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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20672: Notas de leitura (1266): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (46) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
"A Crónica da Libertação" é uma narrativa que o Presidente Luís Cabral, preso na Fortaleza da Amura, foi esboçando, com recurso a memórias. Liberto, teve alguns apoios e esclarecimentos sobre os factos descritos, ele fizera a sua narrativa sem qualquer documentação. Daí o texto, hoje obrigatório para o estudo da luta armada não ter rigor na sequência histórica, nomeadamente quanto ao período que está aqui a ser analisado, entre 1964 e até princípios de 1966.
A despeito destas lacunas, Luís Cabral evidencia a estratégia gizada para o Sul que, diz ele, ultrapassou todas as expetativas postas por Amílcar Cabral, quer quanto ao vigor da desarticulação como quanto à possibilidade de abrir ligações e canais de abastecimento entre a República da Guiné e um conjunto de bases que permitiram a implementação do PAIGC apoiado por populações no Sul e junto do Corubal, acrescentando-se a esses sucessos de 1963/1964 a região do Morés.
Releva a chegada do armamento pelo canal marroquino e as armas e demais material soviético que começa a chegar em grandes quantidades ao porto de Conacri, já em 1964.
É uma escrita de cunho vitorioso em que o acento tónico é posto na profunda admiração de Luís Cabral sobre o seu irmão.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (46)

Beja Santos

“Muito tempo eu andei
com um braço engessado.
De ter a mania de palhaçar,
tive este mau olhado.

Sargento Pedro me convidou
para ir ginástica treinar
e um dia fomos falar
com quem o treino organizou.
O Isaac não rejeitou
e nesse dia comecei.
Umas sapatilhas calcei
e vesti também um calção,
e efectuando a instrução
muito tempo eu lá andei.

A 16 de Abril, a praticar
no Benfica de Bissau,
o caso esteve muito mau.
Quando um pulo fui jogar,
entrou comigo o azar,
caindo desequilibrado.
No chão fiquei deitado,
e alguns gemidos lançava
e ao fim de dias andava
com um braço engessado.

Para o tratamento fazer
na Amura eu fiquei
e todo o tempo andei
sem o braço poder mexer.
Mal podia escrever:
para a família não duvidar
tinha osso fora do lugar
que o braço não endireitava
e só assim eu deixava
de ter a mania de palhaçar.

Os médicos me receitaram
supositórios para tomar
e ondas curtas ia levar.
Mas com isso não me curaram.
Muitos dias se passaram
e o osso continua rachado.
Talvez seja ainda operado
mas não sei quando é
pois na Província da Guiné
tive este mau resultado.”

********************

Deixemos o bardo em paz com os seus trambolhões, de braço ao peito. Continua de pé esta necessidade de dar amplitude à compreensão da guerra em que o BCAV 490 este envolvido, muitas vozes se têm alevantado para contar o rol de peripécias do que foi aquela luta pela independência, como vimos o rol é mais minguado no que tange a tornar compreensível a reação das forças portuguesas. A um desequilíbrio notório no volume das vozes, há que fazer o desconto a omissões e ao som estereofónico da propaganda. Manda a elementar justiça que o contraditório esteja sempre em cima da mesa, e é com essa preocupação que se releva agora um depoimento de quem acompanhou muito de perto Amílcar Cabral, o seu irmão Luís escreveu a “Crónica da Libertação”, publicada em Portugal em 1984. Deposto pelo golpe de 14 de novembro de 1980, preso e acusado da mais alvar tirania, Luís Cabral entendeu responder refugiando-se na história do PAIGC por via da ação e do pensamento de quem tudo inspirou, por toda a crónica é sempre o líder fundador quem está no palco. Veja-se resumidamente o que ele nos diz de 1962 até aproximadamente ao tempo em que teve termo a comissão do BCAV 490.

Em 3 de agosto de 1961, o PAIGC decretara a passagem à ação direta. Em outubro desse ano, Amílcar Cabral assinava uma carta aberta ao governo português, propunha negociações, sabendo de antemão que não ia obter resposta, ao tempo Rafael Barbosa e o seu núcleo iam sensibilizando a população de Bissau, a PIDE, que vira os seus efetivos aumentados, assaltou a base clandestina do bairro de Cobornel, Rafael Barbosa e outros dirigentes foram presos, deu-se a detenção de mais de mil militantes e simpatizantes. Vindos da formação da China, um punhado de guerrilheiros avança em direção ao Sul e à região de Morés. O armamento é frágil, Osvaldo Vieira, completamente cercado no Morés, teve que fugir para o Senegal, onde foram presos pelas autoridades e conduzidos a Dakar, o que obrigou a nova intervenção de Cabral. Tudo era difícil para a subversão. Tentara-se ingloriamente um levantamento no Gabú, os guerrilheiros tiveram que fugir precipitadamente. No Sul, Vitorino Costa é capturado e morto. Como escreve Luís Cabral, a notícia da sua morte levou centenas de combatentes do Sul e do Centro-Sul a abandonarem as suas bases para aguardarem na fronteira a chegada das armas. Enquanto tudo isto se passa, Amílcar Cabral estreita o seu relacionamento com o MPLA em Conacri, lançam as bases de um movimento em prol da independência das colónias portuguesas. Assim nasceu a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, Mário de Andrade e Viriato da Cruz eram os representantes do MPLA e Marcelino dos Santos da FRELIMO, os escritórios da organização ficavam em Rabat. O reino de Marrocos cede armas que depois de algumas peripécias que podiam ter custado caro ao movimento liderado por Cabral, no final de 1962, começam a ser distribuídas pistolas-metralhadoras. Luís Cabral não data os acontecimentos, mas está inequivocamente demonstrado que mesmo antes das frentes estarem abastecidas de armas, já no segundo semestre de 1962 houvera importantes destruições de pontes e pontões e destruídas as fontes de comunicação. Ganhava-se experiência e criavam-se bases de guerrilha onde se acreditava que o inimigo só dificilmente lá podia chegar. Mas o quadro de repressão intimidava profundamente as populações.

Luís Cabral nos últimos anos de vida

E ele escreve:
“Com a chegada de armas automáticas – entre as quais a ‘patchanga’, com os seus carregadores de 72 balas, que era altamente temida pelo inimigo – tudo isso acabou. Começaram a surgir vastas regiões completamente libertadas, onde só imperava a autoridade do partido; organizaram-se nas tabancas os Comités do PAIGC, para o controlo da vida das populações e do abastecimento da guerrilha. Cada família era obrigada a ‘medir’ uma certa quantidade de arroz ou outro alimento, para a base mais próxima da tabanca. Os responsáveis muitas vezes obrigavam jovens a regressarem às suas casas porque o número de pessoas nas bases aumentava sem parar e era preciso garantir os trabalhos do campo e não despovoar as tabancas.
Centenas de homens vinham a diversos pontos da fronteira para carregar armas e munições: o entusiasmo dos combatentes era tão grande que alguns responsáveis escreviam ao Secretariado para afirmar que, com mais duas dezenas de pistolas-metralhadoras, seriam capazes de libertar toda a sua área. As forças colonialistas encontravam-se incapazes de reagir; foram surpreendidas pelo aparecimento de armas automáticas potentes em várias zonas do país e tiveram muitas baixas”.

Luís Cabral revela que Amílcar Cabral estava admirado de tudo estar tão bem. O que se estava a passar no Sul revelava-se surpreendente e Domingos Ramos enviou Abdulai Barry para o outro lado do Corubal, para a Mata de Fifioli. É nesta fase que em Samba Silate, não longe de Bambadinca, houve grande repressão depois de denúncia de jovens que estariam a frequentar as bases da guerrilha, havia na povoação uma missão católica e um padre de nacionalidade italiana, António Grillo, denunciou a violência cometida e foi expulso da Guiné. Formava-se um grupo de guerrilha na região do Xime, tentar-se-á durante toda a guerra destruir estas bases, em vão.

Escreve a Luís Cabral que do Morés a luta ia-se alargando ao longo de 1963 para a área de Biambi e dali até Canchungo (Teixeira Pinto). É neste período, em fins de 1963, que Luís Cabral visita pela primeira vez a zona do Quitafine, que fazia fronteira com a República da Guiné. Descreve esta viagem e o seu encontro em Cassaca com Manuel Saturnino Costa, que era irmão de Vitorino Costa. Segundo Cabral, a população do Quitafine tinha aderido massivamente à luta. É nessa altura que Luís Cabral se apercebe que havia situações anormais na vida da guerrilha, ninguém era muito explícito mas deduzia-se que havia jovens dirigentes que praticavam atos despóticos que intimidavam as populações. E assim germinou a ideia de fazer um encontro de dirigentes que ocorreu num local chamado Cassacá, a cerca de quinze quilómetros do Como, esse encontro decorreu em fevereiro, enquanto se combatia na ilha, como é sabido o encontro transformou-se em congresso, levou à reestruturação das forças armadas e à punição dos elementos criminosos.

Depois de algumas tiradas propagandísticas sobre os acontecimentos da batalha do Como, Cabral refere a consolidação do posicionamento do PAIGC no Sul, era uma área que compreendia os setores de Cubucaré, Quitafine, Balana e Como. Um cineasta de nome Mário Marret, por essa época, visitou as zonas onde o PAIGC era preponderante e recolheu o material sobre o primeiro documentário cinematográfico com o título “LALA QUEMA”, seria o primeiro instrumento de sensibilização da opinião pública internacional.

Entretanto, chega o apoio do armamento soviético, o equipamento para o exército altera-se profundamente e Luís Cabral relata a vida em Conacri, a reorganização administrativa do partido no exílio, as visitas de Cabral às diferentes frentes, e a criação de um novo palco de guerra no Boé. Cabral dá igualmente conta da continuação de tensões com outros partidos políticos rivais, desta vez em Dacar. E descreve a formação dos quadros, a abertura de escolas, a criação de pessoal na área da Saúde, é o que ele vai esmiuçar num capítulo intitulado “Criar uma vida nova em cada parcela libertada”. Por razões que seguramente se prendem com a falta de documentação, dado que esta crónica foi escrita na prisão, dá alguns saltos bruscos em termos cronológicos, fala-se dos bombardeamentos na área do Morés, a aprovação da Lei da Justiça Militar, a expansão da frente de Leste, a morte de Domingos Ramos em Madina do Boé, a formação de quadros cabo-verdianos em Cuba, enfim, está literalmente a diluir-se a cronologia dos acontecimentos, ganha uma certa opacidade a evolução militar entre 1964 e 1965.
É talvez por isso desejável fazer-se recurso de novo à tese de doutoramento de Leopoldo Amado que seguiu metodicamente as vicissitudes do calendário.

