sábado, 4 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6931: Estórias do Juvenal Amado (30): Quando o passado vem ao nosso encontro



1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 24 de Agosto de 2010:

Caros Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca grande
Uma pequena estória que traz à luz a verdade sobre o sr. Regala, que aquí já foi falado por diversas.

Um abraço
Juvanal Amado



Estórias do Juvenal Amado (30)

Quando o passado vem ao nosso encontro em forma de abraço é uma experiência única

Assim aconteceu há dias quando me encontrei com o meu camarada do 3972, que foi meu comandante de pelotão.
O ex-Alferes Amadeu foi evacuado com hepatite aos vinte e um meses de comissão.

Alf Mil Luís Amadeu

Lembrei-me dele logo. Recordei o momento da sua evacuação e contei-lhe que tinha corrido o boato da sua morte felizmente mentira.
Falamos de Galomaro, dos nossos camaradas, dos lugares e acontecimentos que nos marcaram com é natural.
Veio à conversa o sr. Regala e sobre isso ele enviou-me posteriormente a estória, que segue em anexo tal como a mandou.

Um abraço a todos os tabanqueiros.
Juvenal Amado


O sr. Regala I

Juvenal:
Como sei que gostas de contar estórias, certamente também gostas de as ler. Aqui vai uma que se passou comigo. Começa em Galomaro e termina em Lisboa alguns anos depois em meados da década de 80.

Da esquerda para a direita: Fur Mil Claudino, 2.º Srgt Silva e Alf Mil Amadeu

Poucas vezes estive na esplanada do Sr. Regala. Talvez duas ou três. Mas lembro-me que uma vez, penso que a convite dele, estive com outros camaradas a comer um frango a cafreal e a beber umas Super Bocks.

O Sr. Regala estava sentado ao meu lado. Enquanto saboreava uma tíbia do frango, vejo passar à minha frente um rapaz talvez com 14 ou 15 anos impecavelmente vestido com umas calças pretas e uma engomada camisa branca. Acompanhei com o olhar a sua deslocação até ao balcão e a sua saída por uma porta que ficava por trás. A minha observação não passou despercebida ao Sr. Regala, que me disse de seguida:

- É o meu sobrinho. Está cá a passar as férias. Vive em Bissau com a minha… (já não me lembro)

Pensei em que altura do ano estávamos e não creio que fossem férias escolares. Mas decididamente não quis saturar mais os meus neurónios e resolvi atacar outra tíbia do animal.

Passados cerca de 15 anos, estava eu a trabalhar na EDP em Lisboa quando fui informado que vinha estagiar para o meu departamento alguém dos PALOP durante uma semana.

Como tinha uma secretária livre no meu gabinete disse que podia ficar directamente comigo que eu o apoiaria no que ele necessitasse.

Apareceu-me então o indivíduo novo de raça negra que era guineense.

Conversamos sobre o seu curso de engenharia tirado na Bulgária. Procurei saber pormenores do curso, matérias, programas e sinceramente pareceu-me bastante fraco o curso de engenharia, mas certamente suficiente para a Guiné. Como até conhecia aquele ambiente, sabia o que lhe poderia fazer alguma falta e prontifiquei-me a mandar tirar umas cópias de alguns projectos-tipo e outra documentação que o pudesse ajudar. Qualquer dos casos iria ficar uma semana comigo.

Resolvi então dizer-lhe que já tinha estado na Guiné durante a tropa. Ao que ele me perguntou.

- Onde?
- Em Galomaro.
- Então conheceu o Sr. Regala.
- Sim.
- Era o meu tio.

Ainda não refeito do que estava a ouvir. Como o mundo é pequeno. Indaguei mais.

- Houve uma vez que eu vi lá um jovem com umas calças pretas e uma camisa branca e o Sr. Regala disse-me que era o seu sobrinho.

Resposta pronta do rapaz.

- Era eu.

Então já refeito do acontecimento, devo ter olhado para ele com uma cara de inquiridor e sem mais, disse-me:

- É que o meu tio era um alto quadro do PAIGC, e depois da independência arranjou maneira de eu ir estudar para o estrangeiro.

No dia seguinte tinha um monte de fotocópias para lhe entregar conforme estava combinado. Mas ele não apareceu naquele dia nem apareceu mais.

Caro Juvenal, gostava de te ver a escrever outras histórias que não fossem sobre a Guiné. Acredita, acho que tens muito talento.

Um Abraço,
Luís Amadeu


O sr. Regala II

O sr Regala era homem de certa idade, baixinho e de origem cabo-verdiana.

Tinha se não estou em erro duas camionetas, com elas para além fazer transportes e comércio entre várias povoações na Zona Leste, era frequentemente contratado para fazer colunas de abastecimentos integrado nas colunas de Galomaro.

Dizia-se que nas colunas em que ele participava podíamos estar descansados, tal era as boas relações que entre ele e a guerrilha existiam. Facto que não me custa acreditar.

Assim falei muitas boas horas com ele onde era fácil adivinhar, que comércio era uma coisa, ideais quanto ao futuro da Guiné era outra.

Também tinha um posto de venda em que vendia umas “bazucas” bem fresquinhas, servia uns bifes com batatas fritas e ovo a cavalo, bem ao jeito de “bitoque” que era uma delícia.

Bem quero isto dizer que este pequeno posto fazia parte do imensa cantina, que era formada à volta dos soldados por toda a Guiné.

Uma terra com agricultura de subsistência, sem industria, sem bens minerais, era pois à volta dos soldados que a economia fervilhava.
Lavadeiras, vendedoras de mancarra, de caju e frutas várias, todas se juntavam perto do arame.

Nas aldeias também comprávamos umas galinhas e a carne para o quartel, também era adquirida por nós a fornecedores junto dos Homens Grandes.

Ao vinho de palma e aguardente de cana, juntavam-se vendedoras de prazer nas ruelas das tabancas, que também dividiam embora por breves momentos o leito os favores e o patacão, que custava essa também transacção.

Em Bafatá lá estavam os restaurantes portugueses e libaneses, a escola de condução, que o artesanato, que bonito era o de filigrana de prata, que os nossos furriéis e alferes mais endinheirados mandavam fazer de encomenda. Não esquecer os vendedores ambulantes que normalmente nada sabiam de português.

Éramos por assim dizer o motivo e fonte de subsistência em todas áreas daquela terra.

Quero eu dizer com isto tudo que o que para lá levamos, trouxemos mais a saudade que tende a crescer.

Comecei por falar no Regala.
Se calhar se comesse hoje o tal bife, diria que não era nada de especial e naquele tempo longe de casa, qualquer coisa nos satisfazia desde que saíssemos da ração de combate ou do rancho, que era servido no Restaurante da Morte Lenta e outros locais com “gerência” parecida.

Mas o que eu não daria por voltar lá, sentar-me e comer para ver se era verdade ou não.

Um abraço
Juvenal Amado
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (25): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6716: Estórias do Juvenal Amado (29): Depois do meu regresso, ou o homem que num certo dia teve três mães

Guiné 63/74 - P6930: Notas de leitura (142): Amílcar Cabral, textos políticos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Quem fez esta antologia, publicada logo em Julho de 1974, conhecia na perfeição o teórico e o líder político que moldou o PAIGC.
Talvez seja uma raridade bibliográfica mas permite saber, antes de mais, que o pensamento de Cabral era seguido e estudado entre nós, na perfeição.

