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sábado, 4 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)


O José da Cruz Mamede, de Casal Comba, Mealhada, morto em 12 de outubro de 1970:  foto de álbum da família. Cortesia de Lucília da Cruz Mamede (2007). A legenda é do Afonso Sousa.

Entretanto, por pesquisa na Net, ficámos a saber que a Câmara Municipal da Mealhada, em reunião ordinária de 26 de junho de 2021, aprovou por unanimidade "a alteração toponímica, na localidade de Casal Comba, da atual 'Rua de Traz das Eiras' para 'Rua José da Cruz Mamede'. Por ser esta a rua onde nasceu e viveu o homenageado antes da sua mobilização para a Guerra Colonial e onde viveu a sua família." 


1. A pedido da irmã, Lucília Cruz Mamede (Casal Comba, Mealhada) do nosso infortunado camarada, o ex-1.º cabo, de rendição individual, José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58, morto na emboscada de Infandre, em 12 de outubro de 1970, o nosso camarada Afonso Sousa, depois de dois anos de pesquisa (desde setembro de  2005) (*), organizou este dossiê (**), que merece honras de antologia e de ser republicado por ocasião dos 20 anos de existência do nosso blogue. (***)

O Afonso Sousa é um histórico do nosso blogue, é um dos primeiros de nós a  integrar a nossa tertúlia (logo em junho de 2005): tem 63 referências, foi fur mil trms, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70), vive em Maceda, Ovar (a 70 km a noroeste da Mealhada, ambos os concelhos pertencendo ao distrito de Aveiro).


O fatídico dia 12 de Outubro de 1970: 
a emboscada de Infandre

por Afonso Sousa

“Recordar é manter a memória colectiva 
ao transmitir os factos do passado às novas gerações”.

 
I. Sete horas da manhã. Militares do Pel Caç Nat 58 e da CCAÇ 2589, acantonados em Infandre (cerca de 10 km a NW de Mansoa), partem deste aquartelamento em direcção a Mansoa, em 2 viaturas Unimog, a fim de efectuarem mais um reabastecimento da Unidade.

Para a deteção de minas, um grupo de militares segue à frente das viaturas, fazendo a habitual picagem da estrada (de terra batida). Duas horas depois a coluna chega a Mansoa.

As viaturas são colocadas nas posições de reabastecimento. Alguns dos militares, como sempre o fazem (sempre que se deslocam à vila), procuram de imediato o único estabelecimento de comidas onde poderão refrear todo o seu justificado apetite pelo esforço destas 2 horas de marcha.

II. Encaminham-se, como sempre, para a Casa Simões, ali mesmo ao lado da Igreja de Mansoa. 

O Simões havia também cumprido o seu serviço militar na PM (Polícia MIlitar). em Bissau, e resolveu continuar na Guiné, abrindo em Mansoa um pequeno restaurante, sobretudo para apoio à comunidade militar desta zona. Por aqui, ele estava na boca de quase todos. Os que vinham da periferia não hesitavam em fazer uma visita ao restaurante. Assim aconteceu com estes militares do aquartelamento de Infandre. Era como que reviver, por instantes, sabores e momentos da saudosa Metrópole.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Igreja > Aqui estiveram as urnas dos militares mortos na emboscada de 12 de outubro de1970 , para as devidas honras e formalidades


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Casa Simões > Na esplanada do restaurante almoçam os fur mil César Dias e Caetano


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  O fur mil César Dias (à direita) e o 1º cabo Brogueira


IV. Reconfortados, estes militares lá voltaram ao espaço do reabastecimento. A operação de carga conclui-se. 

Eram cerca de 11 e meia. Ia começar a viagem de regresso a Infandre. Alguns civis, como de costume, acomodam-se nas viaturas, com as suas compras. A velocidade ronda os 50 - 60 km/h. 

Por volta das 11,45h a coluna está à vista do aquartelamento de Braia. Resolvem parar para um cumprimento rápido aos seus vizinhos e camaradas amigos e tomarem uma bebida. Deixam as viaturas sobre a direita da picada e vão até ao interior do fortim. A visita é rápida, não mais que 10 minutos.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia > O fortim do destacamento


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia  > Efectivos do destacamemto > Parte do 3.º Pelotão da CCAÇ 2589 ("Os Peras") mais quatro elementos do Pel Caç Nat 58 (um deles é o fur A Silva Gomes). Os restantes elementos destes dois Pelotões, juntamente com um Grupo de Milícia, constituiam o efectivo.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia > 
Interior do aquartelamento (Messe). O fur mil António Silva Gomes, de perfil, a ler um jornal ou revista.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia  > Em posição de continência,  o fur A Silva Gomes,  do Pel Caç Nat 58


V. É agora quase meio-dia. Vão retomar o caminho rumo a Infandre. Faltam apenas pouco mais que 4 Km.

Decorrem cerca de 5 minutos, após a partida. Os militares de Braia ouvem um intenso tiroteio para o lado do caminho que a coluna de Infandre seguia. Pressentiram, de imediato, que estava a ser atacada. A sua reacção foi instantânea. As duas viaturas do fortim, puseram-se estrada fora, a toda a velocidade. 

A estrada descreve uma curva à direita. Há um fardo de palha (talvez colmo) na estrada. Contornam-no. Cerca de trezentos metros depois da curva avistam-se as duas viaturas do aquartelamento de Infandre. Estão paradas na estrada. Em cima delas, nativos de armas apontadas ripostam à progressão dos homens de Braia. 

Estes saltam das viaturas e começam a progressão de forma mais cautelosa, pelas bermas da picada, junto ao capim. O furriel António Silva Gomes refere que teve necessidade de reposicionar-se para não ser atingido. Alguém lhe estava a chamar a atenção para isso. A nossa reacção foi determinada e eficaz. Os elementos do PAIGC começam a evadir-se no mato. 

Os militares socorristas aproximam-se. Junto às duas viaturas o ambiente é desolador, dramático... Militares mortos e feridos, no chão, em redor das duas viaturas. Os feridos em estado desesperado. Começam a ouvir-se o estrondo das granadas dos obuses de Mansoa que caíam para o lado da fuga do inimigo. Alguém já tinha dado o alerta. Procura-se o socorro possível aos feridos e estabelece-se a comunicação para as necessárias evacuações. 

O cenário é dantesco e de profunda emoção e tristeza. Um pelotão inteiro está ali, naquele pequeno espaço, completamente abatido. Os olhos humedecidos são de tristeza e de raiva. O inimigo tinha atingido os seus desígnios de forma cruel e bárbara. Diz o furriel António Silva Gomes: 

− Deparámos depois que a cerca de 50 metros, para o lado contrário da emboscada, junto a um bagabaga, aí se haviam escondido cinco dos nossos militares, sobreviventes sem ferimentos, que de forma instantânea e algo feliz conseguiram evadir-se através do alto capim, para o outro lado da picada.

Entretanto chegavam também, em socorro, militares de Infandre. Estes demoraram mais porque tiveram que fazer a deslocação a pé (as duas únicas viaturas existentes eram as que tinham sido emboscadas).

VI. Introduzo aqui um parêntesis para referir que tive, entretanto, conhecimento que o 1.º cabo enfermeiro António Oliveira, do Hospital Militar 241 de Bissau, chegou exactamente ao local da emboscada, por volta das 12,30h. 

Ele era um dos elementos que integrava a equipa do helicóptero que procedeu à evacuação dos feridos de maior gravidade.