Chico Mendes (Chico Té), depois da morte de Domingos Ramos era comandante da região do Boé

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 14 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20649: Notas de leitura (1264): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (45) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 17 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20660: Notas de leitura (1265): Dicionário de Paixões, por João de Melo; Dom Quixote, 1994 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20284: Notas de leitura (1231): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Agosto de 2019:

Queridos amigos,

A comissão de Eduardo começa em Quipedro e tem o seu término em Barraca. O imprevisto de toda esta narrativa é, como se observou anteriormente, haver uma descrição oficinal a ritmo moderado, o que começa por se contar parece um fotomaton que cabe no currículo de muitos de nós, e de chofre, depois de uma estadia em Quipedro, numa tensão habitual de guerrilha, chega-se ao Leste e é uma autêntica descida aos infernos, daí não hesitar em dizer que nada de mais explosivo se escreveu sobre os horrores da nossa última guerra em África.

E termina-se com uma citação um tanto cabalística do autor na apresentação do seu livro:

"Um forte sentimento de culpa, aliado a laços de camaradagem e de cumplicidade, tem levado os ex-combatentes ainda vivos a silenciarem acontecimentos dramáticos que protagonizaram de modo ativo ou passivo. Esse é um dos grandes óbices a que se escreva a verdadeira história da guerra colonial".

Um abraço do
Mário


Uma das mais explosivas obras da literatura da guerra colonial: “O Alferes Eduardo”, por Fernando Fradinho Lopes (3)

Beja Santos

A obra “O Alferes Eduardo”, por Fernando Fradinho Lopes, Círculo de Leitores, 2000, centrada em acontecimentos ocorridos na guerra de Angola, é um documento com imenso significado. A roda da fortuna lançou um jovem alferes em Quipedro, no Norte, tudo parece levar a crer que é uma guerra de guerrilhas que opõe as forças portuguesas e as surtidas rebeldes, é certo que há população afetada, mas muitíssimo menos grave do que ele vai presenciar no Leste.

Ele escreve em 17 de setembro de 1967, no Alto Cuíto:

“O Alto Cuíto era um simples morro que dominava uma extensa chana onde corria o rio Cuíto, de águas cristalinas. Dentro do espaço protegido por arame farpado, no topo da colina, existiam improvisadas barracas de madeira para utilização da tropa. Contrastavam com a confortável casa de alvenaria do Administrador de Posto.

O Administrador Raposo tinha sob as suas ordens cerca de duas dúzias de milícias mal vestidas e de pés descalços, armadas de velhas espingardas de repetição. Mantinham a sua própria segurança, com um sentinela permanente num torreão de madeira.

Sendo aquela uma zona de guerra, onde as populações haviam abandonado as suas sanzalas e passado para o controlo da UNITA ou do MPLA, não fazia sentido continuar a existir no Alto Cuíto uma autoridade administrativa, pensava o Alferes. Mas o certo é que o Raposo mantinha-se no seu posto como se tivesse sido esquecido pelos seus superiores hierárquicos ou como se estes ignorassem a situação de guerra no terreno.

O administrador convidou o alferes a deslocar-se à secretaria do seu posto administrativo, para participar num interrogatório de negros suspeitos de ligações com a UNITA.

O primeiro detido, ao ser perguntado sobre a localização dos guerrilheiros, nada disse. Os cassetetes dos dois sipaios de serviço funcionaram então implacavelmente, tal como as mãos e os pés do administrador. O interrogado rebolou no chão como se de um objecto qualquer se tratasse.

O segundo detido enfrentou o Raposo com uma aparente serenidade. Também parecia mostrar-se decidido a não declarar nada. E nem sequer reagia às violentas pancadas que um dos sipaios lhe infligia. Poucos saíam dali vivos”.

Mais tarde, o alferes avistou duas vítimas no chão, uma delas com um lago de sangue à sua volta. À noite, os milícias deitaram os corpos num rio.

E comenta-se:

“No Leste, a vida dos adversários ou dos meros suspeitos não tinha significado algum para cada uma das partes do conflito. Assassinava-se a sangue frio, sem dó nem piedade, por tudo e por nada”.

A tropa de Eduardo dá proteção à Junta Autónoma das Estradas, prepara-se uma ponte numa área de intervenção do MPLA, protegem-se serrações de madeiras a 75 e a 95 quilómetros do Alto Cuíto. Ocorrem emboscadas, morre o 1.º Cabo Costa, vítima de uma emboscada próximo da serração do Nhonga. Faz a contabilidade, com apenas um terço da comissão tinham sido feridos e mortos em combate nove soldados. O contexto do terrífico e do horror não abranda.

Ele escreve a 26 de outubro:  

“De manhã saiu, em missão de patrulhamento, uma secção comandada pelo Furriel Marta. Ao cruzar-se com dois negros desarmados, deteve-os e não tardou a eliminá-los, utilizando um processo cruel. Amarrou-os um ao outro, costas com costas. Depois colocou uma granada defensiva despoletada entre os corpos e afastou-se. À distância, gozou o espectáculo macabro dos dois condenados a serem despedaçados pelos estilhaços do engenho explosivo”.

Sucedem-se os patrulhamentos, numa sanzala controlada pela UNITA, os habitantes mostravam-se aterrorizados, nada lhes aconteceu. No regresso de um outro patrulhamento, já perto do Alto Cuíto, “viu o jipe do administrador carregado com cinco negros de mãos atadas atrás das costas, escoltados por sipaios. Não duvidou do destino que os desgraçados teriam mais tarde”.

Os interrogatórios em casa do administrador Raposo não param, Eduardo está enojado, pensou mesmo em prendê-lo mas temeu as consequências. Termina as observações desse dia escrevendo:  

“O morro do Alto Cuíto era um barril de pólvora que mais tarde ou mais cedo teria de explodir”.

Prossegue a atividade operacional, a guerrilha estende-se como mancha de azeite. Os acidentes também não param, caso de um soldado que caiu numa armadilha e ficou espetado num pau aguçado, que lhe entrou na virilha e avançou até perto do pescoço.

Eduardo regressa a Munhango, tinham sido distribuídas armas a uns tantos homens numa sanzala próxima, esses homens passaram-se com armas e bagagens para a UNITA. Já estamos em 1968, os patrulhamentos não abrandam. O relacionamento entre Eduardo e outro alferes é cada vez mais tenso, e o relacionamento com o Capitão Francisco já teve melhores dias. O alferes volta a Cangonga, vem com a missão de penetrar em zonas “libertadas” e surpreender gentes da UNITA, os resultados são magros.

Descreve a 29 de janeiro:

“Verificou que as sanzalas, tempos antes habitadas, iam sendo progressivamente abandonadas pelas populações, entaladas entre as pressões da UNITA e as das tropas portuguesas. Quando se aproximou para cumprimentá-lo, o Sr. Vilaça, madeireiro em Cangonga, insinuou de modo crítico que o alferes era excessivamente brando para com os negros. Defendia que deveria, no mínimo, ser tão duro como o seu antecessor Barradas. A população branca que ainda permanecia no Leste exigia sangue. Queria acções de represália contra os suspeitos. E por ali toda a gente negra era suspeita. Muitos acreditavam que aquela guerra só poderia resolver-se com o terror do branco contra o terror do negro".

Este jogo do gato e do rato com a UNITA, o convite a que as populações se apresentassem frutifica, vão-se apresentando pessoas num pinga a pinga que vai aumentando, vão ser necessárias obras de construção para albergar alguns daqueles que haviam participado em atos cruéis de terrorismo. Melhoram as relações entre os oficiais da companhia, o sofrimento das populações é inesgotável, os episódios de horror repetem-se, como se exemplifica:

“Sentado junto de uma tenda de campanha, vi um negro cambaleante e esfarrapado aproximar-se da porta de armas do quartel de Munhango. Desatou o cordão que trazia amarrado à cabeça e o maxilar inferior caiu-lhe de imediato, deixando-lhe a boca escancarada.

Segurou o queixo com uma das mãos e, quase imperceptivelmente, foi balbuciando o seu drama.
Residia na sanzala de Magimbo quando uma bala lhe destroçou a face. Refugiara-se na floresta, receoso de ser apanhado pela tropa ou pela UNITA. Mas a fome e o medo acabaram por obrigá-lo a apresentar-se às autoridades portuguesas. Ali estava ele em busca de paz e de alimento”.

Os episódios sangrentos avantajam-se, houvera uma emboscada e a tropa reagiu, dois grupos de combate foram tentar a sua captura e fazer justiça.

E repete-se o horror:

“O jovem oficial levava consigo farinha e peixe, a servir de isco. Era um artifício destinado a incutir nos aldeões a ideia de amistosidade. As pessoas, embora desconfiadas inicialmente, quando viram a comida aproximaram-se, na expectativa de alcançarem a sua quota-parte.

Depois dos habitantes estarem reunidos, apareceu o guia denunciante, incumbido de identificar os elementos hostis. Foi nesse momento que compreenderam a intenção da tropa. Assustadas, procuraram fugir em todas as direcções. Eram centenas de negros em fuga precipitada. O alferes não hesitou. Ordenou aos militares que atirassem impiedosamente. Homens, mulheres e crianças tombavam como animais no matadouro”.

Em março, a CCAÇ 1638 viaja para Barraca, um lugar situado a cerca de cem quilómetros a sudeste da capital, junto da estrada que ligava Luanda ao Dondo. A corrente de alta voltagem que se vivera na região Leste vai-se diluindo, regressa-se ao trivial, às situações corriqueiras, fazem-se férias e em fevereiro de 1969 retoma-se a viagem para Luanda, é o regresso.

“Quando chegou à Covilhã, olhou o recorte noturno da montanha sob o céu escuro. A mesma que via desde a sua infância. Os pais acharam-no pouco falador, muito menos do que outrora. Nunca fora expansivo. Mas parecia-lhes claro que ele não desejava falar sobre a sua vivência em Angola. Antes de deitar-se tomou um Vesparax completo. E adormeceu. Não ouviu nem sentiu o forte tremor de terra dessa noite de 27 para 28 de fevereiro de 1969. O maior das últimas décadas em Portugal”.

E assim se chega ao termo de uma obra avassaladora, onde as descrições no Leste de Angola atingem o pico do horror, do medo, da existência sem sentido, como se sobreviver fosse o santo-e-senha.
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Notas do editor

Vd. postes de:

14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20238: Notas de leitura (1226): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (1) (Mário Beja Santos)
e
21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20263: Notas de leitura (1228): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20276: Notas de leitura (1230): "Retalhos das memórias de um ex-combatente", de Ângelo Ribau Teixeira (1937-2012): excerto do capítulo 11, "Mina na Companhia 305", evocação, pungente, da morte do cap inf Oscar Fernando Monteiro Lopes, vítima de mina A/C, na estrada Buela-Pangala, Norte de Angola, em 10/7/1962

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20096: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte IV: O respeito pelos homens que comandei (pp. 33-42)


Angola > Luanda > Setembro de 2004 > Algures, em pleno centro da cidade, na Av Nkrumah,   um velho mural do MPLA,  meio escondido e já descolorido, e onde curiosamente o pintor se esqueceu das crianças, dos velhos e dos estropiados: está lá o intelectual, o guerrilheiro, o operário, a camponesa... (*)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2004). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Angola > CCAÇ 3535 (1972/74) > Portugueses e angolanos formando uma equipa de futebol



Angola > Zemba, na região dos Dembos, norte de Angola, 1973. Em Zemba não havia mais do que isto: um quartel, ao centro, e uma pequena sanzala com cerca de 100 habitantes, à esquerda. Mais nada. O fumo que se vê à esquerda resulta de uma queimada. No quartel estava instalado o comando de um batalhão, a respetiva Companhia de Comandos e Serviços (CCS) , uma das três companhias operacionais do batalhão e um pelotão de morteiros independente. No meu caso, o batalhão era o BCaç 3880, a companhia operacional era a CCaç 3535 e o pelotão de morteiros era o Pel Mort 3060, primeiro, e o Pel Mort 3029, a seguir. Por sua vez, a CCaç 3536 e a CCaç 3537, do meu batalhão, estavam destacadas em Cambamba e Mucondo, respetivamente.

