sexta-feira, 23 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9646: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (22): A guerra das vacas


1.   O nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem. 


A Guerra das Vacas

Acreditem! É pura verdade! 

A C. Caç. 675 foi (e ainda é), sem sombra de dúvida, uma unidade militar fora do comum; não me canso de o afirmar com a certeza de que era mesmo assim. 

Fomos a unidade do mato mais badalada em toda a Guiné entre 1964 e 1966. Com grande frequência, os relatórios das nossas operações eram mandados distribuir por todas as unidades operacionais para que “aprendessem” a minúcia, a inteligência, a destreza e a perfeição com que as nossas acções eram planeadas e executadas. O mérito, porém, era, indubitavelmente, do excelso capitão que nos comandava; nós tínhamos apenas a missão de executar na companhia dele o que ele sabiamente tinha planeado. 

Na véspera de cada saída, depois do jantar, o capitão apresentava o seu plano aos oficiais que iam actuar, quase sempre com ele, na madrugada seguinte. O planeamento era apresentado sempre com tanta clareza, com tantos pormenores com tanta sapiência que quase não cedia abertura para qualquer comentário da parte dos subalternos. 

Lembro-me que na vésprea da nossa primeira e ousada “visita” à célebre base de Sambuiá – ocorreu dia 5 de Janeiro de 1965 – ele transmitiu-nos os detalhes da operação; quanto ao regresso declarou: - “agora ou as viaturas vão recolher nos onde nos largaram ou voltamos a pé até Cufeu; na 1ª hipótese teremos, com toda a certeza, numa mina, sempre perigosa, no percurso”. 

Tomei a palavra, declarando apenas: 

- Regressamos a pé até Cufeu! 

- E o pessoal aguenta? Perguntou o capitão plenamente consciente das dificuldades daquela caminhada que se sabia ser longa e penosa. 

- As nossas vidas estão em jogo! Em meu entender, aguentaremos mais esse esforço desmesurado... custe o que custar! Mas seremos recompensados! 

Na verdade o Homem tinha razão! 

À última hora, pouco antes da chegada a Cufeu, o Capitão ordenou que a coluna de viaturas avançasse cerca de 1km; a mina lá estava à nossa espera mas não foi acionada pelas viaturas. Como não dispúnhamos de sapadores, o capitão fê-la deflagrar no local. 

O esforço para chegar às viaturas foi enorme, descomunal; o cansaço foi tal que o soldado “Dentinho” de seu nome Fernando Marques da Silva, caiu desfalecido com princípio de insolação e foi transportado em maca; felizmente já faltava pouco para entrar nas viaturas. 

Não resisto a contar mais um caso para que todos possam aquilatar das imensas qualidades do enorme Cap. Tomé Pinto. 

O inimigo já havia sido desalojado da região de Sanjalo, a ponta nordeste da nossa zona; mas eles tinham necessidade imperiosa daquela base de apoio; reocuparam-na e começaram a “flagelar-nos” sempre que passávamos na estrada de Farim. Os tiros eram disparados a grande distância e sempre entre o rio Caur e o rio salaquinhé, limite este da nossa zona. 

Temendo que algum dia eles viessem a disparar mais de perto, causando estragos, eu sugeri ao capitão que “batêssemos” a região a partir da fronteira e um G. Comb. faria a espera na berma daquela estrada; eles cairiam na armadilha! 

O capitão respondeu com poucas mas sábias palavras: 


- “Ainda não é hora! Ainda não entrei na cabeça daquele gajo!” (“gajo” talvez seja da minha lavra). 

Cerca de duas semanas mais tarde ele planeou uma emboscada perfeita a qual foi superiormente executada: os nossos soldados tiveram sangue frio e paciência; “permitiram” que o inimigo entrasse na chamada zona de morte: Cairam que nem tordos!
Voltemos ao princípio. 

Poderíamos até não ser absolutamente a melhor companhia entre as melhores mas no mínimo éramos diferentes. Vejamos: pelo que realizámos no mato, em combate; na recuperação e apoio às populações que “fizemos” regressar do Senegal; pela pavimentação de ruas, bebeficiação de estradas, reconstrução de pontes; construção de duas pistas de aterragem; a disciplina, o aprumo e o respeito manifestados pelos nossos soldados em toda a parte; pelas aulas regimentais que funcionavam nos intervalos da guerra – e mais de 30 militares fizeram a 4ª classe de adultos em Farim; limpámos completamente a nossa zona (400km2) e – cereja no topo do bolo! – pelo que temos vindo a realizar depois da passagem à disponibilidade, especialmente as confraternizações anuais (com ínicio logo em 1967, não falhando ano algum) bem como as mini-reuniões; a colocação de lápides nas sepulturas dos nossos mortos (dos que perderam a vida em combate e dos que já morreram e vão falecendo no pós-guerra). Enfim! Continuamos a ser os autênticos elos de aço fino daquela corrente simbolizada no nosso emblema, aço que o tempo ainda não conseguiu corroer. 

Arribamos à Guiné a 13 de Maio de 1964, numa época de descrença generalizada; só se falava de mortes ocorridas mesmo dentro de quarteis; poucos penetravam profundamente no mato. 

As únicas unidades de que se falava pela positiva eram: o batalhão 645, os célebres “águias negras” sediado no Oio e o Bat. Cav. 490, principalmente pela muito propalada mas inconsequente “batalha do Como” a qual já foi apelidada de “batalha sem fim”. 

Desembarcámos em Binta em 29 de junho e ao anoitecer assinalámos a nossa presença incendiando umas “moranças” abandonadas a 3/4km do quartel – fogueiras de S. Pedro! 

A guerra propriamente dita iniciou-se a 3 de Julho. No dia seguinte, e com base também em informações colhidas na véspera na aldeia de S. João (mas não só) colocámos a pedra-chave na nossa actuação com o cerco e destruição da tabanca de Leuquetó, onde os chefes guerrilheiros da zona estavam reunidos para planear “o que haviam de fazer à tropa de Binta”; dali trouxemos 39 prisioneiros. 

A partir daqui tudo se tormou... quase... mais fácil! Ninguém mais segurou a C. Caç. 675!
Apelidaram-nos de “tropa do capitão do quadrado” porque nos deslocávamos pelas matas quase sempre “em quadrado”; tínhamos poder de fogo em todas as direcções e “os turras não conseguiam descortinar qual seria o nosso objectivo. 

No meio da mata, a deslocação de dois G. Comb. “em quadrado” não era tarefa fácil... mas era eficazmente segura. Os nossos soldados da frente do quadrado abriam “apenas” dezasseis trilhos durante 20, 30 e mais km num só dia. Apesar de tudo, a eficiência e segurança do nosso dispositivo era tal que (todos o reconhecíamos), por vezes eram os próprios soldados que, insensíveis ao cansaço, sugeriam que se “passasse ao quadrado” mesmo quando os oficiais entendiam que não seria “ainda” necessário. Em escassos segundos e sem confusão passava-se da “bicha de pirilau” ao quadrado – tal era o treino e a vontade de andar com a máxima segurança. 

A fama do nosso quadrado foi tal que até o insigne D. Nuno Álvares Pereira teve conhecimento dele e utilizou-o com excelência na famosa e ousada batalha de Aljubarrota de que tanto nos orgulhamos; até o Condestável aprendeu com a C. Caç. 675! 