Por ironia do destino, o Oliveira também é da Mealhada e morava a pouco mais de 2 km do José da Cruz Mamede. Este tinha estado a gozar férias em Bissau onde, conforme combinação prévia, deveria ter visitado o António Oliveira, no Hospital Militar. Por qualquer circunstância,  o José não esteve com ele e voltou a Infandre uns dias antes da fatídica emboscada.

O António Oliveira reconheceu, no capim, o seu amigo.  Estava do lado esquerdo (conforme a orientação das viaturas), a cerca de 10/15 metros da berma da estrada. Já estava sem vida. À minha observação para a distância a que se situava em relação ao local exacto da emboscada, disse-me que, provavelmente, ainda se terá arrastado naquele espaço, enquanto as forças lho permitiram.

Quanto ao Serifo Djaló, que morreu em Bissau, cinco dias depois, e o Natcha que morreu em 20 de novembro, confirma que se tratavam de elementos apanhados nesta emboscada e que haviam sido evacuados para Bissau.

Dada a quantidade de feridos, deram instruções imediatas para que de Bissau, partissem 2 ambulâncias, por estrada. Os 3 ou 4 feridos de maior gravidade, foram, de imediato, evacuados de helicóptero.

Refere que, antes de procederem à descida, no local, um T6 procedeu a bombardeamentos no enfiamento de Morés e Canquebo.

O António Oliveira não põe de lado a hipótese da coluna ter parado entre o fortim de Braia e a zona da emboscada, para dar boleia a alguém da população. Continua, por isso, a haver alguma dúvida se terão parado, para esse efeito. 

A paragem poderia ser tácita com os elementos do PAIGC. Por ora, é ainda uma questão difícil de investigar ou concluir. Sobre esta questão, o ex-furriel António Silva Gomes (um dos socorristas de Braia) afirma de forma quase peremptória que não houve qualquer paragem, dado que entre a saída de Braia e o momento da emboscada, apenas decorreu um intervalo de cinco minutos.

Quem sabe se algum daqueles 5 militares que estavam ilesos, atrás de um bagabaga, poderiam ajudar a esclarecer o assunto.

O problema é que ainda não se descobriu os seus nomes. Supõe-se que um deles terá sido o 1.º cabo Costa (Laureano Augusto Costa ?) que esteve emigrado em França e que acaba de regressar à sua terra, em Mirandela. O seu depoimento seria de grande interesse, mas não foi ainda possível contactá-lo.

VII. Segundo o António Oliveira, quem esteve também no local, nesse momento ou no dia seguinte, foi o Marcelino da Mata. 

O seu testemunho também poderia ajudar na pormenorização de uma ou outra questão sobre as quais pareça subsistir ainda alguma dúvida ou menor clarificação, como, por exemplo, esta: o ex-furriel César Dias diz que só no dia seguinte (13 de outubro) foram evacuados, de Mansoa, 6 elementos do Pel Caç Nat 58. 

O cabo enf António Oliveira diz que, de imediato (12 de outubro), foram chamadas ambulâncias, de Bissau, para procederem à evacuação de todos os feridos que o transporte de helicóptero não pôde contemplar.

Falta saber, quanto ao atado de palha, deixado na estrada (logo após a curva, pouco mais de 1 km à frente de Braia), se foi ou não aí colocado pelo IN e, em caso afirmativo, se o terá feito antes ou depois da passagem da coluna emboscada.

Os taipais das viaturas encontravam-se muito esburacados por força das rajadas, feitas quase à queima-roupa, já que a emboscada foi executada por elementos do PAIGC, camuflados no alto capim (lado N), a escassos 2 metros da borda da picada. Os nossos militares estimaram que seriam cerca de 100 guerrilheiros, com um relevante potencial de armamento.

O furriel Dinis César de Castro foi capturado, tendo-lhe sido exigido que tirasse a farda. Recusou-se, com grande determinação e enorme sentido de patriotismo. Foi cruelmente rasgado, de lado a lado, com rajada de metralhadora. 

Este incomensurável gesto de patriotismo haveria de ser reconhecido pelo Estado português, quando, na cerimónia do 10 de Junho de 1971, Dinis César de Castro foi condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra.

VIII. Introduzo aqui um testemunho, recente, de alguém que, na altura, seguiu e viveu este acontecimento:


"12-10-1970 é uma data que recordo com tristeza. Como muitas outras, era mais uma coluna a passar naquele itinerário, (Braia-Infandre), mas daquela vez havia à volta duma centena de guerrilheiros emboscados com morteiros, lança-granadas-foguete e armas automáticas. Chegaram mesmo a lutar corpo a corpo. 

"Sofremos 10 mortos (entre os quais, do Pel Caç Nat 58, o 1.º cabo José Mamede, o 1.º cabo Joaquim Baná e os soldados Cumba, Seidi, Mundi, e Baldée da CCAÇ 2589 o meu amigo Furriel Mil de Op Esp Dinis Castro, e os soldados Joaquim M Silva, Joaquim J Silva, Duarte Gualdino, a quem presto sentida homenagem), 9 feridos graves, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado. 

"Recorri aos documentos que guardo com muito carinho, e mais uma vez fiquei emocionado" (Furriel mil César Dias – CCS / BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)


IX. Em 20 de Novembro de 1970, o furriel Carlos Fortunato, da CCAÇ 13, que se dirigia para Bissau para participar na Operação Mar Verde, passou no local da emboscada e viu, espetada num tronco, uma granada de RPG-7, que não tinha explodido. Estimava em cerca de 3 Km a distância até Braia. E, de facto, esse cálculo não estava muito longe da realidade.

Mais duas informações, entretanto recolhidas:

- Às 18,35h do próprio dia 12 de outubro de 1970, o IN flagelou Mansoa, com canhão sem recuo, a partir de Cussanja (junto ao Rio Geba) - 4,4 Km a SE de Mansoa, no entroncamento da estrada Mansoa-Cussaná-Cussanja com a estrada de Jugudul-Porto Gole. Cussanja, pela sua situação, junto à margem do Rio Geba, o IN tinha-a como um ponto privilegiado para flagelações de Mansoa. 

Tudo indica que esta flagelação terá surgido como retaliação aos bombardeamentos aéreos feitos pelas nossas tropas, logo a seguir à emboscada e teriam como objectivo surpreender os efectivos de Mansoa que estavam preocupados com a recolha dos mortos e feridos e com todas as acções inerentes ao desfecho da emboscada. Cussanja ficava precisamente do lado oposto de Braia/Infandre, a NW de Mansoa.

As pesquisas levam-nos, por vezes, a resultados surpreendentes, como é este caso que me acaba de ser relatado pelo 1.º Cabo Luís Camões, à altura, em Mansoa: 

O condutor de uma das duas viaturas emboscadas, quase dado como desaparecido, surgiu, à noite, em Mansoa (com a sua G3), depois de ter percorrido, pela mata, cerca de 9 km, previsivelmente em puro sofrimento (*). Falta averiguar o seu nome e se ainda permanece entre nós para, neste caso, procurar obter o seu testemunho e o porquê deste seu arriscado procedimento. (Pertencia à CCaç 2589 e estava adstrito ao Pel Caç Nat 58, em Infandre.)