Fotos (e legendas) : © Fernando de Sousa Ribeiro (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Fernando de Sousa Ribeiro:

(i) ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);

(ii) é membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018, com o nº 780;

(iii) licenciado em Engenharia Electrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto;

(iv) está reformado;

(v) vive no Porto;

(vi) também gosta de Lisboa onde viveu e trabalhou;

(vii) tem página no Facebook.

(viii) a CCAÇ 3535 foi mobilizada pelo RI 16, partiu para Angola em 13/6/1972 e regressou em 28/8/1974: esteve em Zemba, P. R. Zádi. Comandantes: cap mil inf José Manuel de Morais Lamas Mendonça e Silva, e cap mil inf José António Pouille Nobre Antunes.

(ix) pertencia ao BCAÇ 3880, sediado em Zemba e Maquela e comandado pelo ten cor inf Armando Duarte de Azevedo; as outras duas subunidades eram a CCAÇ 3536 (Cambamba, Fazenda Costa) e a CCAÇ 3537 (Mucondo, Béu);

(x) o ficheiro, em formato pdf, que estamos a publicar, tem 165 pp, imagens incluídas.




Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar)


por Fernando de Sousa Ribeiro

O RESPEITO PELOS HOMENS QUE COMANDEI  (continuação) (pp. 33-42) (*)



À chegada ao quartel do Grafanil, em Luanda, fomos informados de que a companhia que íamos render.  tinha a sua partida marcada para muito brevemente e, por isso, a nossa Instrução de Aperfeiçoamento Operacional [IAO]  teria que durar apenas uma semana. «Isto começa mal», pensei.

No dia seguinte, de manhã, chegaram os camaradas angolanos que iriam fazer parte da nossa companhia, vindos diretamente da cidade de Sá da Bandeira, que agora se chama Lubango.

«Estou salvo», pensei, assim que vi todos aqueles negros e mestiços de ar desempoeirado, porte digno e olhar inteligente. «Estou salvo. Quaisquer que sejam os que ficarem comigo, serão bons com certeza».

Como já tinha acontecido na Metrópole, o capitão Lamas da Silva mandou os angolanos formar em linha e ordenou:

— Os alferes escolham os homens que querem.

— Eu não escolho — repliquei de modo displicente.

— Estás doido?! — gritou o capitão. — Tu já tens os piores dos brancos e agora queres ficar com os piores dos africanos? És suicida ou quê? Escolhe! É uma ordem!

— Não escolho — teimei, pensando: «Só agora é que ele se preocupa? Agora é tarde demais. Assim como consegui resolver o problema de uns, também hei de resolver o dos outros, que nem problema parece ser. Agora é que não escolho mesmo».

Acrescentei:

— Isto não é maneira de distribuir pessoas. Não se devem escolher homens como quem escolhe cabeças de gado. Eles são seres humanos, não são animais.

Enquanto o capitão e eu discutíamos, os outros alferes iam fazendo as suas escolhas. No fim, fiquei com os angolanos que restaram. «Nada mau», pensei ao vê-los. «Não me parecem piores do que os outros».

Os angolanos foram a seguir encaminhados para a respetiva caserna, onde já estavam os seus camaradas portugueses, para que se instalassem junto destes. Finalmente, os pelotões estavam completos.

Na caserna, enquanto os angolanos se instalavam e arrumavam as suas coisas, os portugueses observavam-nos com curiosidade e comentavam em voz baixa uns com os outros:

— Ih, que pretos que eles são! É cada tição!

— Oh, pá, os gajos são todos iguais, são todos pretos… Como é que vamos conseguir distingui-los uns dos outros?

Por sua vez, enquanto faziam as suas arrumações, os angolanos mostravam-se descontraídos e faladores, para enorme surpresa minha, pois esperava que eles se apresentassem tristes e acabrunhados, porque estavam quase a partir para a guerra. Eu ainda não conhecia a maneira de ser espontânea e extrovertida que caracteriza a maioria do povo angolano.

Assim que terminaram as suas arrumações, os angolanos dirigiram-se aos seus camaradas portugueses, de sorriso no rosto e mão estendida, dizendo-lhes:

— Parece que vamos ter que nos aturar uns aos outros durante dois anos… Então, o melhor é começarmos já a conhecer-nos. Eu sou fulano de tal, sou de tal sítio e na vida civil tinha a profissão tal. E tu? Como te chamas? De que terra és? O que é que fazias na vida civil?

Com este seu gesto, os angolanos quebraram a desconfiança e o acanhamento dos portugueses. Estabeleceu-se de imediato um relacionamento tão natural e tão intenso, que quem os visse diria que eram velhos amigos que já não se viam há muito tempo e que estavam a pôr as conversas em dia. Eu, que a tudo assisti, fiquei encantado com a facilidade com que se iniciava aquela amizade entre brancos, negros e mestiços, amizade esta que iria durar até ao fim da comissão e que iria ser uma amizade para a vida e para a morte.

Ao fim do dia, quando ficamos livres das nossas obrigações e pudemos sair do quartel, todos os angolanos da companhia saíram logo disparados a correr pela porta fora. Os que eram de Luanda foram os primeiros a sair, ansiosos por voltar a casa e reencontrar os seus familiares. Desde que tinham sido incorporados no serviço militar obrigatório e enviados para o Regimento de Infantaria 22, em Sá da Bandeira, a fim de fazerem a recruta e a especialidade, nunca mais puderam estar junto dos seus. Tendo estado colocados a quase mil quilómetros de distância, é evidente que não tinham podido vir passar os fins de semana a casa…

Os restantes angolanos também saíram cheios de pressa. Meteram-se em táxis e foram diretamente à Ilha de Luanda, para verem o mar antes que a noite caísse. A maior parte deles nunca tinha visto o mar.

O dia seguinte era para ser o dia da nossa partida para o Úcua, mesmo ao pé da zona de guerra, onde iríamos receber a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional. Era para ser, mas não foi. Partimos, sim, mas para a própria guerra…

— Vamos render imediatamente a companhia que está à nossa espera — comunicou-nos o capitão. — Não vamos receber IAO nenhuma, porque não há tempo para isso. Quem estiver preparado, está; quem não estiver, estivesse.

Avançamos para Zemba, com o coração aos saltos. «Olha se eu não tivesse dado aquela instrução toda em Santa Margarida…», pensei. «Agora estaria em maus lençóis».

Ao longo da comissão militar, todos os meus subordinados — furriéis, cabos e soldados, portugueses e angolanos sem distinção — comportaram-se de uma forma que ultrapassou tudo o que de melhor eu poderia esperar. Tudo, mesmo tudo. Eles foram verdadeiramente insuperáveis no esforço, na generosidade e na valentia.

Eles foram mais longe do que quaisquer outros militares tinham ido desde o início da guerra. Eles entraram onde as tropas ditas especiais não tinham tido coragem de entrar. Eles passaram a menos de cem metros de sentinelas inimigas sem terem sido descobertos. Eles avançaram, sem vacilar, por um trilho minado e armadilhado, sabendo antecipadamente que o trilho estava minado e depois de, numa operação anterior, já um seu camarada ter ficado sem uma perna por ter pisado uma mina. Eles conquistaram sozinhos uma base da FNLA, sem qualquer apoio e comandados pelo bravo furriel Luis Cândido Passos de Macedo (eu encontrava-me ausente de férias), desalojando a tiro e de peito descoberto os guerrilheiros entricheirados na base.

[Foto à direita:] 

Primeiro-cabo Afonso Dias Nogueira, um dos bravos do meu grupo de combate, que regressou de Angola são e salvo, apesar de todos os perigos por que passou. Alguns anos mais tarde ficou sem uma perna em consequência de um acidente de trabalho


Por outro lado, nem uma só vez eles se comportaram como cães de guerra espalhando a morte à sua volta, como parecia estar expresso no repugnante lema da companhia: "A cada um a sua própria morte". Aliás, de maneira nenhuma os outros três alferes e eu próprio estávamos dispostos a permitir um tão odioso comportamento. Felizmente nunca foi precisa qualquer intervenção nossa a este respeito. O nosso pessoal nunca se deixou desumanizar, apesar de algumas situações extremas que se viveram. Nunca, em tempo algum, os nossos homens deixaram de ser sensíveis à morte e ao sofrimento humano.

Sinto um orgulho enorme nos subordinados que me coube comandar. Eles foram, verdadeiramente, os melhores. Isto mesmo foi publicamente reconhecido pelos outros camaradas que com eles comeram o pão que o diabo amassou.

— Só ao lado deles é que nos sentimos seguros — disseram, textualmente, os camaradas do 1º grupo de combate a seu respeito. — São os únicos em quem temos confiança.

Isto não aconteceu por acaso e a explicação é simples. Quando, no início, foram rejeitados pelos outros alferes, os meus cabos e soldados sentiram-se feridos na sua dignidade pessoal. Este facto levou-os a procurar provar aos outros e sobretudo a si próprios que tinham tanto valor como eles. Superaram-se e conquistaram com sangue, suor e lágrimas o respeito que lhes tinha sido negado. Posso, por isso, afirmar categoricamente que fui um privilegiado por ter tido a meu lado companheiros dotados de uma tal fibra.

 Fui ainda mais privilegiado porque entre eles havia angolanos, que foram das pessoas mais extraordinárias que conheci. Não há dinheiro no mundo que pague toda a sua sabedoria, toda a sua generosidade e toda a sua sensibilidade. Depois de os ter conhecido, nunca mais fui o mesmo. Tenho os seus nomes escritos em letras de ouro no meu coração:

Domingos Amado Neto, 
Silva Alfredo dos Santos, 
Domingos Cangúia, 
Diogo Manuel, 
Ramiro Elias da Silva, 
Domingos Jonas, 
Mateus Tchingúri, 
Jonas Vitorino, 
Lucas Quinta, 
Henrique Luneva, 
Raimundo Nunulo, 
Domingos Dala, 
Fortunato Francisco João Diogo 
e Simão João Leitão Cavaleiro. 

