Mostrar mensagens com a etiqueta gastronomia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta gastronomia. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 3 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21966: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (24): arroz de lampreia à moda do Minho... e da "chef" Alice


Foto nº 1 > O arroz de lampreia à moda do Minho


Foto nº 2 > A malga de vinho tinto verde que acompanha a lampreia


Foto nº 3 > A lampreia, pronta a servir


Foto nº 1 > A lampreia, pronto a cozinhar, em vinho tinto verde e alhos

S/l (para não violar a lei do confinamento...) > 19 e 20 de fevereiro de 2021 > A lampreia, comida em terra de mouros, à moda do Minho, cozinhada pela "Chef" Alice...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Cá está um prato da nossa gastronomia portuguesa que não é consensual...É como os "túbaros com ovos mexidos"... Ou a "moreira frita"... Ou a "batatada de peixe seco"... O "o pito da Maria em arroz de cabidela"... Ou  o "butelo com casulas",,, O "ensopado de enguas"... Ou as "tripas à moda do Porto"... Uns adoram, outros vomitam, mesmo sem nunca ter provado.

Refiro-me à lampreia... Estamos na época dela!  (E. já agora, do sável, que é outra delícia!),  Na nossa Tabanca Grande não vale a perder o latim, que os nossos camaradas do Norte são doidos por lampreia... E outros, os do Centro e do Sul, também não lhes ficam atrás. Já fui em tempos também a Belver comê-la...(**)

A pesca da lampreia vai de jneiro a meados de abril. A partir daí, a lampreia (que não é propriamente um peixe, é um "vertebrado aquático ciclóstomo, de forma cilíndrica e alongada, com sete orifícios branquiais", havendo espécies marítimas e fluviais, segundo o Dicionário Priberam), entra na fase da desova e perda toda a graça do ponto de vista gastronómico... Enfim, lá cumpre a sua função, que é dar vida à vida  (se não cair nas redes dos pescadores) e morre,

Antigamente as populações ribeirinhas dos nossos rios (Minho, Douro, Mondego, Tejo, etc.)  sabiam-na pescar e cozinhar... E ainda hoje, não se perdeu o hábito, embora parte dela já seja  importada da França e do Canadá... Mas,  dizem, que não há  lampreia como a do rio Minho  nem  "arroz de lampreia" como "à moda do Minho"...

Bairrismos à parte, há quem faça (fazia...) excursões para comer uma boa lampreia no Alto Minho. Agora com o confinamento, estamos tramados, os apreciadores deste pitéu (que também não há no restaurante do São Pedro)... 

Mas, felizmente, que há "take away"... É só ir  à Net, e encomendar uma lampreia de quilo e tal (para quatro pessoas)... Levam-na a casa, limpinha, arranjadinha, pronta a cozinhar, já devidamente preparada, em vinto tinto verde (!), alhos, etc. Anda por 30/35 euros o quilo... 

Convenhamos: é um produto "gourmet"... Mas nos restaurantes, paga-se (pagava-se, o ano passado), a 30/40 euros por cabeça,  isso só por um prato de arroz com três bocados de lampreia...

Sem entrar em mais detalhes, aqui está um arrozinho de lampreia para quatro (, um lampreia de 1,7 kg., do rio Mimho) feita pela "chef" Alice, que é uma rapariga de Entre Douro e Minho. Que gosta muito de lampreia e ainda mais de sável, do tempo em que não havia barragens hidroelétricas e os "bichinhos" chegavam, nas calmas, a Porto Antigo, ali ao pe´da Tabanca de Candoz... E ricos e pobres podiam comer sável e lampreia à fartazana... Para a Alice são sabores da infância... Para mim, só me chegaram ao palato quando comecei a descobrir o Norte, há 40 e tal anos,,,

Bom apetite, camaradas e amigos! 

PS - Em boa verdade, gosto de tudo, ou quase tudo... Detesto "sushi" e "peixe da bolanha" (, cá está, acho que na Guiné nunca cheguei a provar)... Quanto ao "sushi", dei-me mal com a "primeira vez"... Tenho que tentar uma segunda vez...

12 de abril de  2011 > Guiné 63/74 - P8090: Convívios (309): Lampreiada, visita ao aproveitamento hidroeléctrico de Crestuma-Lever e não só, 30 de Abril (António Carvalho)

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21901: A Nossa Marinha (3): a LFG Orion, "o melhor restaurante de Bissau", às quintas-feiras, em 1969/71, sem esquecer a tertúlia que, depois do jantar, se reunia na casa do célebre metereologista Anthímio de Azevedo [José Pardete Ferreira (1940-2021), autor de "O Paparratos"]



Guiné > Bissau > c. 1973/74 > "Dos poucos momentos que passei em Bissau... Junto às LFG Orion, Lira e Argos (da esquerda para a direita)"

Foto (e legenda): © J. Casimiro Carvalho (2017). Todos os direitos reservados [. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No seu romance "O Paparratos" (a história do soldado 'comando' Gabriel, de alcunha Paparratos, e do alferes miliciano médico João Peckoff, aliás, um "alter ego" do autor), o nosso camarada e membro da Tabanca Grande, José Pardete Ferreira,  que nos deixou, há um mês, faz uma referência implícita ao NRP LFG [Lancha de Fiscalização Grande] Orion, como um dos pontos "obrigatórios" do roteiro gastronómico de Bissau no seu tempo.

Recorde-se que, depois do CAOP, em Teixeira Pinto, de que foi o médico entre fevereiro e junho de 1969 (cinco meses), foi colocado no serviço de cirurgia do HM [Hospital Militar] 241, em Bissau (1969/71).

