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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4858: Notas de leitura (16): Memórias do inferno de Abel Rei (Parte III) (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Enxalé > O famoso granadeiro, uma GMC transformada, que pertencia à CCAÇ 1439 (1965/67).

Foto: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados


Guiné > Bissau > Fevereiro de 1968 o 1º Cabo Abel Rei, da CART 1661 (Fá, Enxalé, Porto Gole, 1967/68), de férias, na capital da província.


Foto: © Abel Rei (2002). Direitos reservados



Abel de Jesus Carreira Rei – Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968. Prefácio do Ten Gen Júlio Faria de Oliveira.

Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002)

Notas de leitura > III Parte (*) > Uma dramática operação a Madina/Belel e... férias em Bissau

por Luís Graça


Uma dramática operação a Madina

Depois de 73 dias em Bissá, o nosso 1º Cabo Abel Rei regressa a Porto Gole, exausto e adoentado. Visto pelo médico, que lhe receitou “três injecções e comprimidos” (sic), voltou a estar apto, ele e os demais “companheiros de Bissá”, ao fim de três dias.

A 27 e 28 vemo-lo a participar na Op Foguetão, para um golpe de mão uma acampamento da guerrilha na região de Madina. Tratou-se da repetição da Op Frango, envolvendo forças da CCAÇ 1646 (Fá Mandinga) e da CCAÇ 1749 (Mansoa), além da CCART 1661 (Porto Gole).

A CCAÇ 1646 (que passou por Bissau, Fá Mandinga, Xitole, Fá Mandinga e Bissau, entre Janeiro de 1967 e Outubro de 1968) pertencia ao BART 1904 (Bambadinca), tendo por comandante o Cap MiL Art Manuel José Meirinhos.

A CCAÇ 1749, por sua vez, passou por Mansoa, Mansabá e Quinhamel, entre Julho de 1967 e Junho de 1969. Era comandada pelo Cap Mil Art Germano da Silva Domingos.

Na Op Frango, que se realizara a 16 de Novembro de 1967, as NT não atingiram o objectivo, por se terem perdido e por haver falha nas ligações com o PCV. Diz a história da CCAÇ 1661, citada pelo Abel Rei (p. 120), que “o único guia que nos foi possível arranjar, informou não saber atingir o objectivo pelo itinerário determinado superiormente”.

Eis, em resumo, o filme dos acontecimentos da Op Foguetão, de acordo com o diário do Abel Rei (29/11/1967, Enxalé, pp. 120-122), e que me faz trazer à memória peripécias e trapalhadas semelhantes, ocorridas numa outra operação, ao mesmo objectivo, dois anos e meio depois, em Março de 1970 (Op Tigre Vadio) (**): erros de planeamento, guias que se perdem, itinerários mal escolhidos, PCV que denunciam a presença das NT, falhas no abastecimento de água, progressão para o objectivo a horas proibidas, casos de exaustão e desidratação, indisciplina de fogo, relatórios fantasiosos, debandada geral, regresso dramático ao Enxalé…

(i) “Partimos à meia noite do dia 27, com um ração de combate para cada dois homens, e a caminho dum acampamento dos ‘turras’, situado em Madina, onde eles tinham bastante armas pesadas, entre elas um ou dois morteiros 82 e canhão sem recuo (?)" (…).

(ii) As NT chegam ao objectivo “volta das dez e meia da manhã”, altura em que começam a ser sobrevoadas uma avioneta com um ‘major de operações’ (sic), leia-se, PCV…

(iii) Sob um “sol escandante”, depois de mais de uma hora parados e, obviamente, já localizados pelo IN, “fomos obrigados a avançar para o objectivo. Nessa ocasião fazia-se a entrada numa bolanha cheia de água” … (Recorde-se que estamos no fim da época das chuvas)…

(iv) Há quatro baixas por exaustão e desidratação. Esses são helievacuados. Ficam 20 homens a fazer segurança ao helicóptero. Os restantes continuam a avançar para o objectivo.

(v) A progressão faz-se no meio do capim alto (com “mais de três metros de altura”). A zona em que o helicóptero, começa a ser batida por tiro de morteiro. Avança-se para o objectivo…

(vi) “O tiroteio sucedia-se cobrindo aqueles matos! (…) Os homens que ficaram atrás comigo, contaram que foram obrigados a retirar para fugir ao fogo dos ‘turras’ que batiam a zona. Perderam-se…”

(vii) Os “outros, são obrigados pelo capitão (de nome Figueiredo) [referência que me parece explícita, ao Cap Dias Sousa Figueiredo, da CART 1661], “a irmos contra as trincheiras do inimigo – apontando-lhes a sua arma, com ameaça de disparos, se não avançassem” (p. 122)…

(viii) As NT sofrem “dois mortos e três feridos”, não lhes sendo possível “trazer os mortos: um soldado nativo das milícias, e o próprio guia, pois o fogo era intenso”.

(ix) Concluindo, “chegaram já de noite, divididos em dois grupos, aqui ao quartel [do Enxalé], tendo andado perdidos uns dos outros. Vinham estafados”…

(x) A história da unidade diz, seca, cínica e sucintamente, que “o objectivo de Madina foi atingido e destruído, tendo sido mortos 9 elementos IN; as NT tiveram um milícia morto e três feridos” (p. 122)… Não há qualquer referência ao pobre diabo do guia cujo cadáver lá ficou, também, para os jagudis…

Só quinze dias depois é que o Abel volta escrever, para nos dar conta da existência da ‘arma secreta’ da CART 1661, o famoso ‘granadeiro’, uma “viatura pesada blindada com chapas metálicas e areia”, que é utilizada numa coluna auto, de reabastecimento a Bissá… “Pela estrada, em que fomos sempre pé, picando a área em todo o percurso, ao longo da nossa deslocação foram encontrados jornais de propaganda subversiva terrorista” (14/12/1967, Enxalé) (***)…


As festas de Natal e Ano Novo

No final do ano de 1967, o comando da CART 1661 muda-se para Porto Gole, passando o Enxalé a ser apenas um simples destacamento, depois na primeira daquelas localidades se terem construído as necessárias instalações para o pessoal, bem como o depósito de material. Foi também construído uma pista de aterragem para aeronaves tipo D0 27…

Aproximam-se as festas do Natal e o Ano Novo, e o Abel é encarregue de ir a Bafatá fazer as compras (“bebidas, doces e frutas”). Sobre esta localidade (a segunda maior da Guiné, a seguir a capital, mas que ainda não é cidade, nesta época), diz o Abel:

“(…) Foi a primeira vez que visitei uma cidade da Guiné ! (…) Não vou deixar aqui as minhas impressões sobre aquela cidade, pois que lá não achei nada de especial, somente pequenina! Uma cidade, onde a sua base é o comércio, desfrutando o progresso da guerra, e onde a mesma não faz sentir os seus efeitos destruidores”… (30/12/1967, Enxalé, pp. 14-125).

No Natal “houve uma ligeira ceia” e “até umas filhoses feitas por mim” (p. 125).

Três dias depois, a 28, houve visita dos ‘turras’ (sic), uma pequena flagelação, sem consequências… Mais grave seria o ataque de 4/1/1968, levado a cabo por um “Gr IN estimado em 150 elementos” (!)… Diz o autor que “os turras utilizaram o dobro das armas que nós temos”, mas mesmo assim retiraram com pesadas baixas (um morto confirmado e numerosos rastos de sangue) (p. 127)

O ano de 1968 é saudado como da “peluda” (p. 126). A partir de 11 de Janeiro, o Abel tem um novo comandante de pelotão. Antes tinha sido o capitão que tinha dado o “gosse”, bem como outro alferes (17/1/1968, Enxalé, p. 128).


Férias em Bissau, hospedado na Pensão Chantre

A partir de 2 de Fevereiro de 1968, o 1º Cabo Abel Rei está de férias em Bissau… “Vim juntamente com o ‘Conjunto João Paulo’, que fez nesse mesmo dia em actuação musical em Porto Gole, partindo de seguida numa lancha, pelo Rio Geba, para cá”… Ficou hospedado na Pensão Chantre (14/2/1968, Bissau, p. 130).

A cidade é descrita nestes termos: “É grande, não muito, já conta com algumas moradias modernas, e enormes bairros, embora para isso tivesse influência a visita do Presidente da República Portuguesa, feita no princípio deste mês (…) A minha opinião sobre Bissau é bastante boa, em que sobressai o comércio (…) ” (18/2/1968, Bissau, p. 132).

O Abel aproveita o tempo para passear e descansar. “Tenho percorrido praticamente toda a cidade incluindo o Pilão - onde abundam festas nocturnas com bailes, sobretudo nesta altura do Carnaval”… O Pilão é “a parte mais pobre da capital, composta por bairros de população nativa” (sic).

A Bissau chegam rapidamente as notícias da guerra: o ataque a Porto Gole (a 9), ao Enxalé (a 13), prenunciando um recrudescimento da pressão do PAIGC sobre o “chão balanta”… O Abel dá conta também de um ataque em Tite…

A própria cidade de Bissau sofre uma flagelação no mês de Fevereiro na sequência do ataque à BA 12, em Bissalanca: “parece ter havido três mortos e quinze feridos, todos nativos (?)” (3/3/1968, Bissau)… Foram dias “turbulentos” (sic), esses das férias do Abel, em Fevereiro.


Pressão sobre o chão balanta

A 9 de Março, está de regresso a Porto Gole, em LDM (Lancha de Desembarque Média), numa viagem de quatro horas. Três dias depois ainda permanece em Porto Gole, aguardando transporte para o Enxalé… (12/3/1968, Porto Gole, p. 135). Isto quer dizer também que a estrada de Bissau-Bafatá deixa de ser seguro, sobretudo no sector de Mansoa… (O Batalhão de Mansoa “não nos autoriza que façamos colunas em viaturas auto, devido ao número de mortos que temos nos percursos por estrada”… Para se ir do Enxalé para Bissau, vai-se por Bambadinca, via Xime, apanha-se a LDM e vai-se até Porto Gole e daí para Bissau…

“De Bambadinca até cá vim numa lancha de patrulhamento da nossa Marinha de Guerra. Com eles comi e dormi duas noites (e trabalhei, claro!) enquanto esperavam a saíde de um barco civil, com carregamento de produto produzidos no interior, para Bissau, e ao qual, duas vezes por semana, têm de manter segurança, via rio Geba” (27/1/1968, Porto Gole).

Na mesma lancha, veio uma companhia operacional “que tem andado a recolher todos os habitantes das tabancas existentes para além de Porto Gle, assim como todos os seus haveres, sendo depois deitadas abaixo todas as suas habitações” (p. 135). Essa LDM, ao regressar, de Enxalé, na madrugada de 12/3/1968, “sofreu um ataque em pleno Rio Geba”, tendo sido atingida por rockets (p. 135).

A 20 de Março, prosseguem as operações de evacuação e reagrupamento de populações até então sob duplo controlo, e destruídas as suas aldeias. “Foram queimadas e destruídas perto de uma dúzia de moranças. Entretanto trouxemos tudo aquilo que foi possível agarrar: porcos, galinhas e cabritos . (Eu trouxe três galináceos). Voltámos era quase meio-dia” (20/3/1968, Porto Gole, po. 137-138). Uma parte dessa população (balanta) é redistribuída por Enxalé, Porto Gole e Bissá (p. 139).