Nunca os esquecerei.


[Foto à direita:] Não é fácil reconhecê-lo nesta fotografa, mas este militar parece ser Diogo Manuel, um dos inesquecíveis camaradas angolanos do meu grupo de combate. Era natural de uma sanzala próxima de Malanje. No início da comissão militar, ao contrário do capitão e dos outros alferes da minha companhia, que nomearam guarda-costas para sua proteção, eu não nomeei. «Para que é que preciso de um guarda-costas?» — pensei. — «Tenho um pelotão inteiro para me guardar as costas, não preciso de guarda-costas para nada. Nós guardamos as costas uns aos outros». Tendo verificado que eu não tinha guarda-costas, este soldado, que era extremamente calado, tomou a decisão de ser ele próprio meu guarda-costas sem me dizer nada, seguindo atrás de mim sempre que era possível no decurso das operações. 

Afinal, acabei por ter também um guarda-costas, o Diogo Manuel. Ainda bem que o tive, confesso. Ele parecia adivinhar quando eu estava assustado. Nessas ocasiões, abria-me um sorriso tranquilizador e dava umas palmadinhas na sua espingarda, querendo dizer-me: «Vai descansado, que eu estou aqui pronto a defender-te». E eu ficava mesmo mais descansado. Foi muito bom ter o Diogo Manuel como guarda-costas


Os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo. Do admirável e sofrido povo de Angola. Quer isto dizer que, para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual. Olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem. E eles foram insuperáveis no companheirismo e na dignidade com que se relacionaram connosco, os europeus da companhia.

Encontrando-se na mesma situação que nós, os nossos camaradas angolanos não se limitaram a partilhar as suas vidas connosco no seio da companhia; eles fizeram parte integrante de nós mesmos, tanto quanto isto foi possível. Eles travaram os mesmos combates que nós. Eles caíram nas mesmas emboscadas que nós. Eles desafiaram as mesmas minas que nós. Eles contornaram as mesmas "bocas-de-lobo" que nós. Eles suaram os mesmos cansaços que nós. Eles enjoaram as mesmas rações de combate que nós. Eles dormiram debaixo da mesma chuva que nós. Eles tremeram os mesmos medos que nós. Eles riram as mesmas alegrias que nós. Eles choraram as mesmas saudades que nós. Eles acalentaram as mesmas esperanças que nós. Eles foram nós. Todos fomos nós.


[Foto à esquerda:] No seio da Companhia de Caçadores 3537, a convivência entre portugueses e angolanos era também de grande harmonia. 

No Mucondo, onde esta companhia esteve aquartelada, havia uma piscina, que uma companhia anterior tinha feito e que o comandante da 3537, capitão Jardim, mandou restaurar. Apesar de a água não ser filtrada nem desinfetada, nunca ninguém apanhou alguma doença por ter nadado nela.

Durante o seu serviço militar, os nossos camaradas angolanos faziam uma vida muito frugal, porque queriam amealhar algum do dinheiro do pré que recebiam, a fim de que, quando acabassem a tropa e regressassem à condição civil, pudessem pagar o alambamento (dote que, segundo a tradição bantu, o noivo tem que pagar à família da noiva) e assim casar-se e constituir família. Esperavam igualmente poder vir a arranjar um emprego minimamente estável e razoavelmente remunerado, tanto quanto era possível a africanos vivendo na Angola colonial.

Subitamente, quase no fim do nosso serviço militar, deu-se a Revolução do 25 de Abril. A Revolução abriu novos horizontes e gerou novas esperanças no coração de todos, angolanos e portugueses, eu incluído. A partir dessa data, os nossos camaradas angolanos passaram a esperar um futuro que antes não tinham podido esperar, porque lhes estivera vedado.

Eles esperaram poder aceder a empregos que até então tinham sido tacitamente reservados a brancos, como os de motoristas de táxi ou empregados bancários. Esperaram poder ganhar tanto e ter as mesmas possibilidades de promoção e de aumento de salário que um branco que fizesse o mesmo trabalho que eles. Esperaram poder entrar nos estabelecimentos comerciais que quisessem, sem receio de serem atendidos com maus modos e enxotados e sem terem que pagar mais do que pagaria um branco pelos mesmos artigos. Esperaram ter condições que lhes permitissem viver numa casa que merecesse o nome de casa, e não numa construção precária de adobe ou de blocos de cimento ou numa cubata. Esperaram que os seus filhos viessem a ter os estudos que eles próprios não puderam ter, apesar da sua enorme vontade de aprender. Enfim, eles viram abrir-se diante de si a perspetiva de uma vida muito mais livre, próspera e feliz do que tinham tido até então, uma vida sem humilhações e sem pobreza.

Quando no fim nos separamos, as nossas vidas — as dos portugueses por um lado e as dos angolanos por outro — tomaram caminhos terrivelmente distintos. Enquanto nós, os portugueses, pudemos recomeçar as nossas vidas (melhor ou pior, consoante a condição psíquica e física em que ficamos) num Portugal em paz, os nossos camaradas angolanos mergulharam numa guerra incomparavelmente mais terrível do que a guerra de guerrilhas que eles e nós tínhamos enfrentado juntos: a guerra civil que estalou em Angola em 1975 e que só terminou definitivamente em 2002.

Muitos dos nossos camaradas angolanos eram oriundos de Nova Lisboa (atual Huambo), de Silva Porto (atual Cuito), de Malanje e de outras terras onde a guerra civil atingiu o seu paroxismo. Estes nossos camaradas apanharam em cheio com um dilúvio de fogo e de metralha que durou anos e anos a fio. Mais tarde ou mais cedo devem ter sido obrigados a abandonar tudo o que tinham e a procurar refúgio no mato ou a tomar o caminho de Luanda, Benguela, Lubango ou outro sítio onde se pudessem sentir mais seguros. Devem ter enfrentado a fome, as doenças, as minas, as bombas e sabe-se lá que mais. Quantos deles terão conseguido sobreviver a tudo isto? Tremo só de pensar. Naquela guerra houve tantos mortos! Tantos corpos despedaçados! Tantas famílias destroçadas! Todos os sonhos e todas as esperanças que a seguir ao 25 de Abril estes nossos camaradas tinham alimentado, foram varridos por uma arrasadora torrente de guerra e de morte.

De maneira nenhuma eu desejo diminuir o valor dos meus camaradas portugueses, que em tudo era igual ao dos angolanos, sem qualquer sombra de dúvida. Não é disso que se trata. O que apenas pretendo neste momento fazer é prestar uma homenagem muito sincera, ainda que canhestra, a pessoas que tive o enorme privilégio de conhecer, cheias de humanidade, de sensibilidade e de coragem, que me deram extraordinárias lições de vida e que eram as últimas pessoas no mundo a merecer a sorte que o destino lhes tinha reservado: os nossos antigos camaradas de armas angolanos. Faço-o com um nó na garganta.

(Continua: O que nos  fizeram foi criminoso, pp. 43-48)

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de dezembro de  2006 > Guiné 63/74 - P1342: Poema: os meninos da Ilha de Luanda (... pensando nos meninos de Bolama, de Chamarra, de Mansambo ou de Saré Ganá) (Luís Graça)

(**) Vd. poste anterior da série > 25 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20094: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte III: O respeito pelos homens que comandei (pp. 27-32)

E ainda:

1 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20050: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte I: O meu curso de oficiais milicianos (pp. 5-16)

12 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20053: Dignidade e Ignomínia (Episódios do Meu Serviço Militar) (Fernando de Sousa Ribeiro, CCAÇ 3535, Angola, 1972/74) - Parte II: O meu curso de oficiais milicianos (pp. 17-26)

quarta-feira, 22 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19817: Antropologia (32): "Regressos quase perfeitos, memórias da guerra em Angola", por Maria José Lobo Antunes, Tinta-da-china, 2015 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Temos um ano da CART 3313 no Leste, depois seguem para o setor de Malanja, a Baixa do Cassanje é, ao tempo, uma zona de descanso, situam-se ali interesses económicos vitais, o colonialismo está vivo, os militares fazem patrulhas, ação psicológica, aborrecem-se, por ali circulam os aliados do colonialismo e a vigilância da PIDE não faz tréguas. Até que um dia, em março de 1973, regressam a casa, vêm todos de avião, na bagagem, muitos trouxeram pedaços de Angola: fotografias, peles curtidas de animais, máscaras, tapetes, recordações exóticas. Têm pela frente o regresso à vida interrompida.
Vai começar a terceira e última parte deste estudo antropológico, a memória é a rainha da festa.

Um abraço do
Mário


Regressos quase perfeitos, uma obra excecional de antropologia (2)

Beja Santos

Regressos quase perfeitos, memórias da guerra em Angola, por Maria José Lobo Antunes, Tinta-da-china Edições, 2015, é um trabalho científico de excecional qualidade. Recapitulando, durante cinco anos, Maria José Lobo Antunes entrevistou dezenas de antigos militares da Companhia de Artilharia 3313, assistiu aos seus almoços anuais, pesquisou arquivos e cruzou estas memórias com o retrato que o seu pai, o escritor António Lobo Antunes, médico do batalhão, deixou nas cartas de guerras que escreveu à mulher e nalguns dos seus livros. Há conivências e silêncios, há relatos interditos, durante décadas, a camaradagem só pode ser compreendida por quem passou pela guerra: “Uma pessoa tem irmãos de sangue, nós somos irmãos de alma”.

António Lobo Antunes e a mulher, Maria José Xavier da Fonseca e Costa, pais de Maria José Lobo Antunes.

A investigação rondou a infância e a juventude destes mancebos, falou-se na ideologia do Estado Novo, agora vão para Angola, passarão doze meses no Leste, é o primeiro ano da sua comissão de serviço, é o confronto com novas paisagens, com etnias angolanas, descobre-se Luanda e naquele Leste há histórias de mergulhos nos rios, batuques nas aldeias, namoros com negras. “A recordação está envolta em saudade e riso, histórias de rapazes jovens à aventura no desconhecido. Por outro lado, o medo e a tensão, os ataques e rebentamentos de minas, a invisibilidade do inimigo sem cara enchem as narrativas de quem viveu o ano de 1971 na planura do Leste angolano”.

A autora procede ao enquadramento deste Leste de Angola, um dos principais focos de subversão e luta armada nos seus quatro distritos (Moxico, Lunda, Bié e Cuando Cubango) e pela parte sul do distrito de Malanje. Leste é sinónimo da Diamang, a Companhia Mineira do Lobito (minas de Cassinga) e o Caminho-de-Ferro de Benguela. Neste Leste há conflitos intensos: a Zâmbia acolheu os movimentos nacionalistas angolanos, Costa Gomes criará em 1971 a Zona Militar Leste que uniu os três ramos da Forças Armadas portuguesas e as autoridades civis da região. Há muitos testemunhos sobre Luanda, deslumbramento, conversas com militares de outras unidades, o contraste entre a zona moderna e os musseques. E abala-se para as terras do fim do mundo, há êxodos populacionais, o MPLA está então muito ativo, descreve-se Gago Coutinho, Sessa e Mussuma, alguém comenta para a autora: “Em Gago Coutinho o ambiente era pesado. Aquilo era uma zona muito intensa de guerra e de vez em quando apareciam helicópteros carregados de pessoal, feridos e o carago, que vinham para ser tratados em Gago Coutinho”.

