou do Trieste. Inúmeras perguntas, e Justino sem saber porquê responde a tudo. Em dado momento o passageiro pede-lhe para em Lausana ir buscar uma mala que está num cacifo na gare, tomar um taxi e entregar a mala numa residência perto da estação. Ele tem tempo, aceita a incumbência.

É aqui que começa a mudança da sua vida. Quando chega à morada, encontra uma mulher estrangulada. Sem saber como reagir, regressa ao comboio e daqui parte para Paris. Em casa descobre que a mala tem uma fortuna em dinheiro francês, americano e inglês. Espera um contacto que não chega. A mala muda de cinco em cinco dias de cacifo e de estação. Aos poucos, começa a gastar o dinheiro, inventa que está a ganhar nas apostas dos cavalos. A mulher e os amigos sentem que há diferenças desde o regresso de Veneza. Depois uma secretária, que nutre por ele uma secreta paixão, declara-se. Entrámos na recta final da tragédia: apanhado a fazer sexo pelo patrão no escritório, suicida-se.



Estátua do escritor belga Georges Simenon (1903-1989), na sua cidade natal, Luik.Fonte: Wikipedia, De vrije encyclopedie (Imagem do domínio público / This image has been released under the 'GNU Free Documentation License' ).

Vinte anos antes da sua morte, Simenon tinha, em Missirá, um jovem apaixonado leitor, de nome Mário Beja Santos, que está prestes a fazer 24 anos, e que é alferes miliciano do exército colonial português... (LG).


É uma obra-prima em que Simenon joga habilmente com as recordações de Justino, dando-nos o retrato de um homem comum que age como nós, sem deter as motivações e as consequências. As explicações essenciais não existem: Terá havido crime? Há relação entre aquela mala e a mulher estrangulada em Lausana? O que aconteceu ao homem que lhe entregou a mala e desapareceu? Temos aqui a tragédia do homem comum, a continuidade da linha de vida que não se controla, uma tragédia em que o ser hesitante é ultrapassado por todos os acontecimentos e então desiste.



Salão Lisboa (Foto: Mário Novaes, 1949). Arquivo Municipal de Lisboa, AFML - A12538. Ficava na Rua da Mouraria. Da autoria de José António Pedroso, foi construído em 1916. Era popularmente conhecido como o Cinema Piolho. Foi o primeiro edifício da cidade a ser desenhado e construído como sala de cinema ou animatógrafo... Ainda estávamos na época de ouro do cinema mudo... (LG)


O desconhecido do Norte Expresso é o primeiro livro que leio de Patricia Highsmith. Tenho sorte com a iniciação. Guy Haines vai reencontrar-se com Miriam para tratar do divórcio. É um arquitecto de 29 anos cujo talento começa a ser reconhecido. Guy pretende casar com Anne. No comboio é abordado por Bruno que lhe faz uma proposta macabra: Guy mata o seu pai e ele matará Miriam. Guy rejeita a proposta mas a fatalidade já está em movimento naquela carruagem do Norte Expresso. Enquanto leio, ocorre-me subitamente o portentoso filme de Alfred Hitchcock a que alude a capa deste livro da Colecção Vampiro. No meu abrigo, de vez em quando páro para olhar o beijo do par amoroso e lembro-me vezes sem conta dos cinemas que frequentei na minha adolescência e onde eram habituais os panos pintados e os cartazes.

... e recordações de Lisboa e dos seus cinemas


Lembrei-me do Cine Oriente, o Salão Lisboa, o Chant Éclair, o Cine Bélgica, o Rex (primeiro Lis), o Royal, o Pathé, o Alvalade, o Max... Sessões de dois filmes, um de aventuras ou acção ou de guerra, outro sentimental, comédia ou até musical. Lembrei-me da religiosidade de ir ao cinema , a combinação com os amigos, ia-se com a melhor roupa como para a igreja. O cinema era a suprema alegria das imagens reconfortantes com que nos identificávamos com os bons e os maus. Onde terei visto este filme de Hitchcock? Terá sido num cineclube, num ciclo alusivo a este mestre do suspense? Não sei e estou muito cansado. Vou repousar um pouco, tenho depois o ritual de ida a Mato de Cão. E aguardam-me muitas surpresas em Junho.

___________

Notas de L.G.:

(1) Sobre a Operação Lança Afiada (que mobilizou cerca de 1100 homens, entre combatentes e carregadores, no triângulo Xime-Bambadinca-Xitole, durante dez dias e dez noites, de 8 a 18 de Março de 1969), vd. os seguintes posts:

31 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXI: As grandes operações de limpeza (Op Lança Afiada, Março de 1969)

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal


(...) "Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFoguetes, morteiros...