Entra-se no mês de Abril de 1968, “sem comida nem bebida”… Vinho, café, batatas e bacalhau são quatro dos itens referidos pel Abel, como faltando já há vários dias no aquartelamento de Porto Gole (3/4/1968, p. 140)…

As colunas de e para Bissá continuam a fazer baixas… Logo no dia 2 de Abril, mais dois mortos, da CART 1661… O ambiente é de consternação e apreensão, a escassos seis ou meses do fim da comissão. “Hoje ainda se encontram cá as duas urnas chumbadas com os meus colegas, e ontem foi a enterrar o Soldado ‘Samba’ do Pel Caç Nat 54. Os feridos mais graves foram evacuados para Bissau” (12/4/1968, Enxalé / Porto Gole, pp. 140-142).

(Continua)
___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores:

12 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4815: Notas de leitura (14): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte I) (Luís Graça)

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)

(**) Vd. postes de:

10 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2831: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (31): Tigre Vadio: Um banho de sangue no corredor do Oio

27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças) (Luís Graça)

(***) Vd. poste de 2 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2148: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)

(...) Para a história do famigerado granadero que se vê no Post 2001. Aqui vão duas fotografias do mesmo que tirei no Enxalé. É uma GMC que foi transformada por pessoal da CCAÇ 1439, uma unidade de Madeirenses, que ali esteve até Abril de 1967 e foi substituida pela CART 1661 que passou a sede para Porto Gole em Dezembro de 1967, ficando o Enxalé apenas como destacamento.

A transformação constou do reforço dos taipais com chapas de bidon, separadas de ± 20 cm com areia no meio. Ficou à prova de bala de Mauser. Tinha também uma camada de areia no fundo da caixa e na frente também vários sacos de areia. Tinha instalada como se pode ver uma Breda. Não sei porque é que lhe chamavam granadero.Com ela fiz vários reabastecimentos a Missirá e Porto Gole .

Segundo a descrição do Abel Rei no seu depoimento Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá-Memórias da Guiné e que na altura estava em Bissá, no dia 5 de Outubro de 1967 esta viatura quando regressava a Porto Gole accionou uma mina incendiária a que se seguiu uma emboscada de que só se safaram com apoio aéreo. Fazia parte duma coluna que saiu de Porto Gole ao encontro doutra coluna saída de Bissá a pé para entregar uns militares destinados àquele destacamento.Desde a abertura de Bissá (que eu conheci bem e considero um erro catastrófico) em Abril de 1967 e até esta última data tiveram três viaturas inutilizadas, mais de vinte mortos e uns cinquenta feridos evacuados. Penso por isso que não andariam propriamente a jogar uns com os outros. (....)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3519: Estórias cabralianas (42): As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa (Jorge Cabral)

1. Mensagem do Jorge Cabral, com data de ontem, 25 de Novembro de 2008:

Amigão,

Aí vai estória! (*)

Embora seja preguiçoso,  não terei qualquer problema em escrever cinquenta ou mais.

A História da minha vida está recheada de estórias e as da Guiné constituem um Capítulo. Tenho sido sempre um contador de estórias e que o digam os alunos e principalmente as alunas. Estórias do Tribunal, estórias dos Clientes, estórias do Ensino, estórias da Guiné..!... 


Estórias... Aliás, a maior parte das que mandei para o Blogue, já as havia contado. Agora só as passo a escrito.

Lembro-me que, em 1995, o meu filho me obrigou a concorrer ao Concurso "Quem conta um conto..." da RTP 2, que ganhei e que para a prova de selecção enviei a triste estória de um regressado da Guiné.

Escrever para o Blogue implica porém um redobrado cuidado para não ferir susceptibilidades nem motivar estéreis polémicas... Muitos dos intervenientes das estórias que conto oralmente já morreram, alguns foram fuzilados e outros surgem aí, agora retratados como modelos de competência, sabedoria, bondade, integridade...


Por exemplo, o nosso Major Eléctrico, hoje um simpático velhinho... Se fosse possível perguntar aos meus soldados africanos a causa do acidente que sofreu, todos responderiam que foi um valente feitiço deitado pelo Nanque, após uma visita a Fá, na qual tratou muito mal o Alfero...

Claro que podia escrever sobre essa visita e a consequente sessão de "mau olhado", concorrida e muito aplaudida...

Mas valerá a pena? Até onde será permitido levar o meu corrosivo sentido de humor, sem ofender a memória dos mortos e a consideração dos vivos?

Desculpa o desabafo!

Como sempre um Grande, Grande Abraço, extensivo aos Amigos Co-Editores, Briote e Vinhal.

Jorge Cabral





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > As voltinhas do Geba Estreito... tinham alguma analogia com o sono do Alfero...

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.


2. Estórias cabralianas (42) > As noites do Alfero em Missirá e uma estranhíssima ementa

Texto e foto (de cima): © Jorge Cabral (2008). Todos os direitos reservados.


Eram calmas as noites do Alfero? Deviam ser, pois assim que pôs os pés em Missirá, cessou imediatamente a actividade operacional dos seus vizinhos de Madina. Chegou-se a pensar que o Comandante Corca Só (**) entrara em greve, mas no Batalhão [, BART 2917,] acreditava-se num oculto mérito do Cabral. Aliás, estando ainda em Fá e esperando-se um ataque a Finete, o Magalhães Filipe [, ten cor, cmdt do BART 2917,] para aí o mandou, sozinho, reforçar o Pelotão de Milícias. Lá passou oito dias, dormindo na varanda do Bacari Soncó, que o alimentou a ovos cozidos...

Perante tal reforço, os Turras não se atreveram... Eram Amigos do Cabral ou temiam-no?

Em Bambadinca, as opiniões dividiam-se, correndo de boca em boca diversos episódios. Que perseguira os Turras pela Bolanha gritando "Não tenham medo, sou o Cabral”. Que lhes ofereceu arroz em troca de um porco. Que estivera com eles bebendo num Choro Balanta, em Mero...

Mentiras? Sei lá! Não faço História. Conto estórias...

Mas sendo Missirá agora um oásis de Paz, porque é que o Alfero dormia mal as noites e era obrigado a recuperar de dia, com prolongadas sestas? De uma dessas noites lembra-se bem o narrador,  até pelo inusitado desfecho...

O jantar fora pé de porco com esparguete, pois estavam reduzidos às conservas e, devido à avaria simultânea do Unimog e do Sintex, faltava quase tudo, até batatas.

O Alfero enjoara e só comia Pão. Pão com whisky, claro... A carência absoluta não tinha tirado a alegria e o serão decorrera animado. Só muito tarde recolheu ao abrigo – condomínio, onde morava, mais três famílias, com mulheres e crianças. Entrou, meteu-se debaixo do mosquiteiro e preparava-se para iniciar o sonho que programara – Santo António em Alfama.(Acreditem ou não o Alfero aprendera a programar os sonhos).

Porém ainda não passara a Sé e a noite prometia, batem à porta. É o Guilherme com uma Mensagem. Decifra? Não decifra? Mais de noventa por cento não interessavam nada... Resolve decifrar... "Info não sei quantos blá, blá, blá, Comandante Gazela... a norte rio, etc., etc.” Querem que eu saia?

Então, e o meu sonho? Não, não me mandam sair! Bissau informa o Agrupamento, este, o Batalhão que informa o Alfero, que se informa a si próprio...

Volta ao sonho, são quase duas horas e já cheira a sardinhas, mais uma vez alguém à porta. O Milícia Cherno vem pedir, calculem, um livro da terceira classe.

A esta hora? Lá o despacha e regressa a Alfama. Emborca o primeiro copo e, zás, ao fundo do abrigo começa a algazarra.
– Alfero! Alfero! - É a Binta que grita.

O soldado Daíro, seu marido, está a bater-lhe! E lá vai o Alfero:
– Não podias guardar para amanhã?

Acalmados os ânimos, pensa o Alfero poder saborear ao menos uma sardinha e continuar o sonho. Mas não, pouco tempo depois, assoma o Demba. Quer patacão. De Tombali chegou o seu Paizinho.

Desiste de sonhar! O sol está a nascer. O galo que aqui reside já cantou! E mais uma vez, batem à porta. Quem é?
–  Sou eu, ó meu Alferes – responde o cozinheiro.– É para saber o que faço para o almoço.
–  Faz piças fritas! Piças fritas, ouviste! E olha que as quero bem tostadas!

Atarantado, desapareceu num ápice o cozinheiro...

Descansem as almas mais sensíveis... O almoço foi... pé de porco, mas com arroz.

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série Estórias cabralianas > 13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3446: Estórias cabralianas (41): O palácio do prazer, no Pilão (Jorge Cabral)

"De Bissau conheci muito pouco. Apenas o Pilão, e neste Os Dez Quartos, um palácio do Prazer. Era o local ideal para um sexólogo, pois tendo todos os quartos o mesmo tecto e paredes incompletas, ouviam-se os murmúrios, os gritos, os ais e os uis, deles e delas, em plena actividade. Sempre que lá fui, abstraí-me um pouco da minha função e dediquei-me à escuta, tentando até catalogar os clientes por posto, ramo, forma, jeito, velocidade e desempenho.

"A noite de véspera do meu regresso foi lá passada. Que melhor despedida podia eu, então, ter programado?"(...).



(**) Vd. poste de 22 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2294: De Madina para Missirá... com amor: a mina da despedida (Luís Graça / Humberto Reis / Beja Santos)


(...) "Na véspera de sair do destacamento de Missirá, com os seus homens do Pel Caç Nat 52 – para ser colocado em Bambadinca, sede do BCAÇ 2852 (1968/70) – o Alf Mil Mário Beja Santos é vítima de uma mina anticarro, no percurso de regresso a casa, na estrada Finete-Missirá, perto de Canturé... Ele e mais duas secções...

"Não foi às cinco na tarde, como no trágico poema de Garcia Lorca (...), mas já ao anoitecer, no Cuor, a norte do Rio Geba, na Guiné, às 18h, do dia 16 de Outubro de 1969...

"Diz a lenda que a mina era para o Beja Santos e trazia um bilhete do Corco Só, o comandante da base do PAIGC em Madina/Belel... Nunca ninguém leu o alegado bilhete, pregado numa árvore e que se terá volatizado... Mas se o Corca Só fosse um verdadeiro cavalheiro e conhecesse os romances e/ou os filmes da série James Bond - o que era de todo improvável - teria escrito, ao melhor estilo da luta de libertação, o seguinte bilhete: De Madina para Missirá... com amor .(...)"

sábado, 5 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3025: Os nossos regressos (7): Perdido, com um sentimento de orfandade, pelos Ritz Club, Fontória, Maxime, Nina... (Jorge Cabral)

1. Mensagem de Jorge Cabral, que foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71, autor da série Estórias Cabralianas (*)

Querido Amigo,vou fazer os possíveis para lá estar dia 5 [, no Maxime]. Sobre o meu Regresso já escrevi – estória 9, "Má chegada, pior partida"…, 19 de Abril de 2006. Volto porém ao tema e mais uma vez falo de mim… O Branquinho que tenha paciência, mas umbigo por umbigo, falamos sempre a partir do nosso.

