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sábado, 29 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24266: Os nossos seres, saberes e lazeres (570): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (100): Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado: O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Vale a pena recapitular as razões da exposição intitulada Veloso Salgado, de Lisboa a Wissant, que já dera exposição no Museu de Boulogne-sur-Mer, foi alvo de alterações em Lisboa decorrentes do uso de peças da doação da neta do pintor, neste acervo apareceu correspondência inédita que revelou uma faceta até hoje desconhecida do bolseiro Veloso Salgado, que foi o primeiro pintor português na Bretanha. Nos ateliês de Paris, enquanto bolseiro, fez amizades com pintores que lhe permitiram produzir imagens luminosas, mas também melancólicas, são reveladoras de uma sensibilidade expressiva do artista para temáticas sociais, mostram uma compreensão do pintor face à paisagem bretã e, fundamentalmente, se no retrato Veloso Salgado é imbatível na observação psicológica, o acervo de obras dos seus amigos permite revelar uma enorme cumplicidade como é percetível em temas como "A terra prometida", a cenografia com que o pintor mostra Jesus, por exemplo. A todos os títulos, uma exposição surpreendente, digna da nossa visita.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (100):
Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado:
O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (2)


Mário Beja Santos

Atrai-me a pintura de Veloso Salgado (1864-1945), conhecido retratista, paisagista e pintor de grandes espaços (designadamente públicos) enquadrado no movimento da segunda geração naturalista, rótulo que considero insuficiente para alguém que experimentou um pouco de tudo entre o realismo e romantismo até às primícias do modernismo. O MNAC – Museu do Chiado já lhe consagrara uma retrospetiva onde claramente se manifestava, no último período dos seus trabalhos, uma total disponibilidade para transitar para formulações fora do academismo pictórico.

Esta exposição intitula-se “De Lisboa a Wissant”, espraia-se por todo o seu processo artístico e a sua formação, este homem de origem galega formou-se em Lisboa foi professor na Escola de Belas Artes, teve intervenção em grandes espaços decorativos, caso do Palácio da Bolsa, da Escola de Medicina do Porto, da Assembleia da República. Este acervo vem na continuidade da exposição apresentada no Museu de Boulogne-sur-Mer, que revelou detalhes até agora desconhecidos do percurso artístico de Veloso Salgado. A exposição do MNAC foca-se sobre os estudos e a carreira artística de Veloso Salgado em França enquanto bolseiro, entre 1888 e 1895, nela se expõe obras inéditas desse período. Segundo a documentação que o MNAC distribui, a exposição acolhe 70 obras, põe enfoque no seu itinerário francês (Paris, Bretanha e Wissant), desvela a ligação de uma amizade com os artistas Virginie Demont-Breton e Adrien Demont e a Escola de Wissant. É a primeira vez que se dá a público este diálogo de Veloso Salgado com os seus pares franceses.

Prefiro agora ser pouco respeitador do itinerário da exposição, creio que o leitor sabe que estamos a falar do itinerário francês e das amizades de Veloso Salgado com um conjunto de artistas desse país, houve um legado da neta do pintor, Conceição Veloso Salgado, onde se integravam pinturas, documentação (entre ela correspondência) e um núcleo significativo de provas fotográficas. A curadora da exposição, Maria de Aires Silveira, analisou a correspondência trocada com amigos portugueses em França e aquelas amizades que se firmaram em Paris e na Escola de Wissant, no norte da França. A obra escolhida como imagem da exposição é o retrato da criança intitulada “Flor do Mar”, destaca a aprendizagem junto de artistas franceses numa experimentação que vai além do habitual reconhecimento da sua pintura académica, introduzindo uma modernidade inédita no seu percurso artístico e oferecendo uma nova visão da sua produção, isto escreve Maria de Aires Silveira no texto da exposição.

Veloso Salgado partiu para Paris em 1888, já então naturalizado português, ali trabalhou com o mestre paisagista Jules Breton, relaciona-se com a sua filha e genro, o casal de artistas Virginie Demont-Breton e Adrien Demont e integrou o grupo da Escola de Wissant.

