sexta-feira, 30 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6282: Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa, Museu Militar, 15 de Abril (5): Fotos e agradecimento do Virgínio Briote e intervenção do Nuno Rogeiro


1. O nosso camarada e amigo, co-Editor Virgínio Briote (ex-Alf Mil Comando, Brá, 1965/67), enviou-nos a seguinte mensagem, em 15 de Abril de 2010:


Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló: Lisboa




Foto 1 > Átrio interior do Museu Militar de Lisboa


Foto 2 > Peças de Artilharia no interior do Museu



Foto 3 > Coronéis Socorro Folques e Rui Alexandrino


Foto 4 > Aspecto da assistência
Caro Luís,

Foi bom ver-te na sessão do Museu Militar. O "ver-te" inclui a Alice, o Jero de Alcobaça, o José Manuel Dinis, de Cascais, o "grupo do Rui A. Ferreira" (que grande Gente! Vir de Viseu para uma cerimónia de uma ou duas horas!), o Colaço do Cachil, o Cor Pereira da Costa (cap em Mansabá, em 1970/72?), o nosso homem do Xitole que encetou negociações com o Antero Alfama (citado no livro do Amadú), a Giselda e o Miguel Pessoa, o risco é enorme em esquecer nomes...

Estás a imaginar o esforço em pôr nomes nas caras que eu tive a sorte de ver hoje?
Não contei o número de Camaradas que quiseram prestar homenagem aos Guineenses que connosco andaram e chafurdaram naqueles trilhos e bolanhas.
Sei que vi muitas caras conhecidas do Luís Graça e Camaradas da Guiné e que a sala estava cheia.
E que, no fim, tinham sido vendidos 140 exemplares.

E que a sessão, globalmente, correu bem.

Vi-te a filmar e a fotografar. Envio, no entanto, algumas imagens.
Foto 6 > Amadu, seu neto e filha, e o Colaço
Foto 7 > Aspecto do salão
Foto 8 > Início da sessão

Foto 9 > Aspecto geral da sessão

Foto 10 > Aspecto da assistência
Foto 11 > Cor Socorro Folques usando da palavra

Envio-vos, também, o texto que acabo de receber e que serviu de base à exposição do Nuno Rogeiro na apresentação do livro do Amadú Bailo Djaló.

Um abraço,

Obrigado.
Virgínio Briote

Foto 12 > Cor Socorro Folques discursando

NO FIM DAS GUERRAS
por Nuno Rogeiro

A guerra e as suas entranhas, em terras próximas ou estranhas, sempre fascinaram, revoltaram e mobilizaram o homem.
Anarquistas e conservadores, aristocratas e operários, fascistas e antifascistas, descamisados e oficiais de monóculo, sobreviventes das trincheiras e gaseados, soldados de assalto e feridos de morte, poetas e prosadores, pintores e pensadores, muitos investiram as mais nobres energias na reflexão sobre o campo de batalha.
Este pode ser visto como uma simples planície da técnica, da era da espada ou da era de Urânio. Ou ser antes olhado, de forma que se diria “existencialista”, como um vale de lágrimas e revelações, onde se morre e se nasce, mas sobretudo onde habitam homens e mulheres comuns. E onde residem, soberbas ou incógnitas, evidentes ou traiçoeiras, contínuas ou explosivas, a violência e a morte.
Tivemos grandes obras sobre este continente trágico, onde vemos já não como um espelho baço, mas face a face. Como “As Tempestades Aço” de Jünger, como “O Fogo”, de Henri Barbusse, como E.E. Cummings em “O Enorme Quarto”, ou o “Entre Parêntesis” de David Jones, como o “Ronge Maille Vainqueur”, de Lucien Descaves, qualquer livro sobre guerra perturba, alerta, impede a normalidade. E pode despertar, para lá do desespero, a esperança.
É o caso do livro que nos traz aqui. Relato de guerra, seco e sem adornos desnecessários, este volume de Amadu Djaló, escrito em português escorreito e de lei, é tanto uma história de morte como de vida. De tempo de matar e de proteger. De tempo de golpes de mão, executados com precisão e destemor, e de lágrimas por uma criança perdida, em Darsalame Baio, na margem, literalmente na margem: à beira do rio Burontoni, à beira de sentença salomónica.
Foto 13 > Nuno Rogeiro na sua alocução
Relato de vida militar, da obediência perinde ac cadaver, também é uma fiel e lúcida exposição das dúvidas dos combatentes, quando confrontados já não com a obediência, a lealdade e a técnica, mas com os juízos políticos, a diplomacia e as relações internacionais.
Este clima de homens divididos encontra-se na breve descrição do prelúdio à operação “Mar Verde”: resgatar companheiros presos fazia parte da missão, mas o que dizer de levar a cabo um acto de guerra em território estrangeiro?
Estaríamos perante uma violação da soberania alheia, mesmo se de estado hostil, ou antes diante de uma espécie de auto-defesa legítima? Seria “regime change”, ou contra-ataque a quem nos agredia, ou oferecia bases a quem nos ofendesse?
Obedientes como cadáveres”, como diria Inácio de Loyola. Mas pode um cadáver reflectir, se a alma, prestes a partir, ainda o habitar?

Relato de guerra, este volume, o primeiro de memória, é antes de mais um admirável retrato, de história oral e testemunhos vivos, sobre a humanidade, os seus encontros e desencontros, amores e desamores.
É a história dos condutores sem carta, dos oficiais à estalada em frente de soldados envergonhados, dos civis ambulantes que levavam o cinema às tabancas, de um ataque de abelhas que abatem um homem rijo, de romances ao luar, de misérias na estrada. Um relato de delicadeza e pudor.
Pudor na descrição do que hoje diríamos violência sexual, violência racial, violência animal. O autor, homem bom e reservado, é também bom e reservado, na visualização da desumanidade: o oficial que diz que “preto é como a tartaruga” não é “racista”, mas apenas “um branco mau”.

Este é também um livro sobre o terrível abandono, sobre a inutilidade, sobre o esquecimento. Sobre o absurdo.
Cito, talvez imprecisamente e sem consultar o original, um poema de um dos nossos grandes vates, António Manuel Couto Viana:
Foto 14 > Nuno Rogeiro prosseguindo a sua alocução
“A minha Pátria alçou o braço
Pátria pacífica e pequena
Baixou-o logo de cansaço
Foi Pena

“Cedo arrasou a altiva torre
Que ergueram todos
De mãos dadas
Agora sei como se morre
Por nada”