Há tempos, mandei um apontamento que tu transformaste em estória, sobre a minha ida a Belel, no qual me interrogava sobre a razão de me terem mandado sem o Pelotão. Curiosamente, o Jaime Pereira, Ex-Alf Mil da CCaç 12, que alinhou nessa operação, e que pelos vistos não leu o meu relato, respondendo a uma dúvida, acabou por esclarecer, que fui como guia dos Páras (1). Guia eu? Mas o que é que não fui na Guiné?

Junto fotografia do Jovem Aspirante Cabral, com uma farda emprestada. Belo rapaz! Esteve em exposição na montra da casa onde foi tirada, mesmo defronte da Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas. Claro que fez sucesso e provocou paixões… Outras estórias que hei-de contar… um dia.
Abraço Grande
Jorge

______________

(1) Com autorização do Jaime, anexo o e-mail recebido (**)


2. UM PENOSO REGRESSO (***)
por Jorge Cabral

No princípio de Julho de 1971 o meu Pelotão [ o Pel Caç Nat 63,] foi substituído em Missirá, pelo 52, do Wahnon Reis. Eu ainda lá permaneci, mas foi então que se iniciou o meu Regresso. Estava ansioso? Alegre? Triste? Não sei. Apreensivo, sim! Conseguiria ressuscitar o estudante teatreiro, cinéfilo e literato? Por onde andariam agora os amigos das Tertúlias. Que livros liam? De que falavam? E elas, elas, elas?

Ao ir para a Tropa rompera os vínculos. Praticamente não escrevera a ninguém. Que lhes iria contar? Como narrar o olhar do Malan, quando pisou aquela mina em Salá?

Fiquei mais três aborrecidas semanas em Missirá. E calculem que, com vinte e seis meses, alinhei ainda numa operação. Dois mortos, para jamais esquecer… Depois seis dias vazios em Bambadinca. O meu Pelotão estava na Ponte do Rio Undunduma e eu para ali, desalinhado sem saber o que fazer… Claro, logo de manhã…… tasca do Zé Maria [ a saída de Bambadinca, no cruzamento para Bafatá].

Finalmente foi marcada a data do meu embarque no Xime. A noite anterior passeia-a com o Pelotão e até de madrugada recordámos, prometemos, celebrámos… Essa foi a minha verdadeira despedida. A noite do Adeus!

No dia seguinte, o Branquinho acompanhou-me ao Xime. E lá parti rumo a Bissau.

Queria voltar de barco, ciente que precisava de pôr a cabeça em ordem. Mas não, vim de avião. Numa anterior colaboração, relatei a chegada – o ralhete do Pai, e a tristeza da Mãe.

Em Lisboa procurei os antigos Amigos. Uns haviam fugido, outros faziam perigosas “comissões” no Museu Militar, no Ministério do Exército, no Quartel General… Queriam eles lá saber da Guiné ou da Guerra…

Por mim sentia-me perdido, invadido por um sentimento de orfandade… Então desanuviei… estagiando entre copos e carinhosas damas, que até compreendiam a angústia do combatente.

Ritz-Clube, Fontória, Maxime, Nina, Cantinho dos Artistas… Cá, como lá, em Roma, fui sempre Romano.

Estágio concluído com distinção, acabei por assentar.

Da Guiné esqueci muito, mas não os inquebrantáveis laços de Fraternidade.

Iguais, nunca mais estabeleci com ninguém!

Jorge Cabral

_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. o último poste > 20 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2862: Estórias cabralianas (36): Uma proposta indecente do nosso Alfero (Jorge Cabral)

(**) Email de 20 de Maio de 2008, enviado pelo Jaime Pereira ao Jorge Cabral:

Caro amigo Jorge Cabral:

Estive de férias e só hoje foi possível responder ao teu Email.

O Beja Santos não conhece nada das nossas vidas comuns…
Encontrei-o casualmente num restaurante da Rua de S. Paulo, próximo do local onde trabalho, a falar com uns Guineenses sobre a nossa zona de guerra. Meti conversa, disse-lhe que tinha estado na CCaç 12 entre 1971 e 1973, falámos sobre o Blogue do Luís Graça e não entrámos em pormenores.

Estive de facto pelo menos duas vezes em Missirá, onde fui sempre muito bem tratado por ti e pela tua malta…

Lembro-me que, da primeira vez, fiquei uma noite em Missirá a guardar as bajudas e as mulheres grandes do teu pessoal, enquanto o teu pelotão saiu num patrulhamento, creio que para a zona de Mato Cão.

Da segunda vez recordo-me que o BB [, major da CART 2917, Bambadinca, 1970/72,] me mandou reforçar a tua tropa com o meu pelotão porque havia indicações de que o bi-grupo de Madina/Belel ia retaliar sobre Missirá do ataque que a minha companhia e a dos páras tinham feito sobre o seu aldeamento, uma semana antes.

Deves por certo recordar-te desta Operação a Madina/Belel porque nos encontrámos no objectivo, tu a servir de guia aos páras e eu integrado na CCaç 12 e fizemos juntos o percurso de regresso via Enxalé.

Nesse dia se não tivéssemos tido o apoio dos T6 e a bolanha estivesse sem água, grande parte do pessoal da CCaç 12 tinha lá ficado…

Mas a primeira imagem que guardo de ti é do meu dia de chegada a Bambadinca… Tinhas tomado o teu banho fula no pavilhão dos oficiais, tinhas vestido um camuflado lavado que por certo foi retirado de uma das gavetas do armário do pessoal da CCaç 12, estavas deitado na cama que me estava destinada, com o pingalim a bater nas botas, olhaste para mim e para o Sobral e disseste:
- É o destino, periquitos, vieste para à Guiné, mas é o destino…

Recordar é viver… Vamos realizar o almoço da CCaç 12 em Lamego, no dia 31 deste mês de Maio. Se desejares ir, manda-me um Email…

Um grande abraço

JAIME PEREIRA


(**) Vd. último poste desta série > 4 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3021: Os nossos regressos (6): Regressei a olhar para trás...(Santos Oliveira)

domingo, 11 de maio de 2008

Guiné 63/74: P2833: Op Gavião (Belel, 4-6 de Abril de 1968) (Armando Fernandes, Pel Rec CCS / BART 1904, Bissau e Bambadinca, 1966/68)
















Cópias das páginas 43, 44 e 45 da História da Unidade: Batalhão de Artilharia nº 1904, 1966/68. Relatório da Op Gavião, iniciada em 4 de Abril de 1968: com a duração de três dias, e destinada a executar um golpe de mão contra o acampamento do Enxalé, do PAIGC, na mata de Belel, teve a participação da CART 2338, a 4 Gr Comb, mais o Pel Caç Nat 52 (Destacamento A), bem como da CART 2339, a 4 Gr Comb, mais o Pel Caç Nat 53 (Destacamento B). Foi comandada pelo 2º Comandante do BART 1904.


Documento digitalizado: © Armando Fernandes (2008). Direitos reservadas

1. Mensagem de Armando Fernandes, com data de 8 de Maio:

Professor Luís Graça:

Chamo-me Armando Fernandes, fui Alf Mil Cav, comandei o Pel Rec do BART 1904 que esteve sedeado em Bambadinca, de Janeiro a Setembro de 1968. Durante todo o ano de 1967 o Batalhão esteve sedeado em Santa Luzia, Bissau, onde rendeu, em Janeiro de 67, o BCAÇ 1876.

Entrei ontem, pela 1ª vez, no seu blogue e chamou-me a atenção o nome de uma operação referido em P2817 (1), Operação Gavião.

Sobre essa operação consta da história do BART 1904, pags.43/45 (edição não canónica em meu poder) que o Fur Mil Zacarias Saiegh nela participou,o que está em desacordo com uma resposta do Doutor Beja Santos registada em P2817. Parece, também, que relativamente à entrada em Belel há discrepância ente o registado na história do BART e o afirmado no mesmo post. Onde estará a verdade?

Em anexo envio cópia das páginas que referi.

Apresento os meus cumprimentos

Armando Fernandes

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, camarada Armando. É-nos muito útil essa informação. Vou dar conhecimento aos camaradas que têm escrito sobre a Op Gavião. A nós interessa-nos a verdade e só a verdade... Em muitos casos, há discrepâncias factuais entre os nossos relatórios de operações e os depoimentos pessoais. É normal.

O Mário Beja Santos , que comandou o Pel Caç Nat 52 (a partir de Agosto de 1968), não poderia obviamente ter participado nesta Operação Gavião (Abril de 1968). Socorre-se da memória dos seus antigos soldados, alguns dos quais felizmente ainda estão vivos e vivem em Portugal.

O ex-Alf Mil Torcato Mendonça e o ex-Fur Mil Carlos Marques dos Santos, da CART 2339 (Mansambo, 1968/69), esses, sim, participaram nessa Op, e estão aqui entre nós... Também vou ler, com atenção, os documentos que tiveste a gentileza de nos mandar.

Ficas, desde já, convidado a ingressar na nossa tertúlia ou Tabanca Grande. No caso de aceitares, julgo que serias o primeiro do teu batalhão (que eu já não conheci: cheguei a Bambadinca no dia 2 de Junho de 1969...). Um Alfa Bravo. Luís Graça

PS - Já agora, uma curiosidadade: foi no teu tempo que houve grave acidente em Bambadinca, originando o incêndio do paiol ? Alguém me contou essa história, julgo até que foi um camarada teu, alferes, que encontrei há uns três anos ou mais anos, na casa de uma amiga, numa festa... Infelizmente, não fiquei com o contacto dele... Mas falámos muito de Bambadinca.

Há aqui um hiato nas nossas memórias sobre Bambadinca: falta-nos saber coisas do teu batalhão e dos anteriores (por ex., BCAÇ 1888, que estava em Bambadinca em 1966)... Seguramente nos pode ajudar a colmatar essa lacuna... 

A malta de Bambadinca de 1968/71 (BCAÇ 2852 e unidades adidas) tem por hábito encontrar-se todos os anos. Deves conhecer malta da CCS do BCAÇ 2852. O Comandante do Pel Rec Info era o Alf Mil João Alfredo T. Rocha... Deste batalhão faziam parte as CCAÇ 2404, 2405 e 2406... Eu pertenci à CCAÇ 12, africana, no período que vai de junho de 1969 a marçod e 1971.

__________


Nota de L. G.:

(1) Vd. poste de 7 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2817: Blogoterapia (51): O Alentejo do Casadinho e do Cascalheira, o Tura Baldé, a Op Gavião... (Torcato Mendonça / Beja Santos)

(...) "(iii) Tempos depois a Operação Gavião, em Abril de 1968. Participaram a companhia do Enxalé (capitão Pires, Zagalo Matos e outros), a tua companhia [, a CART 2339,] e os Pel Caç Nat 52 e 53. Inicialmente, estava destinado a ser uma operação de 5 dias, ficou-se em menos de três. Vocês saíram do Enxalé, numa lala perto de Madina, Tura Baldé, um milícia de Demba Taco, ao beber água numa fonte encontrou-se com um soldado do PAIGC que lhe deu um tiro, desacasos da fortuna. Na operação Gavião, o guia era Quebá Soncó, o filho primogénito do régulo Malã, que foi atingido por um tiro numa rótula, foi-lhe amputada a perna.