Até fins de Junho de 1964, o inimigo deslocava-se livre e impunemente dentro da zona que veio a ser-nos confiada; durante o mês de Julho, apesar da nossa entrada de rompante e da nossa vontade férrea e indomável de inverter a situação a favor das n.t. (nossas tropas) o “inimigo” conseguiu, apesar de tudo, ter mais iniciativa de fogo do que nós (disparou primeiro mais vezes); a partir do início de Agosto, a iniciativa de combate passou definitivamente para o nosso lado; eles perderam terreno a olhos vistos e, em breve, perderam-no na totalidade. 

Depois de um ano de Guiné, circulávamos “livremente” na zona... sempre com as cautelas devidas. Os nossos soldados asseveravam garbosamente: “inimigo cá tem! 

Daqui se depreende que montámos muitos emboscadas – algumas com sucesso notório -; atacávamos de surpresa os seus esconderijos, utilizando “as suas armas” (a sua maneira de agir); cercávamos o objectivo (tabanca ou acampamento) sem que se apercebessem da nossa aproximação – quando abriam os olhos... já a casa ardia. 

Só assim foi possível afirmar, convictamente, que, se alguém aterrasse no local mais remoto do nosso terreno, nós já ali tínhamos estado ou tínhamos passado 30 ou 40m ao lado. 

Devemos informar que naquela época, e na nossa zona em especial, não havia por onde escolher: quem não pretendia a guerra (e eram muitos) refugiou-se no Senegal; os restantes estavam predispostos a matar ou morrer; não havia meio termo, o que, de certo modo, facilitava a nossa tarefa; no entanto havia para nós um ponto de honra: em mulheres ou crianças bem como em homens desarmados ninguém atirava. 

Naquele tempo, na Guiné, era uso (ou abuso) dar nomes pomposos a algumas ações militares banais. As nossas inúmeras batidas e patrulhas, golpes de mão e emboscadas não eram geralmente “batizadas”; só em casos especiais ou quando atuávamos em conjunto com outras unidades fora da nossa zona era dado nome a tais operações; no nosso território ninguém atuou mesmo connosco. 

Depois deste longo introito, hoje, vou transmitir uma actuação muito esquisita, muito especial, diferente (digo eu) e também com surpresa total, à qual não atribuímos qualquer nome – nem houve tempo para tal! Posteriormente um oficial da Marinha, o comdt. do navio Lira que patrulhava o Cachéu naquela data, chamou-lhe “operação vaca”, nome que aceitámos... à posteriori. 

Tratou-se duma operação... improvisada (ponham improviso nisso) mas muito lucrativa, materialmente. Não recordo a data; creio apenas que ocorreu em Março de 1965. 

Na madrugada daquele dia (e sem imaginar o que iria acontecer) o meu G. Combate saiu para o mato; regressámos, missão cumprida, cerca das 3h00 da tarde; à entrada do quartel cruzei com os outros dois G. Comb.: um seguiu para Farim e outro para Guidage. 

O Cap. Tomé Pinto aguardou que eu chegasse e, depois dum belo banho, almoçamos juntos. A meio do repasto, ouvimos alguém chamar insistentemente: 

- Sr. Capitão! Sr. Capitão! 

Depreendemos que se tratava de pessoal da Marinha e fomos averiguar o que pretendiam. 

- O nosso Comandante manda dizer que, na bolanha em frente, anda uma grande manada a pastar; se decidirem ir lá apanhá-la, nós temos ali uma LDM que facilita a travessia do rio. 

A proposta partia do Comdt. Baptista Lopes, um grande amigo da C. Caç. 675. Entre “aquela Marinha” (pessoal do navio Lira) e a nossa unidade... tudo corria sobre esferas: eles faziam ali aguada, por vezes almoçávamos juntos (no navio ou nas nossas pobres instalações), emprestavam-nos um motor para regar a nossa horta com água do poço e forneceram-nos corrente eléctrica para podermos ver dois filmes com a M. Iglésias e o A. Calvário – vimos aqueles filmes todas as noites, mais de uma dezena de vezes! 

Uma das nossas preocupações, no tocante à alimentação, era a falta de carne, porque os nativos não manifestavam vontade de vender os seus animais. Recebiam o “patacão”, é certo, mas perdiam evidentes sinais exteriores de abastança. Entre eles não era rico quem tinha dinheiro no canto do baú; a riqueza manifestava-se pela quantidade de vacas que cada um possuía. Sabia-se logo quem era rico... o resto é conversa. As vacas serviam até como “moeda de troca” na “aquisição” de noiva. 

O cap. Tomé Pinto, o nosso sábio timoneiro, sempre atento a tudo o que nos rodeava, perguntou se eu estava disposto... a ir ao Oio apanhar umas vacas... vivas ou mortas. 

- Por vaca... eu vou até ao inferno! 

Reuni logo os meus soldados e, acompanhados por militares e milícias nativos, utilizámos a LDM (lancha de desembarque médio) para cruzar o rio... na ponta da unha. 

Os indígenas tinham a missão de se aproximar e lidar com os quadrúpedes. Eu sabia que as vacas fugiam dos brancos como se de inimigos se tratasse... e não é que elas até tinham razão?! 

Desembarcámos cautelosamente na margem esquerda do Cacheu e à distância, cercámos os ruminantes; era quase uma centena de lindas cabeças. Os nativos abeiraram-se delas e iniciaram a tarefa de as “empurrar”, cautelosamente, para junto do rio onde a LDM nos aguardava. 

Pareceu-me estranho que tantas vacas pastassem tão perto de nós... sem vigilância de pessoal armado... nem parecia que estávamos no Oio! Não vimos viv’alma! Soubemos mais tarde que quatro guerrilheiros armados protegiam a manada. Quando se aperceberam que a tropa de Binta atravessara o rio e já montava o cerco ao gado... esconderam-se no tarrafe; houveram por bem que era preferível perder apenas os ruminantes... que deixar escapar também as próprias vidas. 

Os nossos negros iam cumprindo a sua missão, conduzindo a manada para o local escolhido. A certa altura, porém, as vacas deixaram de caminhar; nem o diabo as fazia locomover-se: estavam atoladas em mais de meio metro de lama peganhosa. 

Reconhecida a impossibilidade de obrigar o gado a aproximar-se da margem, ordenei aos marinheiros que nos trouxessem cordas do quartel. Utilizávamos estas cordas quando saíamos para o mato em noites de puro breu para que ninguém se descarrilasse – éramos os “voluntários” da corda! 

Recebidas as cordas, logo quinze vacas foram atreladas à lancha que as rebocou para a outra margem. Houve azar! Esqueceram-se de levantar o “taipal” da barca e as desditosas vacas foram coagidas a atravessar o rio com as narinas debaixo de água; os quinze animais morreram por asfixia! Foi um ar (falta dele) que lhes deu! Com as restantes... tal não aconteceu e eram setenta belos animais. Acabou-se a falta de carne! A C. Caç. 675 passou a ter uma razoável e lustrosa ganadaria que causava inveja – salvo seja – ao chefe da tabanca de Binta, Malan Sanhan. 

Foi então que um valente bezerro, o animal mais corpulento da manada, iludiu (ou forçou) a vigilância; subiu ao caminho que ali cruzava a bolanha para sul e só parou a uns bons 300m. Apontei a G3 mas não disparei porque o animal iria morrer longe; perdíamos a bala e eles ficavam com a carne! Mas... eis que o animal (parado) voltou a cabeça, talvez para afugentar uma incómoda mosca; fiz pontaria e disparei; as pernas dobraram-se imediatamente e o animal caiu inanimado; àquela distância acertei-lhe mesmo no ouvido! Belo tiro! O touro foi logo ali sangrado, “desmontado” e trouxemo-lo “em peças”. 