Há a barreira linguística, o choque de mentalidades, a vida quotidiana do quartel feita de rotinas, a curiosidade com os batuques, os curandeiros e feiticeiros, o choque com as condições laborais dos negros, a curiosidade com a relação dos africanos face ao corpo e à sexualidade. Enfim, anuncia-se a guerra, o BART 3835 sofreu 52 baixas ao longo de 12 meses: 32 feridos ligeiros, 14 feridos graves e 6 mortos. Todos recordam o batismo de fogo, Lobo Antunes logo escreve à mulher quando começou a guerra séria. Há a picagem das estradas, as minas anticarro irão fazer os seus estragos, a picagem a passo de caracol é por vezes monótona, desenvolve tensões. E surge uma experiência nova: os estranhíssimos aliados, Os Fiéis, nome de código de antigos apoiantes de Moisés Tchombé, eram gendarmes da província do ex-Congo Belga, a colaboração de forças sul-africana, sobretudo ao nível de helicópteros, estava já em vigor o Alcora, nome de código da aliança secreta político-militar que uniu Portugal, a África do Sul e a Rodésia entre 1970 e 1974, os Grupos Especiais iam aos locais mais remotos, eram implacáveis. Patrulhamentos infindáveis, descobre-se a tortura da sede. Em Sessa, procura-se recuperar civis que vivessem nas matas e oferecer-lhes proteção, saúde e educação nos aldeamentos construídos junto dos quarteis, os pelotões rodam de destacamento em destacamento. A PIDE trabalha à luz do dia.

Maria José Lobo Antunes lança um largo comentário sobre memória, esquecimento e silêncio:  
“Todas as histórias contadas nas páginas anteriores resultam da reconstrução de acontecimentos passados através da utilização de um mesmo léxico: o da guerra. É este idioma que preside à formulação da história do BART 3835, relato oficial de uma comissão de serviço onde o inimigo é repelido pela ‘pronta reação das NT’ e de onde estão ausentes os aliados secretos, as armas proibidas, mas também os pequenos deslizes de uma guerra feita por homens de carne e osso. É também este idioma que dá forma às memórias dos homens que viveram a guerra colonial no Leste angolana em 1971. É através dos seus valores (a camaradagem, a coragem, o heroísmo), dos seus resultados (vitórias, derrotas, fugas), dos seus acasos de sorte ou azar e das suas fraquezas (medo, cobardia) que cada um dos indivíduos reconstitui no presente os episódios vividos décadas antes”.
São descontinuidades, como seguramente se podem encontrar na Guiné ou em Moçambique, e daí este trabalho de elaborar uma tessitura entre os excessos e pecados da memória, entre o que cada um lembra e esqueceu, solta-se o lugar-comum para observar que o que resta do passado no presente é uma pequena parte do que aconteceu.

Depois da tempestade vem a bonança, ao fim de um ano na imensidão do Leste angolano, o BART 3835 seguirá para Malanje, pouca ou nenhuma guerra, era uma zona de descanso. Observa a autora, falando da atividade de guerrilha, que os mais ativos eram o MPLA e a UPA/FNLA, a UNITA tinha a sua ação limitada ao sul do setor de Malanje. “A missão das unidades resumia-se à vigilância da fronteira com o Congo, por onde poderiam infiltrar-se grupos inimigos, à manutenção de segurança nas áreas urbanas e rurais, e à acção psicológica junto das populações brancas e negras. O ano de 1972 surge nas narrativas dos homens da CART 3313 como uma imensa planície feita de rotinas e de espera pelo regresso a Portugal. Sem minas, ataques ou acções de combate, estes 14 meses tornaram-se indistintos, dominados pela monotonia dos dias quase sempre iguais. Compreende-se, por isso, que vários entrevistados se refiram ao segundo ano de comissão como umas férias”.

O distrito de Malanje em nada se assemelhava à aridez económica do Leste e a autora descreve minuciosamente a Baixa do Cassange. Agora privilegia-se a ação psicológica, em Marimba, Mangando e Marimbanguengo. “Foi entre estas três povoações que os homens da CART 3313 passaram a segunda parte da comissão de serviço em Angola”. Fazem-se patrulhas, os testemunhos referem o trabalho da PIDE, mas são meses de tédio em que os jogos de futebol desandam em pancadaria, fazem-se caçadas, os militares são confrontados com explorações agrícolas vastíssimas, ali o colonialismo está bem vincado, o preto obedece, é de uma docilidade resignada.

Temos agora a terceira e última parte deste extraordinário documento antropológico: Os anos depois da guerra.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19789: Antropologia (31): "Regressos quase perfeitos, memórias da guerra em Angola", por Maria José Lobo Antunes, Tinta-da-china, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19807: Notas de leitura (1179): “Colóquio sobre Educação e Ciências Humanas na África de Língua Portuguesa”, Fundação Calouste Gulbenkian (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,
Foi uma reunião ímpar, pela qualidade dos intervenientes, pela substância dos depoimentos. Enquanto crescia a crispação política que abria caminho ao PREC, os cientistas permutavam ideias sobre o papel da língua, os manuais escolares, o uso do português fundamental, a reformulação das instituições científicas, o modelo colonial caducara. Fizeram-se sugestões pertinentes, e a Fundação Calouste Gulbenkian deu forma de livro ao encontro, hoje uma longínqua memória, agora é possível aquilatar do que se perdeu por não ter tido em conta diferentes sugestões sobre a lusofonia e investigação científica africana.

Um abraço do
Mário


O papel da lusofonia na aurora da descolonização (1)

Beja Santos

Entre 20 e 22 de Janeiro de 1975, enquanto a classe política entrava ao rubro com a questão da unicidade sindical, na Fundação Calouste Gulbenkian reuniam-se pesos pesados da investigação africana para debater o futuro da lusofonia no ensino, o que se iria passar no sistema educativo nos novos países de língua portuguesa, quais as contribuições portuguesas para as ciências humanas em África, quais as perspetivas que se rasgavam para cooperar no campo do ensino com a África lusófona. A Fundação Gulbenkian convocara um grupo seleto para o debate. Por parte da Fundação estavam Victor de Sá Machado, José Blanco, Luís de Matos, Mário António, Fernandes de Oliveira, o Embaixador Fernando Reino representava o Ministério da Coordenação Interterritorial. Os participantes eram, entre outros, Orlando Ribeiro, Ilídio do Amaral, Teixeira da Mota, René Pélissier, Douglas Wheeler, Albert Tévoédjrè e Gerard Bender. Daí resultou um livro editado em 1979 “Colóquio sobre Educação e Ciências Humanas na África de Língua Portuguesa”.

Nos cumprimentos de boas vindas, Sá Machado justificou um encontro pelo facto da Fundação pretender trazer ao processo de descolonização um debate no quadro da construção das novas nações africanas. “Pretendemos que este encontro fosse o mais restrito possível para lhe conferir o máximo de eficácia”. Orlando Ribeiro lançou o repto aos investigadores dos territórios ultramarinos: “Nós só desejamos uma coisa: poder continuar; mais do que continuar poder intensificar esses estudos e fazê-los em proveito da ciência em primeiro lugar”. Referiu as dificuldades da investigação em Portugal e a necessidade de saber criar uma boa articulação com as universidades existentes em Angola e Moçambique e outras que possam vir a surgir. A discussão passou imediatamente para a problemática de que português se iria ensinar, como os Estados africanos iriam viver ou não o bilinguismo e a multiculturalidade, aí alguns participantes referiam casos concretos de experiências em curso.

Teixeira da Mota interrogou-se sobre o crioulo, tanto de Cabo Verde como da Guiné-Bissau: “Durante muito tempo, na esteira do que lia e ouvia dizer, considerei o crioulo como um dialecto do português. É o que está escrito, por exemplo, num estudo que fez sobre o crioulo de Cabo Verde o Professor Baltazar Lopes. Há uns anos, tive oportunidade de ler dois trabalhos, independentes um do outro, feitos quase na mesma altura por dois autores, Chataigner e Wilson. Ambos estudam o crioulo da Guiné, e mostram que ele não é uma língua europeia, antes uma língua africana, na medida em que a sua estrutura gramatical é predominantemente africana, ainda que pelo léxico seja sobretudo uma língua românica. Portanto o crioulo, pelo menos o crioulo da Guiné é uma língua africana, na sua estrutura gramatical. O crioulo apareceu na zona da Guiné, de Cabo Verde, porque havia aí uma grande pulverização linguística. As populações, no período da escravatura, em que houve grandes deslocações de indivíduos e consequentemente múltiplos contactos novos, tinham necessidade de se entender e criar uma língua franca, utilizando estruturas gramaticais africanas com um vocabulário em que há muito do português”.

Mais adiante, Teixeira da Mota falou do Instituto de Línguas Africanas e Orientais, instalado no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, que antigamente era a Escola Superior Colonial, a atravessar uma crise gravíssima. Mário António Fernandes de Oliveira referiu que tinha havido alterações depois do 25 de Abril, tinham sido eliminadas todas as matérias que diziam respeito às colónias. Nesse instituto, continuou o interveniente, nunca houve qualquer pesquisa que se pudesse considerar científica. A pessoa mais qualificada era o Professor Sá Nogueira que preparou um dicionário de ronga, uma gramática de ronga e uma sintaxe de ronga. Impunha-se, em seu entender alterar o conhecimento das línguas ali ensinadas. Deslocou-se o debate para a questão do bilinguismo e da necessidade de ter em conta os idiomas falados nos Estados fronteiriços, havendo ainda que ter em consideração se é pertinente pôr enfâse numa segunda língua europeia no ensino africano.

A questão dos manuais escolares à luz das novas realidades dos países independentes entrou no debate. O PAIGC, o MPLA e a FRELIMO dispunham de manuais impregnados de uma ideologia libertadora, havia que refletir a realidade profunda desses países num contexto em que já e ultrapassar o colonialismo e saber qual a colaboração concreta e ajuda técnica desinteressada que deve ser concedida à produção desses livros. Nesta altura havia na Faculdade de Letras de Lisboa uma equipa liderada pelo professor Lindley Cintra para definir o português fundamental, assim encarado como um instrumento utilíssimo para a alfabetização das massas.