X. O trajeto e os momentos do fatídico dia 12 de outubro de 1970

Momentos:
  • 7:00  >  Saída de Infandre
  • 9:00 >  Chegada a Mansoa
  • 9:30 - 10:00 >  Alguns dos elementos da coluna fazem a habitual visita à Casa Simões 
  • 10:00 - 11:30 >  Carregamento do reabastecimento
  • 11:50 >  Chegada a Braia
  • 11: 45 - 11:55 > Paragem em Braia
  • 12:00 >  Emboscada
  • 12: 04 >  Ajuda de Braia (chegada a 300 m do local da emboscada)
  • 12: 10 > Termo dos confrontos – evasão dos guerrilheiros do PAIGC

Distâncias:
  • Braia ao local da emboscada: 2,26 Km (0,8 Km na parte recta)
  • Braia a Infandre: 4,69 Km
  • Local da emboscada a Infandre: 2,43 Km
  • Infandre – Mansoa: 9,56 Km
  • Infandre – Namedão: 8 Km

Guiné > Região do Oio > Mansoa (1954) > Carta de 1/50 mil >  Trajeto Infandre - Braia - Mansoa, em 12 de outubro de 1970


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Estrada Mansoa - Braia -Infandre > 
Reta de 800 metros, entre a estrada da emboscada e a entrada do aquartelamento de Infandre


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > 
Local: a cerca de 500 metros do cruzamento para Infandre. Deslocação de uma das viaturas de Infandre, para apanhar lenha precisamente junto à estrada, a cerca de 1500 metros, onde, mais tarde, havia de acontecer a emboscada


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > s/d > Estrada Mansoa-Bissorã, algures, após o antigo fortim de Braia


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Uma 
 coluna da CCAÇ 13 acaba de atravessar a bolanha e o rio Braia e aproxima-se do aquartelamento de Braia


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >
Uma coluna da CCAÇ 13 após atravessar a bolanha, junto ao Rio Braia


XI. Mortos e feridos

A trágica ocorrência redundou em 10 mortos, 9 feridos, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado. (6 mortos e 6 feridos eram do Pel Caç Nat 58 e os restantes da CCAÇ 2589 e população) . 

Dois dos feridos do Pel Caç Nat 58  vieram depois a falecer em Bissau, o que elevou o número de mortos, do Pel Caç Nat 58, para oito.

Listagem de mortos do Pel Caç Nat 58 e da CCAÇ 2589

As listas dos combatentes falecidos no Ultramar, que podem ser consultas no site da APAV, ou da Liga dos Combatentes, nem sempre são rigorosas, neste caso omitiram o falecimento do sold Joaquim Manuel da Silva da CCAÇ 2589 (12/10/1970).

Lista dos mortos do Pel Caç Nat 58
  • Bomboro Joaquim - 21-08-1969
  • Joaquim da Silva Magalhães, 1.º Cabo - 30-08-1969
  • José da Cruz Mamede, 1.º Cabo - 12-10-1970
  • Joaquim Banam, 1.º Cabo - 12-10-1970
  • Idrissa Seidi, Sold - 12-10-1970
  • Tangina Mute, Sold - 12-10-1970
  • Betaquete Cumbá, Sold - 12-10-1970
  • Gilberto Mamadú Baldé, Sold - 12-10-1970
  • Serifo Djaló, Sold - 17-10-1970
  • Natcha Quefique, Sold - 20-11-1970

Lista dos mortos da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885
  • José Luciano Veríssimo Franco - 29-05-1969
  • António José Penhasco da Costa - 09-11-1969
  • Joaquim Moreira Marques - 09-11-1969
  • Dinis César de Castro, fur mil - 12-10-1970
  • Duarte Ribeiro Gualdino, sold - 12-10-1970
  • Joaquim João da Silva, sold - 12-10-1970
Em 20-11-1970, o fur mil Henrique Martins de Brito, do Pel Caç Nat 58, foi evacuado para a Metrópole.

Feridos do Pel Caç Nat 58 evacuados de Mansoa, para o HM241 de Bissau, no dia seguinte ao da emboscada:
  • Augusto Ali Jaló – 2.º sarg mil
  • Jamba Seidi – 1.º cabo
  • Malam Dabó – Sold
  • Serifo Djaló – Sold (viria a falecer 4 dias depois – 17-10-1970)
  • Jorge Cantibar – Sold
  • Samba Canté – Sold

XII. Notas e esclarecimentos adicionais:

(i) Justificação do espaço de 5 minutos entre a saída da coluna de Braia e o momento da emboscada:
  • Saída do fortim, chegada às viaturas e pô-las em movimento: 2 minutos;
  • Percurso de 2,26 Km (à velocidade provável de 50 km/h): 2,71 minutos (total: +/- 5 minutos).
Tem este cálculo o objectivo de comprovar (e confirmar testemunhos) de que neste espaço de 2,26 km a coluna não fez qualquer paragem e que o molho de palha encontrado na estrada, pelos militares de Braia, terá, eventual e estrategicamente, ali sido colocado por algum dos guerrilheiros do PAIGC, logo após a passagem da coluna, talvez com o objectivo de confundir ou surpreender os homens de Braia ou moderar a passagem das suas viaturas.

(ii) O José da Cruz Mamede (n.º 17762169), desembarcou em Bissau em 21/11/69. Veio, em rendição individual, para substituir o 1.º cabo Joaquim da Silva Magalhães (n.º 01779368), falecido em combate (Pel Caç Nat  58) em 30/8/69. O Manuel João Mimoso Belo (Sacavém) foi posteriormente para Infandre, para substituir o José da Cruz Mamede.

(iii) O Pel Caç Nat 58 chegou a Infandre a 16/11/69, para substituir o Pel Caç Nat 62, que foi extinto.

Durante a permanência em Infandre, o Pel Caç Nat 58 sofreu 16 confrontos, entre flagelações e emboscadas.

Era comandante do Pel Caç Nat 58 o alferes Eduardo Ribeiro Manuel Cardoso Guerra que não esteve envolvido neste acontecimento, visto não ter feito parte da coluna de reabastecimento. Consta-se que, posteriormente, foi evacuado para a Metrópole, não se sabe se por doença ou por ferimentos em combate.

(iv) À data da emboscada, era esta a distribuição dos efectivos militares, nestes 2 destacamentos:
  • Infandre: 2 Sec do Pel Caç Nat 58 + 1 Sec de um 1 Gr Comb da CCAÇ 2589 + Grupo de Milícia;
  • Braia: 2 Sec de um Pel da CCAÇ 2589 + 1 Sec do Pel Caç Nat 58.
(v) O Henrique Martins de Brito, furriel, mais tarde (20/11/70), viria a ser evacuado para a Metrópole, não se sabe se em consequência de ferimentos, nesta emboscada.

(vi) Em Mansoa estava sediado o BCAÇ 2885 (RI 15 – Tomar – Maio de 1969 a Fevereiro de 1971). Rendição do BCAÇ 2885 pelo BCAÇ 3832 (RI 2 – Abrantes - Janeiro de 1971 a Janeiro de 1973.
 
(vii) Testemunho que  obtive, em 2007,  de um dos feridos na emboscada :

O Augusto Ali Jaló,  então 2.º sargento, era o comandante desta coluna de reabastecimento. Localizei-o na zona de Lisboa. Tive com ele uma agradável conversação, no sentido de tentar obter a clarificação de algumas destas questões. Nesta coluna, o Augusto seguia na viatura da frente, a mesma onde também seguia o José Mamede. Ao eclodir da emboscada, saltou da viatura. Não foi atingido mas sofreu um severo trautamatismo craneano e uma grave contusão no joelho esquerdo. O helicóptero que se apresentou no local, 20 minutos depois da emboscada, levou o Jaló para Bissau, juntamente com outros 3 dos feridos mais graves. Esteve 3 meses, com gesso, no Hospital de Bissau.

Quanto à sua condecoração, confirma-se. Na cerimónia do 10 de junho de 1970, em Bissau, foi condecorado com a medalha de cobre de Serviços Distintos com Palma. Em Agosto, seguinte, foi promovido a 2.º Sargento.