As vacas que morreram por asfixia foram amanhadas e distribuidas: pela C. Caç. 675, pelo pessoal da Marinha, pelos civis de Binta e pela C. Cav. 487 de Farim – foi um bodo aos pobres! 

Como bons ganadeiros, logo no domingo seguinte, procedemos à ferra dos (já) nossos animais para prevenir confusões com os da vizinhança. 

Um serralheiro improvisado elaborou uma letra “C” em ferro que, soldada na extremidade duma haste metálica, serviu lindamente para “marcar” o nosso gado. Convidámos o Comdt. do Bat. Cav. 490, a equipa de futebol da C. Cav. 487 e seus apoiantes bem como o pessoal do navio Lira que partrulhava o Cachéu. 

A festança iniciou-se com um jogo de hábeis pontapés na bola entre as equipas da C. Caç. 675 e da C. Cav. 487; os infantes triunfaram por concludentes 3x0 – sem margem para dúvidas! É certo (invento eu) que os de Farim foram pré-avisados que, se nós não ganhássemos eles perdiam o direito de almoçar à borla e poderiam até sofrer eventualmente, uma emboscada no regresso a Farim. Mas, claro, não foi por isso que vencemos; é brincadeira! 

Seguiu-se a ferra, o ponto alto (e o mais hilariante) da festa! A rua 4 de Julho serviu de arena; entre dois grandes armázens de zinco, encerrámos a rua com viaturas, formando o redondel... que era quadrangular. Um a um, os animais foram apanhados e conduzidos até junto da forja; com a tal letra “C” bem aquecida queimava-se o pelo (por vezes também a pele) de cada vaca ou similar. Alguns não gostavam e escoiceavam duramente tentando escapar... a qualquer preço... e a cena repetiu-se sessenta e nove vezes! 

Houve várias tentativas de toureiro mas só apareceram artistas inábeis e medrosos; houve também tentativas de pegar... desajeitadas... de quebrar o côco... Tínhamos na C. Caç. 675 um sobrinho do afamado pegador de touros, Salvação Barreto, o tal que “dobrou” o artista no extraordinário filme “Quo Vadis”; este sobrinho, porém, não queria entender-se com cornúptos ao vivo... para ele... vaca só no prato; mas “cantava” embora desafinado: “una lágrima entre os ojos”! 

Para encerro da festa ficou uma perigosa vaca que marrava desalmadamente! Como diz o ditado: o rabo é pior de esfolar! Houve várias tentativas de lide mas a vaca era mais manhosa e enganosa que os turras (estes nunca nos obrigaram a fugir); alguns mais afoitos, mal a vaca investia, saltavam logo para a “trincheira” (para cima das viaturas). 

Eis que surge na praça um soldado que, aparentemente, nada teria a ver com touradas. Era natural de Figueira de Castelo Rodrigo, de seu nome completo Silvestre Fernando Verges Flor; não sei o motivo por que o alcunharam de “aguardente”! (era percetível) Este jovem beirão tentou arremedar qualquer aprendiz de toureiro mas nada lhe saiu bem... nem mal. Distraiu-se a conversar com alguem que, de cima duma viatura, tentava, prudentemente, aconselhá-lo; pôs-se a jeito, involuntariamante, para levar uma valente marrada; gritaram-lhe; ele voltou-se e, não tendo já tempo para fugir, curvou-se “corajosamente” para a frente (para amortecer o impacto) embarbelou-se com altivez e arrojo e dominou a besta astuciosa e má: uma valente e aparatosa pega... de emergência! O pior, porém, foi sair de entre os cornos aguçados da bicha... mas com algumas ajudas conseguiu libertar-se daquela melindrosa situação... sem qualquer mazela. 

Pediu-se, insistentemente, “bis”... mas ele não foi na conversa; desconfiou que a sorte podia não estar de novo do seu lado e comentou: “de repetição é o relógio da torre da igreja lá da santa terrinha”! 

Ao fim de um mês a patrulhar o Cacheu, o comdt. do NRP Lira rumou a Bissau não sem antes ter recebido mais duas vacas; além disso foi-lhe prometido que, regressando de novo àquelas águas, poderia contar com carne das vacas que havíamos surripiado aos turras assustados; afinal eles detetaram os animais e forneceram a (parte da) logística! 

A caminho de Bissau, ao passar na povoação de Cachéu, na foz do rio com o mesmo nome, um oficial de Marinha, de alta patente, subiu ao navio para seguir viagem para a capital da província. Durante o percurso, o comdt. do navio Lira informou garbosamente – em off - o seu superior hierárquico, pormenorizadamente, sobre a tal “operação vaca”. 

Já em Bissau, os comandantes de todos os navios que haviam patrulhado outros rios reuniram, como habitualmente, com o comando naval para informar, de viva voz, tudo o que de importante havia ocorrido. O comdt. B. Lopes não referiu a tal caçada de vacas mas o oficial que havia sido informado – em off – lembrou-lhe que devia referi-la e... assim teve de ser. 

Uns dias mais tarde a C. Caç. 675 recebeu um ofício da Marinha a exigir metade das vacas capturadas; não descontavam sequer as que haviam sido distribuidas a outras entidades; exigiam apenas 42,5 vacas! 

O cap. Tomé Pinto não brincava em serviço; elaborou cáculos rigorosos tendo em devida conta os meios humanos envolvidos naquela tarefa (damos como certo que a carne de vaca não fazia parte da dieta alimentar da LDM); referiu ainda que a parte de leão (maior risco) tinha pertencido aos “infantes”. Feitas as contas e apresentadas com rigor e clareza, concluiu que a Marinha tinha direito a duas vacas e meia; como haviam já recebido três, os marinheiros deveriam devolver-nos meia vaca. O cap. Tomé Pinto rogou penhoradamente que essa meia vaca nos fosse enviada pelo primeiro navio que viesse patrulhar o rio Cacheu. 

A Marinha não respondeu!... mas não desarmou! 

O próximo comandante, R.V.V. e Sa´Vaz, a patrulhar o Cachéu trazia a incumbência de reabrir as negociações. Parecia que ia travar-se uma batalha “fratricida” entre a Marinha e a Infantaria... mas teria lugar fora da água barrenta do rio cor de cinza. 

O cap. Tomé Pinto, um perseverante e zeloso defensor dos superiores interesses dos seus comandados, manteve intransigentemente a sua posição sumamente documentada e justificada: inadvertidamente, receberam meia vaca em excesso... devolvam-na! 

Por fim o comdt. Sá Vaz argumentou (em tom de evidente ameaça velada): - A C. Caç. 675 ficará mal vista perante a Marinha se não entregar parte das vacas (já não quantificava). 

O cap. Tomé Pinto, “homem d’antes quebrar que torcer” não cedeu, garantindo a veraciadade dos números que havia transmitido. 

Assim terminou uma das “batalhas” (aliás duas: a captura e divisão das vacas) mais divertidas e lucrativas que levámos a bom porto. Não nos faltou carne até ao fim da comissão... e ao pessoal do navio Lira – sempre que vieram patrulhar o Cacheu – também não. 

A ganadaria da C. Caç. 675 era excelente e..., apesar de tudo, foi barata. 

