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sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25087: S(C)em Comentários (26): Os últimos anos do Amadu Djaló foram de amargura e arrependimento? (António Graça de Abreu / Joaquim Luís Fernandes / Cherno Baldé / João Crisóstomo)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no seu livro de memórias, na pág. 149).


1. Estamos quase a acabar a publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015)... Sem nos queremos antecipar ao que nos falta ler, e perceber melhor o fim da sua hstória de vida como militar e como homem, aqui ficam as últimas três ou quatro linhas com que encerra o livro, "
 Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada).

(...) "Deixámos o passado para trás. Por quê o ódio? E a vingança? Qual é o destino da vingança? É a guerra! Qual o destino final da guerra? Estropiados, sangue, lágrimas, pobreza, suor, trabalho.

Vai demorar muitos anos para acabar com a pobreza." (...)


Entretanto, fizemos uma seleção de comentários ao Poste P25009 (*), em que o Cherno Baldé escreveu: "os últimos anos do Amad Djaló (...) devem ter sido de uma grande amargura e de arrependimento", afirmação que deu origem a vários comentários, de que aqui vai uma seleção (**). Falta-nos o testemunho fundamental do seu editor literário, camarada e amigo, o nosso coeditor jubilado Virgínio Briote:

(i) António Gaça de Abreu:

Conheci o Amadu Djaló, aqui em Lisboa, pouco antes dele partir, na viagem definitiva, e não me pareceu ser uma pessoa marcada por grande amargura e arrependimento, coisas que também não transparecem nos seus textos que o Virginio Briote alinhou.

Não estará aqui o Cherno Baldé a dar uma no cravo e outra na ferradura?

Abraço | António Graça de Abreu | 28 de dezembro de 2023 às 22:38



(i) Joaquim Luis Fernandes:

Este comentário, do respeitável amigo Cherno Baldé, não é de fácil compreensão.

Que havia oficiais, alguns superiores, que deixavam muito a desejar, no seu caráter humanista e de militares exemplares, nada a dizer! Até eu, disso me apercebi, infelizmente.

Que os Soldados Comandos da Guiné eram homens destemidos, leais e valorosos, ao serviço do exército português na Guiné, com várias motivações para se alistarem no BCMD da Guiné, é um facto bem evidenciado.

Agora dizer, que ficariam melhor ao lado do PAIGC, por troca com os guerrilheiros do PAIGC, que atentaram contra a vida de Amílcar Cabral... não entendo!

O que tinham de comum, com o exército português, Inocêncio Kanie e os seus companheiros, que vindos da base naval no Mar Negro, da antiga União Soviética, e regressados a Conákri se encontraram com Momo Turé e outros seus camaradas, para se constituirem como grupo conspirador?

29 de dezembro de 2023 às 11:32



(iii) Cherno Baldé:

Caros amigos,

Vocês, na qualidade de antigos combatentes, veteranos, que sentiram no coração, na carne e no osso as agruras da guerra da Guiné, estão melhor colocados para ajuizar dos desabafos e sentimentos de um ex-colega embora esteja convencido que poucos pudessem estar na sua pele de ex-soldado 'comando', a quem podiam atirar em zonas quase desconhecidas e de perigo extremo como o aqui relatado caso da Caboiana onde até os bravos comandos não estiveram à altura de cumprir com o seu lema sagrado de " nunca deixar ninguém para trás". Muito triste.

Também, parece que a política de reformas no caso dos militares na Guiné contrasta com a portuguesa, pois o mais frequente é promoverem o candidato a um escalão superior de forma a atenuar as condições de vida, embora saibamos que não há termos de comparação entre os dois países, mas pelo menos o tratamento parece mais humano e aceitável.

Em 1998, durante a guerra civil em Bissau, desloquei-me à cidade fronteiriça de Kolda em visita familiar e, ao constatar as deploráveis condições sócio-económicas em que viviam, sem luz, sem água, eu disse-lhes: "Vocês têm todo interesse em se juntarem aos rebeldes da MDFC". 

No dia seguinte agradeceram-me educadamente e pediram-me para regressar ao meu país, o que fiz sem hesitar, mas sem quaisquer remorsos.

Cordialmente | Cherno Baldé | 29 de dezembro de 2023 às 12:16



(iv) Joaquim Luis Fernandes

Caro amigo Cherno, acredita que aceito e compreendo o teu desabafo! É um facto que nem sempre as chefias do exército português respeitaram e protegeram os seus soldados, e de forma mais evidente. os oriundos do território guineense.

Nem todos honraram a farda que envergavam e a bandeira que juraram defender. Tal como no PAIGC havia traidores à causa que defendiam, também os havia infiltrados nas Forças Armadas Portuguesas na Guiné. A forma como se abandonaram os seus soldados guineenses, diz muito dessa atitude de desrespeito e mesmo de traição.

Para ti, a tua família e os amigos da Guiné-Bissau, faço votos de um novo ano de 2024, com boa saúde, paz e prosperidade.

Abraços fraternos | JLFernandes | 30 de dezembro de 2023 às 22:47



(v) João Crisóstomo:

Nova iorque, às 04.58 da manhã do dia 17 de Janeiro de 2024.

Ler os comentários de posts é uma das coisas que gosto de fazer, pois eles de alguma maneira nos transmitem os sentimentos muito pessoais de quem os escreve.

Estes e outros comentários deixam-me triste pela amargura e sofrimento evidentes em muitos de nós ainda hoje existentes passados 50 anos.

Não sei o que dizer para tentar "suavizar" os corações e mentes de quem escreve estas palavras. É que também eu choro quando me lembro do muito que se sofreu , especialmente daqueles que dum lado ou outro acreditavam que deviam lutar, prontos a dar a sua vida por aquilo em que acreditavam, incluindo a amizade que unia muitos de nós. Dum modo especial os que o sofreram em circunstancias trágicas, fora e longe de momentos de luta armada , mas barbaramente mortos em momentos fora de combate, como sucedia por vezes durante os muitos anos que a luta durou, especialmente em situações de vinganças e represálias.

É com respeito e dor que vivo também estes momentos de dor e me associo a todos os que escrevendo e lembrando, como estou fazendo agora, estejam aida hoje à procura de paz.
"Estou convosco" é tudo que posso dizer.

João Crisóstomo | 17 de janeiro de 2024 às 10:02

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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 28 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P25009: S(C)em Comentários (24): Os últimos anos do Amadu Djaló (1940-2015) devem ter sido de uma grande amargura e de arrependimento (Cherno Baldé, Bissau)

(**) Último poste da série > 17 de janeiro de 2024 > Guné 61/74 - P25078: S(C)em Comentáios (25): Salvemos a nossa correspondência de guerra, e nomeadamente os aerogramas que escrevemos (amarelos) e que recebemos (azuis)

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25083: O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur mil, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993): Luís Cabral, a camarada Milanka, eu e o 'mau agoiro' do meu patrão

Angola > Luanda > 1961 > Desfile de tropas > O António Rosinha, beirão,  vivia já em Angola há uns anos (foi para lá adolescente e fez lá a tropa)... Vemo-lo aqui a desfilar com o seu pelotão, que parece ser composto apenas por militares do recrutamento local (ele nunca nos disse a que unidade ou subunidade pertenceu, e por onde andou, em concreto; sabemos que teve uma "guerra" relativamente tranquila, apesar dos acontecimentos de 1961...). Era furriel miliciano aparece aqui em primeiro plano, depois do alferes, cmdt do pelotão, na segunda fila, a dos comandantes de secção: é o primeiro a contar da direita para a esquerda, está de óculos escuros e empunha, durante o desfile, pistola-metralhadora FBP, tal como os restantes graduados; as praças usavam, evidentemente, a velha espingarda Mauser 7,9 mm m/937 ... A farda, em 1961, era o do "caqui amarelo"... E, em plenos trópicos, os combatentes da época usavam capacete de aço.