Um abraço do
Mário


Uma antologia de Amílcar Cabral, logo a seguir ao 25 de Abril

Beja Santos

Em Julho de 1974 aparecia nas livrarias portuguesas “Amílcar Cabral, textos políticos”. A edição era de Henrique A. Carneiro e a distribuição da CEC (seria o acrónimo de Centros de Estudos Coloniais?). O editor sabia o que estava a fazer e conhecia em profundidade o pensamento de Cabral, em escassas 60 páginas deu-nos um reportório significativo do seu conteúdo, e de acordo com um critério adequado dos temas fundamentais. Assim, numa primeira parte, procede-se a uma selecção de textos sobre a situação de Guiné e Cabo Verde. Na segunda parte integram-se as análises predominantemente teóricas, que singularizaram o pensamento político de Cabral. Na terceira parte, denominada política anti-colonial abrem-se as perspectivas das relações internacionais logo que a política colonial portuguesa tivesse entrado em colapso. Igualmente se transcrevem longas passagens daquilo que foi considerado o testamento político de Amílcar Cabral – o seu último discurso, a sua mensagem de Ano Novo, em 1 de Janeiro de 1973.

A comunicação de Cabral era altamente pedagógica, usava uma sólida construção em língua portuguesa, era uma escrita fluente de quem podia transferir a escrita para a palavra. Sabia expor com uma simplicidade luminosa, contar a história da resistência dos guineenses sem lamechice, com de igual modo falava da história do PAIGC apagando naturalmente o seu pensamento e acção. A antologia ilustra com alguns dos trechos que marcaram a presença de Cabral em artigos, intervenções, entrevistas, conferências, documentos, mensagens e discursos em grandes plateias, como a ONU ou a organização da unidade africana. Logo em 1962 ele escreve na revista Partisans: “O Governo português está doravante consciente de uma realidade: nenhuma força poderá impedir a liquidação total do colonialismo português. A dialéctica da repressão colonial provou que, nos nossos dias, nenhum agressor colonialista pode ser vencedor dos povos decididos a conquistar a sua liberdade”.

Em 1964, no Centro Frantz Fanon, de Milão, depois de passar em revista as dificuldades do início da luta armada e das questões postas pela mobilização das massas numa base em que não era possível lutar contra o imperialismo num território em que os colonos não se apropriaram das terras, explica como subverteu e surpreendeu os exércitos portugueses que esperavam os guerrilheiros na fronteira, isto quando o PAIGC atacou no centro e rapidamente desarticulou a economia do sul da Guiné.

Cabral surpreendeu o auditório da primeira conferência de solidariedade dos povos da África, Ásia e América Latina, que se realizou em Havana, em 1966 justificando os fundamentos da libertação nacional em estrita concordância com a estrutura social dos povos em luta. Cabral não tinha nenhuma classe operária ao seu lado, antevia os perigos no neocolonialismo e considerava que o movimento de libertação era inteiramente responsável por engendrar uma cultura em que o antigo colonizado vencesse a sua superstição, o fatalismo e a ideia da submissão na mulher.

No auge das suas faculdades políticas e credor de amplo reconhecimento internacional, no final dos anos 60 e princípio dos anos 70, Cabral deixa peças de rara qualidade para a compreensão do que ele esperava do futuro do relacionamento entre a Guiné-Bissau e Portugal. Intervindo numa comissão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1972 ele declara: “Se não afirmamos que Portugal se arrisca a uma derrota militar entre nós, é simplesmente porque ele nunca teve nenhuma oportunidade de sair vitorioso. É só podem sofrer derrotas aqueles que têm pelo menos uma oportunidade de ganhar. Apela a negociações sinceras para se chegar à independência do país, não deixando advertir que a missão de acabar com as guerras coloniais será levada a cabo pelo povo português.

A antologia acolhe extractos de um documento secreto distribuído em Março de 1972 aos quadros do PAIGC sobre um eventual plano português para destruir o partido, e onde se admite expressamente a liquidação do principal dirigente, Amílcar Cabral. O chamado último discurso aborda as diligências para a declaração da independência unilateral e, obtida esta, entrar-se numa nova fase da luta, direccionada para a independência de Cabo Verde.

É certamente um documento histórico, talvez uma raridade bibliográfica, tem todo o cabimento aqui lhe fazer referência para futuro levantamento de todas as edições sobre a obra de Amílcar Cabral.

O livro foi-me gentilmente emprestado pelo nosso confrade António José Pereira da Costa, sensível à minha permanente lamúria, a pedinchar ajuda com vista a que o blogue esteja ao serviço dos estudiosos e investigadores.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6923: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (9): Ébano Febre Africana, de Ryszard Kapuscinski (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 3 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6818: Notas de leitura (141): Corte Geral, de Carlos Lopes (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6929: Parabéns a você (147): Torcato Mendonça, 66 anos, uma referência do nosso blogue, um português pré-esforçado, um orgulhoso ex-combatente (Luís Graça)




Fotos falantes II > Sem título, 35 > O Alf Mil Art Torcato Mendonça, o terceiro a contar da direita, a  caminho da Guiné



Fotos falantes I I > Foto 12 > Mansambo, "poda"...


Fotos Falantes II > Foto 12 > No Geba...



Fotos Falantes II > Foto 14 > Mansambo > Com o Sargento de Milícias Baldé...




Fotos Falantes II > Sem título > Mansambo > Junto do obus 10,5

Fotos Falantes II > Sem título > Foto > Mansambo > O pelotão de artilharia...




Fotos Falantes II > Sem título > Foto 12 > Mansambo >  O jovem José...



Fotos Falantes II > Sem título >  Mansambo > Outra pose do jovem José...




Fotos: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservado

O Torcato Mendonça (TM) não precisa de apresentação, nem de salamaleques,  nem de elogios, nem de louvores, nem de condecorações: tem apenas cerca de 150 referências no nosso blogue, na I Série... (Não estamos a contar com a sua participação na I Série, numa altura em que não havia etiquetas ou marcadores)... Mas também não é fácil arrumá-lo, classificá-lo, resumi-lo, descrev~e-lo, em meia dúiza de linhas (Mas tenho a incumbência de fazê-lo, já que o Carlos Vinhal e o Miguel Pessoa não chegam para todas as encomendas desta série;  e faço-o com toda a naturalidade e vontade porque, além de camarada, e bom camarada, o TM é também, um amigo, um grande amigo).

Se a memória não me falha,  o TM está formalmente connosco desde Abril de 2006... É, portanto, um membro sénior do nosso blogue, um activissímo autor, leitor e comentador... Não temos estatísticas individualizadas sobre os comentários aos nossos postes... O nosso TM é capaz de ser responsável por algumas centenas (Publicam-se, em média, uns mil comentários por mês).

É o segundo ano que aqui celebramos o seu aniversário... Em 2009 fez 65 anos (*), a idade em que um português passa a ter desconto no cinema, na CP, nos museus... Este ano, em 2010, pelas minhas contas, fará uma bela capícua, 66... Julgo que em termos de saúde e da sua vida familar, o ano 2010 foi melhor do que o 2009. De certo que o nosso José terá este ano mais alegria na celebração do seu dia de festa, reunido com a a sua Ana, os seus filhos, o seu neto...