Outras clarificações:

O furriel Henrique Martins de Brito, evacuado para a Metrópole 8 dias depois da emboscada, não participou nesta coluna de reabastecimento. A sua evacuação terá derivado de doença.

O molho de palha (molho de "fundo", segundo o Jaló) que estava na estrada, após a curva, foi deixado por algum elemento da população, logo após ouvir a 1.ª detonação da emboscada. Não se tratou, por isso, de qualquer estratagema do PAIGC. Quando a coluna passou não estava lá.

Confirma o Augusto Jaló que não pararam para dar qualquer boleia o que, de todo, dissipa algumas dúvidas que ainda existiam sobre esta questão.

E revela ainda: na zona da emboscada, os guerrilheiros haviam colocado uma mina antcarro mas, à vista da coluna e à sua aproximação ao sítio da mina, os guerrilheiros anteciparam-se com uma roquetada. O condutor da 1.ª viatura (onde ia o Jaló), desviou-se ligeiramente para a direita e, por felicidade, contornou a mina, não a accionando. De contrário a tragédia teria sido ainda maior. 

O José Mamede ia do lado direito dessa 1.ª viatura (lado da emboscada e lado do Morés). Foi atingido e ainda encetou um movimento de refúgio para o lado esquerdo. Morreu a cerca de 15 metros da estrada. Foi aí que o seu conterrâneo e amigo António Oliveira (1.º cabo enf do HM241 de Bissau) o encontrou, após a descida do helicóptero que veio proceder à evacuação dos feridos de maior gravidade, entre eles o Jaló.

Confirma também o Augusto que uma secção do Pel Caç Nat  58 fez a picagem entre Infandre e Mansoa e que alguns dos elementos da coluna estiveram a comer na Casa do Simões e na Tasca da Emília de Sá. (Em 2007, o Simões era o gerente e proprietário de “O Painel – Restaurante Simões, Lda”, próximo da Curia.)

O Jaló, como responsável da coluna, não pôde deslocar-se a estes estabelecimentos, de visita costumada, por estar envolvido na orientação do reabastecimento.

Sobre os 5 militares que se protegeram atrás de um bagabaga, não sabe dizer quem eram, dado que estava muito ferido e foi, de seguida, evacuado para Bissau. O mesmo e pelas mesmas circunstâncias, quanto ao condutor que, à noite, apareceu em Mansoa, apenas acompanhado da sua G3.

Os militares mortos foram levados para Mansoa, onde estiveram na igreja local, para as habituais formalidades.

Outros testemunhos poderão, ainda, vir a ser obtidos, no sentido de chegar a um registo factual, tão exaustivo quanto possível, sobre este trágico acontecimento.


XIII. Agradecimentos

A todos os que, de alguma forma, contribuíram com as suas informações ou testemunhos, para que se pudesse encontrar a clarificação possível sobre esta trágica ocorrência.

Entre esses, permito-me destacar:
  • César Dias (fur mil sapador, CCS BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71):procedeu a um armadilhamento na zona Braia-Infandre (por estas alturas);
  • António Silva Gomes (fur mil, Pel Caç Nat 58,  Braia, 1970);
  • “Kimbas do Olossato” (onde coloquei esta 1.ª mensagem, em setembro de 2005, questionando se alguém poderia informar onde estaria sediado o Pel Caç Nat 58, em Outubro de 1970); página descontimuada: capturada pelo Arquivo.pt:  https://arquivo.pt/wayback/20140926210228/http://kimbas.no.sapo.pt/ ;
  • Benjamim Durães (fur mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72); foi crucial para o seguimento da pesquisa; foi ele que, após ter visto a minha mensagem (de 2005) no sítio Kimbas do Olossato, se me dirigiu, em 18/3/2007, para me fornecer o guião do Pel Caç Nat 58;
  • Manuel João Mimoso Belo (1.º Cabo, Pel Caç Nat 58, Infandre, 1970);
  • Dinis Pinto Silva (1.º cabo, Pel Caç Nat 58, Infandre, 1970; depois da comissão: professor em Infandre);
  • Manuel Simões (Restaurante Simões dos Leitões – Tamengos (junto à Curia, Anadia), telefone 231202031);
  • Carlos Fortunato (Fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71); criador do sítio  da CCAÇ 13: https://arquivo.pt/wayback/20140926233410/http://leoesnegros.com.sapo.pt/ ). Na página da CCAÇ 13, Leões Negros, existe uma subpágina dedicada a este tema, com o título Pel Caç Nat 58;
  •  Luís Graça (editor do maior Blog sobre a Guerra na Guiné: Luís Graça & Camaradas da Guiné;
  • Paulo Raposo (alf mil, CCAÇ 2405/BCAÇ 2852, Mansoa e Dulombi, 1968/70);
  • Joaquim Mexia Alves (alf mil, CART 3492,  Pel Caç Nat 52 e  CCAÇ 15, 1971/73);
  • Jorge Cabral;
  • Augusto Ali Jaló;
  • Eduardo Ribeiro (fur mil op esp / ranger, CCS/BCAÇ 4612; mais conhecido por Pira de Mansoa);
  • Artur Conceição;
  • Paulo Reis (Inglaterra) pcv_reis@yahoo.co.uk – jornalista em missão de pesquisa nos arquivos do CTIG);
  • Aniceto Henrique Afonso (na altura, ten cor, Director do Arquivo Histórico Militar (Exército), ahm@exercito.pt ;
  • António Oliveira (1.º Cabo Enfermeiro,  HM241 de Bissau); fez parte da equipa heli-transportada que procedeu à evacuação de alguns dos feridos, a partir do local da emboscada;
  • Lucília da Cruz Mamede (irmã do falecido José da Cruz Mamede), Mealhada.
Nenhuma pesquisa deste género poderá dar-se por finalizada enquanto subsistirem dúvidas, omissões, imprecisões ou desencontro de informações.

Pese embora toda a boa vontade, interesse e persuasão, como esforço investigativo, a exactidão, pela exaustão e cruzamento dos relatos, o fundamento dos conceitos ou a isenção, são factores determinantes que conduzem à autêntica realidade. Enquanto não se atingir esse patamar, teremos sempre e apenas relatos próximos ou tendentes a essa certeza, por onde, eventualmente, perpassam ainda algumas interrogações.

Vem a propósito referir que o Carlos Fortunato contava voltar a Infandre (provavelmente ainda no ano de 2007) e propunha-se encontrar alguém que tivesse estado envolvido nesta sinistra emboscada, que vitimou, praticamente, um pelotão. Não sabemos se o conseguiu fazer  esse papel de repórter, quase quarenta anos depois de haver calcado aquelas paragens, envergando a farda do exército português. Era sua intenção ir à procura de outros eventuais pormenores, testemunhos e justificações e trazer mais algumas imagens da realidade presente destas terras de Mansoa.

Fotos cedidas por gentileza de:
  • António Silva Gomes (Lisboa), ex-fur mil Pel Caç Nat 58;
  • Joaquim Carlos Fortunato (Lisboa), ex-fur mil, CCAÇ 13;
  • César V. Dias (Santiago do Cacém), ex-fur mil, CSS/BCAÇ 2885 (Mansoa);
  • Lucília Cruz Mamede  (Casal Comba – Mealhada), irmã do falecido José da Cruz Mamede
Com o meu especial agradecimento.