Angola > s/l > c. 1961/62 > O então fur mil António Rosinha

Fotos (e legendas): © António Rosinha  (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O António Rosinha não queria entrar para a nossa Tabanca Grande (em 2006, chamava-se apenas "tertúlia"), não obstante a estima que lhe logo lhe manifestaram alguns dos nossos camaradas como o Amílcar Mendes, o Vítor Junqueira e eu próprio, que fiz questão de o "apadrinhar". E ainda bem que ele acabou por aceitar sentar-se à sombra do nosso poilão em 29/11/2006 (nessa altura ainda não havia poilão nem tabanca, tratávamo-nos uns aos outros como "tertulianos", membros da "Tertúlia dos Amigos & Camaradas da Guiné").

E em boa hora ele começou a colaborar connosco, desfiando as suas memórias do império: além de Angola (onde diz que foi "colón até 1974"), fez a diáspora dos "retornados",  passou pelo Brasil e pela Guiné-Bissau, onde depois da independência, de 1979 a 1993, trabalhou como "cooperante", exercendo a sua profissão, como topógrafo,  na empresa de construção e obras públicas TECNIL (que fez muitas das infraestruturas daquele país, antes e depois da independência; foi herdada do "colonialismo" tanto por Luís Cabral como pelo seu carrasco, 'Nino' Vieira, o mesmo aconteceu com o comandante Pombo, que ficou a pilotar o avião a jato privado Falcon da presidência).

O Rosinha é autor de uma notável série, a que demos o nome de "Cadernos de Notas de Um Mais Velho", em geral alimentada com pequenas notas e comentários que ele vai deixando no blogue. Já se publicaram uma meia centena de postes.  Além disso, é um caso notável de longevidade, vida ativa saudável, proatividade... A brincar, a brincar, ele deve chegar aos 90 para o ano se as minhas contas não falham! (Tinha 77 anos em 2012)... É, pois, um grande exemplo para todos nós!... (Não tenho ideia de ter alguém , com a sua idade, ainda tão ativo como ele, no nosso blogue, neste momento!)

Num desses postes (P16701) (*), deparámos com uma saborosa pequena história que mete o Luís Cabral, primeiro presidente da República da Guiné-Bissau, mais dois arquitetos (e pessoas gradas do regime, o casal Lima Gomes) e a empresa portuguesa TECNIL,  na pessoa do topógrafo António Rosinha e do patrão Ramiro Sobral.

Ao reler o poste, demos conta que uma das personagens era a arquiteta Milanka Lima Gomes, uma jugoslava casada com o então Ministro das Obras Públicas, 'Tino' Lima Gomes, e também a autora do projeto  (1976/78) da casa de férias de Luís Cabral em Bubaque (em parceria com outro arquiteto, jugoslavo, cooperante, Nikola Arsenic). A casa, dizem os entendidos, é uma referência da arquitetura pós-colonial: infelizmente, ficou amaldiçoada, com a queda política, a prisão e o exílio do seu dono. Hoje é uma confrangedora ruína, engolida pelo mato, na "ilha paradisíaca" de Bubaque que já teve muitos "donos e senhores"...

Pelo  seu bom senso, sensibilidade, perspicácia, inteligência emocional, história de vida, cultura e memória de "africanista", o Rosinha, um dos nossos veteranos, é merecedor do apreço e  elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, mesmo quando as nossas opiniões podem divergir.

A ele poderá aplicar-se  inteiramente o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo".    

Esse provérbio veio mesmo a propósito desta pequena história "pícara", que não é "nenhum segredo de Estado", mas queremos "repescar" e preservar, agora na série "O segredo de...".  (**). 

É uma história com piada, com chiste, com humor, típico dos velhos africanistas, e é também uma lição sob o "sic transit gloria mundi", a vaidade e a transitoriedade do poder e da glória...

Que fique claro: não é intenção do Rosinha  (nem dos editores do blogue) achincalhar ninguém nem muito menos bater nos mortos ou ajustar contas. Simplesmente o picaresco, o burlesco, a ironia, o riso, o humor, etc., fazem parte da nossa "caserna" de velhos combatentes. Uma boa piada, uma boa história sobre os "nossos homens grandes", seja o Spínola ou seja o  Amílcar Cabral, são a prova de que aqui somos plurais e defendemos  a todo o custo a liberdade de expressão, pedra basilar da democracia que recuperámos há 50 anos.

Guiné > Bissau > s/d [meados dos anos 60] > Aspecto parcial do centro histórico, Câmara Municipal à direita, Palácio do Governador ao fundo à esquerda, Praça do Império, monumento "Ao Esforço da Raça", telhados de outros edifícios públicos, etc... Bilhete postal, nº 133, Edição "Foto Serra" (Colecção Guiné Portuguesa")...

O António Rosinha pede-nos para "enriquecer o poste com esta  lindíssima foto  onde se vê a casa que o Luís Cabral queria que a Tecnil lhe adaptasse, antes de ser deposto em 1980 (...). Essa foto (tirada de helicóptero, penso eu) é das mais bonitas sobre Bissau (...): uma lindíssima residência, r/c  e 1º andar com um Jeep Willys da nossa tropa junto à entrada de casa (...).  Foi essa casa que o Luís Cabral queria adaptar para sua residência, e que o Ramiro Sobral, o patrão da Tecnil (***), lhe agoirou o destino."

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações e edição: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)


 O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur ml, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993): 

Luís Cabral, a camarada Milanka, eu e o "mau agoiro" do meu patrão


Luís Cabral pretendia reformular uma residência bastante moderna que foi propriedade de um antigo 'colón',  que eu não conheci, para sua residência, penso eu. Essa residência ficava atrás do gabinete do primeiro ministro, e tinha uma portaria que era preciso adaptar, na cabeça de Luís Cabral, para receber o Volvo presidencial, bem junto à porta da casa.

Só que havia um pedaço de jardim e duas colunas à entrada do edifício que era preciso derrubar, construir noutra disposição, e isso Luís Cabral não queria.

E, agora,  vou falar em nomes de gente muito simpática e não quero de maneira nenhuma fazer «politiquice» nem com as pessoas nem com a atitude das mesmas nem do momento. O ministro das Obras Públicas era 'Tino' Lima Gomes que era arquitecto e ainda chegou a dar uma vista de olhos na portaria mas sem adiantar qualquer solução.

A esposa dele, a camarada Milanka, de nacionalidade jugoslava, arquitecta nas Obras Públicas,  é que foi encarregue de descalçar a bota, e eu no campo 
[como topógrafo] para executar o impossível. 

Só que a camarada Milanka não tinha coragem de dizer ao presidente que era impossível executar como ele queria, e eu descarreguei o meu fardo para o meu patrão Ramiro Sobral [engenheiro, dono da TECNIL], velho "africanista que se encontrava em Bissau, onde ia,  mês sim, mês não.

E o velho,  de 75 anos, e muitos anos de África, habituado a resolver casos bicudos, analisou e solucionou:
– Senhora Dona Milanka (toda a gente dizia "camarada Milanka"), sabe porque ando nesta vida com esta saúde aos 75 anos? Porque a porta da minha casa em Viseu tem 3 degraus. E subir e descer esses 3 degraus dão-me imensa saúde. Convença o senhor presidente que com 3 degraus resolve o problema e dá-lhe imensa saúde para daqui a muitos anos continuar com o meu dinamismo.

Passados uns instantes,  já só comigo no automóvel, Ramiro Sobral, como que a falar para os próprios botões, previa:

Com degraus ou sem degraus,  não vais envelhecer aqui, não.

Talvez uns 15 dias depois, dá-se o golpe a 14 de Novembro de 1980 que derruba Luís Cabral.

Adenda:

Pessoalmente conheci um desertor guineense, ou que ficou para a história da Guiné como desertor, e que levou com ele uma avioneta de Bissau para Conacri.