Este ano não tive a alegria de o abraçar por ocasião do nosso V Encontro Nacional, em Monte Real.  Esteve inscrito, mas não pôde vir, à última hora...  Também não tenho ido ao Fundão onde reside este apaixonadíssimo e grande português que tem muitas costelas, mas duas delas são muito especiais, algarvia e alentejana... Temos falado ao telefone, o que não é a mesma coisa...

Hoje, sábado, só espero que haja grande ronco lá no Fundão... Todos os amigos e camaradas da Guiné, reunidos sob o frondoso e generoso poilão da Tabanca Grande, vão-lhe cantar os parabéns, desejando boa saúde e muita vida, muita qualidade de vida, que ele bem merece... Como prenda, fui repescar (e editar) algumas das suas Fotos Falantes, ainda não divulgadas ou pouco conhecidas dos nossos periquitos...

Quero dizer ao TM quanto tenho apreciado as suas manifestações, off record, de preocupação, desvelo, cuidado, carinho... em relação aos nossos editores e ao nosso blogue (e ao rumo, às vezes, desconfortável que as coisas tomam, na sequência das nossas cavaqueiras bloguísticas).

O TM é daqueles camaradas que pode estar uns tempos sem aparecer mas nem por isso deixa de estar atento, muito tempo,  ao que se passa, ao que se diz, ao que se comenta, e até ao que não se diz com a frontalidade, a assertividade e a lealdade que ele cultiva e que ele gostaria que fosse partilhada por todos... Está atento, é crítico, mas também é um bom conselheiro... A sua palavra é ouvida com muito respeito e apreço por mim e pelos demais editores... 

O TM não esconde os seus valores e aquilo em que se acredita: é um feroz patriota, um patriota de têmpera rija (, de material pré-esforçado) e tem orgulho na sua condição de antigo combatente.  Às vezes até chego a pensar que ele (ou o fantasma do José) ainda paira lá pelas bandas de Mansambo... Mas também é determinado nas suas convicções  como homem e cidadão. É um exemplo de tolerância e de firmeza.

Por tudo isto (e muito mais: as suas histórias, os seus pensamentos em voz alta, o seu fabuloso ábum fotográfico...),  o TM é um dos camaradas de que temos orgulho no nosso blogue,  com quem podemos contar nas nossas difíceis e que está sempre ao alcance de um clique... (Felizmente, há muitos outros mais).

Parabéns, camarada e amigo: é já tarde e eu tive uma viagem em cheio, por comboio (do Marco de Canaveses até ao Pocinnho) e barco até à Foz do Rio Coa (através da Dourototal Lda, com o Mário Costa ao leme), fiz 2,5 GB de fotografias e vídeos e conheci gente fantástica, incluindo mais um camarada da  Guiné, de 1972/73, 1º cabo enfermeiro (que ainda tem na pinha a lista das doenças tropicais!...) e que é um dos grandes pastores (500 ovelhas)  da região do Coa... O João António Sousa Cassote, de seu nome, passou pelo Cumeré e por Guidaje,  era de rendição individual...  (Pertenceu à CCS de um Batalhão, cujo número não me soube dizer; se alguém se lembrar, que me diga, é uma figura que eu gostaria de retratar na galeria dos meus heróis).

E a propósito da minha galeria dos meus heróis, prometo, ao TM, para o ano fazer-lhe o retrato a corpo inteiro, com a ajudinha do Miguéis ou do Pessoa, os nossos dois geniais e voluntariosos cartoonistas... (**)







Rio Douro > Cachão da Valeira > 3 de Setembro de 2010 > Um dos muitos troços deslumbrantes do Curso Superior do Rio Douro... Fotos tiradas de comboio ao meio dia... Dedicadas ao nosso aniversariante de hoje (e pensando no nosso também querido Zé Manuel Lopes, que está a pedir à malta para votar no seu/nosso Douro, no Vale do Douro, no concurso das 7 Maravilhas Naturais de Portugal).

Fotos: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados
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Notas de L. G.:

(*) Vd. poste de 4 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4894: Parabéns a você (23): Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339 (Os Editores)

(**)  Último poste da série > 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6928: Parabéns a você (146 ): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) (Editores)

Guiné 63/74 - P6928: Parabéns a você (146 ): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) (Editores)

Postal ilustrado: Miguel Pessoa (2010)


1. Conforme atesta o postal de aniversário de autoria do nosso compositor gráfico privativo, Miguel Pessoa, neste dia 4 de Setembro de 2010, completa 61 anos de idade o nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73), que como a maioria dos açorianos se fez ao mar e se instalou nos States.

Longe da sua encantadora Ilha do Faial, embora tendo junto de si a família que constituiu na diáspora, o nosso amigo José da Câmara merece o nosso especial carinho. Vamos assim, neste dia, desejar com fervor, um dia bem passado e uma vida que lhe proporcione desfrutar do amor de sua esposa, filhos e netos, por muitos e bons anos.


Ilha do Faial > Porto e cidade da Horta que viu crescer José da Câmara

José da Câmara, que faz parte da nossa tertúlia desde Janeiro de 2009*, muito recentemente viveu momentos inesquecíveis ao comparecer no convívio da sua CCAÇ 3327, em Coimbra, e rever os seus camaradas.
Vindo dos Estados Unidos ao Faial para ver a família, deslocou-se com a esposa ao Continente propositadamente para o efeito.
Aqui fica um instantâneo:


Muitos anos de espera para o primeiro reencontro. Da esquerda para a direita: Câmara, Cruz, Caetano, Cap. Alves, Pinto, Garrido e Graciano

Caro José, neste dia de aniversário, recebe um abraço da tertúlia e votos de muitas felicidades na terra do Tio Sam.

(Os editores)

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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

22 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3777: O Nosso Livro de Visitas (54): Um camarada da diáspora, José Câmara, da açoriana CCAÇ 3327 (1971/73)
e
15 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4350: Tabanca Grande (141): José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73)

Vd. último poste da série de 28 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6905: Parabéns a você (145 ): Um rodada de ternura para o nosso Gato Preto José Corceiro, em férias na Madeira

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6927: Da Suécia com saudade (27): O ponto de vista... de António Rosinha (José Belo)


Excerro do poema de Álvaro de Campos, Tabacaria (1928)


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.  (...)

Foto: © Luís Graça (Candoz, Setembro de 2010)


1. Texto de José Belo, com data de 30 de Agosto p.p. (*)


Assunto: Pontos de vista.

 Caros Camaradas e Amigos.

Aqui seguem alguns pensamentos surgidos da leitura de António Rosinha.

Muitos julgam ter uma perspectiva abrangente das realidades nas ex-colónias portuguesas pelo facto de terem cumprido uma Comissão de Servico, algures no Império, olhando em redor com olhos de vinte anos de experiências de vida feitos,e sendo essas experiências adquiridas em meios muito distintos do africano.

Os que tiveram convivências próximas, diárias, com africanos (civis e militares), vivendo em isoladas tabancas na mata,ficaram com uma percepção de, a seu modo, terem entreaberto uma pequena janela para com um...outro mundo. Mas, mesmo assim, uma janela menos genuína por condicionada pelas realidades da guerra envolvente.

Para outros,integrados em Unidades de militares metropolitanos como eles, com uma vida diária em conjunto, as possibilidades dessa "pequena janela aberta para com um outro mundo" seriam ainda menores.