Esta obra, relato de guerra e do pós-guerra, relato da paz e da pós-paz, é também o mapa deste desencanto, dos combates declarados inúteis, dos combatentes declarados redundantes, dos feridos declarados descartáveis, dos órfãos e viúvas declarados dispensáveis, dos mortos declarados inexistentes, por regulamento ou decreto.
Mas é também uma história, se bem que só esboçada, de reconciliações e de abraços. Abraços e reconciliações às vezes traídos.
O autor encontra-se, a seguir ao 25 de Abril de 1974, com o cabo-verdiano Antero Alfama, quadro do vencedor político, o PAIGC. Os compromissos feitos pelo último são de transição generosa, de integração de todos os guineenses, sem vinganças ou retaliações, sem tribunais especiais ou valas comuns, sem julgamentos secretos e tiros na nuca, sem o “N’kré vivé”, o processo de choques eléctricos, sem asfixia colectiva, em antigos depósitos de munições. Promessas rasgadas pelo processo “revolucionário” em curso em Bissau, mas sobretudo pela iluminação sanguinolenta de algumas vanguardas.
Não vale hoje a pena, se calhar, chorar mais sobre as vidas derramadas, nesse intervalo onde Portugal, independentemente de credos, doutrinas, regimes e pessoas, não fez tudo o que devia, para proteger os que combateram em seu nome.
Não valerá a pena chorar mais sobre o “incidente”, que levou à execução de centenas de comandos, milicianos, civis, em Farim, Cumeré, Portogole, Mansabá, a partir de 1974.
Não valerá mais a pena chorar sobre a aplicação do artigo 86 da Lei de Justiça Militar do novo partido no poder. Não valerá mais a pena chorar sobre aqueles que preferiram ficar na Guiné, a sua terra, em vez de fugir ou de pedir colocação nas instâncias burocráticas de Lisboa.
Não valerá mais a pena chorar por aqueles que aguardavam por oportunidades para continuar a servir a Guiné, ou para serem julgados por crimes de guerra, com todas as garantias e recurso à verdade.
Não valerá mais a pena chorar por este processo. Mas será uma vergonha não o lembrar. Será uma vergonha ter vergonha de o lembrar.
Este livro é também, na tradição dos grandes relatos de combatentes, de tropas de escol ou de guerrilhas, de milícias ou de regimentos fardados a rigor, de irregulares ou de exércitos convencionais, este é também um relato sobre sonhos e premonições, sobre lendas e o outro mundo, sobre conchas mágicas e aparições.
É o caso de João Bacar Jaló, que fecha os olhos, e sabe o que vai acontecer nesse dia.
Nessa zona da mente onde desembarcamos do sono para o sonho, fazem-se também episódios onde imaginamos a morte, às tantas de tal, sem falta.
E lá está ela, pontual no encontro, no fim da picada. Ela, a velha ceifeira, que vem buscar os últimos guerreiros.
É também este um relato sobre acções militares das forças especiais, numa guerra que hoje se chamaria “de baixa intensidade”, mas que teve picos próximos de confrontos convencionais, com emprego de todos os meios, da aviação à artilharia, dos meios navais ribeirinhos à ofensiva em linha contra quartéis e bases.
É, no plano técnico, um bom relato, se bem que parcial e provisório, de incidentes localizados do “nevoeiro da guerra”, com descrições exactas de tácticas e princípios, doutrinas de contra-insurreição e aquilo que a prática, e as lições aprendidas, fazem aos manuais.
É a história da missão, talvez impossível, de ganhar corações e espíritos, num conflito subversivo, às vezes de armas combinadas, com os Harvard e os Alouette a zunir sobre as cabeças dos infantes, às vezes continuação de acções de polícia, de missões de assuntos civis, de operações psicológicas.

Às vezes, muitas vezes, demasiadas vezes, com “vítimas colaterais”, de um lado e de outro. Como diz o autor, no confronto verbal com o comandante guerrilheiro Pedro Nazi, logo a seguir ao cessar-fogo: “Porque se nas zonas libertadas vocês apresentam mil órfãos, nós também vos mostramos órfãos aqui na zona. O chicote da guerra é comprido, muito comprido” (p.205).
Neste sentido, o livro cumpre também o preenchimento da lacuna sobre relatos pessoais, ou de grupo, sobre pormenores operacionais na África Lusófona, do ponto de vista das forças armadas portuguesas e do seu inimigo.
Essa lacuna, que se foi preenchendo, nas últimas décadas, com documentos e relatórios de estado-maior, com romances de base realista, com fragmentos e com monografias, tem ainda muito poucas contribuições dos militares africanos, de um e de outro lado da barricada.
Não seria impensada a criação de uma instituição, no seio da parte da CPLP que directamente viveu as guerras africanas, que pudesse, mais activamente, colmatar a brecha.
Oio, Canjambari, Cunacó, Antuane, Cameconde, Bedanda…Nestas páginas pode-se também deambular pela Guiné desconhecida, uma terra onde as famílias, as raízes, os clãs e os laços ultrapassam fronteiras, e se espraiam para além dos estados definidos pelas regras das administrações europeias, ou dos orgulhos nacionais pós-europeus.
Este é assim, ainda, num tempo que preza os relatos de viagem e as descobertas das partidas do mundo, uma espécie de introdução à Guiné, à querida Guiné de todos os portugueses, tenham ou não deixado o seu melhor naquela terra.
À querida Guiné que – penso poder falar em nome de todos os presentes – continuamos a querer soberana, desenvolvida, feliz e capaz de repartir riqueza pelos seus filhos.
À querida Guiné que, acima de golpes de estado e revoluções, pronunciamentos e discursos com má pronúncia, sublevações e homicídios, narcotráfico e cleptocracia, ameaças estrangeiras e cancros internos, tem suficientes filhos, talentos e energias para erguer um futuro diferente. Um futuro melhor.

Porque este é também um livro para o futuro. Uma espécie de filho do autor, e dos que o ajudaram ao parto intelectual. Um manifesto que lembra, como no desfiladeiro das Termópilas:

“Estrangeiro, vai dizer a Atenas
Que morremos aqui para cumprir a sua Lei”.
Mas que, para além dessa lápide de sacrifício, afirma ainda, de forma límpida, o principio do amor entre os homens. Da possibilidade de recomeçar, mesmo na mais negra das noites. Da disposição firme de dar a mão a antigos inimigos, de erguer torres em conjunto, de obter a absolvição, e de absolver. Ou, como fizeram os bispos polacos, em 18 de Novembro de 1965, duas décadas apenas depois da grande carnificina, na carta pastoral aos irmãos alemães:
“Vimos perdoar, mas sobretudo pedir para ser perdoados”.
No fim das guerras, na lembrança interior, no armistício sem amnésia, na paz dos bravos, na reparação dos males, na humildade de reconhecer o que se fez, o que se sofreu, o que se poderia ter feito, na disponibilidade para afirmar os seus valores e reconhecer os dos outros, desta forma se fazem os futuros pactos de não agressão, os irmãos e os aliados.
E assim se alcança, talvez por milagre, a eternidade.

Foto 13 > Mamadu apresentando os seus agradecimentos finais
Fotos: © Virgínio Briote (2010). Direitos reservados
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Notas de M.R.:

Guiné 63/74 - P6281: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (8): Parabéns à Giselda Antunes e ao casal Pessoa


O nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), enviou-nos a seguinte mensagem, com data de 29 de Abril de 2010:

Camaradas,

Tenho andado "velho" e agora também tenho o computador avariado.

Estou em casa de um amigo a enviar este texto, que tem a ver com os parabéns à nossa Camarada Giselda Pessoa, que faz hoje anos.

Peço-te que entre hoje e amanhã,se for possível, me encaixes este pequeno texto.

Parabéns à GISELDA ANTUNES e ao casal Pessoa
...


Tivemos o privilégio de encontrar mais uma vez num almoço da Tabanca do Centro – o 3º, que se realizou em 28 de Abril corrente - o casal da (bonita) fotografia. Assumimos o adjectivo porque a foto foi tirada pelo Belarmino Sardinha com a minha máquina…

Está claro que já sabíamos que a Giselda estava em vésperas de aniversário e tentámos – no meio de grande barulho (não há silêncio possível nestes cozidos à Monte Real) saber alguma coisa menos conhecida a seu respeito.
Para nossa surpresa a Giselda Antunes (nome de solteira) foi registada em 29 de Abril de 1947 mas nasceu efectivamente em 30!!!
Faz portanto anos amanhã… ou hoje!?

Na dúvida vou ver se a minha postagem vai ser publicada perto da meia-noite de hoje…

A Giselda é transmontana – só podia… -e nasceu em São Martinho da Anta, Vila Real. Saltando no tempo - estamos à vontade porque a Giselda foi enfermeira pára-quedista - a menina de 47 começou a sua carreira em 1 de Abril de 1968. No Hospital de São João do Porto.
Andou pelas “Urgências” e em Dezembro de 1970 estava por Moçambique. Foi para a Guiné em 1972 onde esteve 26 meses! Conheceu como poucos (ou poucas…) toda a Guiné. Até esteve na Ilha do Como!
Em relação ao Strella que passou ao lado do “DO” , que voava de Guidage para Bissau, só se assustou depois… quando o piloto perdeu os comandos e quase se despenhou. Aterraram em Bigene. É do tempo dos Alouettes 3.
Parafraseando a feliz “imagem” do Mexia Alves a Giselda “deu vida” a muitos militares que assistiu no mato: «Vá, pá, não tenhas medo, isto não é nada! Mais uns minutos e já estás em Bissau».
A Giselda tem direito a todas as atenções neste dia especial do blogue.