"Não ia o Saiegh mas os furriéis Vaz, Altino e Monteiro (o Saiegh chegou em finais de Maio de 1968, o alferes Azevedo já estava em Bissau, eu só cheguei em 4 de Agosto). Falas em que "partiram" Madina, Belel e Sinchã Camisa, para Queta Baldé e Cherno Suane, não foi bem assim. Com o tiroteio para tentar liquidar o executor de Tura Baldé, Madina esvaziou-se, o que vocês encontraram foi milho, roupas, esteiras, pilões e coisas parecidas. Para os meus informadores, não havia rasto de gente ferida ou morta.

"Quanto a Belel, a única vez que se lá entrou pelas picadas e com tropa do Exército foi no Tigre Vadio, em finais de Março de 1970 (3). Podes perguntar ao Luís Graça como tivemos sorte e como foi muito doloroso. Despeço-me com a esperança de te ver em Monte Real, tenho um projecto para debater contigo, para aproveitarmos as tuas belíssimas fotografias. E vê lá se acabas com essa conversa mórbida em que andas a dizer que não se recomenda que não estejas vivo, precisamos do teu azedume, da tua indignação, da tua heterodoxia.

"Um abração de estima, Mário" (...).

sábado, 10 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2831: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (31): Tigre Vadio: Um banho de sangue no corredor do Oio

Porto > 1934 > 1ª Exposição Colonial Portuguesa > Álbum fotográfico > "Indígenas da Guiné" > O régulo Mamadu Sissé fotografado por Domingos Alvão.

Mamadu Sissé era um prestigiado combatente e aliou-se ao Governador Oliveira Muzanty, em 1907 e 1908, contra Infali Soncó e Bonco Sanhá. A sua neta emprestou livros a D. Violete, a professora de Bambadinca, que me foram muito úteis. Mamadu Sissé esteve no Porto, em 1934, durante a 1ª Exposição Colonial Portuguesa, foi fotografado por um dos nossos maiores fotógrafos do tempo, Domingos Alvão.Encontrei esta preciosidade no álbum fotográfico, publicado nesse ano de 1934, nas minhas leituras na Sociedade de Geografia de Lisboa.



Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 19 e 20 de Fevereiro de 2008:

Luís, acredita que foi um pesadelo escrever este episódio. Belel ficou juncada de cadáveres e todos nós juncados de sofrimento. Um sofrimento que eu parcialmente não vivi, tu estiveste lá até ao fim, eu limitei-me a assaltar Belel e a destruí-la com grandes soldados. Por favor, pensa em ilustrações que envolvam o Geba, Missirá, Fá, Enxalé ou o Xime, não me ocorre dar-te mais nenhuma sugestão. Espero entregar-te na próxima semana os episódios n.º 32 e 33. Um abraço do Mário.

Luís, reenvio-te o texto, estava cheio de besteiras. Bem gostava de ter a tua opinião, tu estiveste lá do princípio ao fim (*). Foi a mais sangrenta de todas as nossas operações. Ao que parece, Napoleão Bonaparte gostava de generais que soubessem fazer a guerra mas que tivessem sorte. Naquele dia tivémos muita sorte, entrámos em Belel com toda a gente a fazer a sesta. Por favor, escolhe as ilustrações possíveis. Um grande abraço do Mário.


Operação Macaréu à vista - Parte II > Episódio XXXI:UM BANHO DE SANGUE NO CORREDOR DO OIO
por Beja Santos

(i) Uma conversa com o major Sampaio e uma grave distracção minha


Na manhã de 28 de Março reuniram-se no gabinete do major Sampaio os diferentes intervenientes da operação Tigre Vadio: uma companhia de Bafatá que se fazia representar por dois grupos de combate, a CCaç 12, os Pel Caç Nat 52 e 54 e duas esquadras de morteiro do Pel Mort 2106, de Bambadinca. O major Sampaio referiu os objectivos que eram, muito concretamente, os de bater a região ocidental do Cuor e procurar destruir as acampamentos de Madina e Belel.

As informações disponíveis referiam a existência no local de um bigrupo razoavelmente equipado, repartido na protecção das populações em Madina, Quebá Jilã, Belel e até em Banir, já no Oio. Toda esta área não só tinha terrenos cultivados como havia notícia de servir de ponte de passagem de material de guerra e guerrilheiros do Norte para o Sul da província. Os diferentes RVIS asseguravam a existência de vias de comunicação já mal dissimuladas pela vegetação densa. Era um importante corredor, como recentemente confirmara uma operação de pára-quedistas que incendiara um conjunto de barracas na região de Madina, onde encontraram sinais eloquentes de vida organizada, em todas as direcções. Não era só no Oio que o PAIGC estava bem armado e detentor de território.

Depois do desaire da [Op] Anda cá, em Fevereiro de 1969, propunha o comando de Bambadinca que a operação fosse constituída por dois destacamentos, partiriam ambos de Missirá, perto de Quebá Jilã dar-se-ia a bifurcação, seguindo um destacamento para Belel e outro para Madina, respectivamente apoiados por esquadras de morteiro 81, através do apoio aéreo tentar-se-ia manter os destacamentos em sintonia de modo a que, após se terem alcançado e destruído os objectivos regressassem via Enxalé, e depois Xime, apoiando-se mutuamente. Eu a tudo assistia e ouvia, contente, vendo o morteiro 81 entrar naturalmente na organização da operação. Tendo vivido todas as decepções e desaires da Anda cá, no período de perguntas e respostas perguntei se não era possível fazer-se a cambança do Geba perto de Fá, para, a partir de Gã Gémeos ou de Gã Joaquim, se chegar a Missirá sem ter a tropa exausta, e apelando para o ensinamento de que trezentos homens não deveriam, em circunstância alguma, em território batido pelo inimigo, andar num só destacamento, com todos os riscos inerentes a ser flagelado dentro da floresta galeria.

O major Sampaio garantiu que os dois destacamentos se iriam autonomizar e que os dois objectivos eram para ser cumpridos, fosse como fosse. Discutimos equipamento de transmissões, armas, munições e carregadores. E quando falo de carregadores refiro expressamente ser humanos para nos ajudar no transporte de morteiros 81 e suas munições. Esvaiu-se-me da memória, esqueci completamente de mencionar os carregadores para jerricãs de água, naquele calor infernal dois cantis de água eram manifestamente insuficientes. Mais ninguém se lembrou deste pormenor.

A factura foi apresentada em 31 de Março, depois do inferno de Belel. Cada vez que me vem à memória este episódio sinto os lábios ressequidos e vejo um helicóptero com os vidros estilhaçados, recordo uma lala com o piloto aviador a mandar-me sair com jerricãs de água que trouxéramos entretanto de Bambadinca. E vibro com sofrimento que provocámos naqueles que não puderam beber aquela água que eu acabei por levar para o Xime. Enfim, uma distracção que agravou o sofrimento daqueles trezentos homens que já levavam o corpo moído, tensos e à espera da mais imprevisível das emboscadas.

(ii) Os preparativos, de Bambadinca para Fá, daqui para Missirá

Ao princípio da tarde do dia 30 de Março, uma coluna de GMC e Unimog recolhe em Bambadinca as forças da CCaç 12, o Pel Caç Nat 52 e as esquadras de morteiro. As tropas africanas informam as famílias e as populações locais que vão para Bafatá, irão combater algures no Leste, talvez em Geba. Uma força da CCS vai para Finete, a milícia daqui parte para Missirá, ficando esta também reforçada com gente de Fá. Na estrada para Bafatá viramos na Bantajã Assá e daqui seguimos para Fá, onde já chegaram, os grupos de combate de Bafatá. Os soldados estão desorientados com a geografia da operação, ninguém se lembra que há um sintex que pode cambar abaixo de Mero e daqui para Gã Joaquim.

A cambança processa-se sem grandes percalços. Anoitece quando o último pelotão entra em Missirá. Propositadamente, somos nós. O acolhimento é ruidoso, consigo disfarçar a emoção, entro em Missirá como se estivesse em Taibatá, Samba Juli ou Madina Bonco. Mas os Soncó e os Mané são gente inconfundível, vêm açodados partir mantenha, trazem papaia e água fresca, Malã e Lânsana disputam a minha companhia. Evito falar das obras e melhoramentos, concentro-me em perguntas acerca dos ausentes e das crianças. E peço para descansar, deito-me em cima de uma manta até às dez da noite, na morança do Príncipe Samba. Levanto-me com energia redobrada, olho para o céu estrelado e para a prata fulgente da lua e é então que pressinto que vamos viver uma operação inesquecível.

Desta vez precavi-me, desde que entrei em Missirá não paro de falar com Cibo Indjai, um verdadeiro conhecedor da região, proponho que ele e Queta Baldé sigam na frente, depois os bazuqueiros Abdulai Djaló e Mamadu Djau, eu e Cherno, logo a seguir Sadjo Seidi e Tunca Sanhá, dois exímios apontadores de dilagrama. Claro está, não vamos prescindir de Quebá Soncó, o guia de Missirá, mas confio que Cibo nos indique o mais rapidamente possível o caminho mais curto para Belel. Ficara combinado, quando bifurcássemos, seria a separação do nosso destacamento com a tropa de Bafatá para Belel e a CCaç 12 seguiria com o Pel Caç Nat 54 para Madina. Na separação dos destacamentos, Cibo viria connosco e Queta Baldé e Quebá Soncó iriam na vanguarda do outro destacamento para o Sul. Mas não aconteceu nada disso.


(iii) O que se diz na sala de operações não se escreve no terreno


À hora aprazada, muito antes da meia noite excepcionalmente quente, abandonamos Missirá, temos a vida aparentemente facilitada pelo luar, está uma noite quente, Queta Baldé na dianteira leva-nos de Cancumba para Paté Gide. Aqui surgem as primeiras dificuldades, a velha tabanca foi tomada pela natureza, mesmos os trilhos que existiam para Salá desapareceram na alta e insondável vegetação. Mas não perdemos mais tempo, guiados pelo instinto os nosso picadores levaram-nos até Sancorlá e daqui os guias orientaram-se até Salá.

É uma marcha bastante silenciosa, sob um calor atabafante, é madrugada e o suor oleoso escorre pelo corpo, cola-se à farda, a coluna progride a bom ritmo, os alvores do dia surpreendem-nos já em Salá e daqui inflectimos para Quebá Jilã. Vamos prudentes, foi aqui que em 4 de Fevereiro do ano passado capturámos Aruma Sambu. Mas não há trilhos à vista, tudo parece mato virgem. É neste impasse que Cibo, imprevistamente, me manda chamar: os seus olhos sempre ágeis, indicam-me que há ali um trilho, está bem sulcado mas a natureza é acidentada à volta, impossível formar duas colunas.

Faz-se um auto, peço aos dois capitães que me dêem instruções. São coincidentes: vamos para o Sul até se perceber se entrámos, ou não, no corredor do Oio, compete ao PCV dar-nos indicações mais precisas. O calor é imenso, inabitual àquela hora, progredimos cautelosamente quando surge uma nova contrariedade: em frente a Madina arde o capim seco, é uma extensa cortina de fumo, não há possibilidade alguma de perceber onde se acantona o inimigo ou, até, se estamos referenciados. O que fora ditado na sala de operações é contraditado por aquele fogo imenso.