Soma-se o facto de as nossas passagens por África, apesar de aparentemente infindáveis, foram bem curtas para nos permitir, nas circunstâncias vividas, a tal visão abrangente. Muitos militares profissionais houve, com várias passagens por África. Mas não seriam muitos os que procuravam "olhar em volta",  fora do campo estritamente profissional, pois, obviamente, não seria positivo para futuras carreiras.

Alguns de nós que, com orgulho, respeito,e muita ingenuidade, diariamente hasteávamos a Bandeira Nacional em Destacamentos perdidos na mata, sentem a forte necessidade de aprofundar conhecimentos (factuais) quanto às realidades coloniais, ainda para muitos to desconhecidas nos seus verdadeiros detalhes sócio-administrativos.

É por isso que os documentos, e memórias vividas, sobre os períodos antecedentes, e posteriores à Guerra,se tornam tão importantes. Os "escritos e memórias" de António Rosinha,e de tantos outros com estas vivências locais, nao se devem "perder".

Um abraço amigo do J. Belo
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Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6738: Da Suécia com saudade (24): A difícil procura da unidade dos antigos combatentes (José Belo)

Guiné 63/74 - P6926: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (2): Alferes do QP Henrique Ferreira de Almeida da CART 1689 / BART 1913

1. Mensagem José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 24 de Agosto de 2010:

Caros Camaradas
Em seguimento às histórias anteriores, apresento esta para a série "Outras memórias da minha guerra".
Junto uma foto para publicar se julgar oportuno.

Um abraço do
Silva da Cart 1689


Outras memórias da minha guerra (2)

Alferes do Q.P. Ferreira de Almeida (CART 1689)
Notas sobre a homenagem póstuma


Outubro.2009

Nunca pensei que, 40 anos depois da guerra da Guiné, me visse a participar numa acção de cariz fundamentalmente militar. Fui a Sátão, perto de Viseu, para assistir à homenagem póstuma ao Alferes do Q.P. Henrique Ferreira de Almeida.

Após alguma insistência do Fernando Cepa (camarada ex-combatente), com quem tenho mantido um óptimo relacionamento, senti alguma curiosidade em saber o desfecho daquela morte incrível, ocorrida na noite de 13 para 14 de Julho de 1968, durante um violento ataque das forças do PAIGC ao aquartelamento de Cabedu.

O Capitão Comandante da Companhia, que havia sido evacuado por ferimento em Gandembel, em Abril, durante a implantação de um aquartelamento no corredor do Guilege, veio despedir-se e partira nesse dia 13, para Bissau, tendo como destino final Lisboa, para frequentar os Altos Estudos Militares no Estado Maior.

Por outro lado, o Furriel Matos também chegou nesse mesmo dia, para substituir o Furriel Belmiro, falecido em Gandembel, aquando do ferimento do Capitão.

Lembro-me de estarmos reunidos naquele degrau alargado, junto ao pequeno Bar, depois do jantar, em ambiente divertido, desta vez bastante enriquecido pela simpatia que o periquito Matos trazia. A dada altura e umas cervejolas depois, numa tentativa de amedrontar este recém-chegado, segredávamos uns para os outros a informação de que se esperava um ataque durante essa noite, o que era invenção nossa, claro. Certo é que ele não acreditou, sorriu e ficou, ali mesmo, adormecido e bastante “pesado”, a justificar a sua descontracção e o evidente cansaço da viagem, seguramente agravado pelo excesso de bebida.

Deveria ser cerca da meia-noite quando sofremos, efectivamente, um ataque. Foi bastante intenso e muito próximo, pois parecia-nos que o inimigo estava junto à vedação do lado da mata e dos coqueiros. Justamente ali, existiam uns fornilhos (bidões cheios de explosivos) enterrados e ligados por fio eléctrico aos abrigos do meu pelotão. Enquanto a Companhia reagia ao ataque, dirigi-me para o abrigo a fim de ligar as pontas dos fios aos pernos da bateria. Invadido pela excitação daqueles momentos, tremia com os fios agarrados, um em cada mão, imaginando a resolução imediata do ataque e os avultados estragos que iria provocar. Inclusivamente, até receei que o efeito das explosões nos atingisse. Cheguei a hesitar, mas a intensidade do ataque era tal que não tinha outra alternativa. E liguei-os. Porém, nada aconteceu. Insisti, mas em vão. (No dia seguinte verificámos que os fios haviam sido cortados junto do arame farpado).

Corri para o morteiro 81. Lancei as primeiras granadas, mas, apesar de o inimigo parecer estar ali, a cerca de 100 metros, foram parar longe. Fui encurtando a distância, até sentir que seria muito perigoso continuar a alterar a posição de fogo. Penso que foram disparadas 27 ou 28 granadas. (tenho uma foto que mostra alguma cedência do chão sob o prato do morteiro).

Após sofrermos qualquer ataque, e ainda sob o efeito da adrenalina, era normal o contacto imediato entre nós, especialmente entre os mais próximos, para sabermos das possíveis consequências e também para cada um exteriorizar o filme desta sua nova e indesejada experiência militar.

Logo que terminou o tiroteio, dirigimo-nos para junto do Bar. Ali estava o Matos que tendo estado exuberantemente exposto naquele mesmo lugar, nada sofreu. Disse que acordou bastante atordoado e como nunca tinha estado debaixo de fogo, confessou:

- Fooooda-se! Vocês fazem um barulho a experimentar as armas!...

E foi nesta altura que soubemos que o Alferes Ferreira de Almeida havia sido atingido no abrigo das Transmissões – o local mais seguro do aquartelamento. Era subterrâneo e localizava-se sensivelmente no meio do aquartelamento. Tinha uma seteira que se situava ao nível do chão exterior. Uma granada deflagrou ali perto e um dos estilhaços atravessou essa seteira e penetrou no pescoço do Alferes que se encontrava de pé.

Cabedú, 14JUL68 > 7 horas depois do ataque de 13 para 14 de Julho de 1968


A homenagem, em Sátão, foi promovida pelos seus camaradas da Academia Militar, conforme se pode verificar na placa colocada na casa onde nasceu. Naquela rua, agora baptizada com o nome do homenageado, estava um Grupo (Pelotão?), composto por militares de ambos os sexos que, em formatura, prestou as devidas honras militares.

Creio que estiveram lá 3 Generais e 2 Coronéis, além de vários outros oficiais do Q.P.. Um Coronel, que mostrou conhecer bem o homenageado, era o anfitrião e fez a sua intervenção, enaltecendo as qualidades do Henrique Ferreira de Almeida. Além do Presidente da Câmara Municipal de Sátão, também discursou o Chefe de Estado Maior do Exército, ficando sem intervir o nosso Comandante da CART 1689.

As cerimónias terminaram com uma romagem ao cemitério, presididas pelo pároco local, junto do Jazigo de mármore, onde é possível ler uma lápide, cuja identificação termina com as palavras “morto ao serviço da Pátria”. Um fim previsto(?) por um homem que, orgulhosamente, se identificava como oriundo dos Montes Hermínios e Terras de Viriato e que várias vezes deixava transparecer o seu principio militar: Morte ou Glória.