No final do seu serviço no Hospital, João Peckoff [leia-se: José Pardete], procurava ter em Bissau "uma vida de sociedade tão normal quanto possível" (p. 49). Como fazia amizades com  facilidade, tormou-se "presença assíduia nos habituais jantares das quintas-feiras, que tinham lugar na Base Naval [ao lado do cais do Pingjguiti],  que eram destinados aos oficiais de Marinha e seus familiares, sediados  em Bissau ou de visita, e a militares de outras Armas e mesmo a civis,  com o estatuto de convidados" (p. 50).

E aqui o autor faz uma homenagem à hospitalidade da LFG [Orión} e do seu comandante (no romance, Freitas de Sousa, leia-se Faria dos Santos], "um gentleman" (sic) , e evoca  poeticamente os "tons vermelhos vivos de sangue, atenuados  com fins de tarde cálidos e embalados de cinzento numa LFG acostada ao Cais do Pidjiguiti, durante o jantar a bordo, com mais dois ou três amigos" (p. 50).

2. Sabemos que se trata(va) da Oríon (**), de acordo com uma mensagem que o José Pardete Ferreira nos mandou, em 2011, juntamente com uma letra de fado, a do "Fado da Oríon" , que ele dedicou aos  camaradas da Marinha, e em especial à malta da LFG Orion, e que nós já reproduzimos em dois postes  (*).

(...) Caro Luís, o prometido é devido:

O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante [Alberto Augusto] Faria dos Santos [, entretanto falecido em 1986, ex-1º ten, comandou o NRP Orion, 1968/70].

A LFG {Orion] passou mais de um ano acostada ao molhe do Pi(n)djiguiti porque tinha cedido à [LFG] Batarda um dos motores.

Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando "a acreditar nos praticantes da má-língua" e, de seguida, foi o navio almirante da ida a Conacri [, Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970], sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro.

Poeta e grande amigo, recebia a jantar e bem um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool.

Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras, havia jantar melhorado e aberto a convidados. (...)

 
Fado da 'Orion' (excerto)

Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à "Marinha"
Aos "jantares da quinta-feira"!

Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.

Refrão

Ser marinheiro
De "LFG' no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar. (...)


[Nota do autor: 1ª parte e refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970; 2ª parte,  escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do "Fado do Cacilheiro" do Maestro Carlos Dias).


3. Voltando ao romance "O Paparratos" e à figura do nosso doutor, João Pekoff:

(...) "O senhor comandante, entre outras qualidades, tinha a de receber bem, fazendo jus à fama da Marinha de Guerra Portuguesa" (p. 50).

 Por outro lado, "gostava imensamente de poesia e a tertúlia que entretanto se fundara em casa do António Almeida [, leia-se Anthímio de Azevedo  (Ponta Delgada, 1926- Lisboa, 2014). o famoso metereologista da Rádio Televisão Portuguesa, na altura, diretor do Serviço de Metereologia da Guiné, entre 1967 e 1971,] (...) tornou.se uma alternativa ao doce balançar no navio e à vista  do Ilhéu de Rei" (p. 50).

A casa de Anthímio de Azevedo era "local de reunião quase obrigatório após o jantar" [no navio], transformando-se num espaço de liberdade onde se dizia poesia, se falava da guerra e das últimas operações no mato, bem como da crueza da vida e da morte no Hospital,  reviam-se comissões de serviço anteriores, partilhava-se  projectos para o futuro, etc.

4. Quando o nosso doutor sentia necessidade de sair do ambiente da tropa, tinha em Bissau outras, poucas, alternativas:

"Um balaio de ostras com um molho feito com sumo de limão e piri-piri, acompanahado com umas cervejitas, aqui ou ali, ou ocasionalmente um jantar num dos poucos  restaurantes que havia, como por exemplo o Solar dos 10, satisfaziam-lhe os apetites, espirituais e físicos" (p. 50).  

Este restaurante seria pertença a um setubalense, que se tornou também comandante dos bombeiros de Bissau. Opinião do autor: "Durante muito tempo foi o Tavares Rico de Bissau" (p. 51). E terá sido no Solar dos 10 que o José Pardete Ferreira, o criador literário do Paparratos e do João Pekoff,  apresentou um dia, "numa noite de festa da malta do Hospital", na despedida de um colega, o Fado da Orion (*).

No roteiro gastronómico de Bissau, aponta-se ainda "a sala de jantar da Pensão Portugal, ou casas de pessoas tornadas suas conhecidas" (p. 51).

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

Vd. também o poste de 2 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9129: O nosso fad...ário (4): O Fado da Orion (J. Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico, 1969/71)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21808: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (17): Batata raiz-de-cana com 'arraia' seca (Luís Graça)



Foto nº 1 > Lourinhã > 25 de janeiro de 2021 > Batata raiz-de-cana, feia, sem grande valor comercial,  insuscetível de "normalização", difícil de cascar, gastronomicamente valiosa, consistente, saborosa... Acompanhava tradicionalmente os pratos ligados à matança do porco e, claro, o peixe seco, que era o "governinho" dos povos ribeirinhos no inverno nas terras da Estremadura...



 Fpto nº 2 > Lourinhã > 20 de janeiro de 2021 > Batatada de peixe seco: batata raiz-de-cana, raia (ou "arraia") seca, ovo, grelhos,  azeite, vinagre e alho... [A receita original é só peixe seco, muito e variado (raia, sapata, safio, cação, etc.), batata, cortada ao meio, e cebola, muita, inteira...]


Fotos (e legendas): © Luís Graça(2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 1. A ideia da criação da Confraria da Batata Raiz-de-Cana e a Confraria do Peixe Seco (ou da Batatada de Peixe Seco) já andavam no ar, antes da pandemia de Covid-19... 