Fotos (e legendas) : © António S. Gomes, J.Carlos Fortunato, César Dias e Lucília Cruz Mamede, Afonso Sousa (2007). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 

(Revisão / fxação de texto, reedição das fotos: CV/LG)
______________

Notas de CV / LG:

(*) Vd. postes de 3 de Abril de 2007:


(**) Vd. poste de 7 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)

Vd. também poste de 3 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2807: Estórias de Jorge Picado (1): A emboscada do Infandre vivida pelo CMDT da CCAÇ 2589 (Jorge Picado)

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25438: Humor de caserna (59): O anedotário da Spinolândia (X): Alferes, cabra de mato!... Pum, pum!!! (David Guimarães, ex-fur mil at art, MA, CART 2716, Xitole,, 1970/72

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David Guimarães, Guiné-Bissau, 2001

1. O David Guimarães (ex-fur mil at inf, MA, CART 2716 / BART 2917, Xitole, 1970/72) é um dos nossos "dinossauros", um dos nossos VCC (velhinhos como o c...).

Ele é do tempo do "blogue-fora-nada", que deu origem ao atual blogue... Ele, o Sousa de Castro, o A. Marques Lopes, o Humberto Reis... foram alguns dos primeiros camaradas que me ajudaram a "exorcizar os meus fantasmas" da Guiné...

Tem 113 referências no nosso blogue.. E hoje faz anos. 77. Entrou tarde para a tropa, quando chegou ao Xitolee tinha já 23, e, quando regressou a casa, 25.

Claro que, ao fim destes anos todos (vinte!), só muito raramente ele aparece agora no blogue... É mais "feicebuqueiro" do que "blogueiro", como tantos outros... Mas a gente não se esquece do seu papel, na "proto-história" da Tabanca Grande. Tenho especial carinho e amizade por ele.

E, neste dia, além de já lhe ter telefonado e mandado "by air", para Espinho, um "balaio" cheio de votos de parabéns e de muita saúde e coragem para o resto da caminhada... (que de minas e armadilhas sabe ele!), vou ressuscitar duas das suas histórias deliciosas, passadas ainda no tempo em que eles "periquitos",o pessoal da CART (chegaram em maio de 1970).. Tem um fino sentido de humor, o David, ou não fosse ele um ex-fur mil at inf, de minas e armadilhas, que viu morrer um sapador (Quaresma) e outro furriel ficar cego (Leones).

Estas duas histórias merecem figurar no "anedotário da Spinolânda"... Diz o Carlos Matos Gomes, no seu novo livro ("Geração D: da Ditadura à Democracia", Lisboa, Porto Editora, 2024), a Guiné sempre foi até ao fim, "uma coutada pessoal de Spínola" 
(pág. 188), ao ponto de querer transformar os comandos africanos numa guarda pretoriana... 

Justa ou injustamente, temos falado aqui na Spinolândia (*), e no seu anedotário (que alimentava o nosso humor de caserna)... Na realidade, o nosso general parecia comportar-se, no CTIG, como se fosse o dono daquilo tudo... E o pessoal também o via como tal... 



Humor de caserna > O anedotário da Spinolândia>  Alferes,  cabra de mato!... Pum, pum!!! 
 
por David Guimarães


(i) Alferes, cabra de mato!


Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....

Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:

− Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar…

Os morteiros fixos lá fazem fogo de barragem. Novamente os experientes homens de armas pesadas. E que eficientes! Como eles faziam aqueles morteiros dispar tão amiúde e certeiro... Cessar fogo, tudo silêncio à volta, fora os abutres que logo foram ver o que acontecia.

− Que aconteceu? E agora... Estará alguém ferido ? O que aconteceu ? O que vamos fazer ?

Nenhum deles disse nada... mas voltaram depressa. E nós nem percebíamos ainda porque que é que eles voltaram assim tão rapidamente... Bem, lá regressa, da patrulha, o 1º Grupo de Combate. Ofegantes, e agora dentro do aquartelamento esboçando sorrisos, todos pretos... Que coisa, sempre que havias tiros ficava-se todo preto!

−Que aconteceu ?!...

Lá vem a explicação: o grupo estava a instalar-se, para um tempinho em posição de emboscada. Uma cabra de mato passa em frente... Um soldado diz para o aferes,  muito baixinho:

− Alferes, cabra de mato!
−  Atira-lhe − , responde o Alferes… 

Ah rico tiro, pum, pum!!!

E não é que o IN estava lá emboscado, do outro lado da cabra ? Seriam poucos, mas ao sentirem-se detectados deram uns tiros e fugiram, pois que entretanto também começaram a cair bem perto as granadas do morteiro do aquartelamento....

− Manga de cu pequenino

Olha que sorte, a santa cabra do mato! ... Foi ela, afinal, o nosso anjo da guarda. O Correia voltou com o seu grupo de combate inteiro e o soldado que detetou a cabra... herói. Mais tarde,  foi-lhe proposto e concedido o prémio Governador Geral. Todos achámos muito bem, veio à metrópole. Se não fora assim, nunca iria lá de férias, porque não tinha dinheiro para isso...

Ninguém soube se a cabra morreu ou não, mas os homens, depois de contados, estavam todos... E os abutres também voltaram ao aquartelamento e continuaram a comer o que restava da vaca morta nesse dia...

A guerra tinha disto também, e ainda bem... Como entendê-la ? Só um combatente... Este era o nosso tempo de recreio de guerra dentro da guerra.

(ii) O Caco Baldé no Xitole

Um helicóptero que pousa na pista do Xitole, gente da alta e o Homem Grande (General, Comandante-Chefe e Governador do CTIG - Comando Territorial Independente da Guiné): António de Spinola, ele mesmo, mais conhecido por... Caco Baldé!

Spínola, Governador e Com-Chefe, era conhecido por  Caco, Caco Baldé, Homem Grande de Bissau...

Volta à companhia, verificação da posição das NT dentro do Aquartelamento... Rapidamente se forma um U, cada qual fardado o melhor que podia, era um ver se te avias.... Sua Excelência, de pernas afastadas, mãos atrás das costas, impecavelmente fardado e com seu monóculo começa assim um discurso:

− Tenho péssimas informações do Batalhão [ BART 2917, com sede em Bambadinca ], à exceção desta companhia [ CART 2716 ]... Continuem,  etc., e tal e tal...

E lá foi o homem embora: meteu-se no helicóptero e saiu pelos ares da Guiné, algures no Leste, rumo a Bissau, possivelmente.

− - Porra que elogio, mas para quê? Ele afinal até é bom!

− Porreiro !   −  dizia um...

− Que se foda !  −  dizia outro...

− Bem, sempre é melhor este elogio do que o contrário...

− Que se lixe, já foi...

− Mas seremos assim tão bons para levar este elogia? Tão novos... merda, que se dane!...

Percebemos pouco tempo depois o que ele nos queria a dizer... Tinha-se realizado a Op Abencerragem Candente (Ponta do Inglês, Xime, 25 e 26 de Novembro de 1970, que o Luís e o Humberto já têm aqui evocado várias vezes), com um porrada de mortos e feridos...

Aí percebemos melhor o discurso do General quando na ordem de serviço veio o seguinte (reproduzo de cor): Segue para a Metrópole o tenente coronel de artilharia M. F.,  por ser incompetente para comandar um Batalhão... Em seu lugar nomeio João Polidoro Monteiro, tenente coronel de infantaria, etc. etc. etc... 

Nestas coisas, o Caco Baldé não brincava em serviço, cortava a direito... Não percebo por que é poupou o major A.C. (dizem que foi por ser antigo professor da Academia Militar...).

− Ai,  olha, ele varreu com o Nord Atlas  −   assim chamávamos nós ao M. F. (um bom homem, mas que de guerra efectivamente só deveria saber o que vinha nos livros)... 

Apanhou uma porrada desse nível e, ainda por cima, estava de férias, enquanto o A. C., o principal responsável pelo fracasso dessa operação e o consequente desastre, ficava...
 