Nisto, recebemos ordem do avião para contornar a queimada, os destacamentos devem continuar juntos é melhor seguir na direcção Sul-Norte, os destacamentos devem progredir em direcção a Belel, há trilhos um pouco mais adiante à nossa frente, assegura com firmeza o PCV. E, de facto, apareceu um caminho largo, uma picada cheia de marcas de presença humana, até o sulco do rodado de bicicletas era perceptível. Depois, voltámos a marchar dentro de uma floresta densa, um copado frondoso que nos protegia da fornalha do sol. As horas passam. Uma força descomunal toma conta de mim, na minha cabeça posiciono o Pel Caç Nat 52 em posição de ataque. Ponho-me ao lado de Cibo e vou fazendo perguntas.
- Sim, alfero, estamos muito perto de Belel, vim aqui muitas vezes, são mais três voltas de caminho e estamos lá, na velha tabanca.

Tomo providências: o Queirós que prepare o morteiro 81, a companhia de Bafatá logo que haja fogo que disperse para a direita, onde tem visibilidade sobre o outro lado da mata, podendo ripostar fogo e desorganizar a reacção do inimigo; se detectarmos o acampamento, nada de contemplações, há que espalhar o terror com as bazucas e com o fogo dos dilagramas, a seguir entramos em Belel e começará o ataque quando o acampamento estiver destruído. Ordeno ao Cascalheira e ao Ocante que vão atrás falar com os dois capitães e com o alferes de Missirá. A CCaç 12 e o Pel Caç Nat 54 que não se precipitem a foguear, esperem que entremos em Belel. São quase duas da tarde, é como se estivéssemos numa frigideira.

(iv) O ataque e a destruição de Belel


Os moradores de Belel estavam a dormir mas um sentinela disparou o seu RPG2 a escassos dez metros da nossa entrada na clareira, sendo imediatamente abatido. Os meus bravos soldados desencadeiam um ataque fulminante, atordoador, ribombam os estoiros das bazucas e dos dilagramas, abrimos em leque e metralhamos as casas e os seus habitantes. Ouvem-se imprecações de desespero, o morteiro 81 com o hábil Queirós vomita a morte sobre uma força em fuga, tudo me parece estranho, retiram sem armas e não são propriamente população civil.

Grito até enrouquecer, Belel está a arder, continuamos a abrir e a cercar, bate-se a mata, continuo a gritar por mais fogo, não quero que o inimigo se concentre, percorro Belel com todas as suas casas de mato a arder, os cadáveres espalhados com os olhos ainda surpresos, os gritos de dor confundem-se com a gritaria da caçada humana. Mamadu Djau puxa-me pelo braço e mostra-me armas carbonizadas, é melhor não entrar nas barracas não se sabe se não há lá granadas. Alfaias agrícolas, pilões, peças de roupa, bicicletas destruídas, juncam o chão do revolto campo de batalha.

Continuo aos gritos e chamo o sargento Cascalheira e ordeno-lhe que transmita aos capitães que vamos continuar numa pequena perseguição, despejando fogo sobre a mata, aguardo instruções para a retirada. Na fumarada de Belel que se extingue, pergunto se temos feridos. Bem à vista está Sadjo Seidi com feridas no peito e um braço estilhaçado até à mão. Não me parece grave, mas há que ponderar a sua evacuação. Os dois capitães mandam informar que propõem a retirada, é temerário continuar no corredor do Oio onde ignoramos tudo. E prontamente Cibo Indjai investe num corta-mato com passo estugado, caminhamos para Oeste, flanqueamos Quebá Jilã procuramos passar ao largo de Madina.

Momentos depois, começava o nosso calvário: afinal, há mais um ferido, trata-se de um soldado da CCaç 12, depois ouvem-se gritos de gente em debandada por causa de um enxame de abelhas, comunicam-me que os carregadores largaram as munições, faz-se um auto já em atmosfera caótica, proponho que se procure ligar o rádio e pedir a evacuação dos feridos, os capitães estão de acordo.

Enquanto isto se passa vejo como a falta de água está a fazer os seus estragos, a dizimar todas as energias. Animo o Teixeira a pôr o Racal a funcionar, vamos ter imediatamente sorte, prometem-nos uma evacuação em breve. Dá tempo para avaliar o estado de ansiedade e as ameaças de desidratação daquele enorme contingente que marcha numa desorganizada coluna. E peço licença para aproveitar a vinda do helicóptero e ir buscar garrafões de água a Bambadinca, onde ficaram os feridos. Os capitães concordam de novo e peço ao Teixeira para informar Bambadinca que ponha rapidamente na pista o maior número possível de garrafões.

Chega e desce o helicóptero numa clareira onde puséramos telas , salta o Vidal Saraiva que fica em terra enquanto eu subo com os dois feridos. A máquina ganha balanço para subir quando uma rajada despedaça alguns vidros, o piloto grita que nos seguremos bem, o zunido dos motores tomam conta dos sentidos, o helicóptero parece um animal ferido que caminha de lado e pela primeira vez na minha vida vejo a mata, a extensíssima floresta que une o Cuor ao Enxalé, a escassos metros, de cima para baixo, é nesta posição que passamos ao lado do Xime, lá dentro balouçamos com a ventania quente que se infiltra, o animal ferido só se endireita para aterrarmos em Bambadinca.

(v) Desencontros do helicóptero com o Teixeira das transmissões


Os garrafões estão a chegar à pista, como está a chegar um jeep com Jovelino Corte Real. Sai colérico com esta ideia de se interromper uma operação para vir buscar água, nem cuidou de olhar para os feridos que estão a ser transportados para a enfermaria. Cedo ao cansaço e às emoções, e pela primeira e última vez elevo a voz ao comandante de Bambadinca:
-Se quer ver os resultados, suba comigo e venha até Belel. Tem lá os caminhos cheios de sangue, ninguém nos esperava, foi uma mortandade. A tropa está cheia de sede, todos nós nos esquecemos de levar jerricans de água. Não interfira nesta operação, é um momento doloroso, temos mais de dez quilómetros até chegar à estrada e pedir auxílio ao Enxalé. Não aceito nenhuma das suas críticas, se quer ver como é que estão os seus homens, venha comigo.

Dou comigo aturdido por esta estridência verbal. Felizmente, Jovelino Corte Real responde:
- Ainda bem que está a ser uma boa operação. Não se perca no caminho, felicidades para a última etapa.

O piloto explica-me que só aquele motivo de força maior justifica que ele vá com os vidros estilhaçados deixar-me algures, na mata, com os garrafões, qualquer coisa como vinte a trinta. E lá regressámos ao Cuor, num ângulo estranhíssimo, vejo tudo inclinado, os Nhabijões, o Geba lamacento, o planalto de Mato de Cão, depois a floresta galeria do Cuor, não sei se perto de Madina, se perto de Belel o piloto desce, pousa numa lala e diz-me:
- Desça e tire os garrafões, depressa!

Com o ânimo já serenado, perguntei-lhe:
-Você quer que eu fique aqui com os garrafões à espera de quem? Até agora ninguém respondeu à sua mensagem, você escolhe um sítio ao caso e não se interroga que isto não é um filme de aventuras?

Olhando-me furibundo, respondeu-me:
- Não tenho culpa do rádio avariado, vou largá-lo no Xime, aí procurem contactar a gente da operação, eu tenho que partir para Bissau para reparar o helicóptero.

E minutos depois aterrámos no Xime, puxei por vinte a trinta garrafões para o solo, angustiado por ter bebido água e ter água para trezentos homens com quem não se podia comunicar.

Conversei com o Queta Baldé há dias, antes de escrever sobre a Tigre Vadio, pedi-lhe o relato das suas impressões, sobretudo a retirada quase apocalíptica com gente que parecia em delírio, a beber água das poças, a gritar por água. Ele rememorou a coluna interminável, a descoberta completamente imprevista da picada para Belel, a sorte que tínhamos tido em termos chegado ao acampamento pelas duas da tarde, o ataque brutal dos bazuqueiros e o fogo dos morteiros, o comportamento heróico de Mamadu Camará e de Serifo Candé metralhando e afugentando os resistentes em Belel.

Erguendo as suas mãos que falam e documentam a narrativa, Queta explica-se como se tivesse transformado num livro aberto:
- Nosso alfero, tivemos sorte demais, nem nos Comandos voltei a ter tanta sorte como naquele dia em Belel, eles estavam a fazer a sesta quando nós irrompemos e destruímos tudo, em fúria, não era possível responder-nos. Naquele dia entrámos pela primeira vez no corredor do Oio como vencedores. Foi um grande sofrimento a retirada, mas foi preferível chegarmos doentes e sem mais feridos graves a ter continuado no trilho para Madina e sermos continuamente emboscados. Cibo Indjai escolheu bem o caminho da retirada. Mas esta foi muito dura, tínhamos gente picada pelas abelhas, gente que gritava e chorava a pedir água, felizmente que o Cibo agiu sem hesitação, escolheu o corta mato que desnorteou o grupo de Madina, caminhámos sempre até ao anoitecer, íamos procurando animar-nos uns aos outros, ficámos perto do Enxalé, onde só entrámos já com a luz do dia. Depois de bebermos e comermos, a gente do Enxalé levou-nos até ao Geba e daqui atravessámos até ao Xime. Pensei muito naquela operação, a canseira e os muitos mortos. Só à minha conta contei quinze. Há heróis a combater e há heróis que ajudam os combatentes. É pena que na guerra se esqueça o trabalho dos maqueiros a consolar e a tratar os feridos.

Ao amanhecer, no Xime, assisto à chegada das tropas em esgotamento físico e psicológico. É um espectáculo patético, aguento tudo a pé firme, eu também me reprovo. A todos peço desculpa por não lhes ter levado a água prometida. Foi um final duríssimo da operação, não me consolaram os resultados da Tigre Vadio, naquela noite no Xime, rodeado de vinte a trinta garrafões de água, senti profundamente o descaso de um helicóptero desnorteado e de um rádio que não funcionava. Voltava a aprender que a falta de comunicação, mesmo por milímetros, priva os homens de terem acesso à água que nos mantém vivos. Quando nos comunicam a mensagem do comandante chefe a congratular-se com os resultados da operação, ninguém levantou a cabeça, todos teriam preferido água a tempo e horas. No meio daquela balbúrdia, descorei o comportamento dos meus bravos soldados. Foram eles que destruíram Belel.

Vamos parar um dia, a seguir partimos para a ponte de Udunduma. A 9, regressaremos ao Xime para bater novamente a foz do Corubal e a Ponta do Inglês. Será a Pavão Real. De permeio, andaremos pelo Cossé e por Badora. Eu escrevo para várias latitudes a falar do meu casamento, aprazado para 16, pelas seis e meia da tarde, na Catedral de Bissau. Com os pés em chaga, leio, devoro livros, oiço Beethoven, as suas sonatas para piano interpretadas pelo genial Willhem Kempff. É uma sensação de euforia, ir rever a mulher amada. Medito no sofrimento que foi a Tigre Vadio.

Irei aprender também que a fronteira entre a paz e a guerra, a fronteira entre a acalmia e a inquietação, é difusa e também pode fazer sofrer. Como irei procurar explicar. Em Bissau irei viver as doçuras do reencontro. Mas sabia que eu estava transformado num tigre vadio, tinha os meus homens a combater, não muito longe.
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. poste de 5 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2810: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (30): O Xime, sem ferro mas com fogo...


(2) Vd. postes de:

29 de Junho de 2006 >Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)

27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças) (Luís Graça)

(*) Em tempos escrevi e reescrevi a minha versão, pessoalíssma, dolorosa, como a tua. Na linguagem que me é mais confortável, com aquela liberdade que é permitida aos poetas e aos aprendizes de poeta. Permite-me, Mário, pela tua parte, que, usando (e abusando) do teu tempo de antena, e à pala do tua soberba evocação da Op Tigre Vadio, venha colar, no rodadapé do teu poste, este meu tosco relim.