Fez-nos um jeitão do caraças! 





Lisboa, 20 de Março de 2012
Belmiro Tavares
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Vd. último poste da série de 12 de Fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9476: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (21): O Oio, Visita de cortesia

Guiné 63/74 - P9645: O PIFAS, de saudosa memória (10): A mascote, um caso sério de popularidade (José Romão)... E até o 'Nino' Vieira ouvia o programa! (João Paulo Diniz)






A mascote do PIFAS... Afinal sempre tem pai(s): Segundo informação do João Paulo Dinis, o pai da "ideia" foi o Fur Mil Jorge Pinto, que trabalhava no Com-Chefe, ideia a que depois deu corpo um outro camarada, o José Avelino Almeida, cuja companhia estava em Mampatá e Aldeia Formosa...

Fotos: © José Romão (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Mensagem enviada, a 21 do corrente, pelo nosso camarada José Romão (ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73) [, foto atual, à direita]

Camarada Luís Graça:


Ai vão 3 fotografias da mascote do PIFAS (Programa das Forças Armadas, na Guiné).

Esta mascote veio comigo da Guiné no ano de 1972.

Um abraço

Travassos Romão

2. Comentário de L.G.:


Não há dúvida que a mascote do PIFAS (e o PIFAS, o programa de rádio das Forças Armadas, transmitido através do emissor de Nhacra, da Emissora Nacional de Radiodifusão) foi um caso sério de popularidade...

A rádio, e este programa em particular, no início dos anos 70, terá ajudado muitos camaradas nossos a lidar com a solidão e a saudade... Verdade ? Pelo menos, cerca de 2/3 dos respondentes à nossa última sondagem (n=116) conheciam e ouviam o PFA ou PIFAS: cerca de 39% ouviam-no "todos os quase todos os dias"; os restantes 27% só mais esporadicamente... Também a população civil ouvia o programa, de acordo com o testemunho do João Paulo Diniz...

Ao fim destes anos todos, há malta que guarda religiosamente o boneco, que trouxe da Guiné, como é o caso do José Romão ou do Augusto S. Santos... Até o nosso Carlos Vinhal tem um, lá em casa, embora sem os adereços (o microfone e o gravador), que desapareceram de tanto os sobrinhos terem brincado com ele...

Por outro lado, o nosso Hélder Sousa, que vive em Setúbal, já entrou em contacto com o Armando Carvalhêda, outro conhecido locutor do PIFAS no seu tempo de Bissau, em 1972, e que continua a estar ativo, aos microfones da Antena 1 [, tendo também fortes ligações a Setúbal e a Alcácer do Sal, or via das rádios locais...Espero que o Hélder consiga ter tempo para nos falar desse(s) encontro(s)]...

Do João Paulo Diniz já aqui temos falado bastante... Eu não o conheço pessoalmente mas já falámos várias vezes ao telefone. A última foi agora mesmo... Falámos também na 3ª feira passada, dia 20. Como é sabido, ele tem um programa de música, ao sábados, de madrugada, entre as 5h e as 7h, que se chama "Emoções". O programa é pregravado. No dia 20, como conforme combinado, falámos um bocadinho (cerca de 3 minutos) sobre o nosso blogue e o nosso encontro, que se vai realizar no dia 21 de abril, em Monte Real.

Se algum dos nossos leitores, estiver desperto ou com insónias, amanhã de manhã, por volta das 6h30, mais ou menos, poderá sintonizar o programa "Emoções"... A pequena entrevista comigo foi antecedida de uma das músicas que passava no PIFAS, "A namorada que eu sonhei", do Nilton César, uma das canções da época que que eram transmitidas ad nauseam nos programas de discos pedidos...

O João Paulo Dinis, que está inscrito no nosso VII Encontro Nacional, e que eu vou convidar para integrar a nossa Tabanca Grande (só preciso de uma foto dele do tempo de Bissau), tem-me dado uma série de esclarecimentos preciosos sobre o PFA/PIFAS:

(i) Ele era militar de engenharia, foi requisitado para o Com-chefe para trabalhar na rádio, por ser já "locutor profissional!"...

(ii) O PFA ou PIFAS já vinha dos anos sessenta, ele não sabe precisar o ano;

(iii) Na realidade, ele era o único locutor profissional do PFA, no seu tempo (meados de 1970/ meados de 1972);

(iv) Mas antes dele já lá tinham passado outros, como o falecido Raul Durão;

(v) Mas havia muito mais malta a trabalhar no programa... Lembra, com saudade, outra malta que fez o PFA, como o Sargento Silvério Dias e a sua esposa, Maria Eugénia, que era a tal "senhora tenente", de que muita malta se lembra...

(vi) O João Paulo gostava deste simpático casal de locutores e gostava de os ver se possível no nosso próximo encontro, em Monte Real; (ele tem o contacto telefónico do então sargento Silvério Dias, que deve ser hoje pessoa para setenta e tal anos);

(vii) O PIFAS tinham estúdios próprios em Bissau; o emissor era em Nhacra; os estúdios estavam localizados na avenida (?) dos bombeiros, enquanto a sede da emissora oficial era no (ou em frente ao) edifício dos CTT, na avenida da sé catedral (hoje Av Amílcar Cabral ?);

(viii) Havia uma vasta equipa, o sargento Silvério Dias, o furriel Garcez Costa, o furriel Jorge Pinto... O Carvalhêda virá mais tarde...

(ix) O programa, de 3 horas diárias, tinha o seguinte horário: 1º tempo: 12h-13h; 2º tempo: 18h30-19h30; 3º (e último) tempo: 23h-24h...

(x) O João Paulo Diniz é um grande contador de histórias, ou não fosse um homem da rádio... Entre outras, contou-me a seguinte: uma das vezes que foi à Guiné-Bissau, acompanhando, em serviço da Antena 1, uma visita governamental (creio que foi no tempo do Prof Cavaco Silva como 1º ministro...), encontrou-se com o 'Nino' Vieira... Quando ele soube que tinha feito serviço na rádio das FA, o ‘Nino’ entrou em confidências, muito ao seu jeito, de resto… Contou ao João Paulo Diniz que a malta do PAIGC costuma ouvir o PIFAS e que foi, com a contagem decrescente do locutor do PFA, numa passagem de novo ano, que eles um dia atacaram ou flagelaram um aquartelamento nosso… (Talvez Tite ou outro quartel mais a sul, ele já não pode precisar)…

(xi) A mascote do PIFAS, da autoria do Jorge Pinto (também conhecido por "Jorginho" e "Pifinhas", hoje com paradeiro desconhecido) e do José Avelino Almeida (, que também quer ir a Monte Reaal e que nos vai contactar), terá sido feita em Espanha... Era distribuída (gratuitamente) pela população e pelos militares... Ele, João Paulo, diz que infelizmente perdeu o "bonequinho" que trouxe de Bissau...

(xii) Mais histórias do PIFAS... ficam para Monte Real!!! ... Ou para o próximo poste: por exemplo, o emociante relato em direto - através da emissora oficial francesa - da vitória do Joaquim Agostinho numa das etapas da Volta à França (com a malta no estúdio a traduzir o francês para português)!... E outras "maluqueiras" que a equipa fazia: para o João Paulo Diniz foi uma experiência única e inesquecível, a sua passagem pelo PIFAS, aliás percebe-se pelo entusiasmo e vivacidade com que fala dessas memórias!