Tinha o seguinte currículo popularmente conhecido na sociedade de Bissau:

(i) era furriel da Força Aérea, guineense, da minha idade, portanto foi para a Força aérea antes da Guerra do Ultramar;

(ii) era guineense de uma família antiga,  "colonialista", que se foi "amestiçando";

(iii) como era menino bonito e inteligente, era um desperdício ir lutar para o mato como os indígenas. (Isto o povo pensava em crioulo, mas eu traduzo.)

Foi de armas e bagagens estudar com bolsa para a Jugoslávia e regressou com bagagem pesada, canudo de engenheiro/arquitecto, após a independência.

O PAIGC, reconhecido, atribui-lhe mais que uma pasta governamental, e também agradecido o governo português concedeu-lhe bolsas de estudo para os filhos nos Pupilos do Exército em Lisboa.

Já faleceu. em acidente com arma de caça.

Chamava-se 'Tino', Alberto 'Tino' Lima Gomes, foi ministro das obras públicas de Luís Cabral. Era um português como milhares de transmontanos, açorianos, angolanos, etc., nunca foi indígena, nasceu «assimilado». (*)

António Rosinha 

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)



Guiné-Bissau > Arquipélagos dos Bijagós > Ilha de Bubaque > 2013 > A antiga casa de Luís Cabral, projeto dos arquitetos de origem jugoslava (1976/1978) Milanka Lima Gomes e Nicola Arsenic. Foto do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72) (****)


Guiné-Bissau > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bubaque > 2016 > Casa de Luís Cabral. Construída com financiamento público, projeto dos arquitetos Milanka Lima Gomes (1976) e Nikola Arsenic (1978). Fotograma do filme "The Vanished Dream" (2016),  reproduzida no artigo de Lucas Rehnman (2023), a seguir citado. (Com a devida vénia...)


Curiosamente, o poste do Rosinha, P16701 (*), tem honras de citação num artigo sobre a arquitetura pós-colonial da Guiné-Bissau, da autoria do brasileiro Lucas Rehnman (n. 1988, S. Paulo), investigador, artista e curador (vive em Berlim), e donde extraímos com a devida vénia esta outra imagem da casa, em ruínas, do Luís Cabral. O título do artigo, em inglês, pode ser traduzido por: "Acabado de construir, e logo em ruinas: descolonização e dis-conectividade na Guiné-Bissau pós-colonial, 1973-1983":

Bibliografia (...): 

Tabanca Graca Luís, Graça. ‘Caderno de Notas de Um Mais Velho’. Blog. Luís Graça & Camaradas Da Guiné (blog), 9 November 2016. https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2016/11/guine-6374-p16700-caderno-de-notas-de.html.

Diz o autor, Lucas Rehnman,  sobre a casa de Luís Cabral em Bubaque (Vd. imagem acima):

(...) Seguramente mais ambiciosa e formalmente inventiva é a antiga residência presidencial, que se situa na ilha de Bubaque, no arquipélago dos Bijagós, e que está agora em ruínas (...) . Apesar da sua aparência enganadoramente brutalista, a estrutura de betão foi originalmente pintada de branco e coberta por placas betuminosas. Este corpo de trabalho arquitectónico aqui apresentado pode ser visto como uma ingestão criativa e digestão de arquitectura estrangeira, o que significa que não apenas ocorreu um mero empréstimo de formas e soluções modernistas brancas, mas que também se deu  uma apropriação, interpretação e transformação local do vocabulário modernista. constituindo por isso uma arquitetura original e híbrida que vale a pena documentar e preservar." (...) (tr. livre, Google / LG)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16701: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (49): quatro apontamenmtos: (i) Angola, as boas famílias e os seus desertores; (ii) o nosso presidente em Havana; (iii) o desertor guineense da Força Aérea; e (iv) o ministro das obras públicas de Luís Cabral, Tino Lima Gomes, a camarada Milanka e o meu velho patrão Ramiro Sobral, que não precisava de subir ao alto do poilão para ver ao longe...

(**) Último poste da série > 8 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25048: O segredo de...(40): Patrício Ribeiro, 76 anos: Angola, Quifangondo, 1975: uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo

(***) Sobre a TECNIL, vd. postes de;

3 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9555: Caderno de notas de um Mais Velho (19): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte I)

5 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9561: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (20): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte II)

25 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9655: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (21): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte III)

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25048: O segredo de...(40): Patrício Ribeiro, 76 anos: Angola, Quifangondo, 1975: uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo


Patrício Ribeiro, ex-grumete fuzileiro, Angola, 1969/72


1. Afinal, todos temos pequenos/grande segredos da tropa, da guerra e da Guiné (e de outros lugares do planeta) que em vida ainda não partilhámos, ou só contámos a alguma ou outra pessoa das nossas relações mais íntimas: o pai, a esposa, o filho mais velho, o amigo do peito, o camarada de armas que ficou nosso amigo para sempre... Ou às vezes nem isso... 

Há coisas que decidimos não contar à família nem aos amigos do peito... Há coisas que nem às paredes se confessa, como diz a cohecida letra de fado. São coisas "muito nossas" que até preferimos, nalguns casos, levar connosco para o caixão... Todos temos esse direito. 

Outras há que, com o passar dos anos, achamos que podem entrar "no domínio público", sem consrangimento, sem mágoa, sem ferir ninguém... Pode até ser um forma de fazer o luto (em caso de perda de alguém ou de alguma coisa muito preciosa para nós)..

Já aqui publicámos, no blogue, cerca de quatro de dezenas de postes na série "O segredo de...". Em 20 anos, dá uma média de 2 por ano. Mas o "confessionário" continua de portas abertas... 

Já aqui o dissemos, a propósito de segredos partilhados por (e segundo a ordem cronológica, com alguns a partilharme mas do que um segredo):

  • Mário Dias, 
  • Santos Oliveira, 
  • Luís Faria (1948-2103),
  • Virgínio Briote, 
  • Amílcar Ventura, 
  • Joaquim Luís Mendes Gomes, 
  • António Medina,
  • Ovídio Moreira,
  • António Carvalho,
  • Sílvio Fagundes Abrantes,
  • Amadu Djaló (1940-2015),
  • Antóno Graça de Abreu,
  • Augusto Silva Santos,
  • Ricardo Almeida,
  • Fernando Gouveia,
  • Vasco Pires (1948-2016),
  • Cláudio Brito,
  • Ribeiro Agostinho,
  • Mário Gaspar,
  • Domingos Gonçalves,
  • João Crisóstomo,
  • Victor Garcia,
  • António Ramalho
  • Manuel Oliveira Pereira,
  • Alcídio Marinho (1940-1921),
  • João (Candeias da) Silva (1950-2022)
  • Dionísio Cunha, 
  • José Ferraz de Carvalho, 
  • Jorge Araújo,
  • Demburri Seidi/Cherno Baldé, 
  • António Branquinho (1947-2023)

Seria uma pena que estes e outros camaradas levassem  para a cova os pequenos/grandes segredos contaram no nosso "cofessionário"... São histórias fabulosas que humanizam a guerra, que engrandecem os seres humanos que as protagonizam, e que nos tocam, fundo... 

Claro que algunas são como abrur a caixinha de Pandora... (Foi o caso, por exemplo, do Amílcar Ventura que teve  comentários... agrestes).

Este, que hoje trazemos a público, já foi dito em comentário ao poste P25035 (*). Mas merece ser recuperado e publicado, na montra grande do nosso blogue, nesta série...

Sobre o Patrício Ribeiro, convém lembrar:  nascido em Águeda, em 1947, cresceu em Angola, em Nova Lisboa (hoje Huambo), onde casou, viveu e trabalhou; ali fez a tropa como fuzileiro (1969/72). 