Vd. poste de 1 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P930: O Relim não é um Poema (a propósito da Op Tigre Vadio) (Luís Graça)

1. Extractos de : História da Unidade: BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Bambadinca: Batalhão de Caçadores 2852. 1970. Cap. II. 145-146.

Op Tigre Vadio

Iniciada em 30 [de Março de 1970], às 7h00, com a duração de 2 dias, para fazer um patrulhamento conjugado com emboscadas e batida na região do Cuor/Madina.

Tomaram parte na operação os seguintes destacamentos:

Dest A: CCAÇ 2636 a 2 Gr Com, reforçada pelo Pel Caç Nat 52

Dest B: CCAÇ 12 a 3 Gr Comb

Dest C: Pel Caç Nat 54 + 1 Esq Mort 81 / Pel Mort 2106

Relim:

Op Tigre Vadio terminou 1 [de Abril], 13h00. Regresso quartéis terminado 1, 16h30. Aproximação dificultada partir 31, 8h00 queimada linear feita IN. 31, 14h00, detectado acampamento região Belel (Mambonco 7I4-97) oito moranças com colmo sete adobo.

IN reagiu PPSH e RGPG-2 cerca de 2 minutos, sofrendo 15 (quinze) mortos confirmados, vestígios sangue 10 (dez) feridos graves. Verificado após incêndio acampamento 6 PPSH queimadas.

Destruídos meios vida. NT sofreram 2 feridos ligeiros. Batida Mort 81 mata (Mambonco 8H5- 17) ouvidos muitos gritos de dor. Fuga IN direcção (Mambonco 8G6 -32).

31 [de Março], 17h00 encontrada cadeira vigia e 2 granadas RPG-2 (Bambadinca 1A8-95). Gr[upo] IN estimado 6/8 elementos emboscou NT 2 LGFog, RPG-2 e PPSH cerca de 5 minutos.

IN fugiu reacção NT impossibilitadas perseguição virtude forte ataque abelhas causou diminuição física bastantes elementos. NT tiveram 1 ferido ligeiro e 1 ferido grave, 1 doente grave esgotamento.


Transcrição MSG 1404/C Com-Chefe (Oper): COMCHEFE MANIFESTA SEU AGRADO REALIZAÇÃO RESULTADOS OBTIDOS OP TIGRE VADIO.


2. Comentário de L.G.:



Relim não é poema

Participei nesta operação,
a Operação Tigre Vadio,
que era pressuposto durar dois dias.
Um passeio a Madina/Belel.
Um patrulhamento ofensivo,
a travessia de um rio,
uma excursão a um santuário da guerrilha,
uma visita de cortesia,
aos homens do mato,
ali tão perto,
para retribuição de outras visitas de cortesia
que eles nos faziam,
aos destacamentos de Missirá e de Finete,
e à navegação do Geba Estreito.
Em boa verdade,
só te faltou o autocarro autopulman,
com ar condicionado
e bar aberto.

Éramos só tropa-macaca,
como convinha,
sempre era mais barato:
pretos de primeira da CCAÇ 12
e do Pel Caç Nat 52,
mais alguns brancos de segunda,
os açorianos
da vinte e seis trinta e seis.
Levámos dois cantis de água por cada G-3 (...).

O que é que um gajo pensa,
aos vinte três anos,
de Missirá a Salá
e daqui a Sancorlá,
em bicha de pirilau,
de noite,
escuro como breu,
a alma tensa,
o corpo lasso,
o capim mais alto
que as searas de trigo da tua terra,
a fustigar-te as trombas ?
Um gajo não pensa nada,
não tem tesão
para pensar,
apenas para sobreviver
a mais um operação...

Era pressuposto haver um reabastecimento
no dia seguinte,
como manda o mais elementar bom senso
e a experiência operacional do passado
(vd. Op Lança Afiada
em que um cada seis foi evacuafdo).

Caminhámos toda noite.
Penosamente.
Era pressuposto a guerra parar
às dez horas da manhã.
Às dez em ponto.
Porque o clima é quem mais ordena,
e não o relógio do comandante.
Cortaram-nos as voltas.
Os tipos do PAIGC
(não me apetece dizer IN)
cercaram-nos pelo fogo.
E quanto a Deus
e às abelhas selvagens da Guiné,
a gente nunca sabia exactamente
de que lado estavam.

Temerariamente,
decidimos brincar ao gato e ao rato.
catorze horas, no píncaro do dia,
com uma temperatura brutal
e os cantis vazios...
Havia ali uma dúzia de casas
de colmo e de adobe,
mesmo a jeito ou por azar,
para a gente despejar
as nossas granadas de bazuca
e de morteiro oitenta e um.

Nós, quem ?
O major da Dornier, do PCV,
a quem as casas estragavam a vista
nos seus passeios matinais
pelo corredor do Oio.
Ainda não havia os Strellas,
a temível arma dos arsenais
do inimido,
que haveriam de pôr o homem
borrado de medo
e definitivamente em terra.

Alguém puxou dos galões
e decidiu fazer um golpe de mão.
Ou melhor: mandar fazer,
que eu nunca vi nenhum cão grande,
de capitão para cima,
andar cá em baixo,
com a tropa-macaca,
com a puta da canhota nas mãos.

A escassas semanas de acabar a comissão.
P'ra ficar bem na fotografia.
E para pôr no curriculum vitae
e impressionar o Caco...
Um senhor major qualquer
do BCAÇ 2852,
que gostava de andar de Dornier
e que queria chegar a tenenente-coronel.
Um herói de opereta.

Quem ?
Quem é que manda nesta merda,
quem comanda esta tropa-macaca ?
É uma imensa cobra
que se desloca nas terras do Infali Soncó,
espantando os bichos e os irãs,
destruindo tudo à sua passagem.
Não se lhe vê nem o rabo
nem a cabeça.

Entretanto, já alguém,
o Beja Santos,
o nosso Tigre de Missirá,
tinha ido buscar, de heli,
o reabasteciemnto de água
a Bambadinca.
Não voltou.
Alguém dos nossos (?!) terá,
intencional ou inadvertidamente,
disparado uma rajada que atingiu o heli
(soube isto agora,
pelo relato dramático do Beja Santos).
O heli foi para Bissau, para a oficina,
e o Beja Santos ficou retido no Xime.

A verdade é esta:
O PCV falhou, o heli falhou.
O cadeia de comando quebrou-se.
Ou porventura alguém quis matar
o Tigre de Missirá.
O ataque de abelhas fez o resto,
enquanto o cabrão do comandante do PCV
foi bater a sesta em Bambadinca.

No regresso ao Enxalé,
sofremos brutalmente.
Eu sofri,
que a dor não para dá
para partilhar.
Sofri brutalmente a desidratação,
o esgotamento físico.
A insolação.
O absurdo.
A desumanidade.
Tive miragens.
Bebi o próprio mijo,
esgotado o soro.
Mastiguei as ervas do orvalho,
esgotada a água.
Desesperei,
perdida a esperança.
Bebi sofregamente a água choca dos charcos.
Amparei os mais desgraçados do que eu.
Transportei os nossos feridos.
Consolei os mais desesperados.
Fiz as minhas obras de misericórdia,
segundo o Evangelho de São Mateus.
Não deu nenhum tiro de misericórdia
porque nunca dei nenhum tiro em combate.
Mesmo cristãmente,
odiei o PCV,
Bambadinca,
as fardas, os galões,
a tropa, a guerra,
Herr Spnínola,
a Guiné.

Um homem,
mesmo o cristão que eu não sou,
tem que odiar
para sobreviver.

Amigos e camaradas,
depois de tantos anos,
releio o relim
e há qualquer coisa que mexe em mim.
O relim não é um poema.
Um poema épico ou dramático.
É sim, tão apenas,
Um esquema telegráfico
da guerra
para os senhores que estão em terra.

O relim faz economia
dos quilos de merda
que destilaste,
que destilámos.
Das miríades de abelhas kamikazes
que arrancastes do cachaço.
Dos gritos de dor
que ecoaram pelas matas de Madina/Belel.
Dos teus gritos
e dos gritos dos desgraçados elementos pop
que morreram à hora da sua sesta.
Das paredes do estômago
coladas uma à outra pela fome, a sede.
A lassidão do corpo, a tensão da alma,
sem um colchão
para te estirares,
sem um ombro amigo
para morderes de raiva.

Não, nunca mais irei esquecer Madina/Belel.
Eu e mais 250 homens combatentes
(oito grupos de combate),
fora um número indeterminado de civis, nativos,
contratados ou arrebanhados
como carregadores
(para transporte à cabeça,
como no tempo do Teixeira Pinto,
de granadas de morteiro,
de bazuca,
de jericãs de água, etc.).
E que largaram tudo,
ao primeiro ataque
do exército das abelhas do Cuor,
quiçá treinadas na China.

Ah, esqueci-me de mencionar o médico
da CCS do BCAÇ 2852,
o Alferes Miliciano Médico
Saraiva (tinha esquecido o nome),
que o Beja Santos
deve ter conseguido aliciar
à última hora,
face aos casos graves de desidratação,
insolação,
intoxicação...
O pobre do doutor
(ninguém tratava ninguém por doutor
lá no cu do mundo,
longe do Vietname)
ficou em terra,
perdeu a boleia do heli
e conheceu o inferno do Cuor.

Meus senhores,
o Relim não é um poema,
é um exercício de economia,
um tratado
de estética,
um compêndio de gramática,
um fait-divers com que se brinca,
um escarro na cara do Zé Soldado,
entre duas partidas de King
na messe dos oficiais de Bambadinca.

Que nos valha, ao menos, o RDM,
o Regulamento de Disciplina Militar,
é mais grosso,
tem mais papel,
é coisa que se vê
e que em último caso serve
para limpar... o cu.

Fonte:

Extractos do Diário de um Tuga.
Abril de 1970 / Julho de 2006

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2823: Dando a mão à palmatória (11): Operação Gavião, 5 de Abril de 1968, com as CART 2338 e 2339 (Torcato Mendonça / Beja Santos)

1. Mensagem, com data de 7 de Maio, do Torcato Mendonça, algo enigmática, procurando esclarecer (?) alguns pontos (obscuros...) da actuação das NT no decurso da Op Gavião (Sector L1, Bambadinca, Abril de 1968, ao tempo do BART 1904, 1966/68):

Meu estimadíssimo Tigre:

Falamos… em Monte Real… O Cascalheira corresponde. Era amigo do Zé Almodôvar, etc. O Guia não foi no joelho [que foi ferido, foi morto] … Estás a imaginar a cervical... Pensa numa faca balanta (*)… O Saiegh seguia, no regresso, à frente com o grupo dele e eu, com o meu, à esquerda… A tua segunda memória não diz tudo. Não se escreve, fala-se… Falaremos.

O Tura morreu nos meus braços. Foi o primeiro e paro… Por que é o cheiro da morte, com sangue, doce ou adocicado ? Entranha-se e nunca sai.

Obrigado pelo texto sobre o Jacques Attali e outros. Manda sempore… Eu mando-te um abraço forte, extensível a quem nos ler. Quero estar a abraçar-vos breve, brevemente. O nosso caríssimo amigo Luís Graça tem as fotos. São de todos, se assim o entenderem.