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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9607: O PIFAS, de saudosa memória (9): Dois terços dos respondentes da nossa sondagem conheciam o programa e ouviam-no, com maior ou menor regularidade...

Guiné 63/74 - P9644: Agenda Cultural (189): Apresentação do livro A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana, de Idálio Reis, dia 21 de Abril de 2012 no Palace Hotel de Monte Real (Carlos Vinhal)




1. O nosso camarada Idálio Reis, Engenheiro Agrónomo reformado, natural de Cantanhede, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, 1968/69) faz questão de oferecer um exemplar autografado do livro a todos os camaradas da Guiné que aparecerem na sessão de apresentação. O livro, edição de autor, não está à venda no mercado livreiro.




O livro, cuja narrativa não está isenta de paixão e dor, não fosse o seu autor oficial miliciano da CCAÇ 2317, centra-se essencialmente na história dramática dos homens-toupeira, os heróicos construtores e defensores da Gandembel e de Ponte Balana, no corredor da morte. Começa com uma dedicatória (Relembranças) aos seus camaradas de Companhia, seus familiares e combatentes de outras Unidades que partilharam os mesmos momentos difíceis que não foram poucos, um Preâmbulo com a formação da Companhia e listagem nominal dos militares que a compunham.

Depois de um capítulo dedicado à chegada a Bissau e treino operacional, faz uma descrição da evolução da guerra subversiva na Guiné, desde 1963 a 1967.

O ano de 1968 coincide com a chegada da CCAÇ 2317 à Guiné, pelo que a partir daqui o livro entra no seu tema principal. Primeiro uma passagem por Guileje, onde, nas palavras de Idálio, a guerra não se fez esperar, depois a ida para Gandembel e Ponte Balana, em 8 de Abril de 1968, um deserto onde as condições de vida eram piores que más. Trabalhar na construção de abrigos tendo sempre à vista a G3, ferramenta bélica, companheira inseparável. Trabalho árduo, noites mal dormidas, emboscadas, ataques ao "aquartelamento" e às colunas de reabastecimento, mortos e feridos, de tudo e pior que se possa imaginar foi o inferno de Gandembel.


Idálio Reis não se cansa de ao mesmo tempo que narra os momentos mais trágicos da sua 2317, realçar a bravura dos seus heróicos militares. O livro está profusamente ilustrado, dando ao leitor a ideia do esforçado trabalho e das condições miseráveis em que sobreviviam. Depois de meses de sacrifício, o então novo Comandante-Chefe António de Spínola, contrariando a ordem do anterior, Arnaldo Schulz, de ocupação de Gandembel, torna efectiva uma ideia há muito amadurecida, a retirada da tropa daquele local. Estávamos já a 28 de Janeiro de 1969. Destino, Buba, onde finalmente souberam o que era dormir numa cama e usufruir de alimentação melhorada.

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > 1968 > Início da construção do aquartelamento > Sem comentários!... Uma das fotos famosas do nosso blogue que nos acompanha há anos!.. As grandes fotografias dispensam legendas. Esta é uma das fotos-ícones da guerra da Guiné. Tem uma tremenda força dramática! Está lá tudo: o homem-toupeira, o homem de nervos de aço de Gandembel/Balana, também tinha alma de poeta e sabia transformar a pá do trolha em viola de baladeiro, ou guitarra de fadista! Estamos lá todos nesta fotografia de um camarada, sozinho, no palco da guerra, no cu do mundo, enrodilhado num manta, dedilhando a sua viola ou a sua guitarra e cantando para um público imaginário as suas alegrias, as suas tristezas, a sua coragem, a sua solidão, a sua saudade, as suas esperança, os seus medos, os seus sonhos... Trata-se do nosso camarada Idálio Reis, na altura Alf Mil da CCAÇ 2317... Podemos imaginá-lo no intervalo de um dos 372 ataques e flagelações a que os nossos camaradas foram submetidos, entre 8 de Abril de 1968 até 28 de Janeiro de 1969, os nove meses em que, em tempo-recorde, construiram de raíz um aquartelamento, defenderam-no galharda e heroicamente e receberam ordens para o abandonar!...Um verdadeiro Suplício de Sísifo!... Noutro país, esta epopeia teria dado um grande filme, um grande livro, uma grande exposição fotográfica!... Gandembel, quer se queira ou não, faz parte da nossa história, dos portugueses e dos guineenses... É bom invocável para que não ouçamos amanhã a resposta dos nossos filhso e netos: Gandembel ? 'Não, nunca ouvi falar'... Em 1969, a música mais popular entre a nossa tropa era o Hino de Gandembel...

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Terminada a odisseia da 2317, o autor fala-nos das célebres Directivas do General Spínola. A mais célebre será a 20/68 de 25 de Julho que permitiu, entre outras alterações no TO do CTIG, a retirada das NT de Gandembel.

Na sequência de leitura encontramos um capítulo dedicado a Os Gandembéis, ao seu Cancioneiro, às suas músicas e poetas. O autor publica as letras do Hino de Gandembel e do poema Os Gandembéis (90 estrofes, em oitavas decassílabas, adaptadas de Os Lusíadas).

Finalmente o livro retoma as facetas da incidência da guerra subversiva após o regresso da 2317, que contempla o período entre 1970 e 1974, fim da guerra colonial e do regime deposto em 25 de Abril.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9629: Agenda Cultural (188): Convite para o lançamento do livro Adeus até ao meu regresso, de Mário Beja Santos, dia 29 de Março de 2012, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, em Lisboa (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P9643: Notas de leitura (344): A descolonização da África Portuguesa, por Norrie MacQueen (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Fevereiro de 2012:

Queridos amigos,
Este livro de Norrie MacQueen é considerado pelos especialistas como a primeira síntese rigorosa sobre a descolonização da África portuguesa, nada tem a ver com os textos de exaltação a favor da independência e da descolonização nem procura recriminar quem defendeu o Império português nem aprecia o comportamento por vezes destrutivo dessas ex-colónias. Este estudo tem a originalidade de pôr em destaque as raízes metropolitanas da desagregação imperial, associa o fenómeno à evolução da Guerra Fria e toma sempre em consideração a extrema debilidade do que se convencionou chamar o Terceiro Império Português, baseado em África.

Um abraço do
Mário


A descolonização da África Portuguesa

Beja Santos

Não se pode ignorar o nome do investigador Norrie MacQueen quando se pretende ter uma visão de conjunto de como se processou a descolonização da África portuguesa. Terá sido o primeiro estudioso a apresentar uma investigação equilibrada quanto às principais premissas que conduziram por obstinação do Estado Novo a uma luta armada que conduziu à dissolução do Império. O livro “A Descolonização da África Portuguesa” (por Norrie MacQueen, Editorial Inquérito, 1998) é uma análise exaustiva dos porquês do colapso desse império em que se analisa o funcionamento do Portugal metropolitano e as interdependências económicas entre a metrópole e o Ultramar. Quando surgiu a edição inglesa (Norrie MacQueen é o professor de Ciência Política na Universidade de Dundee, Grã-Bretanha) logo a crítica saudou o trabalho classificando-o como “a primeira síntese séria sobre este importante acontecimento”.

Obviamente que esta recensão parte de algumas categorias gerais da leitura do investigador para se cingir à Guiné.