__________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25396: Humor de caserna (58): O anedotário da Spinolândia... O "Fugitivo", por Manel Mesquita ("Os Resistentes de Nhala, 1969/71", s/l, ed. autor, 2005, pp. 130/132)

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25371: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (38): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Batalhas com o PAIGC



"A MINHA IDA À GUERRA"

João Moreira


BATALHAS COM O PAIGC

1970/MAIO/14 - EMBOSCADA NO TRILHO DO MAQUÉ
O 2.º grupo de combate a sul do Maqué emboscou 2 guerrilheiros.
Apanhou 1 elemento ferido e 1 arma PPSH
O outro guerrilheiro fugiu.

1970/MAIO/26 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
4.º grupo de combate em Bissancage.
Emboscamos 2 guerrilheiros.
Ferimos e apanhamos 1 guerrilheiro.
O outro foi ferido, mas fugiu.
Foi morto 1 soldado da milícia, por fogo da nossa tropa.

1970/MAIO/27 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
1.º grupo de combate em Bissancage.
Matou 1 IN.
3 carregadores fugiram, deixando rastos de sangue.
Foi capturada 1 espingarda SIMONOV.

1970/MAIO/31 - OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO
2.º grupo de combate.
4.º grupo de combate.
Grupo de combate de milícias.
Trilho Morés/Madina Mandinga.
Às 06h30, 1 grupo de guerrilheiros accionou uma armadilha montada pelo 4.º grupo de combate, na véspera. Fizeram fogo com armas ligeiras, RPG e morteiro 61 para ver se denunciávamos a nossa presença. A nossa chefia caiu nesse logro, respondendo ao fogo deles e denunciando a nossa presença.
Às 10h00, quando esperávamos o reabastecimento de água, fomos atacados com morteiros, RPG e costureirinhas. Pelo poder de fogo deviam ser um grupo grande e bem armado.
Neste ataque tivemos vários feridos, entre eles:
- Capitão Moura Borges (Comandante da Companhia), com gravidade;
- Alferes Silva (comandante do meu 4.º grupo de combate), com estilhaços;
- Vários soldados e milícias com estilhaços.
- o capitão e o alferes foram evacuados por helicóptero para o Hospital Militar.

1970/JULHO/08 - PATRULHAMENTO A IRACUNDA E MANACA
1.º grupo de combate.
2.º grupo de combate.
2 secções de milícias.
Atacaram grupo IN que os perseguia.

1970/JULHO/13 - OPERAÇÃO BACARÁ
Golpe de mão a Amina Dala.
Helicanhão em alerta no Olossato.
1.º grupo de combate.
4.º grupo de combate.
2 secções de milícias.
Depois do 4.º grupo de combate fazer o golpe de mão, foi perseguido por um grupo de guerrilheiros.
Houve recontro com o IN, que vinha armado com RPG, armas automáticas e morteiros 61.
Pedida a presença do helicanhão o IN fugiu e deixou-nos chegar em paz ao Olossato.
Precisávamos bem desta protecção, porque o 4.º grupo de combate trazia cerca de 40 elementos recuperados.

1970/JULHO/17 - PATRULHAMENTO OFENSIVO A CANCUNCO
1.º grupo de combate.
? grupo de combate.
Atacou um grupo IN com 10 a 15 guerrilheiros, que ripostou com RPG e armas automáticas.
Sem consequências para as nossas tropas.

1970/DEZEMBRO/30 - GOLPE DE MÃO A CANJAJA
2 grupos de combate da CCAV 2721
2 grupos de combate da CCP 121
Confronto com 2 elementos da população armados.
Captura de 1 espingarda Mauser.
No regresso o IN bateu a zona com morteiro 61.

1971/MARÇO/29 - OPERAÇÃO URTIGA NEGRA (Patrulhamento ofensivo).
Às 07h30 as nossas tropas foram flageladas com armas pesadas e ligeiras.
Às 13h30 as NT detectaram e atacaram 1 grupo IN com 15 elementos.
Sem consequências para as nossas tropas.

1971/MAIO/?? - PATRULHAMENTO OFENSIVO A MARECUNDA
1 grupo de combate da CCAV 2721
2 grupos de combate da CCAV 3378
As nossas tropas foram flageladas com 2 granadas de morteiro 82, da região de Bancolene.

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 4 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25337: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (37): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Ataques ao Quartel do Olossato e Nhacra

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24899: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (19): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Mês de Agosto de 1970



"A MINHA IDA À GUERRA"

19 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

MÊS DE AGOSTO DE 1970

João Moreira



SITUAÇÃO
1. TERRENO
O capim cresceu desmesuradamente, as bolanhas estão alagadas. Os percursos tornam-se mais difíceis embora de dia a chuva ajude pois refresca.
Emboscadas noturnas insuportáveis pois a chuva é permanente.

2. NT
Mais experientes e adaptados, como é natural. Actuação calma.

b. ACTIVIDADE
Actividade normal com 1 saída diária.
Em 07AGO70 operação ALMA MINHA do BCAÇ 2861.
Uma série de notícias referem concentração de Grupo IN (MAQUÉ) na região de NHANE, BISSAJAR, BANCOLENE.
A CCAÇ 13 de BISSORÃ e a CCAV 2721 seguem juntas até BISSAJAR onde se separam. A CCAV 2721 para se dirigir a NHANE a CCAÇ 13 para BANCOLENE e JAGALI MANCANHA. Dois contactos da CCAÇ 13 em que sofre 1 ferido grave e provoca 2 mortos confirmados ao IN, recupera 3 (M) e 3 (C), captura 1 pistola e 1 canhangulo e destrói 5 casas de mato e meios de vida.
A CCAV 2721 não contacta e recupera 1 (M) em NHANE.
A operação foi comandada por PCV pelo Cmdt. Batalhão e foi apoiada por 1 heli-canhão.
Em 19 fugiram 2 mulheres que tinham sido recuperadas em JULHO em IRACUNDA.
Domingo, 231700, grupo IN não estimado flagelou o quartel e povoação com morteiro 82 durante 10 minutos, de BINTA 7E6 provavelmente. Provocou 1 ferido grave e 1 ligeiro, ambos civis. Foi pedido apoio aéreo visto ser a melhor maneira de provocar baixas. Dois FIAT não se fizeram esperar e metralharam a zona.
Mais tarde, série de notícias C-3 recebidas da CCAÇ 2465 refere que o IN sofreu 5 mortos nesta flagelação, entre os quais um comandante de grupo. Estas notícias são no entanto improváveis no julgar deste comando.
Em 26 fugiu 1 homem que fazia parte do grupo recuperado em IRACUNDA. Com este homem iam a fugir mais 4 mulheres que no entanto foram impedidas por elementos da população nos trabalhos agrícolas.
Nota-se já com a experiência que fica de Companhias anteriores que os MANDINGAS fogem muito enquanto que os BALANTAS pouco.
Este facto não deverá ser só atribuído a idiossincrasia étnica, a mentalização, etc.
Assim o facto mereceu uma pequena investigação, e algumas conclusões expostas no relatório A/P.

