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domingo, 11 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6712: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (33): Na Guerra e na Paz… Até ao Fim…




1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil Enfº da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 8 de Julho de 2010:
Camaradas,
Acreditem ou não o grande responsável por esta minha longa ausência do blogue, do "nosso" Luis Graça e Camaradas da Guiné... é o Magalhães Ribeiro.
Passo a explicar. Estou há 11 meses como blogger... sendo ele, meu amigo e irmão, o grande responsável por este vício que me meteu no corpo em Agosto de 2009 a quando das suas férias na Nazaré.
Já atingi as 270 postagens e já tenho "fregueses" que na rua me interrogam quando passo uns dias sem novas postagens... Estou feito...
Quando puderem espreitem em: http://jeroalcoa.blogspot.com/
Assim o tempo é cada vez é menos. Vamos lá ver se consigo recuperar nas férias...
Segue um texto que se algum mérito tem é ser real e ter acontecido há dois dias, para os lados de Vila Nova de Famalicão...
Quando lerem o texto perceberão porquê...


NA GUERRA E NA PAZ… ATÉ AO FIM…
Álvaro e Francisco foram em vida irmãos.
Ambos já faleceram e estão sepultados na terra da sua naturalidade. Faleceram em tempos diferentes e, por motivos diferentes, também muito longe de Vila Nova de Famalicão.
O Álvaro em Binta, no norte da Guiné e o Francisco no Hospital de Cochin, em França.
Estão sepultados no Cemitério da Antas S. Tiago, numa nas entradas de Famalicão.

O Álvaro morreu na Guerra do Ultramar.
Morto em combate em 28 de Dezembro de 1964 na “quadrícula” da sua Companhia na região de Caurbá, a poucos Kms do aquartelamento de Binta, Norte da Guiné.
Nessa altura eu estava por perto pois pertencíamos à mesma “família”. A Companhia de Caçadores 675, então no mato desde Julho de 1964.Ele regressou à sua terra natal para ser sepultado nos primeiros dias de Dezembro de 1965.
Passaram desde essa data fatídica cerca de quarentas e cinco anos.
Na minha memória, e ao longo de toda uma vida, o Álvaro continuou – continua – a ser o meu “irmão” dilecto dos tempos da guerra.
O seu irmão Francisco, que conheci fugazmente muitos anos depois da morte do Álvaro, num encontro casual no Hotel D. Carlos, em Lisboa, faleceu agora, com 69 anos, em 1 de Julho corrente no Hospital de Cochin, em Paris.
Estive presente no seu funeral , na terra da sua naturalidade, em 8 de Julho de 2010.

Estive no seu funeral por diversas ordens de razões. Em preito à sua memória, em homenagem à família Vilhena Mesquita e em nome da minha C.Caç. 675, onde militou o seu e meu “irmão” Álvaro.
Eu e o ex-Alferes Belmiro Tavares, honrando a divisa da “675” «Nunca Cederá», estivemos presentes. Primeiro na guerra. Depois na vida e, sempre que possível, na hora da morte. Porque o sentimento fraterno que nos uniu na Guiné nos continua a unir e… nunca cederá.
Antes e depois das cerimónias religiosas do funeral de Francisco Manuel Vilhena Mesquita senti-me na obrigação de dizer a alguns dos seus familiares porque estava naquele dia em Vila Nova de Famalicão.
Disse-lhes que, com o devido respeito, estava ali “em nome” do Álvaro.
Na Igreja Matriz (Velha) de Famalicão soube pela Maria Teresa Vilhena Mesquita que tinha sido exactamente naquele local que tinha estado a urna do meu “irmão” Álvaro quando veio da Guiné. Em princípios de Janeiro de 1965.
Quarenta e cinco anos depois sentia-me “presente” no funeral do meu eterno amigo Álvaro Manuel, o primeiro do ramo desta família dos Vilhena Mesquita que a morte levou. Na flor da vida… com 22 anos de idade.
Quando em Maio de 1966 terminámos a comissão na Guiné o ex-Alferes Tavares e o ex-Furriel Oliveira tínhamos vindo a Famalicão para visitar a campa do Álvaro e conhecer os seus pais e irmãos.
Na tarde de 8 de Julho de 2010, durante o funeral do Francisco, olhei vezes sem conta a campa do Álvaro, situada a uns curtos 40 metros do jazigo da Família Mesquita.

O Álvaro e o Francisco continuam na morte próximos...
Sei que o Francisco me vai perdoar por nessa tarde de Julho ter estado tanto tempo com o Álvaro.
Até um dia Amigos.
Um grande abraço de Alcobaça
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

14 de Maio de 2010 >
Guiné 63/74 – P6386: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (32): Loureiro, Oliveira e passados…

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Guiné 63/74 – P6386: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (32): Loureiro, Oliveira e passados…

1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 11 de Maio de 2010:

Camaradas,
Estou a recuperar a minha boa forma - depois de ter andado algumas semanas com um joelho "ao peito" - e envio-vos uma nova história, que tem a ver com um recente convívio da minha C.Caç. 675 e festejou o seu 44º. Convívio no passado dia 9 de Maio, na E.P.I., em Mafra.
Entretanto aproxima-se o nosso V Encontro de Monte Real e a possibilidade de vos dar um abraço.

Loureiro, Oliveira e passados…
Nem sempre o que parece é!
Nesta história de vida, que nos propomos dar à estampa, o Loureiro, o Oliveira não são árvores mas apelidos de dois ex-militares que se conheceram na Guiné na década de 60.
Também nesta história os “passados” nada têm a ver com os frutos secos, que se costumam comer a partir do final do Outono, mas com “tempos” diferentes de vida…
Aqui os passados reportam-se a tempos recentes e distantes que circunstâncias diferentes da vida fizeram cruzar…
Em passado recente, mais propriamente no passado dia 9 de Maio, o Loureiro e o Oliveira encontraram-se em Mafra, na E.P.I. (Escola Prática de Infantaria) num convívio de ex-militares da sua Companhia da Guiné.
Cabe aqui esclarecer, para os menos conhecedores do “meio”, que estes convívios são muito frequentes de norte a sul do País e a maioria deles ocorre durante o mês de Maio.
O Loureiro e o Oliveira estiveram assim no 44º. Convívio da C.Caç. 675, que foi a “família” de 170 jovens militares no período de 1964 a 1966.
Em relação à viagem de regresso - de Bissau a Lisboa em 3 de Maio de 1966 - já lá vão portanto 44 anos…
Regressando a esse passado distante é tempo de dizer que o Loureiro é natural da Marinha Grande. O responsável por estas linhas – o tal Oliveira do título – é de Alcobaça.
Personalizando…
O facto de sermos vizinhos na vida civil facilitou a nossa proximidade “militar”numa relação que, a correr bem, ia durar pelo menos dois anos.