(Silva da Cart 1689)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 19 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6871: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (1): O Chico do Palácio

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6925: Tabanca Grande (241): Ricardo Pereira de Sousa, ex-Alf Mil Op Esp/Ranger (3ª CART/BART 6522, Sedengal, 1972/74)

1. Mais um Camarada se apresenta nesta Tabanca Grande, o Ricardo Pereira de Sousa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 3ª CART do BART 6522, Sedengal, 1972/74, que na sua primeira mensagem de 31 de Agosto, enviou as fotografias da praxe, deixando-nos na expectativa de que, brevemente, voltará com mais literatura da evolução operacional da sua companhia e da sua comissão:





Camaradas,

Faço a minha apresentação formal com as fotografias da ordem e um pequeno historial da minha passagem por terras da Guiné.

Ora,  se bem me lembro,  fiz o Curso de Operações Especiais no CIOE, no 2º turno de 1972 e parti para Bissau, por via aérea, em Dezembro de 1972,  integrado na 3ª CART do BART 6522.

Segui depois para Bolama para fazer o IAO, já com o conjunto do Batalhão e terminada esta instrução operacional segui para Sedengal, via Ingoré. Após algumas peripécias, bons e maus momentos, que talvez conte um dia se para isso tiver pachorra, memória (infelizmente e ao contrário de outros camaradas não registei esses momentos) e engenho.

Regressei em Setembro de 1974 também por via aérea.

Tinha como Comandante de Companhia o ex. Cap. Mil. Sérgio Faria, de quem prezo ser amigo, e que teve um papel extraordinário na organização do aquartelamento, criando as condições de habitabilidade e de segurança tão necessárias, através da mobilização, em condições muito difíceis e até penosas, dos soldados e graduados.

Conto aqui esclarecer também aquela questão da emboscada com seis mortos, em Julho de 1973, referida no P6004. É que uma acção militar (a história já foi publicada no Expresso) de que resultaram 2 cruzes de guerra e um prémio Governador da Guiné, não deve ser simplesmente referida como “… pessoal que, ao que parece, descontraída e irresponsavelmente ia de viatura para Bissau... desarmado ou sem escolta”.
Com os melhores cumprimentos,

Ricardo Pereira de Sousa
Alf Mil OpEsp/RANGER
3ª CART do BART 6522

2. Começamos por transmitir ao Ricardo de Sousa, que após algumas voltas pelo blogue, descobrimos que temos entre a Tertúlia Bloguista mais 2 Camaradas do seu batalhão:

- o nosso Camarada António Inverno, que também foi Alf Mil Op Esp/RANGER da 1.ª e 2.ª CARTs do BART 6522 e Pel Caç Nat 60 – S. Domingos -, 1972/74. Esteve no CIOE também no 2º turno de 1972;

- No poste P6004 encontra-se informação sobre o Cap Mil Inf Sérgio Matos Marinho de Faria, de quem, do mesmo modo, o António Inverno é amigo pessoal e que foi o comandante da 3.ª Companhia do BART 6522/72, mobilizada pelo RAL 5 (partiu para a Guiné em 7/12/1972 e regressou à Metrópole em 3/9/1974 - Ingoré e Sedengal, na região do Cacheu, a leste de Farim).

3. Amigo e Camarada Ricardo de Sousa, é da praxe (bem mais suave que a do C.I.O.E.), que em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, te diga aqui que é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.

Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos.

Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.

Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, pelo menos psicologicamente, nos últimos 36 anos com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos tratam.

Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.

Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.

Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.

Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.
O coeditor, Eduardo Magalhães Ribeiro.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.

Fotos: © Ricardo Pereira de Sousa (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6924: Tabanca Grande (240): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER (1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523 – Cabuca -, 1973/74)

Guiné 63/74 - P6924: Tabanca Grande (240): António Barbosa, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER (1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523 – Cabuca -, 1973/74)

1. Mais um Camarada se apresenta nesta Tabanca Grande, o António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, natural de Santarém, que nesta sua primeira mensagem enviou várias fotografias do seu álbum de memórias, obtidas em Bafatá e Cabuca, deixando-nos na expectativa de que, brevemente, voltará com mais literatura da evolução operacional do seu pelotão e da sua comissão:
Camaradas,
Sou o António Barbosa, natural de Santarém e cumpri a minha comissão de serviço na Guiné, entre 1973/74.
A minha especialidade era Operações Especiais / RANGER, tendo completado o curso no 4º turno de 1972, em Penude – Lamego. Estive em Cabuca no 1º Pelotão da 2ª CART do BART6523.
Peço desculpa pela qualidade das fotos que vos envio, porque foram obtidas a partir de slides já algo degradados.
Cumprimentos,
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523
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Neste poste publicamos as fotos que nos foram enviadas pelo António Barbosa de Bafatá:

2. Começamos por transmitir ao António Barbosa, que após algumas voltas pelo blogue, descobrimos que temos entre a Tertúlia Bloguista o Américo Marques da 3ª CART do mesmo batalhão (Cansissé – Nova Lamego).

Também o nosso Camarada Alfredo Dinis, foi 1.º Cabo Enf da CCS - Nova Lamego -, 1973/74, vivendo actualmente na cidade do Porto.
Numa busca pelo Google, descobrimos uma página dedicada ao BART 6523, da autoria de António de Jesus Santos, que foi 1º Cabo Escriturário da CCS.

3. Amigo e Camarada António Barbosa, é da praxe (bem mais suave que a do C.I.O.E.), que em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote e demais tertulianos deste blogue, te diga aqui que é sempre com alegria que recebemos notícias de mais um Camarada-de-armas, especialmente, se o mesmo andou fardado por terras da Guiné, entre 1962 e 1974, tenha ele estado no malfadado “ar condicionado” de Bissau, ou no mais recôndito e “confortável” bura… ko de uma bolanha.

Tal como o Luís Graça já referiu inúmeras vezes, em anteriores textos colocados ao longo de perto de sete mil postes no blogue, que todos aqueles que constituíram a geração dos “Últimos Guerreiros do Império”, têm alguma coisa a contar da sua passagem da Guerra do Ultramar, que permaneça para memória futura e colectiva, deste violento e sangrento período da História de Portugal, de que nós fomos protagonistas no terreno, em alguns casos só Deus sabe em que condições o fomos.

Foram 12 anos de manutenção de um legado histórico que muitos ignoram e, ou, ostracizam por motivos diversos (cerca de 500 anos de permanência), à custa de muito sacrifício, privação de toda a ordem, dor, sangue, sofrimento, morte… que envolveu a movimentação de mais de meio milhão de portugueses em armas.

Como se não tivesse bastado, muitos de nós continuam a sofrer, pelo menos psicologicamente, nos últimos 36 anos com o modo ostracista e laxista como os políticos portugueses nos tratam.
Nós que, nos nossos 21/22/23 anos, demos o nosso melhor, como podíamos e sabíamos, muitas vezes mal treinados e armados, sabe Deus como alimentados e enfiados em autênticos buracos, construídos no lodo, embebidos em pó, lama, suor, mosquitos, etc., completamente hostis e perigosíssimos, sob vários aspectos, onde, além dos combates com o IN, enfrentávamos as traiçoeiras minas e armadilhas, as doenças a apoquentar-nos (paludismos, disenterias, micoses, etc.) e as nossas naturais angústias e temores, próprios das nossas tenras idades.

Nós até nem temos pedido muito, além de respeito e dignidade, que todos nós merecemos pelo que demos a esta Pátria, queríamos, e continuamos a querer, no mínimo, que os nossos doentes, física e psicologicamente, sejam tratados condigna e adequadamente, e o tratamento e acompanhamento dos mais carenciados e abandonados pela desgraçada “sorte” da vida.