Os participantes deram novo rumo à conversa, o que fazer da investigação científica. Teixeira da Mota tinha distribuído um documento sobre algumas atividades de organismos de investigação existentes em Portugal no domínio das ciências humanas e sociais de âmbito africano, com destaque para os organismos da Junta de Investigações do Ultramar. Esta Junta nascera em 1936, resultara do alargamento e da transformação de uma Comissão de Cartografia, tinha a ver com a delimitação das fronteiras políticas em África. Não se pode esquecer a Sociedade de Geografia de Lisboa que conseguiu nas primeiras dezenas de anos da sua vida fazer bastantes trabalhos de interesse no âmbito dos estudos africanos. A Junta apareceu pois em 1936 com um pequeno número de setores: zoologia, botânica, geologia e antropologia e depois alargou-se o campo de atividade. É crucial a reestruturação deste organismo, convinha não o fragmentar espalhar os seus vários organismos por outros departamentos do Estado é contribuir para a delapidação de recursos. No seu depoimento, Teixeira da Mota foi fazendo propostas de reestruturação e referiu que existia mesmo um documento que já estava entregue ao governo. Nesta fase da discussão, Ilídio do Amaral sugeriu um debate sobre as realizações e as experiências de outros países quando, pela independência de territórios que detinham, enveredaram pelos caminhos da cooperação e do apoio científico.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19797: Notas de leitura (1178): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (6) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19789: Antropologia (31): "Regressos quase perfeitos, memórias da guerra em Angola", por Maria José Lobo Antunes, Tinta-da-china, 2015 (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
É uma investigação antropológica de alto gabarito, a investigadora, filha de António Lobo Antunes, sentiu-se motivada pelas cartas de guerra que o pai escrevera à mulher e por sinais da sua obra literária que percorriam a guerra angolana.
Trata-se de um inédito ensaio sobre a memória da guerra que articula documentos oficiais, episódios pessoais e recordações partilhadas nos almoços de confraternização, é uma busca de sentido, haverá momentos dolorosos, vêm à tona episódios cruéis, choques culturais avassaladores, aquele fim do mundo podia-se medir por milhares de quilómetros, por populações deslocadas à força, era então o Leste de Angola antes de se ter quebrado o ânimo ao MPLA.
Uma investigação exemplar que devia ter paralelos na Guiné e em Moçambique. A autora dá uma razão de tomo: "No caso da memória de guerra, a dimensão pública da recordação ocupa um lugar central. É em nome das nações que as guerras são habitualmente combatidas. É a lealdade nacional que convoca todos aqueles que a ela são chamados. É aqui que se joga a possibilidade da recordação ou do esquecimento, da celebração ou do silenciamento públicos".

Um abraço do
Mário


Regressos quase perfeitos, uma obra excecional de antropologia (1)

Beja Santos

"Regressos quase perfeitos, memórias da guerra em Angola", por Maria José Lobo Antunes, Tinta-da-china, 2015, é um documento avassalador, original, ao permitir conhecer o itinerário de antigos militares de uma companhia de Exército, desde as memórias mais remotas das suas vidas, a comissão, o regresso, os encontros anuais. É a tese de doutoramento de Maria José Lobo Antunes, durante cinco anos entrevistou dezenas de antigos militares da CART 3313, assistiu aos seus almoços anuais, pesquisou os arquivos oficiais e cruzou estas memórias com o retrato que António Lobo Antunes, médico do batalhão, deixou nas cartas de guerra que escreveu à mulher na sua obra literária.

O fulcro da questão é o trabalho da memória, a antropóloga ciranda, num sábado de junho de 2011, num restaurante de Almeirim, convive com a CART 3313 do BART 3835, pela décima primeira vez estes homens juntam-se e reveem-se durante uma tarde à volta da mesa. A estudiosa anota nomes, descreve o cerimonial do encontro onde estão mulheres e filhos, numa mesa já se fala em Mussuma, um destacamento do Leste de Angola junto à fronteira com a Zâmbia. Dois furriéis lembram episódios, muitos outros não se lembram de coisa nenhuma. Temos depois o almoço, corta-se o bolo no final, e depois começa a festa, segue-se o lanche, há um grande cartaz onde está escrito: “Somos quem fomos”. Já não há guerra colonial, Angola já não é nossa, os anos transformaram aqueles rapazolas em homens que caminham para a velhice. Como observa a investigadora, a memória do que foram sobrevive ainda, na partilha de recordações que pertencem a todos.

Maria José é filha desse alferes médico que escreveu “Os Cus de Judas”, um romance que lhe deu rapidamente notoriedade. Era uma criança quando foi com a mãe para a sede da Companhia, em Marimba, faz pois parte da geração da pós-memória e justifica-se:  
“Foi a memória emprestada da guerra (esse passado que de alguma forma também é o meu, mas do qual não me lembro) que criou vontade de ir para além daquilo que conhecia (as histórias, as fotografias, pedaços soltos de um tempo perdido no tempo). O primeiro passo do diálogo possível com a memória alheia foi dado em 2005, no momento em que a minha irmã e eu começámos a trabalhar na edição das cartas enviadas de Angola à nossa mãe. Cinco anos depois da sua morte, tinha chegado o tempo de cumprir a vontade, tantas vezes repetida, de as publicar. Em novembro de 2005, o livro foi lançado. Os antigos militares da Companhia foram convidados e houve uma camioneta que transportou os que viviam no Norte do país. Mais de três décadas após o embarque para a Angola, uma multidão de camaradas reencontrou-se no sítio de onde tinha partido para a guerra. Depois desse dia, comecei a ir aos almoços da companhia”.
Assim se abriram as portas para a sua investigação que culminou na tese de doutoramento que defendeu em 2015. E de novo justifica os seus propósitos:  
“O meu objectivo era construir uma etnografia da memória da guerra colonial que articulasse as diversas escalas em que a memória vive: as memórias pessoais, as narrativas que circulam na esfera pública e a representação oficial do conflito. Em vez de estudar esta guerra na sua imensa complexidade, a etnografia que construí propunha outro olhar, um olhar que reduzia a observação e a análise a uma pequena parte do todo: a CART 3313”.
E escreve mais adiante:  
“Subjacente a esta investigação está a constatação de que o desaparecimento do passado condena o seu conhecimento à construção de suposições impossíveis de provar. O que me interessa não é o que aconteceu, mas sim de que forma se recorda e se esquece aquilo que aconteceu. Aquilo que se recorda e se esquece não é estanque e imutável. A memória resulta de um processo complexo de negociação das condições da sua possibilidade. O tempo é, aqui, um factor fundamental. Tivesse esta investigação sido feita no ano seguinte à desmobilização da CART 3313 ou dez anos depois do 25 de Abril, os resultados seriam certamente outros. A etnografia da memória de guerra que aqui se apresenta parte, precisamente, deste contexto de evocação narrativa generalizada do passado colonial português e da guerra que o defendeu”.

E discreteia sobre o trabalho da memória nas Ciências Sociais, sobre a reconstrução do passado, a memória de guerra. E assim se inicia a viagem do BART 3835, mobilizado em julho de 1970, e daquela Companhia cuja sede de Batalhão vai ser Gago Coutinho.

O pano de fundo da educação daqueles jovens era a retórica imperial, retórica essa já bem fermentada no constitucionalismo monárquico, aquele império africano sucedia aos tempos em que o Brasil era sinónimo de múltiplas riquezas. A investigadora conversa com os militares, como eles se aperceberam da guerra, o que aprendiam na escola, que noções colhiam da pátria, dos heróis, dos valores. Os depoimentos são claros: havia o respeito, a disciplina, a ideia da grandeza do país.
Mas há que dar o seu a seu dono:  
“Nos anos 1960, a educação era um luxo a que nem todos podiam aceder. Seis dos 31 entrevistados não chegaram a cumprir o ensino obrigatório e saíram no final da 3.ª classe. As razões foram as mesmas: residentes em freguesias rurais do Norte do país, provenientes de famílias com poucos recursos económicos, foram forçados a contribuir com o seu trabalho para a frágil economia familiar. Veja-se o caso de José Gomes, nascido numa aldeia no concelho de Sátão, em Viseu. A mãe, filha de pai incógnito, engravidou do patrão da casa onde servia. José Gomes cresceu longe da mãe, também ele filho de pai incógnito, entregue aos cuidados da avó e dos tios-avós. Quando tinha quatro anos, a mãe engravidou de novo patrão. O caixão branco do irmão que morreu pouco depois de nascer é uma das suas recordações mais antigas. Ainda criança, começou a guardar o gado da família. A entrada na escola foi mais um peso na sua vida, a acrescentar ao trabalho que já fazia na agricultura”.

Um contexto de pobreza em grande angular, nas memórias de todos os que concluíram a escola primária e começaram a trabalhar ainda crianças, o trabalho na agricultura ou aprendizagem no ofício fazia parte da ordem natural da vida. A autora faz um esboço histórico da vida do Estado Novo e das decisões de Salazar, nomeadamente a partir de 1961, como aqueles rapazes começam a presenciar partidas e regressos, mobilizações, ofertas em dinheiro e alimentos para quem partia, atiçou-se o fervor nacionalista a partir dos primeiros embarques de tropas para Angola. Mas a guerra era um mundo distante a que só acediam homens feitos. Aqueles rapazolas não podiam prever que o conflito se prolongasse por longos anos. Abriram-se novas frentes, a guerra instalou-se na rotina nacional das partidas e chegadas de contingentes militares. São tempos também de emigração, irá crescendo a falta de comparência às juntas de recrutamento. E um dia aqueles jovens partem para a tropa, abriram-se oportunidades, caso daquele pastor que se tornou condutor militar. Estamos em 1970, um momento crítico para as Forças Armadas, é tempo de um envio médio de 105 mil homens para Angola, Guiné e Moçambique, reduz-se o número de candidatos à Academia Militar, recrutas e especialidades tornam-se numa fábrica gigantesca. Onde, no passado, para ser aspirante a oficial miliciano era imperativo a frequência de um curso universitário passa somente a ser exigido o 7.º ano completo ou até dar provas de competência no curso para sargentos milicianos.
Vai começar a vida da CART 3313.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19763: Antropologia (30): Valentim Fernandes e o seu monumento literário “Descrição da Costa Ocidental de África, 1506-1510” (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Guiné 61/74 - P19404: Notas de leitura (1141): Um grande arquivo do nacionalismo emergente na África Portuguesa por Ronald H. Chilcote (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
É obra, pôr no grande ecrã todos os figurantes envolvidos na chamada guerra de África ou guerra de libertação ou guerra colonial. As tomadas de posição, os programas, os documentos que passaram para a História, estão nesta obra os vencedores e os vencidos, os movimentos de libertação que se extinguiram e os que vingaram, uma recolha surpreendente, a moeda corrente do tempo eram os documentos a favor ou contra, de modo algum era usual expor todas as posições, todos os atores, sem interjeições nem quaisquer subtilezas de simpatia ou camaradagem. Talvez por isso mesmo este acervo documental gigantesco de Ronald H. Chilcote jaz hoje na penumbra, mesmo na historiografia portuguesa contemporânea.