 Uma e outra, juntas ou separadas,   a criarem-se, podem ter uma papel (pedagógico) na defesa e promoção de um produto gastronómico que continua a ser muito popular, tem tradição na Estremadura  (e nomeadamente em povoações ribeirinhas da Lourinhã como Ribamar, Porto Dinheiro, Ventosa, Marquiteira, Atalaia, etc.) e raízes fundas na nossa alimentação, cultura e convivialidade... 

Seria uma pena perder-se ou adulterar-se tanto esta variedade de batata (foto nº 1) como o peixe seco (foto nº 2). Fico impressionado com o número de "apreciadores" desta "iguaria" que dantes era dos "pobres"... 
 
Em 2011, um grupo de lourinhanenses da Marteleira (onde se inclui o nosso camarada Luís Mourato Oliveira, lisboeta, com raízes aqui na terra, e agora cá a viver, há pouco tempo)  já elaborou uns primeiros estatutos de uma Confraria Gastronómica da Batata Raiz de Cana e Peixe Seco. (*)

Há tempos, ainda antes deste segundo confinamento geral, o Luís teve a gentileza de nos oferecer dois ou três quilinhos da batata raiz-de-cana que, dizem por aqui,  deixou de se cultivar por falta de "valor comercial"... 

Creio que essa confraria não saiu do papel, se bem que o grupo da Marteleira continuasse a conviver, a juntar-se, etc., pelo menos até ao início desta maldita pandemia. E alguns cultivam a batata raiz-de-cana, tendo sido um deles a dispensar as batatas que chegaram a minha casa. Estou-lhe grato!

Há dias a "chef" Alice quis experimentar a batata raiz-de-cana, que se coze com a pele. Mais dura, leva mais tempo a cozer. Juntou-lhe duas boas postas de "arraia" seca, grelos e um ovo... 

Cinco estrelas!... Recomendo... É comidinha boa para aguentar o inverno e sobreviver ao confinamento (**)... 

Foi pena o Luís Mourato Oliveira, por causa do confinamento,  não se ter podido juntar a nós: a batatada de peixe seco comida à volta de uma mesa grande tem outro sabor,  o da fraternidade, o do companheirismo!...Mas oportunidades não faltarão, lá mais para a frente, se a gente escapar desta, como escapámos... da Guiné!
 
__________

Notas do editor:

(*( Vd. poste de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20022: Os nossos seres, saberes e lazeres (346): Viva a confraria da batatada de peixe seco (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 12 d dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21636: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (16): Repetindo o prato típico da terra fria transmontana, o "Butelo com casulas...anti-Covid-19", à moda da "Chef" Alice

sábado, 12 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21636: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (16): Repetindo o prato típico da terra fria transmontana, o "Butelo com casulas...anti-Covid-19", à moda da "Chef" Alice




Tabanca da Lourinhã > 23 de novembro de 2020 >  Um prato típico da "terra fria transmontana", o Butelo com casulas, aqui confeccionado  à moda da "Chef" Alice... Receita para quatro à mesa (2 famílias), com a devida distância de 2 metros... Nada de "tudo à molhada e fé em Deus, como na ceia do Natal"...



Fotos (e legenda): © Luís Graça (2020) . Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. No dia 23 de março de 2020, há 9 meses atrás, eu escrevia aqui (*):

(...) O que é que vamos comer hoje ?...

Obrigados a ficar em casa, com os restaurantes todos fechados, por todo o lado, devido à pandemia  da COVID-19, esta deve ser uma pergunta que muitos dos nossos leitores começam a fazer, compulsiva e repetidamente...

E os bens essenciais, nomeadamente o pão, os iorgurtes, as frutas,os legumes, o peixe, a carne...começam a escassear no frigorífico e na despensa...Nem todos tiveram tempo (nem dinheiro...) para encher as "arcas frigoríficas", preparando-se para o "estado de emergência", que nos foi imposto, ironicamente, no "Dia do Pai", 19 de março...

É uma pergunta complicada (e que vai começar a ser mais angustiante, nos próximos tempos...) para os pais, que têm ainda filhos menores em casa, para os casais idosos (que não podem nem devem sair de casa, nem sequer para fazer compras...), para quem vive sozinho, mas também para os heróis dos dias de hoje que cuidam de nós e nos protegem (a começar pelos profissionais do SNS, proteção civil, forças de segurança, etc.)... 

 Enfim, uma pergunta complicada para a generalidade dos portugueses e das portuguesas em "tempo de guerra"...

Haveremos de "sair desta"... Mas até lá, é tempo de começar a puxar pela imaginação e "fazer das tripas coração"... Muitos de nós nascemos na "época da fome"... Refiro-me aos nossos pais (nascidos por volta dos anos 20 do séc. XX) mas também à nossa geração, a nós, ex-combatentes da guerra colonial (nascidos nos anos 40). 

Quem de nós, crianças, bebia leite de vaca, pasteurizado ? E quem comia queijo ? E os iorgutes ? E os ovos ? E o pão de trigo ? E o peixe fresco, tirando a "sardinha para três" e o "bacalhau a pataco" ?... Par não falar das "guloseimas"...

 (...) E nós próprios, na Guiné, durante a nossa "comissão de serviço militar"... A pergunta "o que é que vai ser hoje o tacho?", era recorrente, depois de uma noite emboscados, ou de sentinela, ou no regresso de um patrulhamento ofensivo, ou no decurso de uma operação no mato, de dois ou até três dias, a "rapar fome e sede"...

Sonhávamos, acordados, com água, com comida...E no quartel, vingávamo-nos com os petiscos... Quem tinha messe, como os oficiais e sargentos, sempre comia um pouco melhor do que a generalidade das praças... A verdade é que se gastava uma boa parte da energia a resolver o angustiante problema da "bianda": onde comprar (ou "roubar"...) um leitão, um cabrito, uma galinha, uma vaca ?!... Um ou outro caçava ou arranjava caça: lebres, galinhas do mato, gazelas... Que o peixe da bolanha, esse, era intragável...