Da esquerda para a direita: Furriéis Loureiro, Oliveira e Moreira, e o 2º Sargento Marques no Café do Bento, em Bissau
O Loureiro - Leonel João Gil Loureiro de seu nome completo – era o Furriel das Transmissões.
O facto de na sua missão ser obrigado a sigilo, por lidar com informações e documentos confidenciais, explica (de algum modo) o seu comportamento reservado para com a maioria dos camaradas. Independente disso era de facto um tipo “fechado”, mas com quem sempre tive um bom relacionamento.
Não muito íntimo mas um relacionamento leal e amigo, que norteou a nossa vivência num aquartelamento de dimensões reduzidas.
Foi pois com surpresa que descobri em 9 de Maio de 2010 um Loureiro que falou de si e da sua vida – sem parar – mais de uma hora.
E aconteceu por motivos imprevistos. Avaria do carro do Loureiro que obrigou a uma viagem a dois.
Obviamente que, logo que soube que o Loureiro estava “apeado”, lhe ofereci uma boleia até aos nossos sítios, pois continuamos a viver nas terras onde nascemos – Alcobaça e Marinha Grande, separadas por 30 kms.

E foi nessa viagem de retorno às origens que conheci um “novo”Loureiro.
Bem mais velho que o dos tempos da Guiné mas “novo”… porque já não se mostrava “fechado”.
Quarenta e tal anos depois de Binta estava sentado no meu carro, ao meu lado, um Loureiro que falava “pelos cotovelos”…
O Loureiro falou, falou…e durante 100 Kms quase que não abri a boca.
Fiquei a saber que o Loureiro teve desde jovem uma vida dura. Nascido na Marinha Grande passou, como muita gente do seu tempo, pelas “artes do fogo”, trabalhando na indústria vidreira...
Viveu portanto, desde cedo, à entrada do “inferno”…pois quem se iniciava na indústria passava longas horas nas proximidades dos fornos, que cozem a altas temperaturas.
Estudou durante a noite num curso de comércio. Conseguiu arranjar um emprego melhor mas nunca teve uma vida desafogada.
Em termos familiares passou por grandes traumas.
Seu pai, vítima de doença prolongada, pôs fim à vida. E sua mãe faleceu meses depois quando o Loureiro já cumpria serviço militar na Guiné.
Nesta fase do seu regresso ao passado o Loureiro confessa o desgosto por não se ter despedido da sua mãe.
Não o fez simplesmente… porque não foi capaz.
Sabia que lhe ia dar um grande desgosto e… encarregou uma tia, com quem tinha uma relação muito próxima, de informar a mãe que ia para a guerra do Ultramar.
E só escreveu à mãe… quando já estava na Guiné!
E foi em Binta, no Norte da Guiné, que veio a receber a dolorosa notícia da morte da sua mãe.
O Furriel Loureiro refugiou-se no seu trabalho de transmissões e aguentou o desgosto sozinho.
Como amigo, e também como enfermeiro, não me lembra de um único queixume do Loureiro. Era rijo o homem da Marinha Grande…
Cumpriu os seus dois anos de Guiné e, quando regressou, apressou-se a cumprir o doloroso dever de visitar a campa de sua mãe. Na Marinha Grande, na terra onde tinha visto pela última vez viva a sua mãe. Mãe de que não se tinha despedido…
Depois… começou “as lutas” da vida civil.
Novo emprego, casamento, pequeno empresário, filhos, divórcio… Altos e baixos numa vida de luta…
Voltava “à guerra” uma vez por ano nos convívios da sua Companhia da Guiné.
E os anos iam passando.
Em 1989 morre uma sua irmã. Em relação à morte da sua mãe tinham passado 24 anos.
O Loureiro sentiu de novo na pele o desgosto da perda de mais um familiar. No dia do velório da sua irmã resolveu a certa altura ir ao cemitério para ver como estavam a correr as coisas.
Chegou junto do coveiro que estava a abrir a cova para a sepultura da sua irmã.
O coveiro interrompeu o seu trabalho e disse ao Loureiro que havia um problema.
- Olhe que se calhar vamos ter que atrasar o funeral. Acabei de encontrar o caixão da sua mãe que está “inteiro”.Não vai caber aqui outro caixão.
O Loureiro ficou sem palavras e sem saber o que fazer.
Ali estava, à vista, o caixão de sua mãe… de que ele não se tinha despedido…
Passou-lhe uma coisa pela cabeça e pediu ao coveiro para abrir a tampa do caixão.
Foram momentos em que quase não respirou.
Retirada a tampa do caixão viu o corpo da sua mãe. Inteiro. Mirrado mas sem sinais de decomposição.
Até tirei as mãos do volante e… disse finalmente alguma coisa.
- Eh pá, que coragem tiveste!
O Loureiro continua e descreve o momento com tranquilidade.
- Parecia que tinha estado ali todos aqueles anos à minha espera. Consegui finalmente despedir-me da minha mãe e… senti uma paz imensa…
Questionei o meu amigo e companheiro da C.Caç. 675:
- Vês alguma coisa de místico, de sobrenatural no facto do corpo da tua mãe estar intacto?
- Eh pá não pensei nisso. Não sei explicar. Naquele dia senti que tinha que ir ao cemitério antes do funeral. E vi a minha mãe. E ganhei uma paz que não tinha…
Pensei cá com os meus botões:
- Para um tipo calado, fechado que nem uma ostra, naqueles cento e poucos quilómetros que tínhamos percorrido juntos, o Loureiro tinha falado mais que em dois anos de Guiné!

Quarenta e tal anos… conheci um novo Loureiro.
Despedimo-nos com um grande abraço e com uma fotografia. Para mais tarde recordar…
A história está a chegar ao fim.
Apesar de algumas referências à morte acho que é uma extraordinária história de vida…
Quanto ao futuro… costuma dizer-se que a Deus pertence.
No dia do convívio da C.Caç. 675 ouvi dizer (e fixei…) que só tem futuro quem honra o passado…
Acho que o Loureiro o fez.
Em nome do passado – e para efeitos futuros – aqui fica o meu testemunho.

Um grande abraço de Alcobaça
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
___________
Nota de M.R.:

quarta-feira, 31 de março de 2010

Guiné 63/74 – P6085: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (31): Perfeito. Um sítio onde possa ver o céu!


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos uma mensagem (a 31ª), com data de 29 de Março de 2010:

Camaradas,

Depois de uma longa ausência, justificada por estar, ou melhor, continuar em variadas frentes - avô itinerante, jornalista, blogger (já passei as 9.000 páginas visitadas em 7 meses... no meu blogue) e sei lá que mais - volto ao vosso contacto, com uma história de vida.