Ficámos a saber que veio para Portugal na véspera da independência; mas deu-se mal com a sua condição de "retornado": "africanista", decidiu ir viver e trabalhar, em 1984, na Guiné-Bissau; empresário, fundou uma empresa ligada à energia; agora, aos  76 anos está cá e lá, dedicando-se ao neto e à sua agricultura em Águeda mas também dando uma mãozinha ao filho que lhe sucedeu nos negócios... Aqui, em Águeda, sente-me mais confortável para falar do seu passado, como foi o caso há dias (*).

É autor da série "Bom dia desde Bissau", é um histórico do nosso blogue, para onde entrou formalmente em 2/1/2006: é nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau; mais de 130 referências no blogue..

 
O segredo de...(39): Patrício Ribeiro, 76 anos: Angola, Quifangondo, 1975: uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo (**)

Assisti e ouvi perto a artilharia durante muitos dias, da batalha do Quifangondo.

Ia trabalhar todos os dias a poucos quilómetros do Cacuaco.

Todos os dias a caminho do trabalho, passava junto de diversos guerrilheiros mortos, que durante a noite ali eram abatidos e recolhidos, durante o dia, pela tropa Portuguesa para a morgue, que eu visitava quase diariamente, a fim de ver quem chegava, pois poderia ser um amigo.

Havia ex-tropa portuguesa de ambos os lados da batalha, alguns vieram mais tarde para Portugal, onde constituíram família.

Nos últimos dias do fim do mês de outubro de 1975, passavam por mim os carros blindados com cubanos para a linha da frente, que saíam dos navios às escondidas, ou não, da tropa portuguesa. A saída era pela linha do comboio, do porto de Luanda.

Até que no dia 30 de outubro de 1975, resolvi não morrer naquela estrada e naquela guerra, já que por vezes disparavam para todos os lados, até para o meu carro, quando diariamente lá passava e tinha que mostrar um cartão de filiado em qualquer movimento, o que eu não queria.

Esta foi uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo.




Angola > Luanda > Cacuaco > Quifangondo  (o Kifangondo) 

"Esta obra é de autoria do museu nacional de história Marco Histórico do Quifangondo, fotografada por Abraão Fernando Figueira, 01:02, 5 September 2015, numa exposição escolar realizada pela escola Flor viva. Mostra os heróis que lutaram para libertação nacional de Angola." Fonte (e legenda): Wikimedia Commons (imagem editada, com a devida vénia, pelo Blogue Luís Greaça & Camaradas da Guiné...)

(...) No local da batalha, uma colina com vista para o rio Bengo, foi construído o Memorial da Batalha de Quifangondo, como um tributo a todos aqueles que participaram na luta de libertação nacional. O memorial foi projectado pelo escultor Rui de Matos e inaugurado em 2004 pelo presidente de Angola, José Eduardo dos Santos" (...) (Fonte: Wikipedia > Quifangondo)

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quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24952: Os nossos últimos seis meses (de 25abr74 a 15out74) (23): A narrativa da CECA (Comissão para o Estudo das Campanhas de África) - Parte I



Guiné > CTIG >  Dispositivo das NT referente a 12 de junho de 1974. SITREP cCircunstanciado, nº 22/74, de 14 de junho: Fonte: CECA (230125), pág. 477. As chamadas "áreas libertadas" do PAIGC eram bolas circunscritas às "Áreas de Intervenção do Com-Chefe" (a sombreado), como o Morés, a região do Boé, ou o Cantanhez, a mata do Fiofioli ou  a mata do Choquemone, por exemplo.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023) (ampliar para ver detalhes)


Carlos Fabião, ten-cor graduado em brigadeiro, o último com-chefe da Guiné 
(de 25 de maio  a 15 de outubro de 1974. Fonte: CECA (2015), pág. 439.
 (Foto fornecida à CECA pelo filho, o arqueólogo e 
professor da Universidade de Lisboa, Carlos Fabião.)



1. A "narrativa" da CECA sobre os nossos últmos seis meses no TO da Guiné, de 25 de abril  a 15 de outubro de 1974 (*).


CAPÍTULO IV > ANO DE 1974 (pp. 420 e ss.)

Generalidades

O ano de 1974 marca o fim da luta armada na Guiné, em virtude de terem ocorrido em Lisboa importantes transformações políticas, cuja evolução posterior alterou decisivamente o quadro de relações entre a Metrópole e as suas Províncias Ultramarinas.

Os factos políticos e militares caracterizadores dessa evolução, quer em Lisboa quer na Guiné, foram os seguintes, por ordem cronológica:

(i) 25 de Abril, em Lisboa, deposição do Governo, levada a efeito por um auto-intitulado Movimento das Forças Armadas (MFA) que congregou a grande parte dos oficiais, sargentos e praças da. Armada, Exército e Força Aérea, a que aderiu, posteriormente, a maioria da população portuguesa;

(ii) na mesma data foi deposto o general Bethencourt Rodrigues das funções de Governador e Comandante-Chefe da Guiné e substituído, nas funções de Comandante-Chefe, pelo oficial mais antigo presente no teatro de operações; foi também nomeado um oficial do Exército para as funções de Encarregado do Governo, a título transitório;

(iii) 8 de Maio, na Guiné, o tenente-coronel Carlos Soares Fabião tomou posse das funções de Encarregado do Governo;

(iv) 15 de Maio, no Leste da Guiné, iniciaram-se os contactos, no terreno, entre os comandantes das nossas forças e os comandantes das forças do PAIGC, que actuavam na zona, casos de Sare Bacar (15 de Maio), Ufara (25 de Maio) e Pirada (29 e 31 de Maio).

(v) posteriormente, estes contactos generalizaram-se por todo o dispositivo, particularmente após 17 de Maio, data do encontro, em Dacar (Senegal), entre o Secretário-Geral do PAIGC e o novo Ministro dos
Negócios Estrangeiros português;

(vi) 16 de Maio, em Lisboa, tomada de posse do I Governo Provisório português;

(vii) 17 de Maio, em Dacar (Senegal), início dos contactos do novo governo português com o PAIGC, continuados posteriormente em Londres (25 a 31 de Maio) e Argel (13 de Junho);

(viii) 25 de Maio, o ten cor Carlos Fabião, graduado em brigadeiro, assume as funções de Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, mantendo-se no novo posto enquanto durarem as referidas funções;

(ix) 3 de Junho, nas povoações de Canjadude e Sinchã Maunde Bucó, na zona leste, tem lugar a última acção directa de fogo entre as forças beligerantes, tendo as forças do PAIGC atacado os aquartelamentos das nossas tropas sediados nas citadas povoações;

(x) Primeiros dias de Junho, em Bissau, é nomeado Juvêncio Gomes, do PAIGC, como representante permanente junto do governo da Província;

(xi) 4 de Junho, início da retracção do dispositivo das nossas forças no terreno, com o abandono da guarnição de Jemberém, no Sul;  respectiva guarnição recolheu a Cacine, a título excepcional;

(xii) A retracção do dispositivo das NT  continuou, cerca de um mês mais tarde, incidindo sobre as unidades mais afastadas do Sector Leste - Buruntuma e Canquelifá em 5 de Julho, Camajabá e Ponte do Rio Caium em 8 de Julho;

(xiii) 15 de Julho, início da desmobilização e passagem à disponibilidade das unidades africanas e milícias das nossas tropas;

(xiv) A acção foi continuada a partir de 10 de Agosto, devido a alteração das condições criadas para a execução da citada desmobilização;

(xv) No final de Agosto, tinha passado à disponibilidade a totalidade dos combatentes do recrutamento
da província;

(xvi) 15 a 18 de Julho, encontro do Comandante-Chefe com dirigentes do PAIGC, no Cantanhez, visando a coordenação das acções de descolonização;

(xvii) 26 de Julho, publicação em Lisboa da Lei n." 7/74, que reconhece o direito da Guiné-Bissau à independência;

(xviii) 29 de Julho, novo encontro do Comandante-Chefe com dirigentes do PAIGC em Cacine, tendo sido acordadas as datas para a evacuação dos aquartelamentos das NT, assim como as garantias de circulação e  segurança de forças militares isoladas, do PAIGC e das nossas tropas;

(xix) 26 de Agosto, em Argel, assinatura do acordo entre o Governo Português e o PAIGC para a independência da Guiné-Bissau, tendo-se assentado nos seguintes pontos essenciais:

- independência em 10 de Setembro de 1974;

- retirada das Forças Armadas Portuguesas até 31 de Outubro;

- cessar fogo "de jure" desde a mesma data;

(xx) De 4 a 9 de Setembro, chegada a Bissau de vários membros do Governo e responsáveis do PAIGC.