Um abraço do
Mário


Um grande arquivo do nacionalismo emergente na África Portuguesa

Beja Santos

Ronald H. Chilcote é hoje um octogenário que levou uma carreira de prestígio na ciência política, ao nível da Universidade da Califórnia, no que toca aos estudos da África Portuguesa, do Brasil e da América do Sul. Para saber mais sobre o seu currículo profissional, as suas investigações e os livros publicados recomenda-se o site:

https://en.wikipedia.org/wiki/Ronald_H._Chilcote

O terceiro importante trabalho deste investigador foi edição documental referente ao nacionalismo emergente na África Portuguesa, edição da Hoover Institution Press, Stanford University, 1972. Projeto ambicioso e muitíssimo bem-sucedido, reconheça-se que estão aqui as peças documentais essenciais para analisar as posições do Estado Novo, da oposição interna ao regime, a evolução dos movimentos de libertação nas colónias portuguesas, uma análise da liderança dentro desses movimentos, tendo no seu termo uma impressionante lista de abreviaturas de todas estas organizações, mais um glossário de termos portugueses.

Em sequência, de modo a que os leitores interessados conheçam elementarmente os grandes tópicos, Ronald Chilcote começa por contextualizar a posição oficial do Estado Novo, dando uma sequência de discursos de Salazar e Castro Fernandes, procede à leitura de Gilberto Freire, mostra a Lei Orgânica do Ultramar, a posição de Cunha Leal e Manuel Homem de Mello, Henrique Galvão e Humberto Delgado; temos depois o itinerário dos movimentos revolucionários de Angola, com destaque para discursos e tomadas de posição da UPA/FNLA de Holden Roberto, do GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exílio), as resoluções da FLEC, os documentos ideológicos de Mário de Andrade e Viriato da Cruz, Agostinho Neto, a documentação básica referente ao MPLA, as resoluções das suas conferências, o acervo de documentos que o Movimento enviou a instituições internacionais; temos, logo a seguir, o nacionalismo da Guiné Portuguesa e no arquipélago de Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, Ronald Chilcote agendou um texto sobre os massacres em São Tomé, em 1953, as intervenções de Amílcar Cabral, de Henri Labéry, François Mendy, Miguel Trovoada, são inseridos os estatutos do PAIGC, da União Geral dos Trabalhadores da Guiné, isto a par da documentação da FLING, o memorando do PAIGC para o Governo Português (1/12/1960), bem como o memorando que Cabral remeteu para a Assembleia das Nações Unidas, em 1961, excertos de diferentes intervenções, por vezes com exageros colossais propagandísticos, como dizer que as tropas portuguesas tinham tido elevadas centenas de mortos na batalha do Como; segue-se o nacionalismo em Moçambique, é um acervo igualmente rico, com dados históricos de Moçambique, o desenvolvimento do seu nacionalismo apresentado por Eduardo Mondlane, a momentosa situação dos refugiados exposta pela sua mulher, Janet Rae Mondlane, as diferentes forças envolvidas na criação da Frelimo e de outros movimentos posteriormente desaparecidos também têm aqui lugar, como certas regras de liderança, houve quem tentasse afastar Eduardo Mondlane acusando-o de que estava ao serviço dos americanos, os programas da Frelimo, da UDENAMO (União Democrática Nacional de Moçambique, do Comité Secreto da Restauração da UDENAMO, da FUNIPAMO (Frente União Anti-Imperialista Popular Africana de Moçambique), do COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique), e não faltam artigos como o de Marcelino dos Santos no contexto da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP), em Casablanca, em abril de 1961, onde também tomaram a palavra Viriato da Cruz, Adelino Gwambe, Miguel Trovoada, são feitas referências à declaração geral produzida na II Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas que se realizou em Dar es Salaam, em outubro de 1965. No termo da obra, o cientista norte-americano apensa um conjunto de documentos que se prendem com tomadas de posição da ONU sobre o modo de resoluções, discussão até sobre a possibilidade de expulsar Portugal de várias agências. Em apêndice, o autor inclui notas da oposição, pré nacionalista e nacionalista com interesses na África Portuguesa, de diferente índole.

Um acervo documental único, mais de 600 páginas, estávamos em 1972, tanto quanto se sabe era a primeira vez que um estudioso congregava nas águas do mesmo rio a posição portuguesa, a oposição ao Estado Novo, de vários matizes, e a ascensão e consolidação dos movimentos de libertação da África Portuguesa. Documento incontornável para a história comparada de todos estes nacionalismos emergentes. Estranhamente, esta preciosa documentação é escassamente citada na bibliografia da especialidade.

Holden Roberto
Eduardo Mondlane
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19395: Notas de leitura (1140): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (68) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18533: (D)outro lado do combate (27): A mobilidade das populações por efeito da guerra: o caso de Quitafine, com 41 tabancas que foram riscadas do mapa (ou cuja população foi deslocada), segundo relatório de cabo-verdiano, comissário político, José Araújo (1933-1992), casado com a Amélia Araújo, a nossa "Maria Turra" (Jorge Araújo)


Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira" [dois cérebros da guerra, sendo o primeiro, cabo-verdiano, com formação universitária portuguesa], CasaComum.org, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/ visualizador?pasta=11025.008.026 (2018-4-13) [ Fonte:  Fundação Mário Soares > Casa Comum >Arquivo Amilcar Cabral...com a devida vénia]



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494  
(Xime-Mansambo, 1972/1974).


Mensagem do nosso editor, Jorge Araújo, com data de 13 do corrente:

Caro Luís, boa tarde.

Perdi a cabeça... numa 6.ª feira, treze.

Fiz mais um texto... deixando para trás outros mais antigos... é a vida!

No final do documento coloquei mais três fotos para, caso entendas escolher alguma, ou todas, as poderes utilizar.

Até breve. Bom fim-de-semana.


Ab. Jorge Araújo.

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A FISIONOMIA HUMANA NO SECTOR DE QUITAFINE [FRENTE SUL] APRESENTADA POR JOSÉ ARAÚJO À DIRECÇÃO DO PAIGC EM RELATÓRIO DATADO DE 16OUT1971: A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES POR EFEITO DA GUERRA 


1.  INTRODUÇÃO



Porque tudo na vida é processo e projecto, conceitos que se reformulam na dialética "ordem / desordem" para dar lugar a uma nova "ordem", apresento hoje no fórum mais um tema novo, se a memória e a investigação não me atraiçoam, este relacionado com a "mobilidade das populações da Guiné, do nosso tempo, por efeito da guerra". (*)

É que, de facto, o comportamento psicossocial das populações no início do conflito ficou marcado, ou foi influenciado, inexoravelmente, pela sucessão de acontecimentos, que deram lugar a uma inevitável "desordem" social e étnica, alguns ainda antes do 23 de janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite, localizado na região de Quínara, e que depois se alargaram cumulativamente a todo o território.

A oportunidade desta apresentação, a meu ver, enquadra-se nas imagens que o nosso camarada tertuliano, o ex-alf mil inf Luís Mourato Oliveira,  tem vindo a partilhar neste espaço colectivo que é a «Tabanca Grande», e que estiveram guardadas durante mais de quatro décadas no seu baú de memórias. (**)

Por isso é justo e oportuno agradecer-lhe essa disponibilidade e atenção, ele que ficou também na história da guerra por ter sido, em função dos acontecimentos do "25 de Abril", o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74) antes da proclamação da independência da Guiné, declarada em 23 de Setembro de 1974.

Por outro lado, as últimas imagens postadas nos P18504 e P18517, tendo por pano de fundo a delegação do PAIGC que visitou Missirá em julho de 1974 no âmbito dos acordos de cessar-fogo, e com as quais se fecharia o ciclo temporal deste conflito armado, que uns chama(ra)m «guerra do ultramar», outros "guerra de África", outros "guerra colonial"  e outros  ainda  «guerra de libertação», conforme a sua posição no cosmo, continuam a suscitar novas reflexões, sinal que se mantêm bem vivas, em cada um de nós, algumas das memórias gravadas ao longo das múltiplas vivências desses tempos ultramarinos, independentemente do lugar, época e contexto.

Porque nos postes acima se referem as imagens de alguns dos actos finais ocorridos na mata do interior do território (Missirá, sector L1, região de Bafatá. zona leste, "chão fula"...), proponho voltar ao início do conflito, apresentando um pedaço da "geografia social e étnica" dessa época, em particular da região da Frente Sul [, segundo o dispositivo do PAIGC], especificamente do Sector de Quitafine, por onde tenho "circulado" nos últimos tempos (entenda-se, em termos de investigado), de modo a fazer-se a ponte temporal de mais de uma década.

Em função do exposto, é difícil não concordar que a mobilidade das populações, por efeito da guerra, foi uma realidade, obrigando-as a tomar opções concretas no imediato, cujas decisões só tinham três hipóteses principais: a primeira, ficando sob o controlo da "ordem instalada" (a administração portuguesa); a segunda, transitando para além das fronteiras (exterior); e a última, aceitar fazer parte do universo da guerrilha nacionalista.

Para a elaboração deste trabalho socorri-me, uma vez mais, de um documento existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), disponível na Casa Comum – Fundação Mário Soares, intitulado «Relatório sobre o Sector de Kitáfine», assinado por José Araújo, Comissário Político e Produção para a Frente Sul, datado de 16 de Outubro de 1971, com trinta e nove páginas (sitio: hdl.handle.net/11002/fms_dc_40058).





Folha de rosto e introdução do relatório do José Araújo, "O Sector de Kétafinme" (sic), datilografado, 39 páginas, datado de 16 de outubro de 1971, e feito na base de Kandiafara (Guiné-Conacri). Fomte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...)


Quanto ao perfil de José Araújo, de seu nome completo José Eduardo de Figueiredo Araújo (1933-1992), à data do relatório, ele era também membro do Conselho Superior da Luta e do Comité Executivo da Luta. 

À laia de resenha biográfica, acrescente-se que este dirigente do PAIGC nasceu em 1933 na cidade da Praia, ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi aí que fez os seus estudos primários. Em 1942, com apenas 9 anos, seguiu com a família para Angola, uma vez que o seu pai era funcionário da Fazenda (Finanças). Com uma bolsa de estudos atribuída pelos Correios de Angola, José Araújo desloca-se para Lisboa com o objectivo de realizar os seus estudos universitários na Faculdade de Direito de Lisboa, onde, em 1961, concluiu a sua licenciatura em Direito. 

Porém, no ano anterior tinha-se tornado militante do MPLA na clandestinidade, depois de ter-se envolvido numa intensa actividade associativa universitária. Em 1961 faz parte do grupo de africanos,  universitários, que decidem fugir para França. Seguiu-se depois o Gana. Após ter militado no MPLA, associa-se ao PAIGC, vindo a instalar-se em Conacri, com a sua família, dois anos depois, em 1963.