Uma história que começou há muito tempo - na guerra, na Guiné - e continua nos nossos dias com outras armadilhas.

Porque também na vida real, principalmente depois dos 60, há "caminhos" onde se corre o perigo de encontrar (e pisar) minas A/P. E ficar sem uma perna, amarrado a uma cama e/ou a uma cadeira de rodas.

Todos nós, ex-Combatentes, "rapazes" que começamos a estar "fora da garantia", corremos riscos idênticos ao do protagonista da história que hoje vos envio.

É uma fase difícil do "campeonato" da vida. Apesar dos exemplos à nossa volta julgo que ninguém está preparado. Se acontecer é muito importante ter família e amigos por perto.

O PERFEITO
Um sítio onde possa ver o céu!
E se quem o diz é um preso, no primeiro dia de liberdade após o cumprimento de uma longa pena de prisão, percebe-se a intenção e a força do adjectivo.
Mas “Perfeito” pode ser também um apelido, embora não seja vulgar.
Conheci na minha vida militar um soldado com esse apelido.
António Araújo Pinto Perfeito era um militar da C.Caç. 675 com quem convivi de perto durante cerca de dois anos, na Guiné.
Colaborou comigo num “jornal de parede” que fizemos na Companhia na altura do primeiro Natal passado em Binta, sede da “quadrícula” que nos calhou em sorte nos longínquos anos 60.Mais propriamente entre Julho de 64 a Abril de 66.
O Perfeito era um soldado com o “nariz empinado” que falava sem medo com patentes superiores à sua.
Alfacinha de gema tinha algum “complexo de superioridade” que, entre os seus pares, não lhe granjeava grandes simpatias.
Como qualquer militar que se “preze” acabou a sua passagem pela vida militar com um castigo e um louvor. A “porrada”, perfeitamente estúpida, valeu-lhe a despromoção de 1º. Cabo a Soldado, por não ter respondido satisfatoriamente a um pergunta do Comandante da Unidade, Coronel Paletti, sobre umas peúgas que estavam penduradas num banco perto da casa da guarda!!!
Esta história pode ser estranha e surreal a quem não andou na tropa. Para quem foi militar sabe perfeitamente que isto, ou pior, pode acontecer num dia de azar…
Curiosamente soube desta história hoje, dia 28 de Março de 2010, pelo meu amigo Belmiro Tavares, que foi Alferes Miliciano na mesma C.Caç. 675.
Tinham passado poucas horas em relação à visita que fizemos à casa do Perfeito, no Bairro da Encarnação, em Lisboa.
O Perfeito está muito doente. Está acamado e recupera de uma operação recente. Devido a diabetes amputaram-lhe uma perna. Estava com uma máscara para lhe auxiliar a respiração quando o visitámos no seu quarto. O seu aspecto era impressionante – pela magreza e pela exagerada dilatação das suas narinas.
Depois dos cumprimentos iniciais pediu a sua mulher para lhe tirar a máscara para poder conversar com os seus amigos da tropa: o Tavares, o Figueiredo e o cronista.
Surpreendeu-me o facto de as suas primeiras palavras serem a respeito do Benfica e da sua satisfação em relação à vitória do dia anterior sobre o Braga. Conversámos algum e tempo e, obviamente que, à distância no tempo, fomos ter, sem dificuldade à evocação do nosso “jornal de parede” dos velhos tempos da Guiné. O Perfeito até se recordava do tema do seu artigo: “O boato é crime”.
Disse-nos como passava os dias: a dormitar e a ver televisão. Já se levantava e ia, de cadeira de rodas, para outros compartimentos da sua casa.
- E não vais até ao jardim, perguntei.
Por enquanto não, porque não posso apanhar frio.
Despedimo-nos ao fim de algum tempo porque era hora de almoço.
Fiquei um pouco para trás pois queria dar um abraço ao Perfeito. Não consegui evitar umas lágrimas que, infelizmente “contaminaram” a boa disposição (aparente) do Perfeito.
A mulher acompanhou-me à porta.
O Tavares e o Figueiredo já estavam a entrar no carro.
- Ó Oliveira custa-te a andar, perguntou o Tavares.
- Custa-me, pá, respondi. - Estou feito num “oito”…
Cá fora estava um dia de sol. Parece que finalmente íamos ter Primavera.
Desejei sinceramente que o Perfeito, dentro em breve, pudesse vir até ao seu jardim.
A um sítio onde possa ver o céu.

Um grande abraço e votos de boa Páscoa.

Até breve e até sempre,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

10 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5799: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (30): Força Carlos

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 – P5799: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (30): Força Carlos



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos uma mensagem (a 30ª), com data de 7 de Fevereiro de 2010:


Camaradas,

Tenho andado numa trabalheira do caraças por cauda do meu blogue. Já ultrapassou as 6.000 páginas visitadas.

Em que sarilho o Magalhães Ribeiro me meteu, ao ensinar-me os primeiros “passos bloguísticos”!

Estou agarrado até aos cabelos. Mas confesso que é um "vício bestial”. Já não passo sem isto.

Vejo com frequência o blogue dele e o nosso. O meu é generalista e está andar...

Quem quiser visitá-lo basta clicar duas vezes no seguinte endereço: http://jeroalcoa.blogspot.com

Posto isto segue mais uma "estória" cá do Jero...


FORÇA CARLOS!


Como é normal na vida militar procurei nos primeiros tempos da Guiné, depois da “poeira” assentar, “filhos da terra”…

De Alcobaça não havia ninguém mas havia um “vizinho”.O Carlos Agostinho Vieira, da Batalha, que era o Cabo quarteleiro.

As suas funções tinham a ver o stock de munições, com o bom funcionamento das armas (conservadas com “massa consistente) e, eventualmente, com mais algumas coisas de que já não me lembro.

O Carlos Vieira era um indivíduo muito alto, pouco falador, que caminhava um tanto curvado e com quem não era fácil manter uma relação cordial. Era “fechado” e vivia fechado no “buraco” onde se guardavam armas e munições.

Cada qual é como cada um e o Carlos desempenhava as suas funções a contento. Era um bom Cabo Quarteleiro, que só dava nas vistas por ser um grande calmeirão. E caminhar curvado. E ser calado “comó caraças”…

Até que um dia, melhor dizendo numa noite, deu nas vistas. E não foi pela melhor das razões…

Numa operação que envolvia dois pelotões que saíam do quartel por volta da meia-noite, no máximo silêncio e com ocultação de luzes, apareceu na altura da saída para o mato com um “petromax” aceso para perguntar ao Capitão Tomé Pinto se era preciso mais alguma coisa.