Estas lembranças vêm.nos à baila, agora que a nossa dieta alimentar é condicionada pela falta de recursos, como os "frescos"...tal como na Guiné há 50 anos atrás.

Talvez por isso não seja má ideia de passarmos a comer também "com os olhos" (...)

  
2. Ao  longo destes 9 meses temos aqui deixado algumas  sugestões gastronómicas, nacionais e internacionais (**), apropriado para combater o "corno...vírus", e sobretudo para que os nossos "vagomestres" e os/as nossos/s cozinheiros/as não deem em doidos/as... (E nós com eles: não há um "bom moral na tropa" sem um bom rancho.)

Uma das sugestões que já aqui apresentámos foi justamente o "Butelo com casulas", um típico prato do nordeste transmontano que eu desconhecia por completo até há uns anos, e de que hoje sou feito fã.... A "chef" Alice trouxe, adotou  e adaptou a receita, há uns anos...Mais difícil é arranjar os ingredientes, o butelo, as casulas...

"Comida dos pobres", em Trás-os-Montes, tal como as "sopas dos ganhões" no Baixo Alentejo,  são hoje "comida gourmet", redescoberta e reiventada pelos "chefs"...

E, em Bragança já há a "Confraria do Butelo e da Casula", com página no Facebook, embora sem dar notícias desde o carnaval de 2019...
 
Recorde-se o que é:

(i) o butelo: enchido grosso, feito com carne e ossos partidos do espinhaço e das costelas do porco, envoltos na bexiga ou no bucho do animal.

(ii) as casulas: v
agens seca do feijão, colhidas ainda verdes e cortadas em pequenos pedaços que secam ao sol e que, depois de demolhados, são cozidos e usados na alimentação, e nomeadamente no célebre "butelo com casulas" (Vd. fotos acima).

É um prato típico para partilhar com os amigos, sobretudo nesta altura do ano... Por causa da pandemia. precisamos de uma mesa grande, para quatro...

Foi o que fizemos há dias, repetindo a dose de há 9 meses atrás, tendo como convidados  os "Duques do Cadaval", régulos da Tabanca do Atira-te ao Mar (Porto das Barcas, Lourinhã) que visitamos também com alguma regularidade...

Desta vez eles vieram à  casa dos "viscondes da Lourinhã"... E a propósito,  hoje é dia de dar os parabéns à Maria do Céu Pinteus, a "duquesa"; já lhe mandei, pelo correio, o soneto que ela merece, por mais um  aninho de vida;  ela e ele, o Joaquim Pinto de Carvalho, os "duques do Cadaval", têm sido, de resto, uns magníficos companheiros de viagem nesta "travessia do deserto da pandemia"; eles e outra gente da "nobreza local", como, por exemplo,  o Jaime Bonifácio Marques da Silva, "marquês do Seixal".
 
Cansados da "guerra" (a pandemia já vai em 9 meses, e está para durar...), nem por isso  podemos "baixar a guarda"... E, a propósito, já encontrei por estas bandas, mais dois "refuguiados de guerra", o José Ramos e o Luis Mourato Oliveira, ex-combatentes na Guiné e membros da Tabanca Grande... Têm cá casa, tal como os "Duques do Cadaval"... Por enquanto a Lourinhã ainda não está na "lista...vermelha".  

E, ainda a propósito, andamos para combinar, com o Luís Mourato Oliveira (que nos arranjou umas batatas "raiz de cana", uma raridade...), uma "batatada de peixe seco"... Temos tudo (, o peixe e as batatas), só falta a data e o local mais convenientes... 

O Luís andou em tempos, com uns amigos da Marteleira, entusiasmado com a ideia, tal como eu, de se criar uma "confraria do peixe seco e da batata raiz de cana", no concelho da Lourinhã... Até já fizeram estatutos!...  A pandemia não tem ajudado a avançar o projecto...
 
 Temos que continuar a alimentarmo-nos bem (,adaptando a "dieta mediterrânica" às circunstâncias), e a fazer algum tipo de exercício (físico e mental), sem nunca descurar as regras de proteção sanitária, enquanto aguardamos a "milagrosa" imunização, a vacina, contra o Sars-CoV2.

E já que chegámos até aqui, camaradas e amigos, não vamos morrer na praia!... Festas, quentes e boas, mas com cautela...! LG

___________


quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21407: Histórias... com abracelos do Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72) (1): Rissóis de marisco com arroz de tomate, na messe de oficiais do GACA2, Torres Novas


Guiné > Região de Binar > Bibar > Pel Art >  Obus 14 > O Carlos Arnaut a introduzir os elementos de pontaria, comn alguns serventes, do recrutamento local, a apreciar.

Foto (e legenda): © Carlos Arnaut (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Carlos Arnaut, Lisboa


1. Mensagem,  com data de 23/09/2020 à(s) 21:50, de Carlos Arnaut, o novo membro da Tabanca Grande, nº 817, ex-alf mil art, cmdt do 16º Pel Art (Binar, Cabuca, Dara, 1970/72) (*):


Caro Luís,

Quero em primeiro lugar agradecer a gentileza dos votos pelo meu aniversário. (*ª)

No tocante à tua pergunta sobre o pelotão de artilharia de Binar, parece incrível mas não me recordo do número já que fiquei por ali pouco tempo.

Consegui descobrir uma foto (que junto em anexo) onde estou a introduzir os elementos de pontaria num Obus 14 com alguns serventes a apreciar.

Esta amnésia é provável que faça parte de um mecanismo de auto-protecção mental, bloqueando nomes, datas e outros detalhes, pois em Binar protagonizei uma acção que poderia ter tido um desfecho trágico, fruto sobretudo da minha "periquitice".

É provável que venha a dar conta do que se passou numa próxima ocasião.