Oferecendo-te então aqui as nossas melhores boas-vindas e ficamos a aguardar que nos contes episódios da tua estadia na Guiné, que ainda recordes (dos locais, das pessoas, seus hábitos e costumes, dos combates, dos convívios, etc.) e, se tiveres mais fotografias daquele tempo, que nos as envies, para as publicarmos.

Recebe pois, para já, o nosso virtual abraço colectivo de boas vindas.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
Fotos: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

27 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6903: Tabanca Grande (239): Abílio Duarte, ex-Fur Mil Art, CART 11 (Contuboel e Lamego, 1969/70)

Guiné 63/74 - P6923: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (9): Ébano Febre Africana, de Ryszard Kapuscinski (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Foram de facto férias acaloradas, com lazeres saborosos e o repouso indispensável. Aqui ponho o término às leituras que fiz. À hora que escrevo, já posso juntar um conjunto de recensões de mais livros sobre a nossa Guiné.

Esperem pela pancada, um abraço do
Mário


Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (9)

Um valioso acervo de reportagens sobre as últimas décadas de África

por Beja Santos

Chegou a hora de arrumar a bagagem do viajante. Talvez seja verdade que a viagem nunca acabe mas os artefactos comuns e incomuns têm a sua hora de chegada e de partida, quando se escolhe novo itinerário. A biblioteca está arrumada de acordo com a lógica do seu frequentador, há ali processos de arrumação que qualquer bibliotecário contestaria: discos de vinil ao lado de catálogos, revistas a ombrear com documentos metidos em micas, etc. Mas essa é a lógica do frequentador, ele pode abrir a porta da antiga casa da carroça e entende-se, quase de olhos fechados, com aquela floresta de papel e outros haveres.

Chegou a vez de meter na pasta os livros para ler na próxima semana. E despedir-se daquela atmosfera onde vai ficar durante muito tempo a impressão indelével deixada pela leitura de “Ébano, Febre Africana”, de Ryszard Kapuscinski (Campo das Letras, 2002). São reportagens iniciadas no Gana, em 1958, o talentoso jornalista polaco andou por golpes de Estado, atravessou desertos, acompanhou a chacina de Ruanda, estamos agora nos anos 90 na parte ocidental da Etiópia, perto da fronteira com o Sudão. Existe ali um campo de refugiados onde as pessoas vegetam, sempre a meio caminho entre a vida e a morte. Kapuscinski pretende visitar este campo onde estão 150 000 membros da tribo nuer, refugiados da guerra no Sudão. Se tudo quanto se leu até agora de “Ébano” ultrapassa o delírio e o inferno, esta descrição de um Sudão cujo norte é árabe e o sul cristão é o pico do surrealismo e da violência gratuita as diferentes guerras sudanesas afundaram o Sudão. Aliás o país vive a guerra mais longa e de maior dimensão na história de África. Os seus trágicos campos de morte são praticamente inacessíveis aos meios de comunicação social. O norte é populoso, o sul não tanto. No mar de tribos do sul temos com maior importância os dinka e os nuer, facilmente identificáveis: são enormes com quase dois metros de altura e têm uma cor de pele muito escura. Alimentam-se praticamente só de leite, e às vezes, do sangue das vacas. Quem desencadeou esta guerra? Ao que parece, ninguém sabe. Em África, uma guerra, mesmo a mais sangrenta, cai depressa no esquecimento, os documentos são praticamente inexistentes e não há coleccionadores, museólogos ou arquivistas. É por isso que ninguém tem uma chave explicativa para estes saques e pilhagens, estes exércitos com diferentes chefes. Quando o regime de Cartum se apercebe que tem que dar um sinal de brutalidade, utiliza a fome como arma, um pouco à semelhança do que Estaline fez em 1932 com os ucranianos. O campo de refugiados apresenta-se vazio. Para onde foram? Para o Sudão. Por quê? Os chefes mandaram. E quem quer sobreviver obedece.

Agora Kapuscinski está numa prisão de Adis Abeba. Como não há dinheiro, os guardas andam descalços e andrajosos. A prisão, um antigo edifício construído pelos italianos, serviu ao regime Mengistu, fiel a Moscovo, para encarcerar e torturar os membros da oposição, e serve agora aos actuais detentores do poder para manter aqui detidos os apoiantes de Mengistu. O seu regime foi derrubado no Verão de 1991. O líder conseguiu no último momento partir de avião para o Zimbabwe. Mengistu conseguiu, com a ajuda de Moscovo, criar um exército de 400 000 homens e tinha mísseis e armas químicas. Mas não conseguiu resistir contra os guerrilheiros. Quando Mengistu fugiu, este exército gigantesco e bem armado desfez-se em poucas horas, os soldados transformaram-se em pedintes desgraçados, largaram os tanques, os lança mísseis e os aviões. Naquela prisão, mais de 400 detidos estão ali há mais de três anos sem saber o que lhes vai acontecer. O jornalista vai da prisão até à universidade e fica assombrado com o que vê nas livrarias: estão literalmente vazias. É assim na maioria dos países africanos. Mas a Etiópia tem uma superfície comparável à da França, da Alemanha e da Polónia juntas.

Delirante e acima de qualquer adjectivo é o que o jornalista vê em Monróvia, uma cidadã totalmente depredada num país paradoxal: “A Libéria é uma perpetuação da escravatura por vontade dos próprios escravos, que não querem derrubar esse sistema injusto – mas, pelo contrário, querem mantê-lo, desenvolvê-lo e aproveitá-lo na defesa dos seus próprios interesses”. Os chamados afro-americanos vieram da América até África e passaram a escravizar os autóctones. Se alguém quiser conhecer o racismo negro visite a Libéria. Os tiranos têm um partido único, são cruéis e cada vez que um se autoproclama presidente manda executar os ministros do governo anterior. Kapuscinski assiste à execução do tirano Samuel Doe, desfeito, esquartejado em público e depois lançado aos cães.

E depois de muitas peripécias, chegamos à Eritreia, o mais jovem país de África, um Estado pequeno. A Eritreia começou por ser uma colónia da Turquia, depois do Egipto e, no século XX, passou sucessivamente pelas mãos da Itália, da Inglaterra e da Etiópia. Com Mengistu, os soviéticos apoiaram a repressão do movimento de libertação. Kapuscinski visita o museu militar da Eritreia, uma planície a perder de vista com quilómetros e quilómetros de material de guerra, tanques médios e pesados, uma infinidade de canhões aéreos e morteiros, centenas de carros blindados, veículos camuflados, anfíbios, centenas de milhares de metralhadoras, obuses e helicópteros de guerra. Só com aqueles tanques seria possível conquistar todo o continente africano. Como foi possível este temível exército ter sido derrotado pelos Eritreus? Uma boa questão que nos pode remeter para os problemas da Guiné-Bissau. A Eritreia é um país que não tem indústria e a agricultura é praticamente anacrónica. 100 000 soldados acordam diariamente sem ter que fazer e, sobretudo, sem ter que comer. E assim chegamos às cenas de pirataria e da miséria mais constrangedora, em que as cidades estão pejadas de enormes tanques que ninguém pode retirar porque não há gruas.