“Flor do mar”, Veloso Salgado, 1894. Oferta de casamento à sua mulher
Entre Paris e Wissant, Veloso Salgado realizou o retrato de Virginie Demont-Breton, bem como do marido. São dois retratos poderosos em sensibilidade estética e qualidade técnica. Chama-se à atenção para a expressividade, a observação psicológica da retratada, é pintura de primeira água. Existe uma importante correspondência, amigável e profissional, trocada entre 1896, nos espólios de Veloso Salgado em Lisboa e Porto, e, numa coleção privada, em França. A descoberta destes quadros e o envolvimento do autor com os paisagistas de Wissant são determinantes para uma nova reflexão sobre as obras de Veloso Salgado e o seu percurso artístico.
Veloso Salgado deslocou-se a Wissant em outubro de 1892, onde o casal Virginie-Adrien construíram a casa, o Typhonium, num local considerado a “Terra Prometida” e frequentado por um grupo de paisagistas com afinidades estéticas, como mostra esta bela tela de pintor da Escola de Wissant.
É um esboço de retrato de José Teixeira Lopes, e o que mais prende a atenção do espetador é a dimensão dada por Veloso Salgado ao rosto do arquiteto, o claro-escuro do rosto, a fixação do olhar, um registo subtil que deixa a sensação de que se tinha ido mais longe no naturalismo e havia um claro entusiasmo nas primícias do modernismo. Mas o que prevalece é mesmo uma observação psicológica.
Um quadro da Bretanha, uma luminosidade perfeita e uma conjugação bem clara das pautas do naturalismo
Um quadro melancólico num cemitério bretão
O retrato de Julieta Hirsch, modelo do pintor, uma as obras reveladoras do talento do jovem Veloso Salgado, o que desperta a atenção para além da capacidade e observação psicológica da retratada são os indícios da modernidade, nada comum na época.
“Cabeça de estudo”, Veloso Salgado, 1887
“Jesus”, Veloso Salgado, 1922
“Velhice (Interior de Igreja abandonada)”, Bretanha, pintura de Veloso Salgado, 1890

Esta obra faz parte de um conjunto de trabalhos marcados pela melancolia, resta saber que mensagem insere o pintor através de uma igreja que parece ter sido vandalizada ou simplesmente abandonada, domina a tela a postura de um velho, talvez em oração, talvez derrancado pela tempestade que ali passou, Veloso Salgado enche a tela de luz, talentosamente põe no sénior o ponto focal da obra, rodeado do mistério das interrogações a que não podemos responder.

A viagem prossegue e vamos bater à porta de outra exposição.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24241: Os nossos seres, saberes e lazeres (569): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (99): Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado: O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 22 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24241: Os nossos seres, saberes e lazeres (569): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (99): Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado: O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Março de 2023:

Queridos amigos,
Trata-se de uma surpreendente revelação de uma faceta desconhecida de Veloso Salgado. Esta exposição foi apresentada na Temporada Cruzada Portugal-França, no Museu de Boulogne-sur-Mer, em França, no ano passado. Tudo começou com a doação da neta de Veloso Salgado de um acervo de centenas de peças e de uma correspondência que revela grandes amizades deste mestre do retrato e da paisagem tanto com artistas portugueses, caso de Teixeira Lopes e Ventura Terra como com um conjunto de artistas franceses com quem manteve relações afetuosas toda a vida, tendo mesmo integrado o Grupo da Escola de Wissant no norte da França. Veloso Salgado tornou-se um reconhecido artista na zona de Lille. No seu legado, encontraram-se obras destes pintores, agora patentes ao público. Promete-se continuar, até para fazer referência a outros eventos que se podem visitar no MNAC - Museu do Chiado.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (99):
Veloso Salgado no MNAC – Museu do Chiado:
O maravilhamento de obras desconhecidas de amigos franceses (1)