​EXTRACTO DO RELATÓRIO PERIÓDICO DE ACÇÃO PSICOLÓGICA N.º 5/70

FACTORES DA SITUAÇÃO PSICOLÓGICA

POPULAÇÃO

Motivações susceptíveis de virem a ser exploradas pelo IN
Acerca da fuga de recuperados mandingas, muito mais frequentemente que de outras etnias, provoquei uma discussão aberta entre os chefes da população fixados no OLOSSATO e elementos recuperados tendo chegado a uma conclusão que é possível tenha interesse:
(a) Um dos motivos que os levam a fugir são laços afectivos com elementos que ficaram no mato, por ordem de importância: filhos, maridos, mulheres e irmãos.
(b) No entanto há um outro, talvez ainda mais importante e que segundo concluí, conhecida mesmo entre a população controlada pelo IN e que pode ser um dos factores impeditivos de apresentações além de, como já disse, provocar fugas:
- Os recuperados, quando são libertados para se integrarem na população, vão, como é natural, para casas de parentes com os quais habitam e colaboram até poderem adquirir a autonomia social e económica.
Ora, enquanto entre fulas e balantas existe uma verdadeira vontade de entreajuda, entre os mandingas (nos quais se nota desde a chegada dos parentes um excesso de zelo e de afinidades de parentesco) persiste um certo espírito de exploração económica e de cobiça sexual, que tentam efectivar à sombra da bondade e vontade de ajuda do parente desprotegido.
Assim este último, ao fim de algum tempo começa a sentir-se alvo de pressões a que dificilmente tem coragem para resistir (não têm os parentes as "costas largas" com o apoio e confiança das autoridades civis e militares, enquanto elas são as réprobas, têm a "cabeça cheia de vergonha" e não devem merecer a total confiança das autoridades? - possivelmente serão os próprios parentes que lho faz "ver" explícita ou implicitamente por meio de observações, conversas, insinuações, censuras) e vai cedendo lentamente, parte das vezes permitindo até violações à tradição que tão fortemente o marca. A rapariga que tem o noivo no mato e se vê a casar com um camafeu estabelecido. O artífice que vai começando a ganhar "patacão" e é explorado "ab início" sob a alegação que está a ser ajudado pelo anfitrião. O "tio"ganancioso que recolheu em casa a rapariga recuperada e põe dificuldades ao seu casamento com o rapaz de que gostou porque quer receber o pagamento respectivo, (pois o pai dela está no mato, "sabe-se lá onde e como coitado") mas não tem direito a esse pagamento enquanto o pai dela for vivo, podendo aparecer em qualquer altura e exigir o dote à família do rapaz que não está para pagar duas vezes (não se trata aqui de respeitar um direito de tutor visto a rapariga ter já entrado na maioridade). O velho ou quase, que cobiça os braços da rapariga para a lavoura e a sua beleza e juventude para carinho e prestígio senil, forçando-a sob pretexto de gratidão a união desigual.
Enfim, um sem número de pressões, pequenos ultrajes, a que recuperado se vê sujeito no seio dos seus próprios irmãos e que forçosamente afectam a sua vontade de permanência.
Quase me arriscaria a dizer que o problema dos familiares (mesmo os filhos) ficados no mato, é de somenos importância, perante a submissão a que se veem obrigados, até porque a psicologia gentílica é muito mais atreita a factores de ordem económica e social do que propriamente a uma afectividade na maior parte das vezes consequência daqueles mesmos factores.
Suponho que o problema existe realmente e não é de desprezar para recuperação e integração dos Mandingas.

Em 27 durante a picagem da estrada para BISSORÃ, para uma coluna de reabastecimento, foidetectada e levantada 1 mina A/C reforçada com 1 mina A/P em BINTA1I8.31.

Da crítica à Act. Op. n.º 78 do COMANDO-CHEFE consta que:
"A CCAV 2721, que vinha desenvolvendo apreciável actividade, acusou, no período, ligeira quebra de rendimento".
A esta crítica respondeu o BCAÇ 2861: "Em referência à crítica supra, informo V. Exª. que a ligeira quebra de rendimento da CCAV 2721 foi devido ao facto de nos dias 29 e 30 de Julho, embora previstas acções nas regiões de BISSAJARINDIM e COLI SARE, conforme constava do Planeamento da Actividade Operacional elaborado pela CCAV 2721, aprovado por este Comando, do qual se envia 1 cópia, se terem realizado colunas auto entre OLOSSATO-BISSORÃ e BISSORÃ-OLOSSATO.
Por lapso não foi mencionado no n/SITREP n.º 529, a realização da coluna auto, BISSORÃ-OLOSSATO, a cargo da CCAV 2721.

Da crítica n.º 80 transcreve-se:
" . . . anotando-se ausência da actividade noturna da guarnição do OLOSSATO (CCAV 2721)."

(c) RESULTADOS
- Baixas ao IN
Recuperado - 1 elemento da população
Apresentado - 1 Elemento da população

- Material capturado
Mina A/C - 1 levantada
Mina A/P - 1 levantada

- Baixas NT
feridos - 2 elementos da população


Com baixa para saídas, por ter arrancado uma unha e não poder calçar.
Bilhete de Identidade Militar

(continua)
____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24877: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (18): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Julho de 1970 - Acção "Bacará"

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24877: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (18): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Julho de 1970 - Acção "Bacará"



"A MINHA IDA À GUERRA"

18 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

JULHO DE 1970 - ACÇÃO BACARÁ

João Moreira




O MEU COMENTÁRIO AO DIA 13 DE JULHO DE 1970

ACÇÃO BACARÁ

13/JUL/1970


Perto do objectivo, o 1.º grupo de combate ficou emboscado para proteger a retirada do 4.º grupo de combate, que foi fazer o golpe de mão.

Chegados ao objectivo, entramos nas moranças e capturamos os elementos da população e apanhamos tudo o que pudesse ter interesse ou fosse suspeito.
Eu não entrei nas moranças. Fiquei com um grupo de soldados para guardar os elementos capturados nas moranças.
Contei 39 elementos, entre homens, mulheres, jovens e crianças mas admito que tenha ficado algum por contar.

Saímos rapidamente, porque tínhamos a informação de haver um bigrupo naquela zona.

Era uma zona de bolanhas, mas nós regressamos pela orla da mata para não sermos facilmente detectados e estarmos mais protegidos. O furriel Justino comandava a última secção composta por uma esquadra nossa e alguns milícias. Algumas vezes o furriel Justino pediu para pararmos, porque ouvia barulhos suspeitos e queria certificar-se do que se tratava.

Neste trajecto, ouvimos o ruído de um helicóptero que, pela direcção seguida, devia dirigir-se para o Olossato.

Como esta acção previa a presença de 1 heli-canhão em alerta no Olossato, o pessoal ficou mais tranquilo, pois podia socorrer-nos no caso de sermos atacados. Só que vinha atrasado, isto é, depois do golpe de mão feito.

Após 3 ou 4 paragens por causa do barulho que se ouvia atrás de nós, fomos surpreendidos por um grupo de guerrilheiros que corriam pela berma da bolanha, ao nosso lado, tentando alcançar-nos e atacar-nos.
Como seguíamos por dentro da mata, não fomos detectados. O IN estava ao nosso lado, a cerca de 20/30 metros de nós.

Avisei o capitão que deu ordem de fazer fogo e os "turras" de prováveis atacantes passaram atacados.
Os guerrilheiros responderam com RPG's e armas ligeiras.
O capitão enquanto dava ordens, ia lançando granadas de mão e o IN atirava as roquetadas para as palmeiras atrás do capitão.
Disse-lhe para sair dali e se proteger, mas ele calmamente disse para não me preocupar com ele e para nós nos protegermos.

Como é "habitual" nestas situações o rádio RACAL não funcionou - quando havia contactos com o PAIGC os rádios raramente funcionavam. Penso que o problema não era dos rádios, mas sim dos nervos/medo dos operadores de rádio.
Valeu-nos o "banana" ou AVP1 que contactou o Olossato.