Foi de imediato repreendido e mandado desaparecer, e quando começou a responder que …tinha pensado …o comandante de Companhia disse-lhe logo que ele não estava ali para pensar mas… para cumprir ordens.


A malta da tropa é cruel e a partir daquela madrugada passou a ser conhecido como o “Massa Bruta”. Está-se mesmo a ver porquê…

Também é verdade que, à distância no tempo, me parece que o Carlos Vieira não se importava por aí além com a alcunha “sacana” que lhe calhou…

Regressámos da Guiné em Maio de 1966 e estive alguns anos sem o ver.


Melhor dizendo em vinte e muitos anos encontrei-o 3 ou 4 vezes nas reuniões anuais da malta da Companhia, que fazíamos todos os anos no primeiro domingo de Maio em Lisboa, com concentração frente à Estátua dos Restauradores.


Fixei-me na zona de Alcobaça onde exerci a minha actividade profissional na SPAL durante trinta e muitos anos.

Depois de casar não houve mais tempo para corridas e o trabalho, a vida sedentária e os dotes da minha mulher para a cozinha levaram-me num curto espaço de tempo a um peso que esteve a 3 quilos dos 3 dígitos.

Com pequenas oscilações mantive-me com 97 kgs, por alguns anos, mas por volta dos 35 anos voltei ao desporto por duas razões: - para emagrecer e… para não passar o resto da vida a comer cozidos e grelhados.

Aliás há muita gente do meu tempo que continua a fazer desporto e sacrifícios nas corridas para poder “dar ao dente”. Enfim … espero não ser considerado traidor por estar a revelar este segredo de grande parte dos veteranos das corridas (e caminheiros).

Dos 35 até cerca dos 50 anos fui praticante diário de “jogging”, também conhecido entre os “malucos das corridas” como alta manutenção.

Foram os tempos das meias maratonas da Nazaré. Corri umas dez -nunca desisti - e fiquei sempre entre os primeiros 3 mil concorrentes.

Fazia os 21 quilómetros do percurso entre 1H45 e 2H00, obviamente com muito sacrifício pois correr durante 21.097 metros “não é pêra doce”…

A última meia-maratona que corri foi tão comprida que, depois dos 17 kms, não me lembrava de nada. Corri essa parte final do percurso em “autêntico transe”. Falei nisso ao meu médico que me disse para ter juízo. «Faça caminhadas e deixe-se de corridas». Foi o veredicto que terminou com a minha carreira de meio-maratonista.

Chegou a altura de passar a espectador e há uns dez anos atrás fui (involuntário) protagonista de um facto invulgar que resolvi partilhar agora.

No entanto há ainda que esclarecer os que nunca andaram por este mundo das meias-maratonas que há corredores e… “corredores”. Os que lutam para os primeiros lugares correm cada Km. em cerca de 3 minutos e os outros – os corredores do pelotão – percorrem cada km. em 5 ou 6 minutos.

Quer isto dizer que com meia hora de corrida há corredores que vão nos 10 kms de percurso e outros – como era o meu caso – que apenas tinham percorrido cerca de 5 kms.

Está claro que, à medida que aumentam os kms, aumentam as distâncias entre os mais rápidos e os outros – os lentos ou, também conhecidos na gíria, como “os coxos”-.

A certa altura da Meia-Maratona da Nazaré – que foi a corrida onde se registou o tal “facto invulgar”- era normal os atletas da frente cruzarem-se com os mais atrasados, dado que o percurso da prova era de ida e volta.

Explicando melhor a partida fazia-se da Nazaré (então com uma volta dentro da vila de cerca de 5 kms) ia-se até Famalicão (onde estava um bidão que assinalava o “retorno”) e voltava-se em direcção à Nazaré, onde estava instalada a meta.

Um dos melhores lugares para apreciar a corrida e o esforço dos corredores era (e é) na Quinta Nova. Nesse local os da frente passavam(passam) com cerca de 16,5 kms percorridos e cruzavam(cruzam) com a rapaziada da cauda do pelotão que levava(leva) então cerca de 9,5 kms de prova ainda a caminho do bidão (de Famalicão).

Nesse ano de 1994 ou 1995 “plantei-me” no cruzamento da Quinta Nova para ver a corrida e para incitar especialmente o Carlos Pereira (que trabalhava comigo na SPAL).

É que nesse ano o Carlos Pereira corria para ficar entre os 10 primeiros, pois “valia” então uma hora e sete minutos na distância.

Avistei o grupo de frente – que englobava uns 10 ou 12 corredores - e… lá vinha ele.

Tentei ganhar maior visibilidade no local onde me encontrava, levantei os braços e gritei: - Força Carlos. Força Carlos!

Julgo que nem me viu nem me ouviu.

O esforço é grande e a concentração de quem corre àquele ritmo é enorme.

Mas na altura dos meus gritos de incitamento ouvi uma voz do outro lado da estrada a gritar para mim: - Eh Oliveira!

Olhei de imediato e reconheci a voz e a pessoa.

Era o Carlos Vieira, da Guiné. Era o “Massa Bruta”.





O meu de grito de “Força Carlos”, tinha encontrado eco (n’outro Carlos), que corria no outro lado da estrada, no pelotão dos “coxos” ainda a caminho do bidão de Famalicão.

Fiquei de boca aberta e tão surpreendido como ele. Ou ainda mais.


Vim depois a caminho da meta. Para cumprimentar o Carlos Pereira (o colega da SPAL), que já tinha chegado e obtido a sua melhor classificação de sempre: - o 3º lugar da classificação geral(com 1h06m59s).

Esperei mais um bom bocado mas não consegui localizar o Carlos Vieira, da Batalha e meu camarada dos tempos da Guiné.

São 3.000 atletas na zona de chegada e muita confusão à mistura...

Não podia deixar de pensar naquela coincidência levada da breca.

Três mil indivíduos a correr, sei lá com quantos “Carlos” lá pelo meio e tinha acontecido aquele coincidência extraordinária numa fracção de segundo.

Gritar por um “Carlos”, que via todos os dias e que nem para mim olhou, e responder-me outro “Carlos”, que já não via há uma série de anos.

Qual o cálculo de probabilidades de isto acontecer!?

Não faço a mínima ideia.

Continuo a pensar que este incitamento para “forças” desencontradas acontecerá uma vez na vida.

Mas que aconteceu… aconteceu!

E a fotografia não é montagem. Foi tirada por mim umas fracções de segundo depois do meu grito de incitamento.