(xxi) No dia 9, chegou também o primeiro contingente militar do novo Estado.

(xxii) 10 de Setembro, em Lisboa, cerimónia formal de reconhecimento da independência da Guiné-Bissau por Portugal.

(xxiii) Na mesma data, em Bissau, iniciava-se a transferência dos principais serviços públicos para a responsabilidade da administração do novo Estado;

(xxiv) 15 de Outubro, retirada dos últimos contingentes das forças militares portuguesas estacionadas em Bissau.

(xv) No total, regressaram a Lisboa cerca de 23.800 combatentes do efectivo metropolitano.

Em resumo: no ano em apreço, podem considerar-se três períodos distintos, condicionados ou influenciados por importantes factos envolventes que lhes deram particular relevo.

- Do início do ano até ao dia 25 de Abril

Período ascensional do PAIGC que passou a atacar duramente algumas posições fixas das nossas tropas no terreno e a condicionar as movimentações das forças terrestres, marítimas e aéreas. Esta fase vem no
seguimento dos êxitos conseguidos no ano anterior, quando as forças do PAIGC, entretanto dotadas com o míssil terra-ar "Strela", passaram a condicionar as movimentações dos nossos meios aéreos e, por efeito disso, o comando das operações, as operações e a logística.

A posição ocupada pelas Nossas Tropas em Copá, no Leste, foi evacuada neste período (Vd. Operação "Alto Turbante", 11/ l2Fev74 - Actividade Operacional deste Capítulo=..

- De 25 de Abril a 29 de Julho

Os acontecimentos políticos ocorridos no 25 de Abril em Lisboa e no período subsequente, não garantiam explicitamente o propósito da concessão de independência à Guiné, objectivo do PAIGC.

Por isso, o período em apreço constituiu um tempo propício ao desenvolvimento das formas de pressão militar e política necessária para a obtenção do referido objectivo, por parte do PAIGC.

 A forma de pressão militar traduziu-se em ataques fortíssimos às nossas tropas, nas regiões em que a situação lhe era claramente favorável.

O aquartelamento das Nt em Jemberém foi duramente atacado e bombardeado durante o mês de Maio. As instalações ficaram de tal modo danificadas que tiveram de ser desocupadas e os seus efectivos recolhidos, antes mesmo de se ter iniciado a retracção geral do dispositivo das nossas tropas, que teve início cerca de um mês depois.

Neste período foram ainda importantes a publicação da Lei n." 7/74 (reconhecimento do direito à Independência da Guiné Bissau), de 26 de Julho, em Lisboa e o acordo de Cacine em 29 de Julho.

- De 30 de Julho a 15 de Outubro

Garantida a independência pela Lei n.º 7/74, o período foi caracterizado por ausência significativa de pressão política ou militar, destacando-se no entanto, as seguintes acções mais relevantes:

- desmobilização das forças de recrutamento local, que lutaram a nosso lado contra o PAIGC, razão pela qual o seu desarmamento e desmobilização constituíram período crítico na fase final da nossa permanência na Guiné;

- a retirada das nossas forças do teatro de guerra, sua concentração em Bissau e transporte das últimas unidades para Lisboa, em 15 de Outubro;

Neste período, o potencial relativo de combate das nossas forças relativamente às do PAIGC era-nos desfavorável, pelo que se tornou necessário gerir o evoluir da situação com o maior tacto político e militar, garantindo sempre o máximo possível de segurança para as nossas tropas.

(Continua)

Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro III (1.ª edição, Lisboa, 2015), pp. 420/423-

Ficha técnica:

Elaboraram e redigiram este volume da Resenha:
· Coronel de Cavalaria Henrique António Costa de Sousa
· Coronel de Infantaria Álvaro Bastos Miranda

Coordenou e reviu:
· Major-General Henrique António Nascimento Garcia

Contribuíram com elementos indispensáveis:
· Arquivo Histórico-Militar
· Arquivo do Secretariado-Geral da Defesa Nacional
· Direcção de História e Cultura Militar
· Coronel Tirocinado de Cavalaria Pára-quedista Nuno António Bravo Mira Vaz
· Arquivos pessoais de diversos militares

Trabalhos de computador:
· Ass.Téc. Helena Gulamhussen Vissanji
· Soldado RC Luís Paulo de Jesus Gouveia

Digitalização e tratamento de imagem
· Sargento-Ajudante João Carlos Nunes Cordeiro

Cedência de fotografias:
· Jornal do Exército
·Arquivo Histórico-Militar (Serviço Cartográfico do Exército-Divisão de Fotografia e Cinema)
· Major-General Joaquim dos Reis
· Coronel de Infantaria "Cmd" Manuel Ferreira da Silva
· Professor Doutor Carlos Jorge Gonçalves Soares Fabião
· Dr. Luís Lima Bethencourt Palma
· Sr. Nelson Lopes dos Santos

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24851: S(c)em comentários (17): "Por ti, Portugal, eu juro!": Memórias e testemunhos dos comandos africanos da Guiné (1971-1974), tese de doutoramento, de Sofia da Palma Rodrigues (2022), UC/CES: Resumo



Guião do Batalhão de Comandos da Guiné (1972/74)

Batalhão de Comandos da Guiné (BCmds)
Cmdt: Maj Cav Cmd João de Almeida Bruno | Maj Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folgues | Maj Inf Cmd Florindo Eugénio Batista Morais
2º Crndt: Cap Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folques | Cap Inf Cmd João Batista Serra | Cap Cav Cmd Carlos Manuel Serpa de Matos Gomes | Cap Art Cmd José Castelo Glória Alves
Início: 2nov72 | Extinção: 7set74 


Guiné > s/l > s/ d > O tenente graduado 'comando'  João Bacar Djaló,  ao centro, rodeado de pessoal da 1ª CCmds Africanos. Entre outros, é possível identificar o furriel “Dico” Andrade, o 1º da esquerda, o furriel Orlando da Silva, ajoelhado, no meio e o 1º da direita, em cima, o soldado Francisco Gomes Nanque, que esteve preso na Libéria após a operação a Conacri. 

Fonte: Amadu Bailo Djaló - "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974". Lisboa, Associação de Comandos, 2010, pág. 190.
 


Sofia da Palma Rodrigues

Universidade de Coimbra > Centro de Estudos Sociais (UC/CES > 
Teses de doutoramento  > Teses Defendidas > Resumo


Data de defesa > 30 de maio de 2022

Programento de doutoramento > Pós-Colonialismos e Cidadania Global

Orientação > Maria Paula Meneses e Mustafah Dhada

Resumo:

Enquanto foi governador da Guiné (1968-1973), António de Spínola fundou o Batalhão de Comandos Africanos, a única tropa de elite das Forças Armadas Portuguesas integralmente composta por africanos negros. 

A estes homens, fez promessas de uma vida melhor, garantindo-lhes que seriam eles quem comandaria os destinos do território quando Portugal vencesse a guerra (1961-1974). Que seriam eles quem, na Guiné, ficaria à frente do novo projeto de Estado que planeava implementar: um Estado pluricontinental, composto por províncias autónomas que, no seu todo, formariam o Portugal do futuro. 