Como tenho vindo a constatar, as histórias relatadas pela rapaziada cobrem os acontecimentos mais diversos, desde experiências traumáticas a farras de todo o género.

Assim sendo, vou começar por vos contar um episódio que se passou comigo, ainda Aspirante em Torres Novas, pouco antes de ser mobilizado.


Boa noite, Luís, outras histórias se seguirão se para tanto não me faltar inspiração e a vocês paciência para as lerem.

Abraçelo (Abraço com cotovelo)


2. Histórias... com abracelos > Rissóis de Marisco 

por Carlos Arnault

Finda a especialidade (PCT) e após o tirocínio em Vendas Novas, já Aspirante, fui colocado em Torres Novas no GACA 2.

Após a apresentação da praxe ao Comandante, foi-me atribuída a missão de zelar pelo parque das baterias de 4 cm, o que desde logo me levou a concluir que o meu destino estava traçado.

Aquele material para mim eram fisgas quando comparadas com os obuses de Vendas Novas, pelo que fiz um acordo com a secção ali destacada:

 − Cabo, equipamentos e instalações sempre limpas, eu nunca estou ausente, ando por aí, e podem ir levantar todas as tardes à cantina uma garrafa de Lagosta (...lembram-se ?!) para o lanche.

Assim foi, fazia as contas semanalmente na cantina, era a felicidade suprema, com namorada já arregimentada nos convívios dos cafés chiques de Vendas Novas, até que, não há bem que sempre dure, tocou-me a gerência da messe de oficiais.

Após um período inicial, de estudo aturado da gestão hoteleira castrense, entendi ser criativo e fugir aos carapaus fritos, à massa guisada e às diversas iguarias com base no frango.

Convoquei o cozinheiro e seus ajudantes, começando por lhe perguntar se sabia fazer croquetes. O alarve respondeu-me que não percebia nada de estrangeiro, ainda hoje estou para saber se o sacana estava a gozar, e decidi-me então avançar para rissóis de marisco, sendo que o marisco se limitava ao berbigão.

Foram comprados de manhã na praça, antes do almoço, tendo eu tido o cuidado de estudar no livro de culinária que existia na cozinha quais os ingredientes necessários, e em que quantidades. As receitas eram para 10 pessoas, uma simples conta de multiplicar por 4 definiu quantidades, pelo que passei o receituário ao cozinheiro com as devidas instruções:

 − Isto, mais isto, mais aquilo, bem misturado, dá uma massa. Isto,  mais isto,  mais aquilo, dá um creme, a que juntas o berbigão. Estendes a massa com o rolo...

 − Não temos rolo,  meu Aspirante.
 
−  Usa uma garrafa, porra !, deitas uma colher cheia do recheio, dobras e cortas em meia lua.

 − Então,  corto como ? 

 − Usa um copo,  minha aventesma. Depois passas o pastel por ovo batido, a seguir pelo pão ralado e toca a fritar. Entendeste ???

 − Sim,  meu Aspirante, vá descansado que não há problema.

Montei a operação com todo o cuidado, até porque a Unidade entrou de prevenção e toda a oficialagem estaria presente, Comandante incluído, pelo que esperava brilhar com aquela ementa diferente de tudo o que era habitual.

A pressão era grande, a criatividade por vezes tem custos, pelo que a meio da tarde fui à cozinha para me certificar do andamento da receita. A massa já estava pronta, com bom aspecto, o recheio na fase terminal, tudo parecia rolar sobre esferas.

 − Vejam  lá,  não me lixem, está cá toda a gente, isto tem que correr às mil maravilhas.

Voltei costas, mesmo assim não completamente descansado, sem garantias que o meu atrevimento culinário fosse bem interpretado por malta que nem sabia (?) o que era um croquete.

Cerca das 19h30 voltei à cozinha para fiscalizar a última fase da operação "rissóis com arroz de tomate", a frigideira XXL fervilhava e eu ia tendo um colapso.

 − Então,  mas o que é isto,  seus sacanas ? Como diabo é que,  em vez dos pastéis que eu vos ensinei a fazer, passo a passo, vocês conseguiram parir estas bolas de ténis ?

De facto, ao olhar para o produto final, o que tínhamos era uma bola onde aqui e ali despontava uma ponta de berbigão, sabor não testado.

A explicação que se seguiu foi de que não tinham arranjado uma garrafa, como se tal fosse possível num quartel, e vai daí misturaram tudo, massa, recheio, ovos batidos, pão ralado, e toca a fritar.

Saí porta fora brindando-os com ameaças num vernáculo que não me atrevo a reproduzir, garantindo-lhes que aquilo que me viesse a acontecer reverteria para eles multiplicado por 10.

Fui jantar fora, fugi, incapaz de enfrentar a turba decerto esfomeada que estaria a pedir a minha cabeça.

Como dormia fora, em casa de umas velhotas que me tratavam com todo o carinho, só na manhã seguinte voltei ao quartel, qual Egas Moniz de baraço ao pescoço, quando,  para minha grande surpresa,  percebi que nem sequer se tinha levantado qualquer celeuma.

A ordem de prevenção tinha sido levantada, toda a gente se tinha pirado para o fim de semana, tendo ficado na unidade apenas aqueles que com famílias muito distantes se viam obrigados a ficar confinados ao quartel, pelo que o jantar só foi servido a meia dúzia de gatos, um dos quais ainda por cima elogiou a ementa, dizendo nunca ter visto tal petisco mas que era bem bom.

A sorte protege os audazes.