Abraços do
Torcato Mendonça


2. Mensagem do Beja Santos, com data de 8 de Maio:


Mendonçal e Torcatal figura, camaradas: 

Uma rectificação em prol da verdade. Entraram-me à noite em casa numa gritaria crioula o Queta e o Cherno, as minhas duas memórias de conselho permanente. Durante a tarde, habituado que estou a conversar com os vivos e os mortos neste romagem a 40 anos atrás, dei comigo a conversar com o Saiegh, ele falava-me entusiasmado com a Operação Gavião, eu sabia que ele lá tinha estado, até porque o Pel Caç Nat 52 se chamava os Gaviões, certamente homenagem do Saiegh a esta operação.

A meio da tarde, ciente de que tinha conversado com o Saiegh, ciente que o furriel Vaz não podia ter ido na operação, tinha sido punido e deslocado para a zona de Geba de onde foi levado por forças do PAIGC, pedi aos meus conselheiros que viessem clarificar tudo. 

Quebá Soncó foi mesmo ferido, a entrada em Madina foi suave, vocês mandaram canhonadas (entenda-se morteiradas) sobre Belel. Lamento a falta de precisão e dou comigo a pensar porque é que não registamos os depoimentos de todos os Chernos e Quetas, a História vai perder a riqueza destes testemunhos. Seria interessante publicar-se o relatório da operação.

Um abraço para todos,

Mário Beja Santos

3. Mensagem do editor, L.G., enviada atraés da tertúlia:


Caríssimos, Mário e Torcato (c/c Henrique Matos e Carlos Marques dos Santos):

Vou rectificar, até por que também meti os pés pelas mãos, ao sugerir que o TM já estava xoné (ou, em alentejano, alzheimariado…) ao trocar a CART 2339 (que era a dele) pela CART 2338 (irmã gémea)… Ora, estas duas unidades participaram na Op Gavião (5 de Abril de 1968) bem como noutras operações, conjuntas, no Sector L1 (Bambadinca), embora a CART 2338 estivesse sediada em Nova Lamego… Mea culpa… Isto dá direito a palmatória… Um Alfa Bravo. Luís


PS – Vou ver se alguém tem o relatório da Op Gavião, que deve constar da história do BART 1904 (que anteceu o BCAÇ 2852, em Bambadinca) bem como da história da CART 2338 e/ou da CART 2339. 

Já em tempos publiquei um poste do Carlos Marques Santos, ex- Fur Mil da CART 2339, onde há um relato pormenorizado da Op Gavião (era sempre dramático andar pelo Cuor, até Belel, quanto mais a Madina…). Vou republicar este texto (memorialístico)… 

O CMS foi um activíssimo e precioso colaborador da 1ª Série do nosso blogue (que já fez três anos, em abril passado…), que por razões de saúde tem andado um pouco mais afastado das lides bloguísticas (mas vamos ter oportunidade de lhe dar um grande Alfa Bravo, em Monte Real). Foi ele que pescou o TM para a nossa tertúlia.

30 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXIII: Diário do CMS (CART 2339)(1): Um homem ficou para trás e não há voluntários para o ir buscar...


PS - Já agora, Mário [Beja Santos] e Henrique [Matos], digam-se se houve mortos vossos, sepultados in loco, em Missirá, no Enxalé, em Porto Gole… Sei que houve, no meu tempo e do Mário, um soldado do Pel Caç Nat 52 que desapareceu no Rio Geba… Os vossos mortos guineenses onde foram sepultados ? Em Bambadinca ? Nas terras natais ? Vd. lista do A. Marques Lopes que foi acabada de publicar e donde não constam… os portugueses guineenses… LG
__________

Nota dos editores:

(*) Vd. poste de 7 de Maio de 2008 >
Guiné 63/74 - P2817: Blogoterapia (51): O Alentejo do Casadinho e do Cascalheira, o Tura Baldé, a Op Gavião... (Torcato Mendonça / Beja Santos)

(...) Resposta do Beja Santos (ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):

(...) Tempos depois a Operação Gavião, em Abril de 1968. Participaram a companhia do Enxalé (capitão Pires, Zagalo Matos e outros), a tua companhia [a CART 2339] e os Pel Caç Nat 52 e 53. Inicialmente, estava destinado a ser uma operação de 5 dias, ficou-se em menos de três.

Vocês saíram do Enxalé, numa lala perto de Madina, Tura Baldé, um milícia de Demba Taco, ao beber água numa fonte encontrou-se com um soldado do PAIGC que lhe deu um tiro, desacasos da fortuna. Na operação Gavião, o guia era Quebá Soncó, o filho primogénito do régulo Malã, que foi atingido por um tiro numa rótula, foi-lhe amputada a perna" (...).

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2817: Blogoterapia (51): O Alentejo do Casadinho e do Cascalheira, o Tura Baldé, a Op Gavião... (Torcato Mendonça / Beja Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 > 1968 > Fotos Falantes II > O Casadinho, bazuqueiro, do Grupo de Combate do Alf Mil Torcato Mendonça, morto estupidamente num acidente de viação na estrada Bissau-Bissalanca... Está sepultado no cemitério da sua terra natal, São Matias, concelho de Beja.

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Torcato Mendonça (ex-Alf Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69):

 Meus Caros Editores: Há cerca de duas semanas segui o voo contrário ao das aves nesta época do ano. Ou seja, rumei ao Sul até onde a terra acaba e o oceano começa... Por lá andei a coscuvilhar, a trabalhar e a sentir terras que amo. Apresentei-me hoje ao serviço, lendo ao correr da rodinha do rato os escritos, os e-mail e entrando em rotinas de vida… Ontem atravessei o Alentejo. A partir da zona de Castro Verde abandonei a Auto Estrada, rumei a Beja, parei no cemitério de S. Matias e visitei o Casadinho (1)... 

Falei, esqueci-me do tempo, com gentes de lá, um oficial do exército no activo, um ex-combatente de Guileje e Gadamael, uma mulher espantada com um regador na mão… Saí e já me vinham chamar, senti um aperto até Évora. Passei o volante à mulher e vim deixando o Alentejo para trás; o Algarve há muito que abalara… D cante alentejano: …Abalei do Alentejo, / olhei para trás chorando, /Alentejo da minha alma, / tão longe me vais ficando… 

Coisas da vida e segue que há muito a fazer aqui na Beira… Li o escrito do Beja Santos (2) e lembrei-me: 

 (i) O Cascalheira não era um Sargento Miliciano de Beja? 

 (ii) Ao Poidom [ou Poindom, como vem na carta do Xime ? A gente dizia Poidão, L.G.] fui várias vezes. Bonita a paisagem e os arredores. Na picada haviam uns cajueiros com minas por baixo… diziam as más-línguas. Certamente para algum, mais esperto, se ir servir ou abastecer, o melhor era passar de lado… 

 (iii) Em Abril de 68, com a CART 2339 [ e não com CART 2338, como certamente por lapso menciona o TM; era uma irmã gémea, que esteve também também na Zona Leste, mas em Nova Lamego] e os Pel Caç Nat 52 e 53, saímos do Enxalé e partimos [em direcção a ] Madina, Belel, Sinchã Camisa... 

O IN teve baixas confirmadas, apanharam-se umas armadilhazinhas, nada de especial. O Saiegh ia lá e um Alferes que tu, Beja Santos, foste substituir (Ou era do outro Pelotão? Mário, põe a tua segunda memória a funcionar. Dou uma pequena achega, morreu o milícia do Xime, Tura Baldé – conversou com o IN pensando serem das NT e levou um tiro)... As abelhas atacaram e a fuga de alguns deu assalto a casa de mato, qual?... 

Não me lembro. Mas foi um assalto giro, tivemos várias flagelações e, na última, vítima de susto faleceu o Guia… Sem tecto arrastámos gente sã, feridos e vítimas de abelhas até S. Belchior. Aí as viaturas do Enxalé transportaram os incapacitados. Operação Gavião. Não vou ver as Cartas e, menos ainda o Historial da CART 2339, fico-me pela minúscula agenda e meninges… mais acertadas? … Parece-me que sim! 

 Nem vou ler o que escrevi. Tudo para dizer – estou vivo (não se recomenda); fazer uma ou duas perguntas ao Beja Santos e a todos dar um forte abraço do, Torcato Mendonça Apartado 43, 6230-909 Fundão 

 2. Resposta do Beja Santos (ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70): 

 Minha Mendonçal e Torcatal figura: Vens do Algarve e do Alentejo e resolves atirar-me uma curta rajada, não és peco a pedir esclarecimentos. 

 (i) O Manuel das Dores Tecedeiro Cascalheira era sargento de infantaria (do quadro permanente ou miliciano, não sei) e dos arredores de Beja. Militar destemido mas de muito mau vinho (pelo menos na altura). Deu-me dores de cabeça com uma zaragata no Gabu, algumas arruaças em Bambadinca, guardo no coração a forma destemida como me ajudou em diferentes operações, colunas e patrulhamentos. 

 (ii) Mudando de assunto, é o que dizes, o Poidom tem uma lindíssima paisagem. Estava cultivada, ali nas barbas do Xime, com bons trilhos para ir foguear, junto a Ponta Varela, embarcações civis ou militares. Ao certo, as minas estavam mesmo na estrada para a Ponta do Inglês ou no acesso a alguns dos acampamentos. 

 (iii) Tempos depois a Operação Gavião, em Abril de 1968. Participaram a companhia do Enxalé (capitão Pires, Zagalo Matos e outros), a tua companhia [, a CART 2339,] e os Pel Caç Nat 52 e 53. Inicialmente, estava destinado a ser uma operação de 5 dias, ficou-se em menos de três. 

Vocês saíram do Enxalé, numa lala perto de Madina, Tura Baldé, um milícia de Demba Taco, ao beber água numa fonte encontrou-se com um soldado do PAIGC que lhe deu um tiro, desacasos da fortuna. Na operação Gavião, o guia era Quebá Soncó, o filho primogénito do régulo Malã, que foi atingido por um tiro numa rótula, foi-lhe amputada a perna. Não ia o Saiegh mas os furriéis Vaz, Altino e Monteiro (o Saiegh chegou em finais de Maio de 1968, o alferes Azevedo já estava em Bissau, eu só cheguei em 4 de Agosto). 

Falas em que "partiram" Madina, Belel e Sinchã Camisa, para Queta Baldé e Cherno Suane, não foi bem assim. Com o tiroteio para tentar liquidar o executor de Tura Baldé, Madina esvaziou-se, o que vocês encontraram foi milho, roupas, esteiras, pilões e coisas parecidas. Para os meus informadores, não havia rasto de gente ferida ou morta. Quanto a Belel, a única vez que se lá entrou pelas picadas e com tropa do Exército foi no Tigre Vadio, em finais de Março de 1970 (3).

 Podes perguntar ao Luís Graça como tivemos sorte e como foi muito doloroso. 

Despeço-me com a esperança de te ver em Monte Real, tenho um projecto para debater contigo, para aproveitarmos as tuas belíssimas fotografias. E vê lá se acabas com essa conversa mórbida em que andas a dizer que não se recomenda que não estejas vivo, precisamos do teu azedume, da tua indignação, da tua heterodoxia. Um abração de estima, Mário.