E o Carlos da SPAL que me desculpe mas desta vez o “Força Carlos” é mesmo para o meu ex-camarada da Guiné.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5714: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (29): O «Lua»


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66) e enviou-nos uma mensagem (a 29ª), com data de 16 de Janeiro de 2010:

O «Lua»

O Soldado José Pires Carreira, nado e criado em Batalha-Leiria, era conhecido na Companhia pelo “Lua”.

Está claro que a sua cara de “lua cheia” não era estranha à alcunha.

O “Lua” não deu particularmente nas vistas durante a comissão, podendo-se dizer dele que onde estava ouvia-se bem (falava habitualmente num de registo de voz um bocado alto).

De resto... foi um militar que nunca deu problemas, cumpridor que... fazia o melhor que era capaz.

Pertenceu à secção do Furriel Mesquita, do 1º. Pelotão do Alferes Costa. Foi um dos militares de Lenquetó e como todos os que estiveram nessa operação, que foi “o baptismo de fogo da Companhia”, passou um mau bocado.

Passou-se entre mim e o “Lua” um pequeno diálogo, completamente surrealista, que... nunca mais esqueci.

Estávamos cercados e debaixo de fogo.

O cronista – na qualidade de Enfermeiro - estava junto de uma árvore, que nos dava alguma protecção, e que se tinha transformado em posto de Comando... e Enfermaria.

Estavam lá o nosso Capitão, o telegrafista e o Cabo Marques, bastante ferido, que eu tentava manter o melhor possível – calmo, sem dores e controlado –.

Se ele entrasse em pânico como é se que iriam comportar os companheiros mais próximos!?

Aguardávamos o helicóptero e o ambiente era bastante tenso. Tiros de parte a parte recordavam-nos que, embora fosse hora do almoço, nesse dia não ia tocar para o “rancho”...

Numa fase de acalmia, quando deu para limpar o suor da testa, chega-me um “freguês”, com que não contava nada.

Rastejando aproxima-se de mim o “Lua” e queixa-se que lhe doía a cabeça. Eu que tinha a mania que tinha resposta para tudo... fiquei momentaneamente sem palavras.

O “Lua” doía-lhe a cabeça e queria um comprimido!?

E naquela hora a quem é que não doía a cabeça!?

Julgo que lhe disse qualquer coisa no género de que... as primeiras duas horas é que custam. Depois... passa!

Nunca mais esqueci a cara do “Lua”!

Fitou-me sem perceber bem a minha resposta e afastou-se.

Depois lá nos aguentámos os dois e regressámos sãos e salvos.

Nos convívios anuais que o ex-Alferes Tavares e o ex-Furriel Caires Figueiredo têm organizado, nos anos que se seguiram ao regresso no já longínquo ano de 1966, o “Lua” sempre compareceu com a família.

Primeiro só com a mulher, depois com um filho, depois dois filhos e mais tarde três.

Marcou sempre presença ao longo dos anos.

O tempo passa para todos e os filhos cresceram e tornaram-se homens. E continuaram a vir e a acompanhar o pai “Lua” (e a mãe) nas festas da “675”.

Há uns dois ou três anos atrás o filho mais velho do “Lua” aproximou-se do ex-Alferes Tavares e pediu-lhe tempo para umas palavrinhas.

– Sr. Tavares acho estas festas uma coisa formidável. Não deviam nunca acabar. O meu pai está velhote e qualquer dia pode morrer. Se isso acontecer eu gostaria de continuar a vir às festas da “675”.

– Ok pá. Está claro que não deixarás de ser convidado. Mas o teu Pai está em forma e está ainda ali para as curvas. Mas o teu pedido fica registado. - Respondeu-lhe o ex-Alferes Tavares.

Meses depois recebi um telefonema do Tavares com voz de “caso”.

– Oliveira acabei de receber um telefonema complicado. O filho mais velho do “Lua” morreu num acidente de caça. Diz alguma coisa ao Pai, por favor. Ele precisa de uma palavra de apoio da malta.

Por causa do “Lua” fiquei mais uma vez... sem palavras.

Depois... telefonei-lhe a dar os meus “sentimentos”.
A vida por vezes prega-nos cada “partida”.

Depois desse drama pessoal o “Lua” não faltou às festas seguintes.

É rijo o nosso “Lua”.

E continua a trazer no seu casaco de civil o emblema da Companhia: 675 NUNCA CEDERÁ.


O "Lua" (José Pires Carreira)
Fotografia do autor,
Almeirim, Maio de 2008

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
___________
Nota de M.R.:

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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5675: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (28): Baptismo de fogo - Parte 2



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos uma mensagem (a 28ª), com a 2ª parte do seu baptismo de fogo, com data de 16 de Janeiro de 2010:

«Baptismo de fogo» - Parte 2

Rescaldo da operação «Lenquetó»

6 de Julho de 1964

Com a Companhia reunida foram lidos pelo nosso Capitão dois “rádios” com louvores à Companhia pelo êxito da operação de Lenquetó, que a seguir transcrevemos:

«PARA CMDT C. CAÇ. 675
DE CMDT B. CAV. 490
64815JUL64
N.º 2 1/0
ESTE COMANDO TEM MUITA SATISFAÇÃO EM TRANSCREVER
(MENSAGEM N.° 2532/CP 333. 1 DO CHEFE DO ESTADO MAIOR
DE 51155JUL64):
QUEIRA TRANSMITIR C. CAÇ. 675 MUITO APREÇO SATISFAÇÃO
SEXA COMILITAR ÊXITO ACTUAÇÃO LENQUETÓ MERECEDOR
CONFIANÇA COMANDO DEMONSTRATIVO NOTÀVEL ESPÍRITO
MILITAR COM VOTOS CONTRIBUA MODIFICAÇÃO SITUAÇÃO SECTOR.»

COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DA GUINÉ
NOTA N.° 42 P.° 103.6
BISSAU, 6 DE JULHO DE 1964
AO SR. COMANDANTE DO B. CAV. 490.
ASSUNTO: - SAUDAÇÕES
GOSTOSAMENTE ENDEREÇO A ESSE COMANDO PEDINDO PARA TRANSMITIR
A TODOS OS OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DA COMPANHIA 675 QUE
TOMARAM PARTE NA ACÇÃO SEU SITREP N.° 193 (LENQUETÓ); AS MINHAS
MELHORES SAUDAÇÕES E FELICITAÇÕES PELO ÊXITO OBTIDO.
O CMDT DO AGR 16
AS) J. A. PINTO SOARES
COR. DE INF.ª

À distância no tempo parece-nos de particular relevância transcrever as memórias na “primeira pessoa” do então Capitão Tomé Pinto (FREIRE Antunes, José. A Guerra de África (1961-1974), "Tomé Pinto - Capitão do Quadrado"; Vol. II; p.819;Lisboa; Círculo de Leitores):

(...) "Uma vez estive cercado e para sair do cerco foi complicado. Foi logo das primeiras vezes. Eu vinha com o tal “quadrado” mas eles eram em maior número porque tinham vindo reforços e tinham uma companhia muito boa. Tenho de elogiar os meus adversários porque eles eram, de facto, muito bons.