Carlos Arnaut
_________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de setembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21351: Tabanca Grande (502): Carlos Arnaut, ex-alf mil art, 16º Pel Art (Binar, Cabuca, Dara, 1970/72): senta-se, no lugar nº 817, à sombra do nosso poilão 

sábado, 2 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20304: Manuscritos (Luís Graça) (172): as cores quentes e frias do outono da Tabanca de Candoz - Parte I
















Marco de Canaveses > Paredes de Viadores >Candoz > Quinta de Candoz > 2 de novembro de 2019 > As cores "outonais"... Morte e renascimento,,,


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Agora que corremos o risco de, num futuro ainda próximo, deixarmos de ser um país temperado, com quatro estações, sabe bem vir aqui até ao Norte e apanhar três dias de chuva sem parar... e ver a paisagem com cores outonais, numa  magnífica paleta de tonalidades, quentes e frias, onde predomina os verdes escurecidos, os amarelos alaranjados, os vermelhos alaranjados,  os violetas, os azuis arroxeados, os castanhos, os brancos sujos... 

É essa mistura de cores quentes e frias que gosto de encontrar, quando aqui volto, à Tabanca de Candoz, depois das vindimas... Este ano nem sequer vim às vindimas... Na Guiné só havia duas estações, e era um sufoco. Sempre me faltou o outono e, de certo modo, a primavera. Mas o outono é(era) uma estação especial da minha infância... Reencontro-o  aqui, por estes dias...


Tabanca de Cando< As nossas comidinhas >
No dia dos mortos,
arroz de pica no chão (não é de cabidela,
porque há quem não o possa comer...)
Comem-se castanhas e romãs, bebe-se o vinho verde do ano passado, acabado de engafarrar, mais espumoso do que o espumante, com quase 13 graus, mistura fabulosa de azal, loureiro e alvarinho... Não há rolhas que o aguentem este ano...

É o nosso São Martinho, depois de evocados e homenageados os nossos queridos mortos, que ele  não há flores que cheguem para as campas nos cemitérios  nesta altura...

O almoço, neste dia, antes de "atacar o cemitério" (missa e visita às campas), é "o arroz de pica no chão"... Simplesmente, cinco estrelas!... 

E, à laia de provocação, a gente diz, à mesa: 
"Ó Avillez, tens cá disto ?"... Em voz alta, que esta gente, à mesa, é ruidosa e galhofeira... 

Como se pode ler no "Cancioneiro de Candoz" (2ª edição revista e aumentada, 2017. p. 105), "É um povo hospitaleiro / Que sabe receber e dar, / Se na fé é o primeiro, / Não fica atrás no folgar".

E, no entanto, com chuva, sem sol, no dia dos mortos, este tempo presta-se à meditação e... à depressão!... Os dias são curtos, a noite chega cedo... E já se acende a lareira.

Ainda dependente da canadiana, lá me atrevo a dar uma volta pela terra, à procura de "santieiros" (cogumelos) e sobretudo das cores outonais... Aqui deixo uma seleção de fotos em três partes... Nem todos os amigos e camaradas da Tabanca Grande, que vivem na cidade, têm o privilégio de, como eu,  sentir o pulsar da natureza, que é vida, rodeado de dois rios, o Douro e o Tâmega e de montanhas altas, da serra de Montemuro à serra da Aboboreira, com o Marão mais lá ao longe...

__________

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20291: Manuscrito(s) (Luís Graça) (171): Parabéns, mano Zé António Paradela... E toma lá um arrozinho de santieiros...










Tabanca de Candoz > 30 de outubro de 2019 > Os "santieiros" e o arrozinho do nosso contentamento... Vêm as primeiras chuvas e "eles", os cogumelos,  surgem, da noite para o dia, no fundo da terra, junto aos castanheiros e aos carvalhos... Estes são os primeiros cogumelos comestíveis deste ano...Aqui dizem-se "sentieiros"é um regionalismo... 

É um cogumelo comestível [Macrolepiota procera], com chapéu com 10 a 30 centímetros, muito apreciado na região de Entre Douro e Minho... Na região Centro, chamam-lhe "frade"... 


Atenção: há o "frade" comestível[Macrolepiota procera] e o falso "frade", venenoso [Macrolepiota venenata]...

Também se comem... (i) fritos com cebola; ou (ii) assados na brasa, só com uma "pedrinha de sal"!... Enfim, sabores da infância, um petisco, de comer e chorar por mais, dizem os tabanqueiros de Candoz.
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Parabéns, mano!...
E toma lá um arrozinho...
de santieiros!



Zé António Paradela,
Não t’fazia este alarido,
Se a vida não fosse bela,
E tu um amigo querido.

E tu um amigo querido,
Cheio de talentos e afetos,
À beira mar nascido,
Só te falta ter uns netos.

Só te falta ter uns netos,
Quanto ao resto és campeão,
Vida de anos repletos,
E amigos do coração.

E amigos do coração,
Que muito te querem bem,
Da Joana ao João,
E o Tibério também.

E o Tibério também,
Mais o capitão Aveiro,
E, se falta mais alguém,
É o teu filho bacalhoeiro.

É o teu filho bacalhoeiro,
Que não quis ser arquiteto,
Na Terra Nova é o primeiro,
E o mar é o seu projeto.

E o mar é o seu projeto,
Diz a mãe, que é 'madeirense',
Num barco não há chão nem teto,
Confirma o pai, ilhavense.

Confirma o pai, ilhavense,
Poeta do risco  e do mar,
Que o futuro a nós pertence,
E o resto é p'ra quem calhar.

E o resto é p'ra quem calhar,
Já não nos roubam o passado,
A chorar e a cantar,
Foi um tempo bem gozado.

Foi um tempo bem gozado,
Não me venhas cá com tretas,
Mesmo se às vezes mais stressado,
Não estavas mal das canetas.


Não estavas mal das canetas,
Nem te faltavam encomendas,
Agora é só maquetas,
E um gajo não ganha p'ras prendas.

E um gajo não ganha p'ras prendas,
Faz p'ros amigos uns versinhos,
E lá p'ras gregas calendas
Há de te papar uns almocinhos.