O desfecho deste projeto político, que se opunha aos ventos da História que sopravam na metrópole, está no centro da análise desta tese. Ao perseguir as narrativas de homens que, depois da conquista das independências, deixaram de caber no sonho português e perderam a nacionalidade portuguesa, este trabalho questiona e aprofunda os dilemas da descolonização a partir do processo guineense. 

Tendo como base uma pesquisa multidisciplinar e multissituada (Marcus, 1995), assente nos questionamentos, reivindicações e metodologias propostas pela História Oral (Spear, 1981; Mazrui, 1985; Vansina, 1985) e pelas Epistemologias do Sul (Santos & Meneses, 2013), traz para o debate da História os testemunhos dos homens que formaram o Batalhão de Comandos Africanos da Guiné e propõe-se discutir o absolutismo da narrativa contada pelo Estado-nação (Ranger, 1971, 2004).

Palavras-chave > Colonialismo; Pós-colonialismo; Forças Armadas Portuguesas; Guiné-Bissau; História Oral

(Fixação de texto para efeitos de publicação deste poste:  LG. Com a devida vénia)
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Nota do editor:

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24829: S(c)em comentários (12): As (des)ilusões de Luís Cabral... (António Rosinha, ex-topógrafo, TECNIL, Bissau, 1979-1993)


Guiné-Bissau > Região do Boé  (?) > 24 de Setembro de 1973 > Foto (e legenda) da revista PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973

"O Camarada Luís Cabral, secretário geral adjunto do nosso Partido, eleito Presidente do Conselho de Estado, seu representante nas relações internacionais, sendo igualmente o comandante supremo das Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP)"...

No Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, estas e outras fotos do dia 24 de setembro de 1973, o da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, por parte do PAIGC, partido revolucionário que se intitulou único e legítimo representante de todo o povo da ex-Guiné Portuguesa (!), são alegadamente  tiradas na  "região libertada de Madina de Boé" (sic), uma ficção que se mantem até hoje, 50 anos depois, mesmo contra toda a evidêncial factual... 

O PAIGC sempre foi um partido que viveu, no plano interno e externo,  da propaganda, do "show-off", do cinismo, da mentira (a começar pelos comandantes da guerrilha e dos comissários políticos que engavam o Amílcar Cabral com números fantasiosos de retumbantes vitórias militares,e alguns eram racistas e violentos para com a sua própria população), para não dizer até da capacidade de  sedução,  da basófia  e da "lata" (nomeadamente dos seus "diplomatas"... reclamando-se, nas instàncias internacionais,  do controlo, por exemplo, de 2/3 do território e de 400 mil habitantes, com estruturas que seriam as futuras bases do novo Estado independente: escolas hospitais, armazéns do povo, granjas, forças armadas, tribunais, gestão local, etc.).

 Já falámos, "ad nauseam", da ajuda sueca (alegadamente "desinteressada", "humanitária", "solidária",  etc.), que atingiu valores que chegaram aos 2,5 mil milhões (!) de coroas suecas [c. 269,5 milhões de euros] durante o período de 1974/75-1994/95 (sendo de 53,5 milhöes de coroas suecas, ao valor actual, ou sejam, cerca de 5, 8 milhões de euros, o montante correspondente ao período da "guerra de libertação", de 1969/70 até 1976/77)... 

Enfim, essa ajuda chegou a representar 5 a 10% do total do valor das importações da Guiné-Bissau...Ao fim destes anos todos, os suecos fecharam a torneira, ao descobrirem que estavam a mandar o dinheiro dos contribuintes para o lixo... 

A administração de Luís Cabral e, depois, do golpista  e tribalista'Nino' Vieira, dois heróis da liberdade da Pátria, infelizmente não conseguiram trilhar com sucesso os caminhos da liberdade, da justiça, da paz, da reconciliação e do desenvolvimento com que sonhara e por que lutara o "pai" da Pátria, Amílcar Cabral, hoje tão mal-amado e esquecido na sua própria terra, talvez  por ser meio-guineense e meio-cabo-verdiano...




Antº Rosinha , ex-fur mil em Angola, 1961/62, topógrafo da TECNIL, Guiné-Bissau, em 1979/93, ex-"colon" e retornado, como ele gosta de se intitular com a sabedoria, bonomia e o sentido de humor de quem tem várias vidas para contar... por que já as viveu (as "Berças", Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Portugal pós-25 de Abril...)



Antº Rosinha disse (*)...

"Declarações de Luís Cabral que deplorava ter encontrado os cofres vazios, uma administração sem quadros", quer dizer, o aprendiz de colonialista, Luís, irmão de Amílcar, estaria à espera de uma passadeira vermelha e um abre alas com banda de música.

Depois de andarem 13 anos a dizer que não precisavam de nada do 'colon', que nós sabemos governar melhor e os nossos amigos vão-nos ajudar, admira a desilusão de Luís Cabral, com a debandada dos funcionários colonialistas.

De facto até parecia fácil governar as colónias portuguesas para quem conhecia bem aquela "paz colonial", por dentro e por fora, com a colaboração de funcionários como Luís Cabral, Amílcar Cabral, Aristides Pereira... em geral.

Para alguns correu bem, outros nem tanto. (**)


7 de novembro de 2023 às 19:10

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24820: Notas de leitura (1630): Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2022:

Queridos amigos,
A vida ensina-nos, no campo da investigação e noutros domínios, que é salutar para a consistência das ideias revermos textos importantes, e no caso vertente a entrevista que Carlos de Matos Gomes concedeu a 2 investigadores do Centro de Estudos de História Contemporânea, do Instituto Universitário de Lisboa, revela-se como uma das peças indispensáveis para o estudo da descolonização da Guiné, que pensaram e como agiram aqueles oficiais na génese da sublevação, como se constituiu o Movimento dos Capitães e o MFA, como foi possível, ato inédito, o grosso dos escol das Forças Armadas na Guiné terem feito o que fizeram; e como é indispensável o seu olhar para se entender o que foi a desmobilização das poderosas forças do Batalhão de Comandos Africanos, como se verificará no próximo texto.

Um abraço do
Mário



Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (1)

Mário Beja Santos

Li pela primeira vez este texto que vem integrado na obra Vozes de Abril na Descolonização, com organização de Ana Mouta Faria e Jorge Martins, uma edição do CEHC – IUL, 2014, provavelmente no ano seguinte e fiz texto para o nosso blogue. 

Correu muita água debaixo das pontes, não se podia imaginar que a questão tivesse arrumada, é obrigatório que haja outras perspetivas sobre a descolonização da Guiné, mas o facto é que esta entrevista se mantém modelar e de indiscutível historicidade. Primeiro, porque este oficial do Exército não foi desmentido minimamente quanto ao processo organizativo na Guiné do Movimento dos Capitães/MFA; nenhuma opinião veio contrariar o que ele escreve sobre os acontecimentos do dia 26 de abril, fenómeno inédito comparativamente ao que se passou em Angola e Moçambique; e numa altura em que se retoma a questão polémica dos Comandos Africanos, com alardes de mentira descarada e de escamoteamento do rigor dos factos, até em pretensas teses de doutoramento, este oficial do Exército relembra tudo quanto se passou ao nível da desmobilização do Batalhão de Comandos Africanos e das duas unidades de Fuzileiros Africanos, preto no branco. Razões, parece-me, que justificam voltar ao texto da entrevista de Carlos de Matos Gomes.

Para os autores deste projeto, o móbil subjacente era o de contribuir para o conhecimento sobre a descolonização portuguesa na parte final, olhando-a sobretudo a partir das dinâmicas locais das três colónias africanas em guerra.

Antes de se referir propriamente ao seu itinerário militar e à forma como se associou, a partir de 1972, à análise da evolução da guerra e as possíveis soluções admissíveis, é recordado nas colónias, tal como em Portugal, o processo da mobilização política foi desencadeado no anúncio da realização do Congresso dos Combatentes, a decorrer no Porto no início de junho de 1973, um elevado número de oficiais prontamente detetou que aí se ia procurar legitimar a continuação da guerra. 