Mário Beja Santos

Atrai-me a pintura de Veloso Salgado (1864-1945), conhecido retratista, paisagista e pintor de grandes espaços (designadamente públicos) enquadrado no movimento da segunda geração naturalista, rótulo que considero insuficiente para alguém que experimentou um pouco de tudo entre o realismo e romantismo até às primícias do modernismo. O MNAC – Museu do Chiado já lhe consagrara uma retrospetiva onde claramente se manifestava, no último período dos seus trabalhos, uma total disponibilidade para transitar para formulações fora do academismo pictórico.
Esta exposição intitula-se “De Lisboa a Wissant”, espraia-se por todo o seu processo artístico e a sua formação, este homem de origem galega formou-se em Lisboa foi professor na Escola de Belas Artes, teve intervenção em grandes espaços decorativos, caso do Palácio da Bolsa, da Escola de Medicina do Porto, da Assembleia da República. Este acervo vem na continuidade da exposição apresentada no Museu de Boulogne-sur-Mer, que revelou detalhes até agora desconhecidos do percurso artístico de Veloso Salgado. A exposição do MNAC foca-se sobre os estudos e a carreira artística de Veloso Salgado em França enquanto bolseiro, entre 1888 e 1895, nela se expõe obras inéditas desse período. Segundo a documentação que o MNAC distribui, a exposição acolhe 70 obras, põe enfoque no seu itinerário francês (Paris, Bretanha e Wissant), desvela a ligação de uma amizade com os artistas Virginie Demont-Breton e Adrien Demont e a Escola de Wissant. É a primeira vez que se dá a público este diálogo de Veloso Salgado com os seus pares franceses.

Abertura da exposição, com peças do seu ambiente familiar e doméstico
Retratos do jovem artista. Ele começou a trabalhar com o seu tio desde os 10 anos na Litografia Lemos (situava-se na rua Ivens), frequentou a partir de 1878 a Academia Real de Belas Artes, chamou a atenção dos seus professores, caso do escultor Simões de Almeida. Distinguiu-se pela sua profunda capacidade de observação psicológica, a exposição exibirá o Retrato de Julieta Hirsch, que foi seu modelo, uma obra pontuada por uma modernidade incomum na época.
Veloso Salgado
O Éden-Hotel, chalé de férias de Veloso Salgado e onde viveu a sua neta Conceição

A sua neta, Conceição Veloso Salgado legou ao MNAC o acervo concentrado na casa de família, em Lisboa, na rua da Quintinha e no chalé de férias, em Colares. Trata-se de uma importante coleção composta por 400 peças, abarca pintura, desenho, escultura, joalharia, medalhas, mobiliário e um significativo acervo de fotografias do século XIX. Assim se abriu a perspetiva de estudar a correspondência de Veloso Salgado com os artistas franceses seus amigos, correspondência que revela uma cumplicidade e uma profunda amizade que durou toda a vida. Coube a Maria de Aires Silveira, conservadora do MNAC este estudo que permitiu avançar tal rede de contactos.
“Casas pobres”, pintura de Adrien Demont, 1890
Fernand Stiévernart, “Pôr-do-sol”, 1895
Veloso Salgado, “Preto e rosa”, 1872

Veloso Salgado, enquanto bolseiro do Estado português, trabalhou em Paris onde fez conhecimento e nasceu amizade com Viriginie Demont-Breton e Adrien Demont, Félix Planquette e Fernand Stiévenart, tudo aparece confirmado nos quadros que constavam da sua coleção. Foi assim que se descobriu na dita correspondência, as interações de Veloso Salgado com outros artistas, também bolseiros portugueses em França, caso do escultor Teixeira Lopes e do arquiteto Ventura Terra. Nesta exposição comprova-se o interesse de Veloso Salgado pela captura de cenas bretãs, ficam evidentes as suas ligações com o grupo de paisagistas da Escola de Wissant, no norte da França e com artistas praticamente desconhecidos em Portugal. A exposição permite, deste modo reatualizar o estudo do percurso artístico de Veloso Salgado e a sua cumplicidade com estes artistas franceses.
Trabalhando na Bretanha, Veloso Salgado deixou-nos imagens luminosas da região, anos depois a sua obra vai transmitir sentimentos melancólicos e místicos, caso do quadro Velhice. Despedimo-nos hoje com a promessa de continuar a falar de Veloso Salgado e de outro acervo do MNAC, mostrando uma obra dessas relações afetuosas que estabeleceu e onde é incontestável a sua mestria no campo de observação psicológica.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24225: Os nossos seres, saberes e lazeres (568): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (98): Vestígios soltos de dias felizes, custa apagá-los sem haver partilha (Mário Beja Santos)