"Esse ataque ficou célebre: os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé [, alcunha por que era conhecido o Spínola,] deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS... Um caso exemplar, divertido e hilariante, da guerra da Guiné...

"A sorte dos gajos de Bambadinca foi os canhões s/r terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha... Quando nós, periquitos da CCAÇ 2590 (futura CCAÇ 12), lá passámos, uma semana depois, vindos de Bissau e do Xime a caminho da nossa estância de férias (Contuboel, um mês e meio de paraíso... seguido depois de18 meses de inferno...quando fomos justamente colocados no Sector L1), os nossos camaradas da CCS do BCAÇ 2852 ainda estavam sem pinga de sangue...

"Podíamos ter morrido todos", dizia-me 1º cabo cripto Agnelo Ferreira, da minha terra, Lourinhã... Fomos depois nós , para lá, com os nossos nharros, e em 18 meses nem um tirinho: que o respeitinho (mútuo) era muito bonito... Porrada, porrada, era só quando a gente se atrevia a meter o bedelho na terra deles, que já estava libertada... Eu faria o mesmo, na minha terra...

"Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, em estilo telegráfico: Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros. LG" (...).


(2) Vd, último post da série > 20 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1770: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (46): Encontros de morte em Sinchã Corubal, com a gente de Madina

(3) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira

(4) Sobre o tenente Pimentel Bastos, primeiro comandante do BCAÇ 2852 (substituído a meio da comissão pelo tenente-coronel Pamplona Real), vd. os seguintes posts:


1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1014: A galeria dos meus heróis (5): Ó Pimbas, não tenhas medo! (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1742: Convívios (2): Lisboa, Casa do Alentejo, 26 de Maio de 2007: Bambadinca 68/71, BCAÇ 2852, CCAÇ 12, etc. (Fernando Calado)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS do BCAÇ 2852 (1968/70) > "Aí vai uma vista aérea de Bambadinca ainda antes da construção da estrada alcatroada de ligação ao Xime"


Foto: © Humberto Reis (2007). Direitos reservados.


Mensagem do Fernando Calado, ex-Alf Mil Trms, CCS do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), que, além de alentejano de alma e coração, está profissionalmente ligado à gestão de recursos e ao ensino universitário:


BAMBADINCA 68-71 > ENCONTRO-CONVÍVIO EM 26.05.2007


Caros Amigos e Família:

Desta vez será Lisboa. A mesma Lisboa de onde todos partiram, mas onde nem todos conseguiram regressar.

Nós somos dos que tiveram a sorte a seu lado e só isso bastaria como razão para comemorar e lembrar os dias e as noites de Bambadinca.

Esperamos por todos vocês, pelas mulheres que caminham convosco, pelos filhos, pelos netos e por todos os familiares que puderem e gostarem de trazer.

Teremos o nosso almoço na Casa do Alentejo seguramente a mais impressiva de todas as casas regionais existentes em Lisboa.

Um velho e tradicional palácio duma Lisboa de outros tempos, rico de salões e pátios, onde um deles se transformou no seu ex-libris.

Falamos do Pátio Árabe, que faz uma ligação perfeita entre o espírito da casa e os povos do sul, também marcados pelas heranças magrebinas e dos reinos taifas de El- Andaluz.

Venham equipados de boa disposição, espírito aberto, muitas histórias na bagagem, as fotografias que conseguirem reunir e tentem juntar mais um camarada ao nosso grupo.

Aproximam-se os 40 anos e é preciso começar a treinar, para um máximo de pessoal nessa data.

Bem, vamos ao que interessa.

O almoço vai realizar-se em Lisboa, no próximo dia 26 de Maio, pelas 13 horas, na Casa do Alentejo, Rua das Portas de Santo Antão, 58 1º (junto ao Coliseu dos Recreios). A inscrição é de 25,00 euros e engloba um vasto repasto que esperamos seja do vosso agrado.

Esta inscrição deverá ser confirmada até ao dia 12 de Maio, com indicação do nº total de participantes, acompanhada de cheque à ordem de Fernando Calado e remetida para o seguinte endereço:

Fernando de Carvalho Taco Calado
Rua Pinheiro Chagas, 46 – 5º. Esq.
1050- 179 Lisboa


A Organização

Fernando Calado (telem. 966936719)
Ismael Augusto (telem. 919797247)