Como diz o Comandante Luís Graça tem direito a estar por umas horas na “montra” do blogue.

E depois faz parte do mais mediático casal de camaradas da Guiné…
Por mérito próprio, mas também porque são... o único casal de camaradas da Guiné com licença de residência na Tabanca Grande.
Ele é o Miguel Pessoa (ex-Ten Pilav, Bissalanca, BA12, 1972/74, hoje Cor Pilav Ref). Ela é a Srgt Pára-quedista Giselda Antunes...
O único casal do mundo que nem os mísseis SAM 7 Strela... conseguiram separar… Não vou repetir que… ele é um camarada de peso... Tem apenas o formato próprio dos maiores de sessenta que se alimentam com apetite…
Ela é, de facto, a nossa única camarada de verdade...
As outras bajudas e mulheres grandes só podem ser amigas...
Parabéns à GISELDA ANTUNES e ao casal Pessoa.

Um abraço e… até sempre.
JERO
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6280: Convívios (225): 11º Encontro da CCAÇ 3491 do BCAÇ 3872, em Lousada, dia 15 de Maio de 2010 (Luís Dias)


1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos a seguinte mensagem, no dia 28 de Abril de 2010:

11º CONVÍVIO DA CCAÇ 3491

A CCAÇ 3491 (Dulombi/Galomaro), que esteve na Guiné entre 24 de Dezembro de 1971 e 29 de Março de 1974, vai realizar no próximo dia 15 de Maio, o seu 11º Convívio, comemorativo dos 36 anos após a sua chegada à Metrópole (como se dizia então).

O Encontro irá ter lugar no Restaurante Estrada Real - Aparecida - Lousada, sendo organizado pelo Joaquim Xavier (ex-Condutor Auto), cujo telemóvel tem o nº 919 587 806.

A carta anexa foi enviada a todos os camaradas da companhia cujo contacto é conhecido.

Um abraço do tamanho do Rio Corubal para todos,
Luís Dias
Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

28 de Abril de 2010 >
Guiné 63/74 - P6267: Convívios (138): 14º Encontro da CCAÇ 2660 do BCAÇ 2905, em Santa Maria da Feira, dia 8 de Maio de 2010 (Virgílio Pereira)

Guiné 63/74 - P6279: O 6º aniversário do nosso blogue (30): Parabéns Rapazote (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), com data de 24 de Abril de 2010:

Caro Carlos,
Afazeres profissionais e familiares têm-me mantido bastante ocupado nos últimos dias. Daí chegar tarde com o meu contribuito para o aniversário do Blogue. Mesmo tarde faço-o com gosto e do fundo do coração.[...]

Sem mais, desejo-te muita saúde e aos teus entes queridos, aqui vai um abraço tão amigo como o tempo que se faz szentir por estes lados.
José Câmara


Parabéns Rapazote
Quando em Janeiro de 1973 deixei a Guiné pensei que fechara uma porta que nunca mais abriria.
Sabia, é certo, que as recordações estariam sempre presentes quando encontrasse um protagonista da mesma luta, camarada das boas e más horas da luta indómita nas matas selvagens daquela terra mártir.

Um dia, ainda não muito distante, encontrei este blogue.

Reparei que ele não era mais que a porta aberta que eu julgara ter fechado há tantos anos. Atravessei-a e apresentei-me. Ninguém me ofereceu uma cadeira e tão pouco me pediram para tirar o chapéu. Lembro-me que disseram para eu ficar à vontade. Foi-me dito, e eu acreditei, que estava entre amigos e camaradas que compreenderiam a minha linguagem.

Tamanha credibilidade só podia tirar-me um sorriso. Por muitos anos de ausência em terras de estranja, estava para ver como iriam compreender o “mai poruguige” que, como diz a minha esposa, foi-se e o meu “inglishe” que nunca chegou. Apesar das minhas deficiências, tenho feito os possíveis para não dar “tomates trábulas” com as minhas histórias.

A forma como me receberam foi importante, mas não conta a história toda.

Aqui, no meio de todos vós, aprendi a chorar e a rir com as vossas histórias. Também aprendi que a Guiné que eu vivi e aprendi a amar não era só minha. Era um bocadinho de todos. E isso, sim, foi e é importante. É bom saber que não estou só.

Nos úlimos dias muitos têm sido os artigos dedicados a este aniversário do blogue. Perguntas pertinentes do Alberto Branquinho, passando pelas antologias reflectivas do Hélder Valério de Sousa e do António Garcia Matos, não faltando um ranchinho melhorado balanta-Torcato, cozinhado à Chef Mexia Alves e que o Luís Faria, em substituição do oficial de dia, se encarregou de meter o garfo lá para os lados do Chão Manjaco, com a ajuda sempre grandiosa do sargento-mor Juvenal e outros mais, tudo bem regadinho com versos e prosas de senhoras que também por aqui andavam e eu desconhecia, mas que passei a conhecer, trouxeram ao vivo um reanimar das forças à volta deste projecto.

Para os nossos editores isso é um alento e um incentivo ao seu trabalho. E, disso, são merecedores... Não os invejo.

Não é fácil gerir um blogue desta natureza. Nós somos, quase sempre, os culpados das dificuldades criadas. Esquecemo-nos muitas vezes que o objectivo principal do blogue é um contar as nossas experiências no TO da Guiné. Todos os outros contornos, sejam comentários ou opiniões, têm que ser abordados com honestidade moral e cultural, e a correcção própria de uma sã vivência democrática. Nunca deveríamos esquecer que o que mais nos une é a amizade derivativa de sermos ex-combatentes naquela província, com toda a responsabilidade que isso acarreta.

Neste blogue estão honrosamente representados todos os ramos das Forças Armadas. Uns mais que outros! Todavia, seria bom reconhecer que são poucos os representantes do QP e das patentes superiores. E esses também têm uma história para contar. Sem o seu testemunho, muito da nossa história colectiva ficará perdida para sempre. A nós compete-nos fazer com que esses indivíduos se possam sentir à vontade e bem-vindos. A quantificação e a qualificação serão tão mais importantes, quanto maior for o nosso sucesso em trazê-los ao nosso seio.

Nesse aspecto, a grandeza do blogue passa, necessariamente, pelo contributo que cada um possa dar. “Tudo é possível, se a alma não for pequena” como disse o grande poeta Pessoa.

Sim, tudo é possível neste blogue, um rapazote de seis anos, que mantém a porta aberta às recordações, às histórias, às estórias e às amizades.

Por tudo isso obrigado camaradas.

Parabéns rapazote!

José Câmara


2. Comentário de CV:

Prepositadamente espacei, no tempo, a publicação deste texto do camarada José da Câmara, relativo ao nosso aniversário, cujos festejos não terminaram obrigatoriamente no dia 23.

Assim, os camaradas que tenham algum texto alusivo ao acontecimento e o queiram enviar, estão sempre a tempo de o fazer.