  __________ 

Notas dos editores: 


 "Faço aqui um parêntese para contar breve história deste militar [, o Casadinho]: "Era o Bazuqueiro do grupo. Alentejano de S. Matias, aldeola quase encostada a Beja. Cerca de dois ou três meses, após a chegada à Guiné, soube do nascimento da filha. Os meses passaram, o desgaste era grande e, como era necessário um militar da Companhia ir para Bissau – serviços de apoio logístico – foi indicado o Casadinho. Pouco tempo lá esteve. No dia 3 de Outubro, a dois meses do embarque, faleceu vítima de um desastre de viação na estrada para Bissalanca. Depois de quase dois anos de mato, muitas horas debaixo de fogo, morre, estupidamente, num acidente. Repousa no cemitério da sua terra natal. Nunca conheceu a filha. "Quando lá passo, no IP2, o carro, todos os carros que, ao longo destes anos tenho tido, abrandam sempre, aceleram e travam um pouco, num engasgar de soluço, de modo a que eu me possa voltar na direcção dele e o cumprimente. Nunca tive coragem de procurar a viúva ou a filha. Um dia..." (...).


sexta-feira, 22 de junho de 2007

Guiné 63/74 - P1871: Tabanca Grande (15): Henrique Matos, ex-Comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé, 1966/68)

Guiné> Zona Leste > Enxalé > Pel Caç Nat 52 (1966/68) > Foto do grupo

Foto: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do novo membro da nossa tertúlia, Henrique Matos, enviada com data de 16 de Maio último:


Caro camarada Luís Graça:

Não vou repetir o que outros camaradas disseram sobre a emoção de ter encontrado casualmente este Blogue. Já passei muitas horas a ler quase tudo, agora que tenho tempo com o estatuto de aposentado.

Como fui o 1.º comandante do Pel Caç Nat 52 e pisámos o mesmo chão - pelotão e o chão que o Beja Santos bem conheceu - aqui vai o meu pedido para entrada na tertúlia, juntando as fotografias da praxe e ainda uma do pelotão.


Identificação:
Henrique José de Matos Francisco, mais conhecido só por Henrique Matos
Posto: Alf Mil Art
Zona de acção: Enxalé - Porto Gole
Nado e criado na Ilha de S. Jorge, Açores

Luís Graça:

Em 10 de Agosto de 1966 (recordo-me por ter sido 4 dias após a inauguração da Ponte sobre o Tejo, então Salazar) embarquei para a Guiné no Rita Maria, na chamada rendição individual.

Depois Bolama, que foi o meu curto IAO, onde já me esperava o Pel Caç Nat 52, composto por pessoal metropolitano (Furriéis Milicianos Vaz, Altino e Monteiro e 1ºs Cabos Cunha, Castanheira e Pires) e o restante pessoal do recrutamento local englobando três 2ºs Cabos (um era caboverdiano, penso que se chamava Félix).

Passados alguns dias, saímos numa LDM para o Enxalé, ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca.

Na mesma ocasião também sairam de Bolama:

(i) o Pel Caç Nat 53, do Alf Mil Serra, que ficou no Xime em reforço à CCAÇ 1550;

(ii) o Pel Caç Nat 51, do Alf Mil Perneco, que foi para Guileje;

(ii) e o Pel Caç Nat 54, do Alf Mil Marchand, que foi inicialmente para Mansabá mas passado pouco tempo também foi parar ao Enxalé.

Este é o começo da minha história. Se me for permitido, continuarei...

Um grande abraço,
Henrique Matos

2. Mensagemd e boas-vindas do Carlos Vinhal:

Caro Camarada Henrique Matos:

Cabe-me a mim dar-te as boas vindas em nome do Luís Graça. Respeitaste as formalidades para ser admitido como camarada e amigo na nossa Caserna Virtual, enviando as tuas fotos, coisa que muitos que cá estão há mais tempo ainda não fizeram, e dizendo algo de ti.

Como poderás ver na página da nossa tertúlia, as normas de convivência entre nós são fáceis de cumprir. Longe vão os tempos do RDM. Aqui já não há postos e tratamo-nos por tu.

Esperamos de ti estórias e fotografias para enriquecer ainda mais o conteúdo do nosso Blogue.

Se puderes estar presente no nosso próximo encontro, possivelmente a acontecer ainda este ano, vais conhecer pessoalmente muitos de nós e aquilatar o bom ambiente que se vive quando nos juntamos.

Em nome do Comandante Luís Graça e de todos os tertulianos sê, pois, bem-vindo.
Recebe um fraternal abraço
O camarada
Carlos Vinhal


3. Mensagem enviada ao resto da tertúlia:

Camaradas e amigos:

De acordo com instruções do Luís apresentei em nome de todos os tertulianos as boas vindas ao novo camarada Henrique Matos. Anotem o seu endereço na vossa lista de contactos.

Já agora vem, a talho de foice, o seu bom exemplo ao enviar no seu mail de apresentação as fotos respectivas, para figurar na galeria dos tertulianos. Aos camaradas mais antigos que ainda o não fizeram, lembro que o devem fazer logo que possam.

Um abraço para todos

O Camarada
Carlos Vinhal
___________

Nota dos editores do blogue:

(1) Sobre a CCAÇ 1439 (madeirense) e a CCAÇ 1550, ver o relato autobiográfico de Abel de Jesus Carreira Rei, nascido em 1945, filho de operário vidreiro, ex-combatente da Guiné (1967/68), natural da Maceira, Leiria, e actualmente residente em Embra, Marinha Grande > post de 1 Maio de 2005 > Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa (Abel Rei)

Trata-se de um diário, com passagens seleccionadas pelo editor do blogue. Não consegui descobrir a unidade a que pertenceu (só seu que éuma CART, com quatro grupos de combate) . Com a devida vénia e os nossos agradecimentos (pela foto e pelos excertos de texto), aqui vai o endereço: Entre o Paraíso e o Inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné - 1967/1968). Diz o autor: "Esta é a história verdadeira que eu escrevi: não a história que eu gostaria de escrever". Trata-se de um diário que vai do dia 1 de Fevereiro de 1967 a 19 de Novembro de 1968. (LG):

Abel Rei

Fonte: © Carlos Barros (2005) (com a devida vénia...)

Portal da Marinha Grande




(...) "O nosso camarada (1º cabo, ao que depreendo da leitura) (...) partiu em 1 de Fevereiro de 1967 no N/M Uíge (...) desembarcou em Bissau, sob um calor sufocante, apanhou uma LDG, ouviu os primeiros tiros (dos fuzileiros, que abateram uma pretensa canoa dos turras) e, caso curioso, não desembarcou no Xime, mas em Bambadinca... No nosso tempo (1969/71) era impensável uma LDG aventurar-se pelo Geba Estreito (L.G.)

(...) Desembarcámos em Bambadinca pelas treze horas, e daí seguimos para Fá [Mandinga], onde iria ser o nosso primeiro aquartelamento na Guiné (...).


(...) "Em 21 de Fevereiro de 1967, o nosso homem está destacado no Xime, aquartelamento da CCAÇ 1550:

Neste quartel de Xime, onde temos permanecido desde a saída de Fá, está-se em contacto permanente com os indígenas, que vivem à entrada numa tabanca, com enorme população, sendo alguns deles soldados dum pelotão de nativos. Já percorri a mesma, e tive o primeiro contacto com as bajudas(raparigas adolescentes nativas), em companhia de camaradas mais velhos, que pertencem à Companhia de Caçadores nº 1550, cá destacada, e comecei a [papaguear] o crioulo. Como curiosidade tive nos braços um garoto mulato, talvez fruto da passagem dos primeiros militares brancos, por cá, no início da guerra.


"Em 25 de Fevereiro o autor vai em patrulha com a companhia estacionada no Enxalé, a CART 1439… O Enxalé ficava a norte do Rio Geba, em frente ao Xime (...). Escreve o nosso cabo, quando regressa de Porto Gole ao Enxalé:

Hoje pude avaliar quão grandes teriam sido as dificuldades que os nossos antecessores sofreram, e eu ainda terei de sofrer (?). A água, que costuma ser bebida com comprimidos e filtrada, bebeu-se por todos, sofregamente, sem olhar a limpeza e origem. Bebia-se todo o líquido que nos aparecia, quer nas poças do terreno, ou nos poucos cursos de água, fosse ele da cor que fosse!…

"Em 12 de Março, o baptismo de fogo na região do Xime. O autor não nos dá indicações precisas onde se desenrolou a operação, diz apena foi a este do Xime...

(...) "De 19 a 23 de Março, participa numa dramática operação ao Burontoni, na região do Xitole (Op Guindaste) (...).

(...) "Em 15 de Abril de 1967, as NT sofrem um duro revés em Porto Gole… 7 mortos:

Dia trágico, este, para quantos se encontravam no 'Inferno' de Bissá!

Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses de Mansoa, como muitas vezes estamos habituados
(...).

(...) "Em 14 de Maio de 1967, estamos em Bissá, um aquartelamento com oito abrigos, arame farpado e iluminação a… petromax!... E onde há alferes milicianos chicos (como também havia no nosso tempo!)…

"Por outro lado, vejam, no registo do dia 12 de Junho de 1967, como era perigoso brincar com armadilhas!

"Em 16 de Setembro, quatro mortos numa mina anticarro (...).

"Em Outubro de 1967 a série negra continua, com mais mortos (...)

"Em 29 de Novembro de 1967, há o relato de uam dramática operação à região de Madina [Madina / Belel, no regulado do Cuor]" (...)

(...) "No final de Dezembro de 1967, o nosso cabo Rei está destacado no Enxalé e a 23 relata a sua viagem a Bafatá, para fazer compras d Natal! (...).

(...) "Em Fevereiro de 1968, o nosso cabo goza as suas merecidas férias em Bissau, hospedado na pensão Chantre... Nesse mês, a base aérea de Bissalanca tinha sido atacado pelo PAIGC... E em frente a Bissau, Tite é atacada (...).

(...) "Em 1968, a escrita do diário torna-se mais rara. Em 1 de Junho de 1968 há outra dramática descrição de um contacto com o IN, de que resultou entre outras baixas a captura de um elemento das NT (...).

(...) "O último registo do diário são os preparativos para o regresso a casa, depois de 22 meses de comissão. E as últimas confidências, já escritas no N/M Uíge, em 19 e 20 de Novembro de 1968" (...)

O Diário do nosso camarada Abel Rei (de quem não tenho qualquer contacto, telefone ou email, apenas o do Portal da Marinha Grande onde o texto foi reproduzido) pode ser lido aqui, com todos os detalhes:

Entre o Paraíso e o Inferno (De FÁ a BISSÁ): Memórias da Guiné (1967/1968)

01/02/1967 a 07/02/1967

14/02/1967 a 18/02/1967

19/02/1967 a 21/02/1967

24/02/1967 a 26/02/1967

04/03/1967 a 05/03/1967

11/03/1967 a 15/03/1967

18/03/1967 a 21/03/1967

02/04/1967 a 04/04/1967

14/04/1967 a 17/04/1967

05/05/1967 a 12/05/1967

14/05/1967 a 15/05/1967

12/06/1967

10/09/1967 a 16/09/1967

08/10/1967 a 16/10/1967

29/11/1967 a 14/12/1967

30/12/1967 a 05/01/1968

01/02/1968 a 03/03/1968

01/06/1968 a 03/06/1968

10/11/1968 a 19/11/1968