O autor adverte que pretende preencher uma lacuna: A partir dos anos 60 apareceu uma considerável quantidade de materiais sobre as lutas de libertação na África Portuguesa e, depois, sobre o desenvolvimento dos novos Estados saídos da descolonização. De maneira geral, esses estudos orientavam-se segundo um ponto de vista africano e descuravam a análise sistemática das ligações entre o nacionalismo revolucionário na África lusófona e o processo revolucionário na metrópole. Também a década de 70 foi um período de significativas alterações nas relações entre as superpotências. A década começou com o desabrochar do desanuviamento e terminou com o seu colapso. Consequentemente, os especialistas em relações internacionais tenderam a interpretar a evolução na periferia africana do equilibro central, nesta altura mais em termos gerais do que em termos locais. Poucas tentativas houve para ligar estas grandes alterações nas relações entre as superpotências à evolução da política revolucionária e ao processo de descolonização em Lisboa, durante 1974 e 1975. São estes os meus dois objetivos: destacar as raízes metropolitanas da desagregação imperial e tentar integrá-las num conjunto de outros fatores ocasionais existentes em África e no vasto sistema internacional.

Primeiro, o colapso do Terceiro Império de Portugal prende-se com o fenómeno de ocupação, depois da Conferência de Berlim tornou-se crucial ocupar o território e marcar-lhe fronteiras. O Brasil já estava praticamente afastado da órbita política e cultural de Lisboa, em breve vão surgir cobiças nomeadamente da Alemanha sobre as parcelas do Império. O autor refere minuciosamente as etapas da ocupação e pacificação, o modo como o Estado Novo encarava as parcelas africanas e as aspirações nacionalistas da época. Em meados dos anos 50 começam a soprar os “ventos da História”, em 1957 a PIDE abre delações em todos os territórios africanos e começa a organizar a rede de informadores. A Casa dos Estudantes do Império acaba por ser o berço das futuras chefias africanas, é neste tempo que se vão organizar os movimentos de libertação. O autor descreve minuciosamente os acontecimentos metropolitanos de 1961, o início da guerra em Angola, depois na Guiné-Bissau e por último em Moçambique. E questiona: “O que é que determinou a adoção de diferentes análises e programas marxistas dos três movimentos? Contribuíram fatores globais, africanos e, particularmente portugueses. As lutas armadas foram cronologicamente enquadradas pela revolução cubana e pela vitória do Vietname do Norte e deram-se durante o período em que o terceiro mundo estava a afirmar o seu lugar no sistema internacional. Durante esses anos, o discurso do anticolonialismo e da libertação nacional era inseparável das críticas radicais, sociais e económicas”. Como se compreenderá, depois da queda do Muro de Berlim e do colapso soviético estas experiências socialistas ficaram na maior orfandade, decompuseram-se.

Segundo, é igualmente indispensável compreender como a guerra de África afetou internamente o regime, nomeadamente no tempo de Marcello Caetano. Este revelou-se incapaz de concretizar autonomia progressiva, muito provavelmente ficou prisioneiro da lealdade que devia ao salazarismo. A despeito da crise relacional entre Caetano e Spínola, o primeiro ainda fez a tentativa, em 1973 para nomeá-lo ministro do Ultramar. Não há hoje resposta documentada para o que queria Caetano, pode admitir-se que pretendia apoio reformista numa altura em que a comunidade internacional, por larga maioria, tinha reconhecido a república da Guiné-Bissau. O fundamental é que Spínola rompeu com Marcello Caetano e iludiu-se com o que escreveu em “Portugal e o Futuro”, o livro que contribui decisivamente para o golpe do 25 de Abril.

Norrie MacQueen refere as conversações entre o mensageiro do governo de Caetano e os representantes do PAIGC, em Londres, Março de 1974. Dá uma interpretação a esta atitude de Caetano: “A concordância, sob pressão diplomática, em participar em conversações, está longe da conclusão e execução de um acordo. No entanto, ao assumir que estava realmente pronto a encarar um acordo direto com o PAIGC e a fazê-lo sem condições prévias, estava a demonstrar uma flexibilidade relativamente a África pelo menos tão grande como a de Spínola”. Depois o autor discorre sobre as teses federalistas de Spínola, a criação do MFA, detalha as primeiras negociações com o PAIGC, o impasse que se seguiu, o aparecimento da Lei Constitucional n.º 7/74 e o compromisso de descolonização.

Terceiro, o investigador reconhece a importância do MFA na Guiné-Bissau, considera-o como a grande componente do movimento, descreve a destituição de Bethencourt Rodrigues, a interceção de Senghor e o conteúdo das conversações de Londres e Argel. Considera que pesou as atividades do MFA da Guiné o baixo moral das tropas, o MFA começou imediatamente a pedir a retirada incondicional, constitui-se mesmo o Movimento para a Paz em que os militares se manifestavam energicamente contra a guerra.

Quarto, em jeito de conclusão, o autor considera que foi com a Guiné-Bissau que Portugal teve, no período pós-colonial, as mais satisfatórias relações. E justifica: a ausência do problema de uma colónia de brancos, escasso nível de contenciosos económicos e a transferência do poder para um movimento de libertação incontestado. No entanto, Portugal será mantido à margem nas divisões cavadas entre cabo-verdianos e guineenses e mesmo quando a etnia balanta se arvora ou pretende arvorar em etnia dominante. Quando se deu o chamado golpe Paulo Correia, as relações esfriaram temporariamente. A Guiné foi a ex-colónia que se manteve mais próxima do espírito português: advogou a formalização de relações entre os cinco Estados africanos de língua portuguesa e a antiga metrópole; apoiou para que Portugal fosse eleito para um lugar não-permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. E adianta mais um argumento pouco conhecido: “O bom relacionamento da Guiné com Portugal foi facilitado pelo relativo distanciamento que manteve com a União Soviética depois da independência. A rapacidade da frota pesqueira soviética ao largo da costa da Guiné provocou um claro esfriamento das relações, pouco depois da independência, e a Guiné-Bissau tomou o seu confessado não alinhamento suficientemente a sério para recusar os pedidos de Moscovo para a concessão de facilidades para a construção de uma base naval no Rio Grande de Buba”.

Enfim, uma obra que não deverá ser descurada quando se pretende ter uma visão panorâmica dos múltiplos fatores que devem ser equacionados no estudo da descolonização da África portuguesa.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9626: Notas de leitura (343): Testemunho, de Filinto Barros (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9642: Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (12): Os infelizes que estão em Cobumba...

1. No seu diário, o António Graça de Abreu ( nascido em 1947, no Porto, ex-Alf Mil do CAOP1, 1972/74, aqui na foto à esquerda, no rio Manterunga, braço do Cumbijã) dá-nos desta vez notícias dos infelizes que estavam em Cobumba, ali perto de Cufar e de Bedanda, em pleno Cantanhez, e que embrulhavam amiudadas vezes...  


Entre esses infelizes, estava o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba, Bissau, 1972/74), que nos tem surpreendido com as suas crónicas "do tempo que ninguém queria"...

Mais uma vez, e com a devida vénia, reproduzimos - para conhecimento da generalidade dos nossos leitores - mais alguns excertos do Diário da Guiné, 1972/74, da autoria do António Raça de Abreu, de que temos um ficheiro em word, o mesmo que serviu de base à edição do seu livro Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp) (*). 

Os parênteses curvos com reticências são da responsabilidade do editor do poste (LG), não do autor, e significam  cortes no texto... Seleccionámos apenas as entradas do diário e os parágrafos com referências a Cobumba.  (LG)

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Cufar, 25 de Junho de 1973 


Não estou encantado com o lugar que vim encontrar, mas Cufar é melhor do que eu imaginava. Em termos de guerra, segurança pessoal, companheiros de armas e instalações. 