CV
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Notas de CV:

(*) vd. poste de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6237: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (18): Estados de alma, aerograma de 20 de Abril de 1971

Vd. último poste da série de 24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6243: O 6º aniversário do nosso blogue (29): Aqui vamos adquirindo conhecimentos sobre outras culturas e tradições (Filomena Sampaio)

Guiné 63/74 - P6278: O Nosso Livro de Visitas (86): Benvindo Gonçalves, ex-Fur Mil da CART 6250/72, Mampatá, 1974

1. Mensagem de Benvindo Gonçalves, ex-Fur Mil da CART 6250/72, Mampatá, 1974, com data de 24 de Abril de 2010:

Caro camarada Luis Graça!
Por indicação do amigo Carvalho da Cart 6250/72 tenho vindo a seguir com muita atenção o trabalho no Blog, tendo resolvido hoje encetar a minha intervenção.

Sou o ex-Fur Mil Benvindo Gonçalves, conhecido na vida militar como GONÇALVES. Fiz a recruta nas Caldas da Rainha, sendo incorporado em 26 de Abril de 1973, seguindo depois para Tavira para tirar a especialidade de Transmissões.

Vivo em Carnaxide, encontrando-me na PRÉ-REFORMA da indústria Seguradora desde 01 de Março de 2008.

Estive na Guiné em rendição individual na CART 6250, indo substituir em finais de Abril de 1974 em MAMPATÁ o também ex-furriel miliciano LEVINDO.

Tive uma curta passagem por terras africanas, tendo saido de Lisboa no célebre NIASSA que foi vítima de atentado à bomba pela "ARA", cerca de 30 minutos antes do sinal de partida.

A CART 6250 regressou a Portugal antes de mim, dada a minha condição de maçarico, tendo eu regressado de avião na noite do 28 de Setembro de 1974.

O bichinho de África e daqueles tempos ficou por cá, e, não foram poucas as vezes que consultei os jornais na busca de um encontro dos combatentes da CART 6250, mas sempre em vão.

Agora inesperadamente, surgiu a oportunidade de rever camaradas e trocar algumas palavras, tendo ocasionalmente chegado à fala com o ex-furriel CARVALHO.
Foi uma enorme alegria o nosso encontro primeiro por e-mail, e depois pelo telefone.

Temos mantido alguma regularidade de contacto, e face a isso também já cheguei ao contacto telefónico com o ex-1.º Cabo Radiotelegrafista Pinheiro.

Prometi estar brevemente presente no almoço da Tabanca de Matosinhos numa quarta-feira de Maio próximo.

Agradeço que se possível me informe como posso escrever algumas palavras no vosso Blog e inserir algumas fotos minhas.

Por hoje é tudo, se algum ex-camarada ler estas palavras, agradeço contacto para o e-mail benvindo.goncalves@gmail.com

Benvindo Gonçalves

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2. Comentário de CV:

Caro Gonçalves, para fazeres parte do nosso Blogue, terás que cumprir as difíceis regras de admissão que são: o envio de uma foto antiga e outra actual, de preferência tipo passe em formato JPEG e de uma pequena história.

A tua comissão prolongou-se para além da da CART 6250, até à independência da Guiné-Bissau, pelo que terás muito para nos contar.

Os teus textos, em formato Doc, Docx, etc, e as fotos em formato JPEG, devem ser enviados para luis.graca.prof@gmail.com e para um dos co-editores, a saber: carlos.vinhal@gmail.com ou magalhaesribeiro04@gmail.com.

As nossas regras de convivência e os nossos objectivos, poderás consultar no lado esquerdo da nossa página.

Ficamos à espera da tua adesão, o lugar já está reservado.

Até lá recebe um abraço da tertúlia.
CV
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6116: O Nosso Livro de Visitas (85): Maria Helena Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, localidade onde nasceu há 60 anos, hoje residente nas Caldas da Rainha (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P6277: O Spínola que eu conheci (15): Muito obrigado pelas palavras que proferiu em S. Domingos (Bernardino Parreira / Plácido Teixeira)

Guiné > Algures > O Alf Mil Pil Heli Al III (BA 12, Bissalanca, 1968/70) e o Spínola (Com-Chefe e Governador Geral, CTIG, 1968/73)
Foto: © Jorge Félix (2010). Direitos reservados


1. Mensagem de Bernardino Parreira (ex-Fur Mil da CCAV 3365/BCAV 3846, S. Domingos e Bachile), com data de 12 de Abril de 2010:

Caro camarada Luis Graça, autor e editor deste Blogue e caros camaradas co-editores.
Começo por apresentar-vos a minha saudação e os meus parabéns pelo trabalho extraordinário que realizam diariamente, neste digníssimo Blogue.

Apesar de não pertencer a esta Tabanca, acompanho diariamente a mesma e tudo que se relaciona com a Guiné, e até já me concederam a oportunidade de comentar alguns posts.

A propósito da homenagem ao Sr. Marechal Spínola, tenho a dizer que tive a honra de o conhecer pessoalmente no dia da minha chegada à Guiné em 09/04/1971 quando apresentou os cumprimentos de "boas vindas" ao BCAV 3846, e no dia do meu regresso à Metrópole em 17/03/1973, quando o mesmo se deslocou ao Aeroporto de Bissau para apresentar os cumprimentos de despedida à CCAV 3365 a que eu pertencia.

Com já referi em anteriores comentários, fiz parte da minha Comissão Militar como Furriel Miliciano em S. Domingos e outra parte no Bachile. Em todos os destacamentos que estive e no contacto com as populações que convivi testemunhei a grande admiração e respeito que a população nativa manifestava pelo Sr. General Spínola.

Enquanto estive em S. Domingos testemunhei muitos ataques ao Quartel e posso dizer que quando de lá saí, em 1972, a situação começava a estar insustentável. Os ataques do PAIGC, vindos do Senegal intensificavam-se.

Há algum tempo, o meu camarada e amigo Plácido Teixeira, que reside nos EUA, e que também pertenceu à CCAV 3365, que esteve sempre colocado em S. Domingos de 1971 a 1973, escreveu sobre o "Inferno" que viveu em S. Domingos, e sobre o General Spínola, o seguinte texto, que vos envio com a devida permissão desse meu amigo, para publicarem se assim o entenderem.

Bem Hajam!

Abraços
Bernardino Parreira


2. Texto escrito por Plácido Teixeira, da CCAV 3365, colocado em S. Domingos,1971/1973:

"Senhor Spínola... sim, Senhor, porque outros tempos vão longe! Mas Senhor Spínola com muito respeito eu digo e escrevo o seguinte:

Muito obrigado pelas palavras que proferiu uma vez em S. Domingos, para uma Companhia abusada, e maltratada e deitada ao abandono. Lembro-me que uma vez, num horrível mês, do ano de 1972, a nossa Companhia foi um alvo, uma carreira de tiro. Sim, uma carreira de tiro e nós o alvo!!! Era bombardeamento diário. Não havia comida, não havia bebida ou até luz.

Lembro-me que andava a passar uma ronda e fomos apanhados no meio do campo de futebol. Todos saltámos do Jeep, uns para a direita, outros para a esquerda. Como fomos apanhados no meio do campo de futebol, a vala e os abrigos estava muito longe. Corri e cheguei finalmente a vala, sem arma, sem sapatos e sem oculos! Bonito para a minha defesa. Mais uma vez a ideia era sobreviver. Havia fumo por todo o lado. Como tinha chovido, na vala era só lama. Não havia luz e com o fumo nada se via para fora da vala. Era até impossível por a cabeça de fora. O tiroteio do outro lado do arame era intenso. Constou que estávamos a ser atacados com bombas de fumo e que até já tinham entrado para dentro do "quartel".

Ficámos toda a noite nos abrigos. Mesmo após o tiroteio ter parado, estava tudo cansado e desmoralizado, sabe-se lá até com que ideias... Sabíamos que do lado de fora do arame, o ataque estava bem organizado e como tal para sobreviver não havia que dar chances ou oportunidades.

Na manhã seguinte com a luz do dia só se via destruição. Poucos foram os que se aventuraram para fora dos abrigos. No entanto como era normal principiaram os boatos... o Jeep está destruído... o bar está acabado... ha dois mortos... há inúmeros feridos... na enfermaria só há sangue etc. etc.