E no final das férias chego ao final da viagem por uma África de belos planaltos e savanas, de desertos, rios gloriosos, desertos temíveis, chuvas torrenciais, calores tórridos, amanheceres deslumbrantes. O colonialismo juntou à força pequenos estados, reinos, associações étnicas. A descolonização não pôde conter a diversidade do mosaico, ninguém sabe quantas gerações vão ser precisas para a nova África estabilizar, aceitando a sua versatilidade, o seu multicolorido. E a descobrir a democracia e a partilha das riquezas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6894: Recordações de umas férias numa biblioteca em fogo (8): Ébano Febre Africana, de Ryszard Kapuscinski (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6922: Blogoterapia (157): Ai, Timor (J. Mexia Alves)

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 24 de Agosto de 2010:

Caro Carlos e meus camarigos
A série já vai longa!

Junto agora outro escrito que elaborei nessa altura por causa de Timor. Julgo que foi quando do célebre massacre.
Claro que fica ao vosso critério publicá-lo ou não.

A série não sei se continua com o mesmo título ou não. Deixo a vós essa decisão dizendo-vos no entanto que a publicação daqueles escritos me levou a escrever outros dois agora, que em tempo vos enviarei e que dizem obviamente respeito à Guiné e ao tempo que por lá passámos.

Aqui vai então com um abraço camarigo de sempre
Joaquim


Ai, TIMOR...

Lá longe morre alguém
todos os dias…
Lá longe, mais longe
que o Sol,
e que a vista alcança…
Lá longe, mais longe
onde a memória
se chama esperança…
Lá longe,
mais longe, onde a minha Pátria
se cobre de vergonha…
Lá longe, tão longe
morre um povo,
feito no erro dos homens…
Lá longe, tão longe
onde a brisa do vento,
sussurra o esquecimento…
Lá longe, tão longe
onde toda a vida,
pode ser um só momento…
Lá longe, tão longe
onde a palavra aprendida,
se chama saudade…
Lá longe, tão longe
onde a palavra a aprender
se reclama liberdade…
Lá longe
e no entanto tão perto,
onde a vida de dor
se chama Timor…


J.M.A.
04.12.1991
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Notas de CV:

Vd. poste de 10 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6842: 20 Anos depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (10): Os meus fantasmas

Vd. último poste de série de 27 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6904: Blogoterapia (156): Luís, guardo o teu número de telefone para um dia! (Renato Monteiro)

Guiné 63/74 - P6921: História da CCAÇ 2679 (39): Uma Flagelação (José Manuel M. Dinis)

1. Em mensagem de 22 de Agosto de 2010, José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), enviou-nos o 39.º episódio da História da sua Companhia.


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (39)

Uma Flagelação

O ramerrame de Copá foi interrompido cerca das 19H30 do dia 10, quando um grupo IN estimado em 30/40 elementos flagelou, com RPG-2 e armas ligeiras, durante 05 minutos. O fogo dos RPG-2, aproximadamente 50 rebentamentos, caíu a maior parte fora da vedação de arame farpado, não causando qualquer tipo de baixa às NT ou à população. As NT que reagiram bem e prontamente pelo fogo, provocaram a retirada desordenada do IN. O 19.º PEL ART em Canquelifá apoiou com fogo muito certeiro. Entretanto uma força do Destacamento, quando cessou o fogo de artilharia, saiu procurando envolver o IN.

Esta conversa, que exalta o determinismo corajoso dos militares portugueses, consta do relato da História da Unidade. Porém, não sei se corresponde à realidade. Melhor, acho que não corresponde a nada do que se passou, antes fica a dever-se à fértil imaginação de quem preparava relatórios e justificava prejuízos. Referia-se retirada desordenada, sempre que não havia especiais vestígios deixados pelo IN. Impressionava.

O nosso fogo de reacção não foi certeiro, pela simples razão de que nenhum elemento IN ficou para amostra. Aliás, no dia seguinte indignei-me com o desperdício de munições, para mais numa situação de escassez. E quando eu me indignava ninguém ousava retorquir ou arranjar desculpas tolas. O comportamento foi o contrário do que eu queria que fosse, uma bandalheira provocada pelo medo, ou pela excitação de dar uns tirinhos a coberto do ataque. A verdade, é que ficámos mais expostos a uma reincidência. Da situação dei o necessário e natural conhecimento à sede da Companhia, que respondeu, alegando dificuldades logísticas (falta de viaturas), não poder, nem saber, quando enviaria uma coluna de reabastecimento.

Ruminei umas ofensas aos xicos que deixavam a degradação chegar a tal ponto. Imagine-se uma emergência... e nicles! Não havia viaturas a funcionar, pronto! E isto foi frequente durante a quadricula.


Uma Coluna

Felizmente que aquela guerra tinha critérios muito tolerantes. Refiro-me desta maneira, tendo em conta a descrição do que se segue:

Já bastante depois do almoço, não me recordo se com aviso prévio, ou totalmente à balda (não houve picagem, nem se deslocou ninguém para a segurança à picada, pelo que, provavelmente, não chegou qualquer mensagem de aviso), ouvi ruídos de motores em aproximação. Era apenas um motor, mas escandalosamente ruidoso. Uma velha GMC, oriunda de Bajocunda, com o motor à vista por falta de capot, sem bancos nem taipais, trazia uma dúzia de bravos. Ao volante, o Pedro, o meu amigo Pedro Nunes, um homem que partira para a Guiné com todos os medos, que a falta de preparação operacional acentuava. Pois o Pedro, e os seus mecânicos, prepararam de urgência a velha GMC, carregaram-na das munições que pedíramos, organizaram a escolta, e fizeram-se à picada, numa demonstração de extraordinária solidariedade. Por conta própria.

Tratei-o mal, quase que lhe batia. Às minhas interrogações violentas sobre a eventualidade de uma mina, ou de uma emboscada, o bom do Pedro respondia:

- Tens aí o material. Precisavas de mais alguma coisa?

Desarmava-me com aquela inocência. Mas não era de inocência que se tratava. Apesar de virem na escolta elementos que não faziam ideia sobre a guerra, outros participavam dela no dia-a-dia, como os condutores.

Foi um gesto lindo, digno de um filme de heróis místicos, daqueles que tratavam as dificuldades com a generosidade mais genuína. E o Pedro, por todas as dificuldades que passou na Guiné, a maior parte delas de pressão psicológica, bem merece um lugar na galeria dos heróis.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6886: História da CCAÇ 2679 (38): Situação Geral durante o mês de Dezembro de 1970 (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P6920: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (21): Não posso levar a mal... por me/nos tratarem tão carinhosamente (Rosa Serra)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > "Os anjos que vêm do céu"... Helievacuação de feridos da CCAÇ 12 na sequência da Op Boga Destemida, Fevereiro de 1970.

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados.



Algures na Guiné > s/d > Rosa Serra (à esquerda) e Zulmira (à direita) entre camaradas pára-quedistas do BCP 12 numa operação onde ambas participaram o dia inteiro. No dia anterior também a enfermeira Manuela e a Enfermeira Rosa Exposto tinham acompanhado  os mesmos militares. "Que eu saiba fomos o único caso, de enfermeiras andarem mesmo em terra, durante todo o dia" (Rosa Serra). 