No quartel, o alferes Pimentel ao ouvir as armas e pela direcção donde vinham deduziu que era a nossa Companhia a "embrulhar".
Pegou na carta/mapa da zona onde tínhamos ido e correu para a pista, onde o heli-canhão tinha acabado de pousar.
Deu a carta/mapa e as coordenadas ao piloto e lá foi o heli ao nosso encontro.

O heli voando baixo, aproximou-se do local e pediu a nossa posição e a posição do IN.
Após a nossa resposta, disse que já nos tinha visto e ia atacar o grupo inimigo.
As munições que eram explosivas e incendiárias provocaram a fuga do IN.

Depois de fazer o reconhecimento da zona, disse que podíamos regressar pelas bolanhas, porque ia acompanhar-nos, voando por cima do nosso grupo, e evitando a volta muito maior e mais cansativa, se fosse feita pela mata.

Durante o contacto fugiram alguns capturados, pelo que só chegaram 37 ao Olossato - MESMO ASSIM, MISSÃO COM MUITO BONS RESULTADOS.

Quando o grupo de combate que fez a protecção chegou ao quartel, alguns dos seus elementos disseram aos soldados do meu grupo de combate que, quando estavam emboscados, viram passar o grupo IN mas não o interceptaram.

Como o alferes, comandante do meu grupo, não tomou posição falei no caso ao capitão, que após "averiguações" disse-me que tinha havido "desinformação", porque o comandante do outro grupo negou terem visto o IN.

Até aceito que o outro grupo de combate tenha evitado o contacto - SÓ TÍNHAMOS 3 MESES DE COMISSÃO - mas não aceito que pelo "rádio" não nos tenha informado que "PASSOU" ou "PARECEU QUE PASSOU" um grupo IN.
Com este aviso já não seríamos surpreendidos.
Felizmente não fomos surpreendidos, porque detectamos a aproximação do grupo IN.

Curiosamente, passados 50 anos, um elemento desse grupo confirmou terem visto os "turras" a passar. MAS NÃO OS ATACARAM NEM NOS INFORMARAM QUE ESTÁVAMOS A SER PERSEGUIDOS.
E ASSIM SE FAZIA A NOSSA GUERRA.
JÁ DIZ O DITADO: "QUEM TEM CU, TEM MEDO"

Furriel Moreira junto ao heli-canhão que actuou nesta Acção BACARÁ
Furriel Moreira com o Capelão Baptista, do Batalhão de Bissorã. Era um "velho" conhecido, pois fora Capelão Auxiliar na Igreja de Santa Marinha a que pertence o lugar do Candal, onde nasci e vivo.
O Padre Baptista deslocava-se periodicamente ao Candal para acompanhar a JOC de Santa Marinha nos intercâmbios com a JOC do Candal razão pela qual não éramos desconhecidos.

(continua)

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Nota do editor

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quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24854: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (17): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Operação "Jaguar Vermelho", de 26 de Maio a 8 de Junho de 1970 na região do Morés



"A MINHA IDA À GUERRA"

17 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO", DE 26 DE MAIO A 08 DE JUNHO DE 1970 NA REGIÃO DO MORÉS

João Moreira


Formatura do 4.º Grupo de Combate
Furrieis Silva, Moreira e Pereira


JUNHO DE 1970

INCLUINDO A OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO", DE 26 DE MAIO A 08 DE JUNHO DE 1970 NA REGIÃO DO MORÉS

O MEU COMENTÁRIO AO DIA 01 DE JUNHO DE 1970

OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO

1970/JUNHO/01

Em CANFANDA emboscamos os 3 grupos de combate ao longo do trilho, conforme o plano estabelecido.
Às 10H30 ouviu-se um helicóptero que pelo rádio chamou "leão?" que era o nosso nome de código, e identificou-se como "leão 1" dizendo que ia pousar.
Com todos os acontecimentos anteriores eu não sabia qual era o nosso nome de código.
Perguntei ao "transmissões" quem era o "leão 1" e ele também não sabia.
Mandei-o dizer para não pousar, porque íamos montar segurança.
Resposta imediata do helicóptero: "Vou pousar. Não preciso de segurança".

Entretanto aparece o alferes Pimentel com 1 secção e pediu-me outra secção para montar segurança ao heli que trazia o general Spínola.
Quando chegamos ao local, para montar segurança, já o heli tinha pousado.
Do heli saiu o general Spínola, um brigadeiro (penso que era o 2.º Comandante das Forças Armadas, o capitão Almeida Bruno (ajudante de campo do general Spínola) e um alferes (penso que era o piloto do heli - Jorge Félix?).
O general Spínola perguntou para que era aquele pessoal que ia connosco.
Como o alferes Pimentel disse que era para montar segurança, mandou-os regressar ao local da emboscada, dizendo que ele não precisava de segurança.

Quis saber como tinham acontecido as coisas e qual era o moral do pessoal da Companhia, após o ataque que sofremos na véspera.
Deu-nos notícias do estado do capitão Moura Borges.
Disse que antes de vir para a Operação, que continuava a decorrer, tinha ido ao Hospital Militar ver e informar-se sobre o estado do capitão Moura Borges.
Informou-nos que já tinha sido operado e que tinha corrido bem.
Iria ser transferido para o Hospital Militar de Lisboa, para a recuperação ser mais rápida, porque o clima húmido da Guiné não era favorável a esta situação.

Durante a conversa com o general Spínola, o brigadeiro veio ter comigo para saber onde estava instalada a nossa Companhia.
Apontei-lhe o local e disse-lhe que era ali o trilho indicado para a Companhia fazer a emboscada.
Para meu espanto, o brigadeiro mandou-me buscar o pessoal da Companhia, para o nosso general passar revista.
FELIZMENTE PARA MIM, o capitão Almeida Bruno assistiu à conversa/ordem que o brigadeiro me deu.
Achei um grande disparate, mas cumpri a ordem do brigadeiro - QUEM ERA O FURRIEL "PERIQUITO" QUE NÃO CUMPRIA A ORDEM RECEBIDA DUM BRIGADEIRO?
Contrariado, fui buscar o pessoal da companhia e dirigi-me para junto do heli, onde estava a decorrer o nosso encontro.
Quando chegamos junto do heli, o general Spínola perguntou-me quem me mandou ir buscar os soldados.
Apeteceu-me dizer que tinha sido o brigadeiro - o que era verdade - mas ao mesmo tempo pensei na gravidade de um furriel "periquito" estar a acusar um brigadeiro. E AQUI VALEU-ME A AJUDA DO CAPITÃO ALMEIDA BRUNO.

Contornou parte do círculo que formávamos e colocou-se virado para mim a apontar para o brigadeiro. Fez isto várias vezes, mas eu continuava a ter medo das consequências. Bastava o brigadeiro dizer que não me deu essa ordem e eu é que ficava como mentiroso.
O capitão Almeida Bruno, viu o meu "desespero", contornou novamente parte do círculo e quando passou por trás de mim, bateu-me nas costas e disse: "DIZ QUE FOI O BRIGADEIRO" Com este "apoio", decidi e respondi ao general Spínola:
"MEU COMANDANTE, FOI O NOSSO BRIGADEIRO QUE ME DEU ORDEM PARA LEVANTAR A EMBOSCADA E TRAZER O PESSOAL PARA AQUI, PARA O MEU COMANDANTE PASSAR REVISTA".
Resposta do general Spínola: "O NOSSO BRIGADEIRO AQUI NÃO MANDA NADA. VOLTA A INSTALAR O PESSOAL NO TRILHO, E EU É QUE VOU LÁ VISITÁ-LO, PARA NÃO ARRISCAR A SEGURANÇA DELES".

DESTA JÁ ME SAFEI, PENSEI EU.

(continua)

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