Foi bombardeamento diário durante muitos dias. Era afinal S. Domingos. Era a razão pela qual a sede do Batalhão foi para lugar seguro. Foi assim o nosso pesadelo!

Durante os ataques e certas vezes podia-se ouvir o outro lado, sabiamos portanto que eles não estavam longe, e que afinal eram seres humanos como nós, só que defendiam a sua terra a qual não nos pertencia. Eles tinham razão. Nós éramos invasores, éramos seres humanos como eles, com pais e irmãos, alguns casados e com filhos. Ficámos esgotados e sem energia para sobreviver, água não havia a não ser a da chuva, comer não havia, e munições também estavam a esgotar rápido.

A lama acabou por secar e as pernas foram ficando presas como no cimento. As armas, muitas não trabalhavam de sujidade. Estávamos deitados ao abandono e à mercê da sorte ou do destino.

Não veio ajuda... nem do ar, nem por terra, nem tão pouco por água. Esperávamos somente ajuda, mas do Céu. Mais um dia e seríamos todos mortos ou prisioneiros tal foi essa semana maldita.

Os aviões não podiam vir, pois eles estavam tão perto, corriam o risco de ser também feridos ou mortos. Helicópteros não vinham mandar mantimentos, medicamentos e o necessário, pois seriam alvejados... estes foram os boatos!.

Finalmente ao fim de uma semana, fomos ajudados. Talvez tenha sido por Deus... Como ratos saímos das valas. A cara estava amarela, a barba enorme as roupas rasgadas, e havia lama por todo o lado e até ao cabelo.

O choque final foi saber quem ficou ferido, quem morreu etc.

Ficou tudo destruído. Gerador, frigoríficos, fogões até as panelas ficaram como um assador de castanhas! Água não havia. Passamos a beber água amarela dos "poços" da tabanca. Estávamos portanto sujeitos a malária etc.

Era uma Companhia desmoralizada, sem energia sem sono! Uns choravam com o stress de Guerra, outros não falavam, outros ficaram sem o sorriso da juventude.

Finalmente um dia um helicóptero!

Foi tudo reunido para ouvir o Governador da Guiné. Senhor Spínola eu agradeço imenso e esteja onde estiver, esteja em paz, como em paz nos deixou!
Agradeço as palavras, não de um General mas palavras de um amigo, palavras de reconhecimento.
Agradeço ter compreendido estes jovens que foram deixados a mercê das armas e da sorte.

Senhor Spínola... muito e muito obrigado por ter dito a todos nós, em frente do Comandante da Companhia que... a culpa não foi nossa... que: "a culpa foi do vosso Comandante que deixou que o vosso quartel fosse uma carreira de tiro..."!

Resta-me portanto dizer que fomos bombardeados diariamente, que sofremos porque gente sem escrúpulos, sem dignidade, gente agarrada as ideias fascistas e de poder, orgulhosos de uma farda e de peso nos ombros famintos por medalhas ao peito, nunca pediu ajuda! Esse Comandante não teve dignidade humana...

Senhor Spínola, muito obrigado é verdade... aquele senhor desumano, realmente deixou fazer do nosso quartel uma carreira de tiro, onde todos nós fomos o alvo.

Bem-haja.
Plácido Teixeira"

__________

Nota de CV:

[...]
Bernardino, não tenho ninguém da tua CCAV 3365. Obrigado pelos teus elogios ao nosso blogue (nosso, meu, teu, de todos nós). Está na altura de saltares os muros da parada e apresentares-te ao serviço... Sob pena de eu te considerar "desertor"... A Tabanca é Grande e é Nossa. Conheces as regras da casa. Manda as duas fotos da praxe. E conta-nos uma história de São Domingos. Um Alfa Bravo. Luís
[...]

Vd. último poste da série de 17 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6168: O Spínola que eu conheci (14): Sempre vi naquele homem, trinta e quatro anos mais velho do que eu, o Chefe Militar (Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P6276: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (21): Fotografias de pilotos em Cufar, Dezembro 73/Janeiro 1974 (António Graça de Abreu)

1. Mensagem de António Graça de Abreu* (ex-Alf Mil, no CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), com data de 16 de Janeiro de 2010:

O furriel miliciano piloto Luís Inácio dos Santos enviou-me há tempos estas raras fotografias de pilotos de hélis e DOs em Cufar, em Dezembro 73/ Janeiro de 1974.
O Luís Santos continua hoje a voar e é piloto de um Falcon 7X privado.
Pedi-lhe autorização para publicar as fotos no blogue e entretanto reencaminhei-as para o nosso Miguel Pessoa.
O Luís autorizou e o Miguel, que não sabia da existência destas fotografias mas conhecia os pilotos, apontadores de héli-canhão e mecânicos, legendou-as, colocando em cima o nome dos camaradas da Força Aérea.
Deixo-as agora ao cuidado do Carlos Vinhal para publicação no blogue.
São importantes porque dão uma ideia da acção da Força Aérea em Dezembro/ Janeiro de 74, em operações e apoio aéreo a partir de Cufar.
É que subsiste a ideia entre muito boa gente e até menos boa gente de que, depois dos Strela em Abril de 1973 a Força Aérea deixou de voar, a guerra acabou, não saíamos dos aquartelamentos e fomos praticamente derrotados militarmente pelo PAIGC.
Nada mais falso.
Eu tenho um respeito imenso por esses pilotos com quem convivi de perto em Cufar, até Abril de 1974.

Abraço,
António Graça de Abreu


Clicar nas fotos para as ampliar
Fotos © Luís Inácio dos Santos (2010). Direitos reservados
Legendas de Miguel Pessoa


2. No meu Diário, escrevi a 26 de Dezembro de 1973

"Os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.
Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DOs, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. Os helis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato. Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um heli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação, este tipo de operações era impossível. Durante estes dias os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos “embrulhanços”, das flagelações. É impressionante o potencial de fogo, de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação “Estrela Telúrica.”
Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade".


Abraço,
António Graça de Abreu
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6190: Os nossos seres, saberes e lazeres (19): Nas Caraíbas, em Castries, capital da ilha de Santa Lúcia, encontrei um amigo negro da Guiné e depois fui almoçar com uns americanos ricos (António Graça de Abreu)

Vd. último poste da série de 4 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5935: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (20): O Honório e o 2º Sarg que dizia que se aguentava (Vítor Oliveira)

Guiné 63/74 - P6275: Blogpoesia (71): Giselda, o anjo que vinha do céu (Joaquim Mexia Alves)

Monte Real > Palace Hotel > 27 de Janeiro de 2010 < 1º encontro-convívio da Tabanca do Centro, de que é regulo o comandante J. Mexia Alves (aqui ao centro, ladeado, à sua esquerda, pela Giselda e à sua direita, pelo Miguel).

Foto: Tabanca do Centro / Especialistas da Base Aérea 12, Guiné 65/74 (2010) (com a devida vénia)


1. Texto do Joaquim Mexia Alves (*):

Não conheci a Giselda na Guiné,
mas conheço-a de agora,
e basta-me olhá-la nos olhos,
ouvi-la a contar a Guiné,
para perceber que o que aqui escrevo como ficção,
deve estar muito, muito perto da realidade.

Ao Miguel um abraço, pois então,
porque hoje está de parabéns também.

À Giselda, com a licença dos meus outros camarigos,
o abraço mais camarigo de todos,
repleto de parabéns por este dia.

É uma honra e um privilégio conhecer-te
e conhecer o Miguel.

J. Mexia Alves

Giselda, o anjo que vinha do céu
por Joaquim  Mexia  Alves

No meio da mata,
o pessoal por entre as copas das árvores,
olha atentamente para o Céu
à espera de que o mesmo Céu lhe dê
a salvação,
a cura,
a companhia,
o acolhimento,
a palavra amiga,
o sorriso que torne luminoso o dia
que se encontra cinzento e tão doloroso.