(…) A dois quilómetros de Cufar, passa o rio Cumbijã que subi há três dias na LDG. A sul deste rio fica a região do Cantanhez, até há pouco tempo um santuário do PAIGC. Ora em finais de 1972, o general Spínola decidiu ocupar toda esta zona e, talvez pareça estranho, no entanto não foi difícil espalhar as NT pelas regiões do sul, os guerrilheiros têm também as suas debilidades, quase não resistiram à ocupação e foram-se multiplicando os destacamentos com tropa portuguesa junto de pequenas aldeias, cada um deles com pelo menos uma companhia de cerca de 180 homens, Cafine, Cafal, Cadique, Cobumba, Jemberém, Chugué, Caboxanque. 

Os portugueses podem agora afirmar que o sul já não é pertença do PAIGC. Não conheço ainda a maneira como vivem estes quase dois mil homens, mas posso imaginar como tudo tem sido duro. Estão a construir os aquartelamentos, sujeitos a frequentes flagelações, muitos dormem ainda em tendas, em valas, quase sem luz, com dificuldades de abastecimento de água, com alimentação deficiente. 

Uma coisa é certa, os guerrilheiros não só não conseguiram impedir a instalação dos novos aquartelamentos portugueses como tiveram de abandonar as aldeias e de se refugiar nas florestas, junto de pequenos lugarejos escondidos no mato (…) 

(…) Cufar, 29 de Junho de 1973 

Às oito horas voltei a ouvir os pum, catrapum, pum, pum. Era o vizinho de cima, Cobumba, oito quilómetros a norte daqui. Sem consequências. 

Esta flagelação foi mais dura do que a de ontem a Cafal e Cafine, ouviam-se nitidamente as armas ligeiras, o matraquear das metralhadoras, costureirinhas, as rajadas. O sul da Guiné é tudo menos monótono, temos ruído, estrondos e emoção todos os dias. 


(…) Cufar 3 de Julho de 1973 

(…) Hoje comi bifes de gazela, gazelas mortas pela metralhadora pesada de um helicóptero, numa verdadeira caçada a partir do ar. Um homem está sempre a aprender, ignorava que se podia caçar de helicóptero. 

Os hélis vêm cá quase todos os dias, sempre aos pares, o Alouette normal e o helicanhão. Fazem base em Cufar e daqui irradiam para os aquartelamentos de toda a zona, Cadique, Cafine, Cafal, Cacine, Cabedu, Cobumba, Chugué, Caboxanque, Bedanda, as tais povoações que volta e meia “embrulham”. Levam víveres, correio e algum pessoal. 

Os hélis passam por cima das regiões libertadas, mas até hoje nunca foram flagelados. Voam a “rapar”, cinquenta metros acima do solo, a boa velocidade e não dão chances aos mísseis do PAIGC. Um dia podem ter uma surpresa, esperemos que não. O perigo existe sempre, mas os pilotos são responsáveis e corajosos. 

Ontem no voo para Cacine, os dois helicópteros viram uma manada de gazelas, o helicanhão fez fogo e abateu três animais. O outro héli desceu, foi buscar as gazelas e trouxe-as para Cufar. Duas ficaram aqui e uma seguiu para Bissau, para o banquete dos pilotos. Está explicado o requinte de hoje haver bifes de gazela ao almoço.(…) 

(…) Cufar, 5 de Julho de 1973 

À tarde, evacuámos no Nordatlas para o hospital de Bissau um soldado de Cobumba que pisou uma mina e ficou sem uma perna, esfarrapado, retalhado até aos testículos. O médico diz que ele não se salva. 

Veio pelo rio Cumbijã de “sintex” até Cufar e perdeu muito sangue. Fui à pista e todo o seu corpo era ligaduras e sangue. A minha passividade a olhar para o moço, os olhos parados. Não sou o mesmo António que desembarcou na Guiné há um ano atrás. 

(….) Cufar, 6 de Agosto de 1973 

Fui voar de helicóptero. Quase todos os dias temos cá os hélis. O serviço deles é transportar géneros frescos, correio, algum pessoal, estarem disponíveis para qualquer evacuação, assegurarem-nos a logística. Esta manhã pedi uma boleia e, como havia espaço para mim, aí fui eu dar uma grande volta com os pilotos, no Alouette normal tendo sempre ao lado o hélicanhão. Voei até Cacine, Cabedu, Cafal, Cafine, Cadique, Cobumba, Chugué e Bedanda, quase todos os aquartelamentos nossos vizinhos aqui na região. 

Foram mais de duas horas de viagem, incluindo as estadias não muito demoradas nos diferentes lugares. Perigo? É muito relativo, ainda há dias estiveram cá o Spínola e o Silva Cunha, e foram a Cadique e Cacine, voando sempre por cima do rio e do mar porque é mais seguro. 

(…) Cufar, 1 de Setembro de 1973 

(…) Também sábado ao entardecer, tivemos em Cufar as consequências da guerra. Às quatro e meia da tarde, um Unimog pisou uma mina anti carro em Cobumba. Os seis pobres desgraçados que iam na viatura ficaram feridos, três em estado grave. De Cufar, pedimos a evacuação para Bissau, vinham dois hélis a caminho mas voltaram para trás devido ao mau tempo. Um Nordatlas que seguia de Bafatá para Bissau foi desviado para aqui e chegou já de noite. 

Entretanto, os feridos de Cobumba, a perder muito sangue, vieram para Cufar nos sintex, descendo o rio Cumbijã. A pista de aviação foi iluminada pelo usual processo artesanal, as garrafas de cerveja cheias com petróleo e as mechas acesas distribuídas lateralmente ao longo da pista. Com os feridos seguiu para Bissau o furriel enfermeiro que fez de capelão quando daquela brincadeira no desembarque dos “periquitos” há quinze dias atrás. Os feridos de Cobumba estiveram na sala de operações do hospital de Bissau até às quatro horas da manhã, não morreu nenhum. Tanto esforço, mas salvaram-se as vidas. 

(…) Cufar, 12 de Novembro de 1973 

Na LDG chegou uma companhia de “periquitos”, com um mês de Guiné que vão render os infelizes que estão em Cobumba. Já perceberam para onde vão e estão completamente desmoralizados. Como é possível aguentar as NT a combater na Guiné quando o que todos desejam é a paz e sair daqui? 

No porto pequeno, no rio Manterunga, que chega quase até Cufar e é um braço do rio Cumbijã, temos um pau com duas bandeiras. Em cima, por causa das agruras do clima, já meio trapo, a bandeira portuguesa, em baixo, em melhor estado, uma bandeira branca. O capitão da companhia açoreana disse-me que também vai mandar hastear um par igualzinho de bandeiras lá em baixo, no porto grande, no cais do Cumbijã.(…) 

(…) Cufar, 15 de Novembro de 1973 

Ainda a propósito do ataque de ontem, estivemos a fazer contas das flagelações sobre os aquartelamentos da nossa zona nos últimos oito meses. Catió “embrulhou” seis vezes, o Chugué vinte, Cobumba doze, Caboxanque quatro, Cadique dez, Cafal quinze, Cafine catorze, Bedanda onze e Cufar apenas três. Não nos podemos queixar, somos uns privilegiados, vivemos no buraco mais seguro do sul da Guiné. (…) 

(…) Cufar, 21 de Novembro de 1973 

Guerra todos os dias. Ontem às seis de tarde, hoje às seis da tarde. Ontem foi Cobumba, estávamos a começar a jantar e pum, catrapum, pum, pum. Alguns de nós saltaram das mesas e começaram a correr para as valas.