domingo, 19 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24154: Os nossos seres, saberes e lazeres (562): Os meus livros. Ao todo, quinze (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico)

1. Em mensagem do dia 17 de Março de 2023, o nosso camarada Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), enviou-nos uma listagem dos seus livros publicados, cujos temas vão desde a Medicina à poesia, passando pelo Conto e pela pintura.
Felizmente o nosso blogue tem já muitas publicações dos seus trabalhos de pintura, normalmente ilustrando os seus apreciados poemas. Alguns dos livros mais antigos estão há muito esgotados.


Os meus livros.
Ao todo, quinze. Falta o primeiro, escrito há largos anos, do qual tenho um exemplar, mas não sei onde pára. Era um livro de cardiologia, com o título "Cirurgia geral no doente cardíaco".

Por ordem cronológica:


1 - Cirurgia geral no doente cardíaco.
2 - ESTA ÁGUA QUE AQUI VEM DAR (Poemas e pintura)
3 - VEM COMIGO COMER AMENDOIM (Contos e poemas)
4 - PALAVRAS E CORES (pintura e poemas)
5 - ADÃO CRUZ - Tempo, Sonho e Razão (Pintura e texto).
6 - ADÃO CRUZ - Hora a hora rente ao tempo (Pintura e texto).
7 - ADÃO CRUZ - Um gesto de silêncio (Pintura e poemas).
8 - Poemas do lusco-fusco (Poemas).
9 - Poemas do ser e não ser (poemas).
10 - Poemas estoricônticos (Poemas).
11 - VAI O RIO NO ESTUÁRIO - Poemas de braços abertos (Poemas).
12 - VAI O RIO NO ESTUÀRIO - Cores de braços abertos (Pintura e texto).
13 - CENAS DO PARAÍSO (Contos).
14 - CONTOS DO SER E NÃO SER (Contos).
15 - Entre as mãos e o sonho (Poemas).
Adão Cruz
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24152: Os nossos seres, saberes e lazeres (561): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (94): Da bela Tavira a uma exposição sobre a Ordem de Cristo em Castro Marim, com José Cutileiro em pano de fundo (1) (Mário Beja Santos)

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24097: Os nossos seres, saberes e lazeres (557): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (91): A Coragem da Gota de Água é que Ousa Cair no Deserto (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Fevereiro de 2023:

Queridos amigos,
É sempre com muito agrado que venho até à rua Alves Redol, n.º 45, em Vila Franca de Xira, não há museu como este, sobe-se e desce-se estas escadarias em estado de deslumbramento, independentemente do recheio sazonal, e com uma imagem que nos acompanha em todas as direções e uma obra belíssima de Júlio Pomar. O que não é sazonal é o que me traz cá hoje, conhecer a nova exposição de longa duração do Museu do Neo-Realismo, o título é fabuloso: "A Coragem da Gota de Água é que Ousa Cair no Deserto", é um novo olhar interpretativo sobre a coleção de obras em depósito. Não que não permaneça vincada, como escrevem os curadores, a atenção aos mais desfavorecidos, uma forte leitura ao nível da consciência de classe e da sua capacidade reivindicativa ou de ação. Aqui se desmonta aquele mantra de que se pintava, ou desenhava, ou esculpia, ou moldava de forma uniforme, como se todos os artistas plásticos vestissem a mesma fatiota e tocassem a música pela mesma pauta. Por engano, como aqui se pode ver. Muitas destas mulheres e destes homens enveredaram depois por outros caminhos, onde aqui havia um compromisso entre o figurativo e a dinâmica da modernidade, já se pressente em diferentes obras que se caminha para outros projetos, basta pensar a evolução de um dos pontífices do neorrealismo, Júlio Pomar, que se lançou gradualmente na arte não figurativa, e experimentou diferentes correntes. Em termos museológicos, a exposição é altamente atrativa, nunca perde a dimensão didática, como se uma ideia mestra presida a todo este itinerário: pensar, como contemplar, é divergir.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (91):
A Coragem da Gota de Água é que Ousa Cair no Deserto