O protesto a partir da Guiné reuniu mais de 400 assinaturas. Estava esta contestação em curso e apareceu outra, face à legislação que procurava suprir a carência de oficiais profissionais através do acesso a uma rápida carreira proporcionada a milicianos com serviço de guerra. Há entendimento de que a campanha contra os decretos deve ser considerada como o acontecimento fundador do Movimento dos Capitães do Exército. Constituiu-se uma rede onde passaram a circular informações, comunicados, cartas de discussão política.

Lá para os finais de 1973 a rede do Movimento dos Capitães encontrava-se organizada em núcleos implantados nos 3 teatros de operações. O entrevistado observa que na Guiné, onde o núcleo dinamizador da discussão política se encontrava em funcionamento desde o segundo semestre de 1972, a fase do movimento organizado começou no verão de 1973. E dá notas precisas. A Comissão Coordenadora formou-se em Bissau com major Almeida Coimbra, os capitães Matos Gomes, Duran Clemente e António Caetano. O núcleo da Guiné do MFA estabeleceu-se em 15 de maio de 1974, possuía uma assembleia de representantes dos 3 ramos das forças armadas, uma comissão central, e haveria uma organização formada depois do 25 de abril, o Movimento Alargado de Oficiais, Sargentos e Praças. Foi nesse contexto que se publicou em 24 de maio a circular do chefe de Estado-Maior das Forças Armadas integrando representantes deste movimento na cadeia de comando das Forças Armadas.

Retomando ao itinerário curricular de Carlos de Matos Gomes, depois da Academia Militar enveredou na arma de Cavalaria, esteve em Moçambique e Angola, aqui frequentou o Centro de Instrução de Comandos, voltou a Moçambique, foi instrutor na Academia Militar, seguiu-se a comissão da Guiné. Foi duas vezes agraciado com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe. 

O seu percurso depois de 25 de abril: comandante do Batalhão de Comandos, na Guiné, em Portugal participou nas campanhas de dinamização cultural; em 20 de novembro de 1975 subscreveu o Manifesto dos Dezoito, documento que congregava militares defensores do poder popular de base. É do domínio público todo o seu intenso percurso literário, tanto na ficção como em obras de História Militar.

“Ofereci-me como voluntário para os Comandos Africanos da Guiné na medida em que entendia que a guerra só por si não tinha nenhuma saída. Queria participar, observar a solução que o general Spínola estava a ensaiar na Guiné então como assessor. Spínola procurava a solução político-militar para a Guiné isto enquanto o PAIGC, após o assassínio do seu líder produzia operações de grande envergadura, o chamado Inferno dos 3 Gs”. 

E considera que a partir daí a situação entrara numa fase de grande degradação. “A Guiné foi o ninho ou embrião de tudo aquilo que veio a ocorrer aqui em Portugal”. Não deixou de aludir à sua consciencialização política e aos contactos que estabeleceu em Bissau com José Manuel Barroso e Jorge Sales Golias.

Refere-se depois à génese e estruturação do MFA no território. Tudo começou com um grupo que integrava o entrevistado, Sales Golias, José Manuel Barroso, Duran Clemente, um oficial da Força Aérea e um engenheiro do Exército, reuniam-se regularmente no Agrupamento de Transmissões. Este grupo irá contestar o Congresso dos Combatentes e fará aliança com os spinolistas. Não deixa de mencionar fatores contextuais que lhe parecem relevantes: o aparecimento do jornal Expresso e as diligências de Spínola à procura de negociação com Cabral. Tem uma palavra sobre a reocupação do Cantanhez, no final de 1972: 

“Nós percebemos que essa operação tinha para o general Spínola, como objetivo explícito, marcar uma presença. Para nós isso significava que ele queria apenas dizer que ia deixar a Guiné mais ou menos como a tinha encontrado, e é isso que irá acontecer”.

Dirá adiante que o mês de maio de 1973 foi revelador da incapacidade de sustentar uma situação apenas pelas forças militares. Spínola parte definitivamente, mas o grupo continuou a reunir-se, e manteve-se muito ativo na altura em que surgem os célebres decretos que agitaram a corporação. Adianta que as cartas enviadas para o governo iriam alimentar divisões dentro do regime, a situação revelou-se imparável, o 1.º decreto foi alterado por um novo decreto, aumentaram os vencimentos depois dessa mudança de ministro. 

Volta a mencionar a degradação da situação militar e diz que as nossas unidades que chegavam à Guiné eram cada vez piores na preparação e que o potencial militar estava degradado. Tem uma palavra para reconhecer o papel importante de Diniz de Almeida na transmissão de informações na placa giratória entre Lisboa e as colónias em guerra. Em Lisboa reunia-se um grupo na Academia Militar.

Considera que os militares na Guiné eram levados a pensar muito politicamente.

“Ali era perfeitamente patente que Portugal tinha uma colónia que não tinham o mínimo de viabilidade. Ficava muito claro que a política colonial portuguesa era irracional! Irracional, porque os grupos que nós queríamos agregar numa entidade política, num Estado-Nação, não tinham nenhuma coerência entre eles, não se identificam com essa identidade que nós queríamos criar. 

"No caso dos Fulas, eles eram inimigos dos povos dali e tinham ligações para o norte, com os Fulas do Senegal e para o interior, com os Fulas da Gâmbia e da zona da Guiné-Conacri. Daí que muitos dos nossos militares africanos tivessem famílias nos países vizinhos. Nós percebíamos que não havia nenhuma entidade política, nenhuma coesão política. 

"A Guiné, por outro lado, tinha um outro aspeto evidente para toda a gente, não tinha nenhuma viabilidade económica. E também não se percebia muito bem o que o PAIGC ia fazer da Guiné, de um território que não tem nenhuma riqueza. E isso punha em causa todo o colonialismo. Volto atrás: na Guiné havia essa consciência da incapacidade de fazer uma argamassa cultural e política daquele conjunto de povos”.

E a sua observação recai sobre os Comandos Africanos: 

“Eles faziam uma leitura como nós fazemos, como eu faço, de que a Guiné não tinha viabilidade como Nação. Eles, quando optaram por ficar com os portugueses, fizeram-no de uma forma muito consciente e, politicamente, muito informada, não por traição ao seu povo. Primeiro, eles não faziam bem a ideia de que povo eram, como, aliás, ninguém na Guiné fazia. Quem fala do ‘Povo Guinéu’, nem fala de guineenses, é o Spínola. Aquela gente que o vai procurar, e nomeadamente os Papéis, que são da ilha de Bissau, é fazer a ligação com aqueles que lhes podem dar alguma coisa e permitir que aquele espaço tenha alguma viabilidade. E era disto que nos falávamos, com franqueza, com o Saiegh e com o Sisseco e com alguns outros”.

(continua)


Carlos de Matos Gomes
Eu, Beja Santos,  e o Zacarias Saiegh, ambos no Pel Caç Nat 52, Bolonha de Finete, 1968
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24807: Notas de leitura (1629): "Memórias de um Combatente na Guiné de 69/71", por Diogo Aloendro; 5livros.pt, 2021 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24712: Notas de leitura (1620): "Tertúlias da Guerra Colonial"; edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Do conjunto de intervenções que deram origem à publicação da responsabilidade da Associação dos Pupilos do Exército, optei por aquelas que são assinadas por Carlos de Matos Gomes e Alcindo Ferreira da Silva, a primeira sem a ver com as observações sobre a quadrícula, a presença da Companhia do mato, os seus méritos e deméritos, a lógica do Regime em fazer suprir as ausências da administração por um contingente militar a quem se multiplicavam as missões e as obrigações, acabando por implicar essa unidade, em zonas de média e alta intensidade bélica, a um recuo nos patrulhamentos e operações, delegando-se nas Forças Especiais, a realização de grandes atos ofensivos. E veremos seguidamente o testemunho de quem foi fuzileiro especial e combateu em pleno mato, em Ganturé e Gampará.