Cobumba fica aqui mesmo ao lado e como têm lá uma nova companhia de “periquitos”, os guerrilheiros trataram de lhes fazer condigna recepção, com foguetões, morteiros, canhão sem recuo, tudo a disparar numa cadência de fogo impressionante. O pessoal de Cobumba teve sorte, estão lá estacionados quatrocentos homens – a companhia velha e os “periquitos” que os vêm substituir – e não sofreram uma beliscadura. 

(…) Cufar, 1 de Dezembro de 1973 

O grupo de homens do PAIGC que veio outro dia atacar Cufar com os morteiros e os RPGs anda a visitar as capelinhas da zona. Depois de nós, foram duas vezes a Cobumba e uma ao Chugué, com flagelações precisamente iguais à nossa. Também não deu nada, só insegurança e medo. Já sabemos que é um grupo novo de guerrilheiros e que andam a treinar. Ontem foi a vez de Cafal. Não houve feridos, mas acertaram em cheio com uma granada de RPG na secretaria da companhia e deram cabo das instalações. Pior seria se tal tivesse acontecido na secretaria do CAOP 1 em Cufar, com o alferes Abreu lá dentro, ou por perto.

 (…) Cufar, 9 de Dezembro de 1973 

(…) Às cinco menos dez da manhã, fomos acordados pelos pum, catrapum, pum, pum. Era Cobumba, os nossos vizinhos mais próximos. Mais um ataque filho da puta! Estava tudo a dormir e durante meia hora a cadência de fogo era impressionante. Se fosse connosco, lá teria eu de fugir em cuecas para a vala. 

Cobumba levou o tratamento do costume, foguetões, canhão sem recuo, RPGs e morteiros. Também como é habitual, nem uma beliscadura nos duzentos homens que por lá padecem. 

(...) Cufar, 21 de Janeiro de 1974 

Cumpriu-se um ano sobre o assassinato do Amílcar Cabral e o PAIGC comemorou a data. Aqui na zona atacaram os aquartelamentos de Gadamael, Cafal, Cafine, Cadique, Cobumba, Bedanda, Chugué, Catió e … Cufar. (…) 

(…) Cufar, 3 de Abril de 1974 

A guerra está feia. Bedanda embrulhou durante todo o dia, um ataque tremendo, doze horas consecutivas de fogo. A festa só acabou à noite com uma espécie de cerco à povoação levado a cabo pelos homens do PAIGC. Em Cufar, tão próximo, além de distinguirmos nitidamente as rajadas de metralhadora de mistura com os rebentamentos dos RPGs, foguetões e canhão, à noite viam-se as balas tracejantes e as explosões no ar. 

Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda. Existe uma estrada que vem da Guiné-Conacry, passa junto a Guileje – abandonada pela tropa portuguesa, – entra pela região do Cantanhez e termina em Bedanda. O IN está a utilizar esse percurso para deslocar camiões carregados com todo o tipo de armamento, em seguida é só despejar sobre os aquartelamentos portugueses mais expostos e fáceis de alcançar, como Chugué, Caboxanque, Cobumba, Bedanda, Cadique e Jemberém. (…)

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Nota do editor:

Guiné 63/74 – P9641: Convívios (405): Encontro de 2012 da 2.ª CART do BART 6523/73, no próximo dia 12 de Maio de 2012, Pombal (António Barbosa)


1.   O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, solicita-nos a divulgação do próximo convívio da sua companhia.

 CABUCA

Camaradas,

Em nome da comissão organizadora, solicito o favor de publicação do programa do próximo Encontro/Convívio da minha 2ª CART do BART 6523/73.

NOTA: Queremos estender este convite a todos os Combatentes que tenham passado por Cabuca.

O meu obrigado
Cumprimentos
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pel da 2ª CART/BART 6523,


Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

17 DE MARÇO DE 2012 > Guiné 63/74 – P9621: Convívios (325): No dia 3 de Março de 2012 ocorreu o VI Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos (Carlos Vinhal)  


quinta-feira, 22 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9640: Nós da memória (Torcato Mendonça) (15): Corpo di Bó? - Fotos falantes IV





1. Texto e Fotos Falantes (IV Série) do nosso camarada Torcato Mendonça (ex-Alf Mil da CART 2339 Mansambo, 1968/69) para integrar os seus "Nós da memória".





NÓS DA MEMÓRIA - 15
(…desatemos, aos poucos, alguns…)

11 – Corpo di Bó ? Fotos – 27;28;29;30 –

Para tratarmos o corpo era necessária uma boa alimentação. Falhava.
As Forças Armadas não tinham Nutricionistas e, menos ainda, militares entendidos na alimentação para um Quartel na zona do Porto, Timor ou na Guiné. Assim era natural que a nossa alimentação falhasse, apesar de sermos abastecidos por terra, “mar” e ar. Aqui “mar” era o Rio Geba. Os barcos, da Manutenção Militar, sulcavam as suas águas, de quando em vez revoltas pelos macaréus programados e descarregavam, no Xime ou Bambadinca, toneladas de alimentos para tanta gente.

De quando em vez, muito raramente, tínhamos rancho melhorado. Um “héli” podia trazer-nos frescos (vegetais, peixe, carne). Esses, vindos do ar, eram consumíveis e consumidos com gosto e apetite voraz.

Outros frescos que íamos buscar a Bambadinca, não eram tão fiáveis mas marchavam. Havia ainda uma ou outra vaca trazida de Sonaco. Aí estão as fotos a atestarem o tratamento que era dado a essas amigas. Eram consumidas com rapidez. Aquele calor incomodava tudo. Até a carne de vaca não o tolerava bem.

Acabadas estas excepções à alimentação voltávamos ao habitual. Aí estava feijão (em cinco, cinco, qualidades), conservas diversas, chispe holandês (rosado, como as naturais daqueles lados depois de um dia de Sol no Algarve), dobrada liofilizada, salsichas, arroz e mais arroz.

Era o eterno círculo vicioso do cardápio ou do menu dos almoços e jantares. A alimentação era igual para todos.

Nas Tabancas, estadias de um mês nas em autodefesas, podia ser pior. Contudo, de quando em vez aparecia uma galinha, um cabrito ou outro petisco.

Em Candamã/Áfia, raramente um caçador se aventurava noite dentro e abatia caça grossa. Se sim, lá estávamos nós a comer bife de empreitada, três ou quatro naquele dia ou no outro “ká tem”…o calor e os insectos amigo tudo estragavam. A alimentação, no outro dia, voltava ao mesmo, talvez mais leve nesse dia ou nós teríamos menos apetite.

Dias e dias a feijão com feijão-frade é aborrecido. O frade claro.

A magreza era devida ao exercício físico e prática desportiva. Eu vos contarei depois.

Mansambo > Heliporto > Abastecimento de frescos e afins

Mansambo > Vaca de Sonaco quase no tacho ou panela, sem política

Mansambo > Em preparação

Texto e fotos ©: Torcato Mendonça (Fotos Falantes IV) 2012. Direitos reservados
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9601: Nós da memória (Torcato Mendonça) (14): O percevejo e o flautista - Fotos falantes IV