Mário Beja Santos

Regresso sempre lesto e contente ao n.º 45 da rua Alves Redol, em Vila Franca de Xira, aqui se pranta o Museu do Neo-Realismo, a minha primeira saudação é sempre para esta obra magna de Alcino Soutinho, o arquiteto desenhou um espaço gerando volatilidade, o sentimento de que se sobe e desce sob o signo da luz graças à solução encontrada da escala destas escadarias correspondentes à ligação dos diferentes pisos, uma geometria de um fôlego quase aéreo, enfim, o prazer de por aqui deambular, sejam quais forem os bens culturais expostos.

O que me traz aqui, hoje? Venho ao encontro da exposição de longa duração que substitui outra que aqui se exibiu de 2007 (ano de inauguração do museu) até 2021, e que se intitulava “Batalha pelo Conteúdo”. E temos a promessa de que no piso abaixo, em 2024, irá continuar a renovação museológica, aqui se exibirá exposição complementar alusiva a um processo de reinterpretação do movimento literário, cívico e cultural do neorrealismo, não faltará uma ampla exposição documental, reza essa a promessa.

Recomenda-se ao visitante que adquira o catálogo, é uma obra de referência, não o fazendo tem mesmo assim ao seu dispor um folheto que ajuda a entender esta nova abordagem museológica. Para os não iniciados, recorda-se que este movimento estético, encetado na década de 1930, tinha berçário no realismo, estes artistas e escritores valorizavam a representação do humilde e do comum, buscavam inspiração no operário ou no camponês, mostravam cenas de família ou exibiam a miséria em que viviam os desabonados. O neorrealismo introduziu uma forte leitura da consciência de classe e da sua capacidade reivindicativa ou de ação, concentrando no observador da obra de arte uma amplitude social até aí dominada pela expressão artística naturalista, todas as manifestações de arte em pintura, escultura, desenho, fotografia, gravura, ilustração e cerâmica foram base para o trabalho destes artistas. Um dos pontos altos a exposição é o de desmontar o estereótipo de que o neorrealismo era meramente apologético de uma arte ao serviço da luta de classes, uma espécie de Bíblia para fermento revolucionário, no percurso desta exposição de longa duração, o visitante vai ser confrontado com a versatilidade, tanto no conteúdo como na forma.

Aqui estou embasbacado no interior do museu, é sempre novo para mim, ainda por cima a tarde está ensolarada, releva-se este branco de cal como nas casas alentejanas, a luz é esplendente, vou subir, hoje há visita guiada pelos dois curadores da exposição, David Santos e Paula Loura Batista, e bem ilustrativa será nos seus comentários, posso assegurar.
A exposição desdobra-se em secções temáticas, os curadores advertem-nos no início do seu catálogo o que há por detrás deste título escolhido para a exposição: “Inspirados pelo provérbio chinês, podemos dizer que a arte é como uma gota de água que cai no deserto, pois nunca opera revoluções, nem uma ação imediata ou direta sobre a realidade, interpelando-nos, porém, o suficiente para nos fazer refletir, a partir de uma magia que nos espanta e influencia ao longo da vida.” E dizemos que é desejável aqui chegar ou daqui partir com este catálogo possuidor de textos primorosos que nos falam do compromisso dos neorrealistas, do que há de singular neste movimento estético, como ele é substantivo para o conhecimento histórico da oposição ao Estado Novo, como ele igualmente se confrontou, entre modernistas e surrealistas, conciliando o figurativismo e o abstracionismo.