Foto: © Rosa Serra (2010).Todos os direitos reservados


1. Mensagem de hoje da Rosa Serra:

Assunto: Opinião
Olá,  Luis,

Espero que as férias tenham corrido bem e tenham sido reparadoras voltando cheio de energia para aturar esta malta, incluindo eu.

Como li um reparo sobre a forma como se referiam às enfermeiras pára-quedistas,  resolvi dar a minha opinião, se achares conveniente publica,  se não delita..., que não me importo nada.

Um abraço e até breve
Rosa

2.  Aos bloguistas em geral do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné:

Apesar de não espreitar com frequência o blogue, desta vez acertei em cheio, ou melhor fui ver poucos dias depois de ser publicado uma polémica sobre as "queridas enfermeiras". Confesso que até achei uma certa graça e dei comigo a sorrir porque ambas as partes revelam cada uma a seu jeito, respeito e consideração pelas ex-enfermeiras pára-quedistas o que me agrada muito, pois sou uma delas - Rosa Serra.

Sou do tempo em que os páras fechavam atabalhoadamente uma ou outra revista da Plaboy, sempre que eu entrava inesperadamente no clube de oficiais na sala de leitura no antigo R.C.P., trazida por alguém que tivesse passado pelos Açores e a adquirido nos americanos. Ou então eu ouvir em surdina Cuidado vem aí a Rosa, se a conversa entabulada por alguém fosse menos apropriada aos ouvidos de uma senhora da época.

As unidades pára-quedistas sempre foram consideradas como escolas de valores, ainda hoje a mística - boinas verdes - está muito presente e com este espírito em geral associa-se o respeito quase levado ao extremo nas atitudes e no trato com as enfermeiras,  suas camaradas. Qualquer graçola não podia ser dita grosseiramente, palavrões nem pensar, piropos proibidos, nada de beijinhos ao cumprimentar, era outro mundo, outra época.

Por tudo isto compreendo perfeitamente o Senhor "Anónimo". Eu estive muito tempo no R.C.P. , além do B.C.P.21, e até na Guiné convivi mais com os pára-quedistas do que propriamente com os pilotos e mecânicos que apenas voava com eles em serviço. Até nos momentos livres eu pessoalmente relacionava-me mais com os páras e com as suas famílias, quando presentes, do que com os restantes militares.

Ainda hoje sou amiga de muitos pára-quedistas e sei lá porquê, não conservei grandes amizades com elementos da F.A.  e como é lógico trabalhei directamente com pilotos e mecânicos que igualmente me respeitaram e sempre foram delicados e muito, comigo, por isso estão no mesmo patamar de consideração e respeito, assim espero que me perdoem porque nem eu sei porquê, não conservei essas relações, afinal vividas tão proximamente.

Em relação ao título "Queridas Enfermeiras" não tem nada de desrespeito, de inadequado e não me sinto nada desconfortável por se referirem a nós desta forma, acho mesmo uma Ternurice, só revelam que numa altura das suas vidas em que o fragilidade emocional era acentuada, lhe tocámos em sentimentos de segurança, gratidão e apreço e hoje esse registo veio ao patamar da consciência e exteriorizam de uma forma carinhosa a lembrança da aquelas jovens, meio masculinizadas,  de botas da tropa calçadas e de camuflado, que nos últimos anos optaram por fazerem evacuações mais de t –shirts brancas, e que desciam apenas com um objectivo: socorrer aqueles que mais precisavam do nosso saber e do nosso apoio.

Acredito que os que sabiam da nossa existência, partissem com mais confiança para as operações de maior risco e manter essa gratidão a esta distância do tempo, é enternecedor, daí alguns nos considerar os "anjos que desciam do Céu"

Neste aspecto, chamarem-nos anjos parece-me um pouquinho de exagero, mas se é esse o seu sentir, também não me choca nada, é apenas uma metáfora que também pessoalmente a uso em relação às crianças, e até algumas pessoas adultas, embora poucas, que habitam este nosso mundo, mas estão distanciadas da vulgaridade, do egoísmo, da maldade e são dotadas de uma generosidade imensa que as tornam seres raros.

Por isso,  camaradas,  continuem assim, preocupados em nos tratarem bem e respeitosamente, seja com expressões mais formais ou mais carinhosamente, (como as nossas queridas enfermeiras), eu pessoalmente não levo nada a mal.


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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste 26 de Agosto de 2010  > Guiné 63/74 - P6900: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (20): Uma foto histórica: as Alferes Arminda e Ivone, em Angola, Negage, Agosto de 1961

Guiné 63/74 - P6919: Memória dos lugares (95): Tavira, CISMI, 1968: Foto de família depois das salinas (Carlos Cordeiro)




Tavira > CISMI > 1968 > Foto do 6º Pelotão da 4ª Companhia  da recruta do 1º turno de 1968


1. Texto e foto de Carlos Cordeiro


 Caros Luís, Carlos e Eduardo:

Passados quase 42 anos da minha entrada no serviço militar, deu-me para ir ver o meu álbum de fotografias. Vi-o sem nostalgia, mas com curiosidade. Uma das fotos prendeu-me mais a atenção e que vos envio: a do 6.º pelotão da 4.ª Companhia da recruta do 1.º turno de 1968, no CISMI [ . Centro de Instrução de Sargentos Milicianos]. "Tantas Vidas" (V. Briote) ali estão. Que será feito daqueles camaradas? Por onde andarão? A vida tem-lhes sido risonha? Quase todos serão já avós e estarão a gozar a reforma.

Hoje, se os visse, tenho a infeliz certeza de que não os reconheceria, excepto o açoriano que está ao meu lado (sou o terceiro da 2.ª fila a contar da direita, com óculos). Não sendo desconhecidos para mim, o facto é que não me lembro dos seus nomes, mas só dos rostos daquela altura. Por incrível que pareça, nem do nome do cabo miliciano me lembro, quando era uma excelente pessoa. Do aspirante, lembro-me que era duro, sarcástico e que talvez se chamasse Sanches. Sem certezas, penso que o primeiro da fila de cima, a contar da esquerda, era da família Vassalo e Silva. Mas tudo está numa espécie de nebulosa.

Era um pelotão muito solidário, disso lembro-me bem. Havia sempre alguém para emprestar qualquer coisa que nos faltava à última da hora. Na pista de obstáculos (era assim que se designava?) os incentivos para os saltos do galho, da ponte interrompida ou da vala eram uma constante.

Como se pode notar pela foto, tínhamos regressado das "famosas" salinas. Ficámos com as calças da farda de trabalho e botas enlameadas e mandaram-nos vestir o blusão, camisa e gravata da n.º 2. Pensando agora bem, parece que chegámos tarde para a foto, pois o aspirante terá "exagerado a dose" nas salinas. Ficámos, assim, com uma foto esquisita para os padrões militares vigentes.

Ora, este "em busca de..." talvez traga algum destes camaradas a terreiro. Quem sabe se algum membro ou habitual "visitante" do blogue está nesta foto? Seria uma grande alegria poder enviar um abraço. Aguardemos, pois "o Mundo é pequeno e o nosso blogue é... grande". (*)

Um abraço amigo do

Carlos Cordeiro
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Nota de L.G.:

(*) Último poste da série> 21 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6878: Memória dos lugares (86): No DFE 21, em Cacheu, nunca existiu num posto da PIDE nem nunca nenhum agente da PIDE lá pôs os pés, pelo menos no meu tempo (Zeca Macedo)