Ouve-se um barulho,
um ruído vindo lá das alturas,
e uma figura desce do Céu
ao encontro dos homens ansiosos e mudos de espanto.
Trocam-se informações:
"É uma ave,
é um avião,
é um cometa,
é uma estrela,
é o super-homem???"


Qual quê, é a Super-Giselda,
que desce dos Céus para tratar
e confortar
os que sofrem e já desesperam!


E, ela não perde tempo!
Põe e dispõe,
dá ordens,
organiza,
limpa,
trata,
cura,
à base do medicamento, do sorriso, da simpatia.


"Vá, pá, não tenhas medo, isto não é nada!
Nuns minutos e já estás em Bissau!
Eu trato de ti, eu não saio do pé de ti!
Vá anda, dá-me a mão!
Podes apertar, não tenhas medo!"


Palavras e gestos repetidos até à exaustão,
mas sempre repletos de uma primeira vez,
 porque cada homem é um homem,
e cada momento é um momento novo.


Podem repetir-se muitas vezes,
mas em cada momento há um novo sofrimento,
e se ela já está calejada de tanta coisa vista e feita,
não deixa de viver cada um destes momentos,
como um momento único e individual.


Já a voar pelo ar,
 a caminho da Bissau almejada,
vai interiormente sofrendo,
(este não se safa),
e alegrando-se,
 (desta vez chegámos a tempo).


Não larga a mão daquele que conhece agora,
pois neste momento de dor,
ela é a mãe que está longe,
a mulher que chora em casa,
a namorada que espera ansiosa,
a filha que aguarda o regresso do pai.


Mais uma missão cumprida,
mas todas lhe parecem compridas,
porque onde há sofrimento
parece que o tempo se alonga...
e nunca mais passa!!!

Joaquim Mexia Alves

 [Revisão / fixação de texto / título: L.G.] (**)

____________

Notas de L.G.:

(*) Comentário ao poste de 29 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6273: Parabéns a você (110): Giselda, um(a) (e)strela que brilha no firmamento da nossa Tabanca Grande (Luís Graça)

(**) Último poste desta série > 22 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6208: Blogpoesia (70): Poemas de José Orlando Bretão escritos na Guiné (Cristóvão de Aguiar)

Guiné 63/74 - P6274: O cruzeiro das nossas vidas (16): Uma viagem calma no Carvalho Araújo a caminho da Guiné (António Tavares)

1. Em mensagem do dia 24 de Abril de 2010, António Tavares* (ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72, conta-nos como foi a sua ida para a Guiné em 24 de Abril de 1970.



Ao meio-dia de 24.04.70 e após o terceiro apito arrastado, o mais longo dos anteriores, zarpou o “paquete” Carvalho de Araújo, adornado a estibordo, com o BCaç 2912 e alguns tropas individuais a bordo, num total de 500/600 militares.

À medida que o barco se aproximava da barra os choros e gritos lancinantes dos familiares, na Gare Marítima de Alcântara, iam sendo inaudíveis.

Fomos almoçar, a comida era razoável… nunca tinha comido tanta marmelada e queijo à sobremesa como naqueles dias... ainda era a doçura do mel… o fel viria dias depois!

Foi nesse dia que o IN matou os três Majores, um Alferes Miliciano e três Nativos em Teixeira Pinto… ia a bordo quando soube do Massacre do Chão Manjaco… o efeito psicológico que teve nas nossas tropas… o nosso moral ficou muito abatido!

Naquela manhã senti-me só! … Ninguém soube do meu embarque! … Já a bordo é que enviei um telegrama a meus pais… recordo uma cabine telefónica no cais e a Tapada da Ajuda, onde tinha familiares… seriam o pressuposto laço de ligação… mas resisti! Segui só para o desconhecido!

O navio era tão antigo - de 1930 -, que já há muito tempo se dizia que ao fim de cada viagem ia ser abatido ao efectivo… mas só terminou a sua odisseia - transporte de tropas - em 1973… já não honrava o nome do grande capitão tenente Carvalho de Araújo!
Em cada trajecto contava-se uma história diferente passada na anterior viagem… um incêndio... uma avaria… um encalhe… um adornamento maior do que o habitual… a dificuldade em vencer as alterosas vagas… a falta de combustível devido a consumos excessivos… felizmente nunca havia feridos!

Camarote de 1.ª classe do Carvalho Araújo


Sala de jantar do Carvalho Araújo


As histórias fariam parte da nossa preparação psicológica?

Ao segundo dia da viagem, 26-04-70, vimos à nossa ré o “Vera Cruz”, que após as habituais saudações depressa nos ultrapassou… levava outras tropas e destino… nós seguimos a ronceira viagem de 7 dias… continuávamos a ver o azul do céu e do mar!

Passagem do Vera Cruz, (CCN; 1952-1973;), com dois Batalhões a bordo, pelo Carvalho de Araújo em alto mar

Certo dia apareceram à ré uns golfinhos a fazer-nos companhia… o Golfinho, símbolo do conhecimento… a popa era o local onde se lançava ao mar restos de comida!
E mais umas milhas percorridas - (equivalências: - milha marítima = 6080 pés ou = 1852 m) - tivemos a visita de peixes voadores… alguns destes com as suas curiosidades/fantasias acabaram os dias no convés do navio.
Já Santo António dizia no “Sermão aos Peixes” que nem eram peixes nem pássaros… digo eu, são criaturas de Deus!

Na Guiné havia peixes voadores, segundo o livro Missão na Guiné, do E.M. Exército, conquanto nunca por lá os ter visto.

O mar foi nosso amigo embora assustasse quando o barco ondulava e as ondas batiam nas vigias dos camarotes. Houve camaradas que devido aos enjoos nunca saíram das suas execráveis camaratas nos porões adaptados - (?) - ao pessoal!

Os dias eram passados a dormir, jogar cartas, conversar, escrever, ler… Encafuados nos porões iam as Praças em condições deploráveis! Os Oficiais e Sargentos da CCS viajaram em camarotes de 1.ª classe… Foram elementos da CCS que fizeram o reconhecimento do navio.

A tripulação do barco levava duas enfermeiras, que de trabalho específico nada vi.
Vi-as jogar cartas, passear, conversar… Uma era especialista em jogar crapô! O que queria era jogar as cartas! Tinha a sua “tabanca” na coberta do navio… a outra, mais jovem, andava lá por baixo nos camarotes! Tinham de fazer algo no meio de tanta juventude.

Contrabando também o havia… vendiam tabaco e relógios CAUNY PRIMA a 500$00… o meu CAUNYMATIC ainda funciona!

Já nas águas da Guiné tivemos a escolta da Lancha patrulha P351… era o começo da guerra!


Lancha P351 a escoltar o Carvalho de Araújo nas águas da Guiné


No cais do Pidjiguiti começaram os nossos trabalhos em 01-05-70…

No convés do navio, já fundeado em 30-04-1970, mostrava um furriel, de caneta e bloco em punho, a sua 1.ª picadela de mosquito na Guiné!

Esta é uma história de um entre muitos milhares de jovens… infelizmente muitos não puderam contar as suas histórias de uma guerra injusta para todos os intervenientes… uma guerra de guerrilha que nos era imposta por cobiças exteriores, segundo o governo… uma luta pelas populações…

Quarenta anos decorridos é a imagem que guardo da partida - Lisboa - e da dolorosa viagem de longo curso - 3000 Kms - até à Guiné!