Eram os chamados bigrupos, muito bem treinados. Fiz um ataque numa determinada zona e quando vinha a caminho, depois de ter colocado postos de recolha e de reforço a caminho, e de empenhar todo o efectivo, comecei a ter tiros de todo o lado, já muito próximo do primeiro posto de reforço.

Pensei que estava cercado. Os homens do PAIGC fizeram bem: sentiram o meu dispositivo, viram que ali não iriam só por um dos lados e decidiram provocar ali qualquer coisa, esperando, deitados. Houve logo uns feridos, alguns com uma certa gravidade, e aí começou o drama.

Comecei aos gritos: «Alarga, alarga, alarga.» Isto para alargarem o quadrado. Eles tentaram romper o quadrado mas não conseguiram.

A certa altura, eu disse para um soldado: «Cuidado com os tiros, estás quase a dar-me um tiro.» E ele disse-me: «Meu capitão, não sou eu, é um que está ali à frente.»

Eu saí dali para ir dar outras indicações e, passado um bocado, veio ter comigo esse soldado, com uma arma ao lado, e disse-me: «Era esta a arma que estava a fazer fogo contra si.»

Eu nem lhe disse nada.

(Nota do “cronista”:Está claro que o nosso Capitão não de esqueceu de mais tarde louvar o Soldado Chita Godinho pelo seu acto de bravura).

Então, pedi o apoio da Força Aérea e vieram dois T-6.

O meu batalhão era o do tenente-coronel Fernando Cavaleiro, que aparecia sempre no meu estacionamento nos momentos mais difíceis, e que pensou: «É desta que o Tomé Pinto não se safa.»

Mas eu consegui entrar em contacto com os T-6 e disse-lhes que tinha um ferido muito grave que teria que ser evacuado em helicóptero. Eles disseram-me: «Nós estamos a ver o teu dispositivo mas à volta há muita gente.»

E iam levando uns tiros nos aviões. Eu respondi-lhes: «Tem que ser, não há outra hipótese. Eu vou identificar o nosso dispositivo.»

Consegui identificar o nosso dispositivo, levantando um e depois outro, e depois fiz um tiro à nossa volta, para que o helicóptero pudesse aterrar no meio do quadrado, que eu fui alargando.

O piloto foi excepcional, conseguiu aterrar no meio do quadrado, eu meti dois soldados feridos, um deles muito grave, e o helicóptero levantou.

Aí pensei: «A partir de agora é connosco.»

Contactei os T-6 e disse-lhes: «Eu tenho um grupo que está em tal lado. Vocês vão até ao meu estacionamento e vejam se está um grupo aqui e outro ali.» «Sim, estão identificados», disseram eles. «Então, ninguém mexa porque eu estou em ligações com eles. Agora, vais bombardear esta zona entre aquela árvore e aquela árvore, para abrir um caminho», pedi-lhes.

Eles perguntaram: «E se acertamos em vocês?»

Respondi que eles tinham mesmo de bombardear e eles usaram só tiros de metralhadora.

Então alertei o pessoal e saímos imediatamente atrás dos tiros de metralhadora.

Nessa altura, o piloto, entusiasmado, dizia-me: «Já percebi o que querias!» Consegui fazer o torneamento. Depois, saímos de lá com algumas dificuldades, fomos até ao primeiro posto de recolha, que tinha ficado a assegurar-nos a retaguarda, chegaram viaturas e fomos para o estacionamento. Foi um desgaste físico, um cansaço muito grande. Foram muitas horas... das duas da madrugada até perto da uma da tarde.

Quarenta e alguns anos depois...

O «baptismo de fogo» é um dos momentos mais marcantes da vida de um militar.

Ninguém sabe como irá reagir.

Alguns «heróis» das paradas dos quartéis agarram-se ao chão que nem lapas e outros, até ali mais discretos, conseguem dominar o medo e portam-se como Homens.

Há um momento decisivo.

Ou fazemos o que é o nosso dever ou perdemos o respeito dos outros.

E passamos a (con)viver mal com nós próprios...

Na operação Lenquetó, no norte da Guiné nos primeiros dias de Julho de 1964, fomos emboscados e tivemos vários feridos. O mais grave foi o 1º. Cabo Marques, que foi atingido no baixo-ventre.

Aguentou as dores que nem um valente.

Nos seus poucos queixumes julgo que só lhe ouvimos dizer... «Meu furriel, estou feito. Não vou voltar ser um homem normal...»!

«Está claro que vais, Marques. Aguenta só mais um bocado.»

Quando o helicóptero chegou para o evacuar estávamos cercados e debaixo de fogo.

O Alferes Tavares aproximou-se para levar ao colo o Marques.

Antecipei-me. Era eu o Enfermeiro.

Era eu que o tinha de levar até ao helicóptero.

O capitão Tomé Pinto e o Alferes Tavares deram-me protecção.

Os metros que percorri com o Marques ao colo, até ao helicóptero, foram bem compridos.

Só me recordo de ouvir as pás do helicóptero e... as batidas do meu coração.

Não mais esquecerei aqueles minutos. Foram 5 minutos muito coooompriiidoos!

Mais de 20 anos depois... conheci numa reunião de ex-combatentes... as filhas do Marques.

A maneira como me abraçaram deu para entender que sabiam “alguma coisa “do papel que eu teria tido em relação ao seu nascimento...

Foram minutos de intensa emoção.

A expressão do seu afecto foi uma «medalha»... para toda a vida. Uma recompensa... eterna.

E já estive com o Marques e uma sua neta em 2008!
(foto da esquerda)

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675


Fotos: © Jero (2009). Direitos reservados.

___________
Nota de M.R.:

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 – P5647: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (27): Baptismo de fogo - Parte 1



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias (a 27ª), com data de 14 de Janeiro de 2010:


«Baptismo de fogo» - Parte 1

Binta, 5 de Julho de 1964


O estacionamento era fustigado pela chuva que desde há umas horas caía em grossas bátegas. Na noite escura preparava-se a nossa primeira operação «a sério». Tomou-se uma refeição quente enquanto se trocavam piadas entre os mais animosos. Os mais ensonados iam acordando aos poucos.