É impossível aqui mostrar o conteúdo das diferentes secções temáticas, mas não resisto a entusiasmar o potencial visitante dizendo-lhe o que vai encontrar. Vai encontrar varinas, ferroviários, marinheiros e pescadores, camponeses, peixeiros, pastores, mulheres de empreita, mondadeiras, rendilheiras, e algo mais, é trabalho, de canastra à cabeça, a tocar o realejo, pescadores arranjando o cordame. E aqui o visitante seguramente terá surpresas neste caleidoscópio laboral, pontificam Júlio Pomar, Lima de Freitas, Alice Jorge, Victor Palla, Nuno San-Payo, é deste que se mostra um dos seus quadros.
Varinas no Cais, por Nuno San-Payo, 1950
Júlio Pomar, Estudos para o Ciclo do Arroz, 1953
A Mulher do Mar, Júlio Pomar, 1956.

Aqui detenho-me um pouco mais, é obra premiada em exposição da Gulbenkian, na temática de gravura, consta um exemplar cá em casa, o meu padrinho era sócio da Gravura, num meu qualquer aniversário mandou-me abrir uma pasta e escolher uma obra à vontade, esta Mulher do Mar tenho-a por companheira, espero por muitos anos e bons, Pomar é um dos meus ícones e o neorrealismo deve-lhe muito, e ele seguramente que ficou devedor a esses tempos de denúncia do Estado Novo.
Isto é o Haiti: escolhendo café, anos de 1940, por Byron Coroneos (?)

A segunda secção é dedicada à paisagem, o visitante será surpreendido por obras inebriantes de um Victor Palla, uma atmosfera de subúrbio de Nuno San-Payo, o porto de Portimão de Querubim Lapa ou uma paisagem descarnada de João Hogan. Daqui se prossegue para outra secção, a família, com obras, entre outros, de José Dias Coelho, Júlio Pomar ou Mário Dionísio. A nova temática é política, como escreve um dos curadores, David Santos: “Inspirada pelas vanguardas político-revolucionárias de meados do século XIX, a arte converter-se-ia num instrumento crítico de incidência direta sob a realidade social, com a intenção deliberada de a transformar.” Esta é a génese do que irá acontecer pelos anos de 1930 e 1940, o profundo compromisso entre a arte e a sociedade, o artista não irá abdicar de falar da guerra, da prisão, da censura, de mostrar de que lado está a operação, etc.
Desenhos originais para o livro Serranos de Mário Braga, por Cipriano Dourado, 1955

Tinha eu 16 anos quando acompanhei a minha mãe numa visita a Coimbra, aqui residia uma das suas maiores amigas, trabalhava igualmente na maternidade, junto à Sé Velha. O chefe dos serviços era o escritor Mário Braga, deve ter percebido que aquele adolescente se maravilhava com a matéria dos livros, e então ofereceu-lhe dois livros, um deles o livro de Contos Serranos onde estão estas ilustrações e outras mais de Cipriano Dourado, foi o princípio de uma grande estima, só morreu quando o grande contista se finou.
Prisioneiros políticos, por José Dias Coelho (1955-1961)
Ilustração para o livro Fanga de Alves Redol, 1948

Muito impressiva é a secção sobre o retrato, aí o visitante encontrará obras revelando Soeiro Pereira Gomes, Orlando da Costa ou Alves Redol, entre outros. E chegamos ao lazer, com os seus saltimbancos, danças da roda, até um carrossel prodigioso, talvez um remate felicíssimo para esta exposição, aparece uma ilustração para o livro Fanga de Alves Redol, de Manuel Ribeiro de Pavia.

Que belíssima exposição! Espero ter seduzido o leitor, pode muito bem acontecer que nos encontremos nos tempos mais próximos neste magnífico edifício concedido por Alcino Soutinho.
Saltimbancos, por Nuno San-Payo, 1951
Carrossel, por Rui Filipe, 1960-61
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24077: Os nossos seres, saberes e lazeres (556): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (90): Uma visita ao Museu Nacional de Arte Antiga, a neta questiona tudo (2) (Mário Beja Santos)