Com a independência da Guiné-Bissau, as suas novas funções políticas foram desenvolvidas como ministro do Secretariado. Entre 1975 e 1980, foi ministro sem pasta. Após essa data transferiu-se para Cabo Verde, onde desempenhou as mais elevadas responsabilidades políticas no novo contexto, em particular o cargo de ministro da Educação. Viria a falecer na sua terra natal, exactamente dezanove anos depois do assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1992 (Fonte: adapt. de pascal.iseg.utl.pt/~cesa/images/files/ diaspora2016_texto4.pdf).

À data da sua morte era casado com Amélia Araújo, a locutora da "Rádio Libertação", conhecida entre nós como "Maria Turra"  (vidé P15434).


2. A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES NO SECTOR DE QUITAFINE POR EFEITO DA GUERRA – 41 TABANCAS DESAPARECIDAS


A propósito do conteúdo do "relatório" elaborado por José Araújo, este refere que ele tem por base a sua missão ao Sector de Quitafine [, Kétafine, sic, como vem grafado no relatório], realizada entre 14 de setembro e 8 de outubro de 1971. Aí teve a oportunidade de contactar com todos os responsáveis desse sector, incluindo a visita a duas bases do Exército (em Comissorã e em Cabonelo), ao Hospital (em Campo, ou Campum, no relatório) e ao Posto Civil (em Cassacá), local histórico para o PAIGC, pois foi aí que realizou o seu 1.º Congresso, que decorreu entre 13 e 16 de fevereiro de 1964.

Acrescenta que o Sector de Quitafine foi dos primeiros em que se fez a mobilização e se instalou a luta armada. Foi aí, no mato de Campo, que, dizem os pioneiros, nasceu a primeira "barraca" [acampamento] do partido no Sul, ainda antes da guerra.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacine (1960) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Cassacá, a 15 km a sul de Cacine, região também como conhecida como Quitafine (falta-nos  a carta de Cassumba, com a ponta sul de Quitafine, que não está "on line"... Ver também carta de Cacoca.)

Fonte: Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

"A situação criada à aviação inimiga [NT] com a instalação de antiaéreas em Quitafine e as pesadas derrotas que sofreu na sua tentativa de recuperação dessas armas, talvez expliquem a sanha com que se dedicou à destruição de tudo quanto via mexer em Quitafine, nos anos 68 e 69. A partir de 69 (fins), Quitafine começou a "arrefecer". […]

"É preciso ter-se em conta este passado para se compreender muito da actual fisionomia de Quitafine e os seus problemas. Quitafine, que era das áreas mais povoadas do Sul, só tem hoje [1971] 12 tabancas, organizadas em 9 comités. Repare-se que aquilo a que hoje se chama Tabancas e a que se dão nomes antigos, pouco tem a ver com as antigas tabancas. As populações, que conservaram os nomes das suas antigas tabancas, estão dispersas nos tarrafos e num ou noutro mato mais favorável. 

Além disso, grande parte (se não a maioria) da população das tabancas antigas ainda "presentes" dispersou-se pelas tabancas fronteiriças da República da Guiné, quando não foi juntar-se aos tugas. Penso também que alguns erros cometidos no trabalho político inicial devem explicar a actual fisionomia humana de Quitafine" (op. cit., pp 2/3).


No Relatório estão identificados os nomes de quarenta e uma Tabancas que deixaram de existir na região de Quitafine, e que serão referidas abaixo.

A organização da sua apresentação contém alterações em relação à original. Como metodologia seleccionada, optámos pela ordenação alfabética para melhor localização da ordem estabelecida. Quanto ao conteúdo textual, existem algumas (pequenas) correcções, particularmente no que concerne à construção semântica e unificação da descrição, mas que não alteram o sentido apresentado.

Eis, então, os nomes da Tabancas desaparecidas por efeito da guerra no Sector de Quitafine (n=41)

● BANERE –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CAMABANGA e SATENIA, na República da Guiné. O chefe – Mamassalu – encontra-se na segunda destas tabancas.

● BIRCAMA –> Tabanca de Beafadas. Foram todos para os tugas.

● CABOBAR –> Tabanca de Nalús, pequena. Uma morança só. Toda a gente retirou-se para GÃ BIT FONE, CARAQUE e BISSAMAIA, na República da Guiné.

● CABOXANQUE –> Tabanca de Fulas. Foram todos para a República da Guiné, tendo-se instalado em várias tabancas, em especial na de CUN-HA e CAMABANGA. [Não confundir eventualmente com Caboxanque, no Cantanhez, na oputra margem do Rio Cacine]

● CABOXANQUEZINHO –> Tabanca de Fulas e Tandas. Os tandas espalharam-se na República da Guiné, longe da fronteira. Os Fulas foram para os tugas, à excepção de duas pessoas (Beila  Baldé e a irmã), que foram para CALAFIMETE, na República da Guiné.

● CABOMA –> Tabanca de Sossos. Só duas pessoas foram para os tugas. O resto juntou-se à população de CAMISSORÃ.

● CABONEPO –> Tabanca de Sossos e Beafadas. Havia também um cabo-verdiano de nome Leão Gabriel. O caboverdiano foi para Dacar (ao que parece). O resto foi para CARATCHE, GAFARANDE e CABACO, na República da Guiné. Só ficou um Homem Grande, de nome Idrissa Keita, que se instalou no mato, em CASSACÁ.

● CACAFAL –> Tabanca de Nalús. Toda a gente foi para os tugas, à excepção do camarada Ansumane Djassi, do Exército, que está em FULA MORI.

CACOCA –> Tabanca de Sosso, Nalús, Bagas, Fulas e Lândumas. Só se retirou uma família (Canforseco Keita), que está em CAPOQUENE. O resto ficou com os tugas.

● CADUCÓ –> Tabanca essencialmente de Nalús. Foram para a fronteira, tendo-se instalado em CAN-HOR, uma parte, e a outra em CATCHIQUE.

● CAIANQUE –> Tabanca de Nalús. Refugiaram-se em CAMAÇO e CATCHIQUE, na República da Guiné,

● CAIÂNTICO –> Tabanca de Beafadas. Foi gente para os tugas e o resto para HAMDALAYE e CABUM-ANE, na República da Guiné.

● CALAQUE –> Tabanca de Sossos, Fulas, Manjacos e Lândumas. À excepção de duas moranças de Manjacos, toda a gente retirou-se para tabancas fronteiriças da República da Guiné. As duas moranças de Manjacos instalaram-se no mato de CALAQUE.

● CAMBAQUE –> Tabanca de Nalús. A maioria da população foi para os tugas. Alguns elementos foram para CASSAMA e CARAQUE, na República da Guiné. 

● CAMBEQUE –> Tabanca de Nalús. Retirou para BAKILONTON E IAMAN, na República da Guiné. Alguns foram depois daí para os tugas.

● CAMBRAZ –> Tabanca de Mandingas. Toda a população juntou-se aos tugas.

CAMECONDE –> Tabanca de Nalús. Só retiraram duas famílias (Almani Keita e Braima XCamaré), que estão em CASSANSSANE, na República da Guiné. O resto ficou com os tugas.

● CAMISSORÃ –> Tabanca de Sossos, Nalús, Mandingas, Beafadas e Fulas. Os Fulas foram todos para a República da Guiné. Houve também gente de outras tribos que se refugiou. Ficou pouca gente, que se refugiou nos tarrafos de CAMPUM [ou Campo], e que tem o seu comité.

● CAMPEANE –> Tabanca de Nalús e Sossos, essencialmente. Refugiaram-se igualmente em CAIETCHE e CATCHIQUE.

● CAMPEREMO –> Tabanca de Nalús e Beafadas. Uma morança de beafadas está em Hamdalaye. Uma outra (Mamadu Dabo) está para os lados de CANELAS. Duas famílias estão em CARATCHE (Ansumane Dabo e Tomás Dabo). O resto foi para os tugas.

● CAMPO –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CASSEMAQUE, BAGADAYE, e outras, na República da Guiné.

● CANDEMPANE –> Tabanca de Nalús. Só ficou o camarada Ansumane Dabo, que é actualmente instrutor das FAL no sector. O resto foi para os tugas.

● CANFEFE –> Tabanca de Sossos e Nalús. Retiraram-se todos para tabancas da República da Guiné.

● CANTEDE –> Tabanca de Nalús. Toda a população juntou-se aos tugas.

● CANTOMBOM –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CARIMPIM –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● CASSENTEM –> Tabanca de Nalús e Balantas. Os Nalús foram para CALAFIMET e CAMAÇO, na República da Guiné. Os Balantas mantiveram-se no interior, tendo-se instalado nos tarrafos de TAFORE e CASSEBETCHE.

● CASSOME –> Tabanca de Nalús. Instalaram-se em CARAQUE, na República da Guiné.

● CATONAIE –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CATRIFO –> Tabanca de Nalus. Toda a população foi para os tugas, à excepção da família Ali Keita, que retirou-se para MAMADIA, na República da Guiné.

● CATUNAIE –> Tabanca de Nalús. Ficou uma família (Abdu Camará) nos tarrafos de CASSEBETCHE. O resto refugiou-se em CASSEMAQUE, na República da Guiné.

● CATUNGO –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, à excepção de uma mulher, Mama Camará que está em CARATCHE, na República da Guiné.

● CAULACA –> Tabanca de Sossos e Nalús. Dessa tabanca, que se tinha retirado para a fronteira com a República da Guiné, toda a gente voltou para dentro. Estão instalados nos matos de CASSACÁ.

● CUGUMA –> Tabanca de Nalús. Foram todos para CACINE.

● CUNFA –> Tabanca de Nalús. Toda a tabanca foi para os tugas, à excepção de uma família (Amadu Dabo), que retirou-se para IAMANE, na República da Guiné.

● DÉBIA –> Tabanca de Nalús. Alguns elementos refugiaram-se em TANENE e IAMANE, outros foram para os tugas.

● MANSABATÚ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, só tendo ficado uma pessoa – um camarada, o enfermeiro do bigrupo em missão na área, de nome Mamadu Keita, mais conhecido por Tam Atna. [Este bigrupo tinha como Cmdt Cinur N'Tchir, natural de Cafine, onde nasceu em 1943. Actuava na Frente «Buba – Quitafine»[

SANCONHÁ –> Tabanca de Beafadas. Foram poucos para os tugas, os outros estão para os lados de SANSALÉ, na República da Guiné.

● TADI –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● TARCURÉ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● TUBANDI –> Tabanca de Djacancas [um subgrupo da etnia Mandinga]. Retirou para CAPOQUENE e N'DJAILÁ, na República da Guiné.

Será que alguém ouviu falar ou esteve em alguma destas tabancas? [Há referências no nosso blogue a algumas destas tabancas, não fiz unma pesquisa exaustiva.]

Aguardo. Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
13ABR2018.



Citação: (s.d.), "Tabanca no interior da Guiné, ao fundo distinguem-se mulheres cozinhando", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_ dc_43022 (2018-4-13) (com a devida vénia).



Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC numa tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43109 (2018-4-13) (com a devida vénia).

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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 12 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18517: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte II: Dando uma oportunidade à paz, depois de oito anos de guerra: os últimos dias dos bravos do pelotão