Há de te papar uns almocinhos,
Que a amizade não tem preço,
Com abraços e beijinhos,
Vou-me embora e me despeço.

Vou-me embora e me despeço,
Com este arroz de santieiros...
Vais-me dizer: "Eu mais mereço,
E vocês são uns lambareiros".

E vocês são uns lambareiros,
Comem tudo, não deixam nada,
Ainda dizem que são porreiros,
E a Matilde fica... augada!


Quinta de Candoz, 30/10/2019,
Os amigos Luís & Alice
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20115: Manuscrito(s) (Luís Graça) (170): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte III: a vida são dois dias e a festa são três: o 6º encontro da família Ferreira...

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20124: Os nossos seres, saberes e lazeres (352): A festa da Atalaia, Lourinhã: oito dias pantagruélicos porque aqui o marisco é rei... Na festa da Atalaia, alarga-se o cinto e aperta-se a saia... (Luís Graça)


















Fotos: cortesia da página do Facebook da Associação de Festas da Atalaia


1. É uma pena, mas  acaba já amanhã, sexta feira dia 6 de setembro... A Festa da Atalaia, Lourinhã, 2019, em honra de N. Sra. da Guia. A mais popular e concorrida festa anual do concelho de Lourinhã, a 70 km a norte de Lisboa.

Há muitos anos, dezenas de anos, que tem fama e proveito. Ainda me recordo, no regresso da Guiné, em 1971, lá ir comer os famosos mexilhões das Berlengas assados na brasa!... Agora, já não são das Berlengas, são  cozidos à espanhola... Dizia-se que os pescadores e mariscadores da terra tinham um privilégio real, do tempo da Dona Maria II, o de poder ir apanhar mexilhões às Berlengas por ocasião da festa anual...

Nessa altura, a Lourinhã era seguramente o concelho onde mais se pescava e comercializava a lagosta. Tinha portos pesqueiros: porto das Barcas, porto Dinheiro e Paimogo, onde ainda se podem hoje observar o que resta dos numerosos viveiros de rocha...Mas a tradição dos viveiros mantem-se, a Lourinhºa continua a ser um dos grandes fornecedores das marisqueiras de Lisboa...

A festa de N. Sra. da Guia coincide sempre com o primeiro domingo de setembro: este ano começou a 30 de agosto e prolonga-se até 6 de setembro... São oito dias pantagruélicos, porque aqui o marisco é rei!... E, como diz o povo, na festa da Atalaia alarga-se o cinto e aperta-se a saia...

Não tenho estatísticas, mas em anos anteriores, ouvi falar em 10 toneladas de mexilhão... E seguramente centenas e centenas  de quilos de lagosta, sapateira,  camarão, gambas, polvo, amêijoas, búzios, etc. Para não falar das bebidas, da cerveja, da sangria, do vinho leve,  ao litro, ao metro... Do pão com chouriço, das bifanas, etc.

Durante 8 dias, a ribeirinha vila da Atalaia (, que tem como praia e porto de pesca, o antiquíssimo Porto das Barcas), a escassos 2 ou 3 quilómetros da sede do concelho, Lourinhã, é um ventre gigante!... Milhares e milhares de pessoas, do concelho e de toda a região Oeste, passam por aqui todos os anos, sobretudo por causa da "manjedoura de mariscos"....

A relação qualidade/preço é imbatível: a travessa maia cara (38 euros) é a "mariscada" que leva diversas iguarias, incluindo uma lagosta inteira... Apanha-se uma barrigada de mexilhões por 5 ou 6 euros... A sapateira recheada é a oito e meio... Idem uma salada de polvo... Um litro de cerveja, quatro euros... Tudo por conta da santa que nos guia nos dias de mar calamo e nas noites de temporal,

Fui lá na segunda feira, às 20h00, e já não havia mesas vagas...A lotação, não faço ideia, mas é da ordem das muitas centenas de lugares, sentados incluindo dentro do recinto do Pavilhão Multiusos da Atalaia e tendas anexas, à volta... Este pavilhão acolhe outras iniciativas ao longo do ano, como, por exemplo,  o Festival da Abóbora (em outubro) e o Festival do Marisco da AMA (Associação Musical da Atalaia) (em julho).

Naturalmente vai-se à festa da Atalaia, em grupo, com os amigos, que vêm de perto e de longe. Sou fã desta festividade, há mais de meio século. Mais dos que os milhares de forasteiros, o que me impressiona é o trabalho voluntário da comissão organizadora, que mobiliza cerca de duas centenas de pessoas da terra... Nada disto seria possível sem o entusiasmo e a competência desta gente trabalhadora, que tem o mar e o campo no seu ADN... e que também já tem a sua conta na história trágico-marítima de Portugal...  Tenho cá bons e velhos amigos!

A vila da Atalaia está dividida em quatro setores,  cada um dele organiza, à vez. a festa, que é anual. Homens, mulheres e jovens fazem todos os anos uma verdadeira maratona: importa que tudo corra bem e que o pessoal volte sempre e traga mais cinco...

Os lucros da festa, que movimenta muito dinheiro,  revertem para a comunidade... É um exemplo extraordinário de dedicação e amor à terra, o que se passa todos os anos, por esta altura, na vila da Atalaia. Terminda a festa a 6m, começa logo a 7 a do Seixal da Lourinhã: eu e os meus amigos lá estaremos, no sábado... LG

PS - A festa da Atalaia já é objeto de letras de música, como a do nosso jovem amigo e conterrâneo Diogo Picão, que lançou, em 2018, o seu álbum de estreia, "Cidade de Saloia". Trocou a Lourinhã pela cidade grande e pelo mundo, mas não esquece as suas raízes telúricas e afetivas. Um grande poeta, músico, cantor, saxofonista.  Com a devida vénia reproduzo aqui uma das suas bem humoradas letras,  ora irónicas, ora divertidas, ora sarcásticas, justamente a do tema que dá o título ao álbum.