Um abraço do
Mário



O modo dos portugueses fazerem a guerra no mato (1)

Mário Beja Santos

Tertúlias da Guerra Colonial é uma edição da Associação dos Pupilos do Exército, 2021, o presidente da associação convidou um conjunto de oficiais das Forças Armadas que ao longo de quatro sessões, sempre através da plataforma Zoom, analisaram as quatro dimensões tidas como mais interessantes para as tertúlias: Antecedentes políticos e fundamentos; Combater no mato; Efeitos colaterais e entimentos coloniais; Do 25 de Abril à descolonização. Estas quatro sessões realizaram-se em outubro e novembro de 2020. É da temática combater no mato que vamos aqui resumir as comunicações de Carlos de Matos Gomes sobre a quadrícula do Exército e a Marinha na guerra no mato da Guiné por Alcindo Ferreira da Silva.

Carlos de Matos Gomes observa que a quadrícula constituía a base do dispositivo militar português nesta guerra: malha de unidades, organicamente e hierarquizadas, cobrindo o território de acordo com a intensidade da atividade dos guerrilheiros, da densidade populacional, da importância económica ou tática.

 Lembra também que desde 1959 existiam estudos no Ministério do Exército para a criação de um novo tipo de unidades e de novas táticas para fazer face à evolução da situação em África. Esta quadrícula foi o dispositivo territorial exclusivo do Exército, gozou de várias designações: Regiões Militares, Comando Territorial, Zonas de Intervenção Operacionais (estas comandadas por oficiais generais e coronéis, delas dependiam os setores que por sua vez integravam batalhões e na base da quadrícula situava-se a Companhia).

A opção por este dispositivo respondia a uma dupla necessidade: a de reconquistar e manter os locais onde haviam ocorrido ações violentas de sublevação; e a de instalar órgãos de soberania e de administração até aí inexistentes.

 Era a dupla necessidade de ocupar militar e administrativamente parcelas do território onde, até ao início das ações violentas não havia presença de órgãos do Estado, nem de administração, nem serviços públicos. O autor recorda que em 1961, no norte de Angola, não existia um só quilómetro de estrada alcatroada, não existia uma rede de telecomunicações com o mínimo de eficácia e não existia uma só unidade militar. Pode mesmo tomar-se os acontecimentos da Baixa do Cassanje, janeiro de 1961, prelúdio da violentíssima sublevação dos Dembos, como prova de ausência do Estado, não assegurando as funções elementares de garantia da justiça e segurança das populações. “Não foi por acaso que as ações violentas da guerra ocorreram em zonas onde a administração do Estado estava pouco presente, ou era quase inexistente, como acontecia no norte de Angola e no norte de Moçambique”.

A Companhia de quadrícula tinha demasiado tarefas, sobre ela recaía: administrar pessoal e equipamento, incluindo a defesa e o abastecimento da tropa; órgão de soberania e de administração do território, por ausência de outro, providenciando serviços mínimos de saúde, de educação e até de justiça, agindo segundo as normas da ação psicológica; e, acima de tudo, realizar operações militares, nomadizar, fazer patrulhamentos ofensivos. “Desde cedo foi percebido pelos comandantes dos teatros de operações que só era possível cobrir todas estas tarefas em zonas de baixa intensidade operacional, onde não fosse provável a ocorrência de situações de envergadura por parte do inimigo. Onde o pelotão/grupo de combate não era suficiente, e em boa parte dos teatros de operações deixou de ser nos primeiros anos da guerra, a atividade operacional ficava circunscrita às imediações do aquartelamento e quase se reduzia às colunas logísticas de reabastecimento, era uma atividade que se limitava à presença e à ação psicológica”.

Esta implantação territorial na quadrícula de companhia, observa o autor, teve o mérito de aproximar os seus militares das populações africanas, a quem proporcionaram significativas melhorias das condições de vida, mas desviavam o Exército da função principal de combater, o que fez com que as ações militares de alguma envergadura tivessem de ser assumidas pelas forças de intervenção, maioritariamente constituídas pelas tropas especiais. E há os efeitos perversos: “A reduzida capacidade operacional das companhias da quadrícula provocou o aumento de efetivos de unidades de intervenção, quase sempre especiais, mais caras e mais difíceis de obter. A quadrícula de companhia tornou ainda o Exército, no seu todo, como uma força defensiva, fixa ao território, sem mobilidade, com as suas unidades vulneráveis, e exigiu um esforço excessivo e pouco remunerador para manter este dispositivo. No final da guerra, em especial na Guiné e em Moçambique, a quadrícula de companhias consumia-se em boa parte para manter uma ocupação ineficaz do território, os seus quartéis constituam alvos fixos e remuneradores para os guerrilheiros”.

O regime de Salazar viu nesta solução de administração militar uma série de vantagens: era barata, pois os recursos das Forças Armadas substituíam o que competia com uma administração civil; solução que também agradava os militares, pois era moralmente mais recompensador dedicarem-se a tarefas de apoio social do que à guerra. “Em Angola, onde os efetivos em 1960 eram de cerca de 70 mil homens, o general Fraser, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas sul-africanas, numa reunião com as autoridades portuguesas, calculava que um máximo de 30 mil homens seria suficiente, desde que empregues naquilo que as Forças Armadas poderiam fazer, combater o inimigo, e desde que existisse um bom governo civil”.

E há o chamado sentimento de dever, a razão por que se luta, que o autor assim resume: “Na guerra colonial, curiosamente de forma muito semelhante ao que aconteceu com a participação de Portugal na Grande Guerra, as tropas nunca souberam com clareza por que combatiam. As respostas que davam nos inquéritos referem o cumprimento de um dever (resignação); defender o que é nosso (a adoção de um discurso vazio, que era contrariado por parte dos militares quando reconheciam que a guerra aproveitava a uns poucos que com ela enriqueciam à custa do sacrifício dos soldados). Mas as tropas, também como na Grande Guerra, foram, no geral, mal instruídas, e o seu nível quer de motivação quer de instrução sofreu uma contínua degradação ao longo dos anos de guerra”. O autor explana ainda a opinião dos Aliados, a situação em Moçambique e conclui assim: “A guerra colonial era, por motivos históricos e de conjuntura nacional, uma guerra perdida à partida, no sentido em que a vitória seria manter no último quarto do século XX uma entidade política com uma pequena cabeça na Europa, espalhado por três continentes e pelos três oceanos do planeta. Mas a guerra travada no mato, nas florestas, nas chanas, nas bolanhas de Angola, de Moçambique e da Guiné sofreu dos condicionamentos gerais da participação de Portugal na Grande Guerra. O mato de África não foi um lugar de glória nem de boa memória”.

Vamos de seguida ver uma exposição sobre a Marinha na guerra no mato da Guiné.

(continua)
Alferes Marques Vieira, 1971. Imagem carregada por Kai Archer, com a devida vénia
Viagem num rio da Guiné. Imagem retirada de GUINÉ BISSAU - Memórias, com a devida vénia
Fuzileiros a caminho de uma operação na Guiné. Imagem retirada de fuzileiros especiais 12 - 1970 / 1971 - guiné, com a devida vénia
Parte do armamento apreendido na Operação - Cocha, na base do PAIGC zona de Cumbamory, pelo destacamento de Fuzileiros Especiais. Imagem retirada de fuzileiros especiais 12 - 1970 / 1971 - guiné, com a devida vénia


Fixação do texto e edição de imagens: Carlos Vinhal
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24697: Notas de leitura (1619): "PAIGC A Face do Monopartidarismo na Guiné-Bissau", por Rui Jorge Semedo; Nimba edições, 2021 (Mário Beja Santos)