Tiveram um significado especial as palavras que o nosso capitão Tomé Pinto nos dirigiu antes de iniciarmos a caminhada. Falava com calma e tentava transmitir segurança aos seus homens. Do bom êxito da operação que íamos empreender poderia resultar a sorte da companhia. Seria preciso que todos dessem o seu melhor.

Agora ia ser a sério. Íamos ao encontro do inimigo.

A nossa missão “resumia-se” numa batida à região de Lenquetó (situada a cerca de 12 kms do estacionamento), tabanca onde se julgava estar reunido com pessoal o «Chefão» da zona, um tal Paulo Lomba, conhecido pelo BARBAS.

Tentaríamos destruir a tabanca e fazer prisioneiros.Bebíamos as suas palavras. Lembra-me de pensar que nunca um “Pinto” me tinha parecido um “Galo” tão aguerrido e mandão. Ali, a haver “pintos”, era todos nós, maçaricos com dois meses de Guiné.

Teríamos que caminhar com o maior cuidado e no máximo silêncio pois o itinerário que íamos seguir “atravessava” uma região onde algumas tabancas ainda estavam habitadas.

Quando saímos do aquartelamento íamos uma hora atrasados em relação à partida previamente marcada, devido à chuva que não abrandava.

Eram 02h00.

Guiados pelo guia Malan Sissé percorremos com segurança e rapidez os primeiros quilómetros, ritmo que no entanto não pôde ser mantido pois a partir do entroncamento de Caurbá até à bifurcação de Genicó tivemos que rodear 13 abatises. Estes «vultos» sinistros com quem pela primeira vez tomávamos conhecimento atestavam a presença do inimigo na nossa zona. Caminhámos lentamente e com redobrados cuidados quando passamos perto de Genicó que estava habitado.

Passámos pelo "esqueleto" carbonizado de uma camioneta da serração de Binta, que o inimigo tinha destruído há poucos meses atrás.

Às 04h45 estávamos perto do nosso objectivo.

Ouviu-se por momentos com nitidez, no silêncio da noite, o ruído característico do pilão. Não muito longe cães latiram. Lentamente percorremos a distância que nos separava de Lenquetó.

Às 05h15 começou-se o envolvimento da tabanca instalando-se em meia-lua os dois grupos de combate.

Poucos momentos depois viram-se alguns indivíduos sair caminhando na nossa direcção. Gritou-se para que fizessem alto. Retrocederam rapidamente fazendo fogo de pistola de dentro da tabanca. As nossas tropas abriram fogo e durante alguns momentos dezenas armas automáticas crepitaram simultaneamente. Parecia uma trovoada. A reacção do inimigo embora diminuta fez-se sentir.

Um «suicida» descortinou o nosso capitão em pé, protegido por uma árvore, e avançou para ele correndo com um «canhangulo» em posição de fogo. Foi abatido depois de meia dúzia de passos.

Outros dois indivíduos saíram em correria da tabanca e ziguezagueando conseguiram passar por meio de uma secção, escapando ao fogo de duas ou três dezenas de atiradores. Foi uma fuga desesperada que, com um mínimo de probabilidades de êxito, resultou. Pareciam voar e escaparam-nos autenticamente entre as mãos!

Houve uma certa dificuldade em controlar esta primeira “descarga” para se passar ao interior da tabanca, conseguindo-o o nosso capitão com o seu exemplo e com a sua experiência (já tinha andado por Angola), arrastando consigo alguns homens, que penetraram lentamente na tabanca. Houve um inimigo que, apesar de ferido, lançou uma granada sendo abatido acto contínuo. Não se registaram outros actos de resistência mas foram abatidos ainda alguns indivíduos que tentaram fugir para o exterior.

Iniciou-se a revista das moranças e começaram-se a reunir prisioneiros, alguns deles feridos, para um pequeno largo no centro da tabanca. Foram prestados os primeiros socorros aos que mais necessitavam. Não se encontraram armas, não se conseguindo da parte dos prisioneiros informações.

Começaram-se a encaminhar os prisioneiros para o exterior da tabanca enquanto se incendiavam as moranças que iluminaram sinistramente o alvorecer.

Com dificuldade devido ao número (cerca de 40) e ao estado de alguns prisioneiros perdeu-se bastante tempo antes de se iniciar a marcha de regresso.Quando estávamos para partir apresentou-se um novo prisioneiro que tinha passado despercebido a quando da revista à tabanca.


Seriam talvez 07h00 quando lentamente nos começámos a afastar de Lenquetó que ardia. A nossa missão estava cumprida.

Iniciámos o regresso ao estacionamento, donde tínhamos partido cinco horas antes.

Na tabanca tinham perecido duas ou três dezenas de inimigos.

Com os dois grupos de combate, progredindo em quadrado, andaram-se uns 500 metros, interrompendo-se a marcha várias vezes por dificuldade em fazer caminhar os prisioneiros dentro do nosso dispositivo. Um prisioneiro já moribundo, o chefe da tabanca, teve que ser abandonado por já não poder deslocar-se, sendo-lhe ainda injectado morfina para alívio do seu sofrimento.

Decorridas mais umas centenas de metros foi descoberto um homem (isolado) que apesar de avisado em altos gritos para não fugir o tentou fazer, sendo perseguido e abatido. Tiveram de fazer-se novas paragens devido aos prisioneiros que se deslocavam com muita dificuldade no centro do quadrado.

Quando a cerca de 500 m de Caurbá progredíamos numa zona fortemente arborizada, (com muitos arbustos e pequenas palmeiras), fomos emboscados pelo inimigo. Ouviu-se um rebentamento de granada já depois de a "guarda da frente" ter passado, seguido momentos depois por outro estoiro.

Depois de um primeiro momento de expectativa e surpresa (houve quem pensasse até que os rebentamentos se deviam ao descuido ou imprevidência de algum dos nossos soldados) instalámo-nos rapidamente em círculo, «mascarando-nos» com a vegetação existente no local.

Seriam cerca de 08h00.

Houve mais alguns tiros do inimigo, de pistola e pistola-metralhadora, respondendo a nossa tropa com grande poder de fogo em todas as direcções.

O inimigo não estava longe e havia lançadores de granadas dentro do nosso dispositivo. O rebentamento da segunda granada provocou ferimentos no Furriel Mesquita e no 1° Cabo Craveiro, que seguiam na linha da frente, do lado esquerdo, sendo tratados por alguns soldados que utilizaram a propósito os pensos individuais, e pelo Furriel Enfermeiro Oliveira, verificando-se serem ligeiros os seus ferimentos.