Um abraço
António Tavares
Ex-Fur Mil SAM
Foz do Douro
24 de Abril de 2010
__________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de Abril de 2010 &gt; Guiné 63/74 - P6177: Adiantamentos e Prestações O.G.F.E. (António Tavares)

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2010 &gt; Guiné 63/74 - P5703: O cruzeiro das nossas vidas (15): O dia do embarque (José Marques Ferreira)

Guiné 63/74 - P6273: Parabéns a você (110): Giselda, um(a) (e)strela que brilha no firmamento da nossa Tabanca Grande (Luís Graça)


Foto 1 > Julho de 1970 > O curso de baptismo num Junkers  JU-52



Foto 2 > 7 de Outubro de 1970 > Um dia histórico, o do "brevetamento"



Foto 3 > Guiné > Pirada > 1972 > O "repouso" da senhora enfermeira pára-quedista, ainda "periquita"



Foto 4 > Guiné > Algures > Fevereiro de 1973 > Em alerta, com o Moutinho


1. A Giselda faz hoje anos. Giselda Antunes (seu apelido de solteira) ou Pessoa (apelido do marido, o nosso camarada Miguel Pessoa). Como qualquer outro camarada da Tabanca Grande tem direito um pequena atenção, no nosso blogue. Quem faz anos (e desde que os editores saibam a data de nascimento, o que não aontece com a mairia dos 411 magníficos da nossa lista),  tem direirto a estar por umas horas sob as luzes da ribalta, neste caso, na montra do blogue.

Curiosamente, são o único casal de camaradas (verdadeiros...) do nosso blogue. Um e e outro estiveram na Guiné, sensivelmente ao mesmo tempo, embora a Giselda mais uns meses (cerca de 26). A sua história, e a história que os aproximou, é conhecida, e dava um filme, se a gente vivesse nos Estados Unidos da América.  Em 2010, já a indústria cinematográfica de Holywood estaria farta de explorar o filão da guerra colonial na Guiné e ganho muito dinheiro. Mas nós somos o que somos, temos um problema de escala e sobretudo uma enorme falta de auto-estima. Mas isso são outras histórias.

Curiosamente também os dois fazem anos em Abril. A 9, o  Miguel já teve direito uma meia dúzia de strelas. Quanto à Giselda, já lhe fizemos a devida homenagem por diversas ocasiões, e nomeadamente no ano passado, por este dia.

No segundo ano, e depois de já termos escrito sobre uma camarada tão especial como a Giselda, é difícil aos pobres editores serem originais e não correrem o risco de se repetirem e dizerem banalidades. Até por que esta série (Parabéns a você), que está a cargo do Carlos Vinhal, está em remodelação, agora que entramos no segundo ano...

Lembrámo-nos então pedir ao seu companheiro de uma vida e pai dos seus filhos, o Miguel, para lhe escrever um pequeno texto a propósito de mais este aniversário... O Miguel, sempre discreto, mas com reflexos de sobreviente nato,  ganhos no céus da Guiné, respondeu-me logo:

"Tocas bem violino mas não me levas... Eu estar a escrever sobre a Giselda é, ressalvadas as devidas distâncias, como o Mário Soares escrever sobre a Maria Barroso (embora reconheça que sou capaz de ser muito mais contido nas apreciações que faço das pessoas de quem gosto...). Se eu fosse escrever sobre a efeméride, certamente seria ela prejudicada - tenho por hábito ser muito exigente com as pessoas que aprecio, pedindo-lhes sempre mais do que aquilo que dão, isto por saber que as suas potencialidades as podem levar ainda mais longe"...

Mas depois ele diz uma coisa com a qual eu estou inteiramente de acordo,  por aquilo que já conheço da Giselda, do nosso convívio de algum tempo (e que foi reforçado há dias, na festa em que  participámos, juntos, mais o Pedro Lauret, o José Brás, o Francisco Godinho e outros camaradas, de homenagem aos mortos da guerra colonial, em Moura):

"Embora eu tenha sido um oficial de carreira e ela uma civil graduada em militar, reconheço que muitas vezes ela me bate no respeito que demonstra pelo nosso País, pela bandeira que jurámos defender e por todos aqueles que num período trágico da nossa história deram o seu melhor no que consideraram ser o cumprimento de um dever para com a sua Pátria.


"Se nos lembrarmos que as comissões de uma enfermeira pára-quedista duravam entre 6 e 9 meses, o facto de ela ter voluntariamente ter prolongado a sua comissão na Guiné, atingindo os cerca de 26 meses de permanência, mostra o carinho que ela dedicou àquele território e a todos os militares e civis que precisaram da sua ajuda num momento difícil da sua vida. E não tivesse havida a decisão cretina de impedir as enfermeiras de fazer evacuações às zonas de combate - o que ela considerou uma ofensa - talvez ela não tivesse decidido sair e pudesse ter permanecido na Guiné até à retirada das nossas forças, no verão de '74"...

E falando por todos os heli-evacuados Ypsilon , o Miguel (na altura Ten Pilav de  Fiat G-91) arremata:

"Sei por experiência própria o que é ser evacuado e o conforto que nos pode dar uma cara amiga em momentos em que estamos a ver a vida a andar para trás. Mas, das conversas que tenho tido com ela, sei também da emoção que ela ainda hoje sente pela lembrança das vidas que terá ajudado a salvar e da amargura pelas situações em que já nada poude ser feito pelos nossos".

E que palavras mais bonitas e sobretudo justas poderiam ser ditas no dia de hoje ? Obrigado, Giselda, em nome de todos nós e daqueles a quem tu ajudaste a salvar a vida, a aliviar a dôr, a reforçar a coragem e a esperança. Que tenhas um magnífico dias de aniversário junto com o Miguel, os teus filhos, restante família e amigos mais próximos. Nós estaremos, em espírito, contigo e com o Miguel. Bebemos um copo à tua saúde e longevidade. (E já agora dá também um grande Alfa Bravo a esse coração de ouro, que te deu hospitalidade, no dia de hoje, em Buarcos, o nosso querido amigo e camarada Vasco da Gama). Falo, naturalmente, em meu nome, mas também dos meus queridos co-editores Carlos Vinhal, Eduardo Magalhães Ribeiro e Virgínio Briote, a cujo labor, paciência, dedicação e empenho se devem também, e muito, a qualidade e a projecção que o nosso blogue atingiu, dentro e fora da nossa santa terra (Temos historiadores de África,  na terra do Tio Sam,  a acompanhar-nos com crescente interesse e atenção... Quem o diz é o Prof Doutor Eduardo Costa Dias, do ISCTE... E estamos prestes a atingir nos primeiros 4 meses do ano, os 1,7 milhões de páginas visitadas, o que em 2010 dá uma média de 2500 visitas / dia).

Como prenda de anos (não tanto para  a Giselda como para os camaradas e amigos da Guiné que a admiram e a estimam) aqui vão algumas fotos, "roubadas" ao álbum de família. Amigos que a conhecem bem, a ela e ao Miguel - como o caso do Victor Barata e o António Martins de Matos - seguramente  que irão acrescentar mais alguma coisa ao que aqui fica dito. De resto, nunca é de mais lembrar o exemplo pioneiro que foi, entre  nós,  a entrada, num cenário de guerra, das enfermeiras pára-quedistas, abrindo portas  a um maior,  justo e inevitável protagonismo das mulheres,  numa sociedade em grandes mudanças, mas ainda conservadora, patriarcal e aqui e aqui misógina.



Foto 5



Foto 6

Sobre as fotos 5 e 6, escreve o Miguel: "Considerando que a vida continuou para além da Guiné, entendi enviar-te agora estas duas, posteriores àquela época, em que ela desempenha o papel de mãe - o que tem feito na perfeição. Sempre que pôde a Giselda acompanhou de perto a minha actividade na Força Aérea, como se pode ver por estas duas fotos. Numa [, Foto 5,] podes vê-la com a nossa filha junto a um avião T-37, em Sintra. A outra, da mesma altura [, Foto 6,], foi tirada durante um convívio com pessoal da RTP. No lado esquerdo da foto está a locutora Isabel Ayres, que tinha pouco antes voado comigo num treino dos Asas. E devo dizer que se portou muito bem"...