CIDADE SALOIA

Eu não sou mais do campo, acuso minha origem
Recuso enxada e pão, fruta madura e fisga
Recluso da cidade e da doce vertigem
Ter tudo a toda a hora, adormecer na bisga

Que horror, unhas com terra, desleixo no trato
Beijocar os parentes, comer bom e barato
Ser filho do fulano e fulana de tal
Recordarem quem me pariu no hospital

Agora sou da cidade e dos seus miradouros
Vitrines luminosas e avenidas largas
Sibilando palavras-chave citadinas
Recalcando saloias memórias amargas

Na noite glamorosa até horas decentes
Bebendo um cocktail, palrando entredentes
Ou no Cais do Sodré, mão apontada à saia
Creio que sou superior à festa da Atalaia

Mas às vezes tropeço no antigo sotaque
Sou gemada sem gema e me dá um baque
Sou couve, não alface, e penso nos avós
Na canja de galinha e na velha filhós

Se eu brinquei entre as canas, nelas fiz cabanas
Se a cabra e a carraça entraram no meu conto
Quem quero eu enganar, memória por quem chamas
Se entro ao serviço engravatado às oito em ponto

(Fonte: Com a devida vénia, Diogo Picão > Letras > Cidade Saloia)

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19957: Os nossos seres, saberes e lazeres (338): em louvor da tradicional batatada de peixe seco da Marquiteira, Lourinhã (Luís Graça)








Lourinhã > Marquiteira > Associação da Marquiteira > Festa anual da Marquiteira, "em honra do senhor Jesus do Carvalhal" > 8 de julho de 2019 >  A tradicional batatada de peixe seco > Centenas de convivas. muitos quilos de peixe seco, batatas e cebola: só de "arraia" seca foram 70 quilos... fora  a sapata, o cação, o safio... Sentados nas "manjedouras" é que a gente se sente verdadeiramente "companheiros" [do latim cum + pane, o que come o (mesmo) pão à (mesma) mesa...)]. 

Não há, no litoral português, de Norte a Sul, uma tradição festiva como esta... A Marquiteira e a Ventosa do Mar já a incoporaram nas suas festas anuais há mais de 3/4 décadas... Uma tradiçao cada vez mais viva... É uma alegria para os sentidos... O peixe nobre é a "raia",  a "arraia", como diz aqui o povo miúdo, um peixe que se come todo, da "chicha" àa cartilagens e que é bom, divinal, de todas as maneiras  e feitos: fresco ou seco, frito, cozido, grelhado, assado, estufado...Tão bom ou melhor que o bacalhau... 

Outro peixe nobre da "batatada" aqui da Lourinhã é a sapata...(que só come camarão, e não tem um única espinha...). Na batatada de eixe seco, a sapata vem em iletes, que delícis, que delicadeza de sabor!. 

A batata e a cebola são fundamentais neste prato (único) da Lourinhã... A Nazaré tem o carapau (seco)... Como eu costumava dizer, ao meu velhote: "Peixe seco da Louirnhã ?!... Olhe que no  céu não há disto!"... Filho de peixeiros, neto de pescadores, ele chamava-lhe um figo, ao peixe, de todas as maneiras e feitios.. Herança cultural (, mais do que genética), eu também sou "mais peixeiro do que carneiro",,,

 No inverno, era guardado nos baus, na palha do trigo... Era a nossa "reserva alimentar" do inverno... Quem não tem esses sabores da infância, nºão pode perceber a fecidade destas centenas de pessoas que se juntam, um vez por ano, na Marquiteira ou na Ventosa, para comer a comida dos "pobres", a batada com peixe seco"...Hoje comida de risco, ao preço que está  raia, no mercado (12, 13, 14, 15 euros o quilo, a raia inteira, ao quilo).



Lourinhã > Ventosa do Mar >   ACR (Associação Cultural e Recreativa da Ventosa) > 31 de julho de 2017 > 35º aniversário > Tradicional batatada de  peixe seco da Ventosa do Mar, que rivaliza  com dos vizinhos da Marquiteira (sede da freguesia de Santa Bárbara)... Vou lá hoje "provar" a da Marquiteira...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Duarte (#) se faz eco
Na sua terra natal:
“Confraria do peix’ seco
É promessa eleitoral.”

É terra maravilhosa,
Com vista de serra e mar,
Quem não conhece a Ventosa,
Nada mais tem p'ra contar.

Mas eu hoje vim à Marquiteira,
P’ra provar a batatada,
E por ser a vez primeira,
Não opino ainda nada.

Para já vai o meu louvor
Pr’a Santa Bárbara e sua gente,
Tiro o chapéu, sim, senhor,
A quem vem cá 
dar ao dente. 

Se o peixe seco é bom,
A batata é do melhor,
Receber bem é um dom,
E esta santa é a maior.

Não vamos pôr a concurso
As versões desta iguaria,
João Duarte fica piurso,
Há guerra na freguesia.

Uma confraria, já,
P’ró peixe seco com batata,
Junte-se o melhor que há,
Nesta nossa terra amada.

Marquiteira e Ventosa,
São terras de gente chã,
Hospitaleira e amistosa,
Do concelho da Lourinhã.

Pode-se juntar Ribamar
E à volta os seus casais,
Temos tudo a ganhar
E todos não somos demais.

Minhas senhoras, meus s’nhores,
Vamos todas puxar p’ra cima,
Temos cá a matéria-prima,
Temos os saberes e os sabores.

Viva a confraria da tradicional batatata de peixe seco!

Marquiteira,8 de julho de 2019,

Luís Graça (**)