Momentos depois tivemos a sensação de estarmos envolvidos pois os tiros de pistola-metralhadora, pistola e rebentamentos de granadas sucediam-se de todos os lados. O nosso dispositivo, um tanto ou quanto desarticulado, avançou para uma zona mais descoberta, instalando-nos em círculo junto de uma grande árvore. Entretanto na retaguarda havia também contacto com o inimigo sendo feridos o Sargento Gouveia Marques (com estilhaços de granada), num braço e o 1. ° Cabo Marques (com uma rajada de metralhadora), no escroto e num testículo.

Continuámos a responder ao inimigo com fogo baixo e uma bazucada deve ter feito grandes estragos no inimigo, pois ouviram-se gritos lancinantes durante alguns momentos.

Junto à árvore já referida o nosso capitão, calmamente, transmitia ordens e recomendava ordem no fogo para não virem a faltar munições.

Os feridos entretanto tinham-se deslocado até ao abrigo dessa árvore (que passou a servir de posto de comando e enfermaria) onde foram mais convenientemente tratados, verificando-se inspirar cuidados os ferimentos do Cabo Marques.Antes ainda de nos instalarmos junto à árvore do “Comando”, que vimos referindo, o Soldado n.° 2212/63, Chita Godinho conseguiu abater um inimigo que fazia fogo muito próximo com uma arma de repetição e corajosamente deslocou-se até este retirando-lhe a espingarda.

O inimigo continuou a flagelar-nos mas do nosso “círculo” continuava a partir um «furacão» de ferro e fogo.

Foi pedida a aviação para apoio e um helicóptero para evacuação do ferido mais grave, o Marques, que embora cheio de dores continuava a manter um sangue frio e serenidade notáveis, nunca desanimando nem exteriorizando o seu sofrimento.

O apoio aéreo não se fez demorar muito localizando-nos com relativa facilidade depois das indicações dadas pela rádio pelo nosso capitão. Ainda antes da chegada dos aviões (doisT6) o inimigo tinha tentado fazer uma autêntica carga sobre o nosso dispositivo, sendo abatidos, uns dois ou três indivíduos, a uns cinco ou seis metros da árvore onde se abrigavam o nosso capitão, o Furriel Enf.º, o cabo radiotelegrafista e os feridos já mencionados anteriormente.

Também ainda antes da chegada dos aviões soubemos pela rádio que a coluna-auto que se dirigia ao nosso encontro, com duas secções comandadas pelo Alf. Santos, tinha sido também emboscada junto do entroncamento de Caurbá, e que tínhamos um ferido grave por estilhaço de granada.

Com a chegada do apoio aéreo o inimigo mostrou-se menos activo, fazendo no entanto ainda por duas ou três vezes fogo de pistola-metralhadora para os «caças».

Os pilotos, habilmente conduzidos pelas informações de terra, fizeram fogo por várias vezes para os locais donde o inimigo nos tinha flagelado, lançando ainda uns «roquetes» para umas casas de mato nas proximidades da tabanca, que se avistava ao fundo, à esquerda.


Cerca das 11h00 chegou o helicóptero para evacuação do ferido sendo a sua descida comandada pelo nosso capitão que, a peito descoberto, conseguiu evitar que descesse num local onde poderia estar o inimigo. Em manobra impecável o helicóptero desceu apenas a uns 20 metros da árvore junto da qual se encontravam os feridos.

Rapidamente o Marques foi transportado até ao helicóptero pelo Enfermeiro Oliveira, auxiliado pelo nosso Capitão Tomé Pinto e pelo AIf. Tavares, revelando o pessoal do helicóptero grande experiência e calma. Sempre com a hélice em movimento o helicóptero elevou-se rapidamente, dirigindo-se para Binta onde o esperava um condutor gravemente ferido aquando do ataque à coluna-auto, que entretanto já não estava debaixo de fogo, não podendo no entanto aproximar-se da zona de Caurbá por se encontrar avariada uma viatura.

Os T6 continuavam a evolucionar sobre a área dando-nos uma sensação de agradável protecção o ruído dos seus motores.

A pedido do Capitão Tomé Pinto os pilotos metralharam a zona por onde, electrizados pelo exemplo do nosso Comandante de Companhia, que arrancou de imediato para a frente, seguimos o mais rapidamente possível, respondendo ao fogo inimigo que, de cima das árvores, nos continuou a flagelar durante algum tempo. Com um dispositivo em «cunha» conseguimos iludir o inimigo que não esperava a nossa saída pelo local onde ela se verificou.


A experiência e o arrojo do nosso Capitão conseguiu que dois grupos de «maçaricos», que se “agarravam” ao chão logo que se ouvia um tiro, «voassem» por uma zona batida pelo fogo do inimigo que nos viu afastar com rapidez e segurança. A registar a tentativa de fuga de três prisioneiros aquando da retirada da zona da emboscada, que no entanto foram abatidos, sendo de louvar a calma e serenidade das duas secções que tinham a seu cargo a guarda ao numeroso grupo de prisioneiros, trazendo-os sem mais uma baixa até ao estacionamento.

Os quilómetros que nos separavam ainda de Binta foram percorridos debaixo de um calor sufocante que exigiu de cada um, um esforço suplementar, pois vínhamos a caminhar desde as 2 horas da madrugada.

Logo que nos afastámos de Caurbá o dispositivo voltou à formação de "quadrado" sempre superiormente comandado pelo nosso capitão, que extenuado por um esforço extraordinário ficou sem voz e teve de se aproveitar do vozeirão do Furriel Juca (um homem pequeno mas com voz de gigante...) para continuar a transmitir as suas ordens.

O Capitão Tomé Pinto em 1964

Cada metro de mato exigia já um esforço penoso para o percorrer.

Desejava-se os barracões de Binta mais do que, em qualquer outra altura, um hotel de luxo.


Foi para muitos (entre estes e muito na vanguarda o «cronista»...) o dia «D», o dia mais longo das suas vidas...

Já próximo do estacionamento o nosso capitão e um grupo de combate foram ainda ao encontro da coluna-auto para proteger o seu regresso.

Quando chegámos a Binta, onde também se tinham vivido horas de grande ansiedade, eram 12h30.

Acabava-se, de viver o nosso primeiro dia operacional em terras da Guiné. Tínhamos combatido duramente com o inimigo e obtido uma vitória esmagadora. Do Cacheu até à fronteira do Senegal os que tivessem «escapado» fariam a nossa melhor «publicidade».

Não se poderá dizer que não tivemos um baptismo de fogo animado.


E… nunca um “Pinto” me tinha parecido um “Galo” tão aguerrido e mandão.

O Capitão Tomé Pinto actualmente

(Os ex-militares da CCaç 675 saudam especialmente, hoje, dia 14 de Janeiro, o "seu" Capitão - agora Ten. General -, pela passagem do seu 74º. Aniversário. Parabéns e que conte muitos mais).

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675
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Nota de M.R.:

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