Fotos: © Miguel Pessoa (2010). Direitos reservados
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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6272: Notas de leitura (99): Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Abril de 2010:

Queridos amigos,
Segue uma primeira súmula sobre a biografia de Spínola, no tocante ao período da Guiné.
Espero concluir na próxima semana.

Um abraço do
Mário



Spínola, a biografia de Luís Nuno Rodrigues (I)
Beja Santos

A lenda de Spínola como grande e carismático militar inicia-se em Abril de 1962, está ele à frente do Batalhão de Cavalaria 345. Os que o recordam desse tempo falam sempre do militar destemido e arrojado. É curioso observar que Spínola sempre se considerou e definhou a si próprio como um militar. É escusado dizer que o seu pensamento e acção dividem claramente em opinião pública, da guerra colonial até hoje, não há (nem se prevê tão cedo) consenso possível acerca de Spínola. E as controvérsias que irão estalar à volta do seu nome não têm principalmente a ver com a sua actuação em Angola (para onde partiu como voluntário no início da guerra colonial), mas na Guiné e mais tarde, em 1974, como Presidente da República, e depois no exílio, como dirigente máximo do MDLP.

Compreende-se como Spínola fascine os historiadores, tal é a sua capacidade de dividir, de forma tão cortante, opiniões: a lenda, o mito, permanecem na opinião pública como conceitos altamente discutíveis; se há quem lhe confira a dignidade de um guerreiro sem sombra de medo, muito humano e compreensivo com os seus soldados, intolerante com as chefias ineptas, há quem minimize a sua estratégia na Guiné, considerando mesmo que ele foi o obreiro da gradual implantação do PAIGC, isto já para não falar das críticas em volta da sua inaptidão para a condução dos negócios políticos no período conturbado que se viveu a seguir ao 25 de Abril de 1974Entende-se, assim, como esta personalidade atraiu o historiador Luís Nuno Rodrigues, que já se distinguira pela sua biografia sobre o Marechal Costa Gomes, publicado em 2008 (Spínola, por Luís Nuno Rodrigues, Esfera dos Livros, 2010).

Como não podia deixar de ser, o Spínola que aqui se irá referir é aquele que foi chamado em Maio de 1968 por Salazar e de quem receberá instruções para partir urgentemente para a Guiné, de onde regressará cerca de cinco anos depois.

O seu nome terá sido sugerido ao ministro do Ultramar, Silva Cunha, por Supico Pinto, figura grada do regime. Spínola tem a aura de grande militar, de oficial enérgico, interessado nos problemas das praças (caso da GNR) e de ser partidário intransigente, indefectível, da defesa do Ultramar. De acordo com as notas pessoais de Spínola, o encontro com o ditador motivou-lhe perplexidade. Spínola terá dito a Salazar que acreditava numa comunidade que ele terá designado por “Nação Pluriestatal” em que cada uma das parcelas aceitaria a unidade da nação portuguesa.

Seguramente que esta doutrina atrapalhada não comoveu Salazar que o foi ouvindo sem fazer quaisquer comentários. Spínola sentia-se muito honrado pelo convite mas advertiu o ditador que o problema militar exigia um novo conceito de desenvolvimento e um impulso socioeconómico para a província da Guiné. E fez exigências: queria ter plena liberdade de escolha da sua equipa militar, melhores remunerações para os combatentes, melhor equipamento e um reequacionamento do conjunto “Guiné/Cabo Verde”, na estratégia portuguesa em África. Ainda de acordo com o documento de Spínola, este dizia dispor de informações de que o PAIGC estaria a negociar com a União Soviética a aquisição de aviões, pelo que requeria material de resposta.
Spínola solicitou ainda “em regime de excepção” autorização para se lhe dirigir directamente sempre que problemas fundamentais não estivessem a ser solucionados com “necessária urgência”. Depois de o ouvir em silêncio, Salazar só lhe disse: “É urgente que embarque para a Guiné”.

Logo numa carta para Salazar, datada de 26 de Junho de 1968, Spínola afirma que “os danos causados [na Guiné] são mais profundos do que supunha e os reflexos locais dos erros acumulados são mais graves do que pensava. A actividade da guerrilha ocupava já metade do território da província as nossas forças estavam muito dispersas, «vivia-se um clima psicológico de frustração». Além disso, impunha-se um grande esforço no desenvolvimento socioeconómico da região. A partir de Outubro, irá corresponder-se directamente com Caetano, falará sempre em situação crítica e de uma forma recorrente refere mesmo a eventualidade de um colapso militar. É inegável que nesta correspondência bem como nas suas aparições no Conselho Superior da Defesa Nacional usa dispersões alarmantes e declina a responsabilidade se não lhe deram os meios que ele considera indispensáveis para estar à altura da missão que lhe confiaram.

Mal chega, começa a reorganização da estrutura do comando, retira autonomia a nível operacional à Armada e à Força Aérea, vai depurando as chefias, escolhe os seus colaboradores mais directos e prepara a alteração do dispositivo das forças militares no terreno, procura a concentração de meios humanos e o abandono de ponto sem interesse militar: Boé, área de Aldeia Formosa, o corredor de Guilege, as áreas de Sangonhá-Cacoca e Cantanhez, a região de Empada e ilha do Como. Começa igualmente por insistir na melhoria do trem dos soldados que chegavam ao território e, paralelamente, procurou desenvolver um centro de treino para os militares envolvidos em operações. A partir de Setembro de 1968, expressa o seu contentamento sobre a conduta operacional das tropas, atribuindo-os a erros de conduta, a um conhecimento deficiente do inimigo e ao desconhecimento da doutrina e técnica de combate das forças do PAIGC. Spínola pretende que se retome a iniciativa militar e que se obrigue o inimigo a recuar. Numa directiva de Junho de 1969 exige que as Forças Armadas desenvolvam cinco tipos de acções: acções dinâmicas de reconhecimento, com vista a detectar trilhos de passagem do inimigo e a reconhecer simultaneamente locais para implantação de emboscadas sobre os mesmos trilhos acções de emboscadas, preferentemente nocturnas, com vista a interceptar o inimigo; implantação de minas e armadilhas nos corredores de passagem do inimigo; acções nocturnas de emboscadas sobre os trilhos que conduzam às prováveis bases de fogos do inimigo; acções de aniquilamento nas áreas de refúgio do inimigo, com destaque para golpes de mão. O historiador refere que Spínola terá dado instruções para reduzir o uso do napalm sobre os elementos da população afecta ao PAIGC. O uso do napalm tinha-se tornado frequente desde 1965 mas em Maio de 1973, as estimativas apontavam para um consumo médio mensal de 42 bombas incendiárias de 300 quilos, 72 de 80 quilos e ainda de 273 granadas incendiárias.

Spínola criou também uma estreita colaboração entre as autoridades militares e a PIDE: é assim que o inspector Fragoso Alas se torna um homem influente na estratégia de Spínola, sendo mesmo autorizado a assistir aos briefings diários do Comando-Chefe. O recrutamento dos africanos para as Forças Armadas da Guiné conheceu novo impulso: começam a ser constituídas companhias de caçadores, de comandos e de fuzileiros. Se o número de militares africanos era, em 1968, de 3280, em 1973 tinha subido para 6425. Este processo de africanização encontrava correspondência no discurso ideológico de Spínola relativamente à participação crescente dos guineenses na construção de uma Guiné melhor.

(Continua)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 28 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6266: Notícias de Francisco Henriques da Silva, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402, que foi Embaixador em Bissau, em chamas, em 1998 (Beja Santos)

Vd. último poste da série de 27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6259: Notas de leitura (98): Em Chão de Papel na Terra da Guiné, de Amândio César (Beja Santos)