terça-feira, 2 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7213: Blogpoesia (82): Espero acabar os meus dias em Finete...(Jorge Cabral)


1. Texto de Jorge Cabral, em comentário ao poste P7206 (*)

Caro Mário!
Passaram quarenta anos!
Como estará Missirá?
E Finete?
E a minha querida Tabanca de Fá Mandinga?
Será difícil encontrares pessoas daquele tempo.
Porém, se conheceres Modji Dahaba,
lembra-lhe o seu namorado, o Alfero,
a quem ela escreveu para Missirá,
pedindo que a fosse raptar a Fá.

Mário,
olha também por mim todos os locais
e, na estrada Bambadinca – Bafatá,
corta para Fá;
dois quilómetros depois,
encontrarás uma grande árvore.
Deves colher as bagas.
Espero que as tragas…
antes que eu me transforme
em velho avinagrado (ou aviagrado).

Se chegares a ir a Fá,
sobe ao antigo Depósito da Água,
no qual eu assistia aos ataques a Missirá.
Lá dentro, encontrarás
um caderno
com poesia impublicável.

Repousa na Ponte do Rio Udunduma,
pesca no Rio Gambiel
e deita à água uma garrafa,
no Mato Cão.
Porque o Geba desagua no Tejo,
como na altura me convenci,
obrigando a minha amiga Flora,
a deslocar-se todos os dias
ao Cais das Colunas…
Talvez desta vez, a garrafa chegue…
quem sabe?!

Desejo-te uma empolgante Romagem.

Um Abraço
Jorge Cabral

Ps.: Espero acabar os meus dias em Finete.
Os dias…
porque,  para as noites,
estou a preparar outro destino…

[ Revisão / fixação de texto / título: L.G.](**)


Foto: © Luís Graça (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados [***]

_________________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7206: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (2): Os meus anfitriões em Santa Helena - Bambadinca


(***) Foto: Lourinhã, Praia de Vale de Frades, fóssil de madeira e mineral de ferro, incrustados na rocha, da época do Jurássico Superior, ou seja, do tempo dos dinossauros (c. 150/200 milhões de anos)

Guiné 63/74 - P7212: Álbum fotográfico de José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152/73 (Gadamael e Cufar,): Com o PAIGC em Gadamel (Maio) e em Cufar (Agosto)... e em ainda em Bolama


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCAÇ 4152/73 (1974)  > Maio de 1974 > Apresentação do comissário político do PAIGC ao Régulo de Gadamael



Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4152/73 (1974) > Agosto de 1974 (?) > Cerimónia da entrega do aquartelamento de Cufar ao PAIGC



Guiné > Bijagós > Bolama > s/d [ 1974] > O José Gonçalves  junto ao  monumento  que dizia "Mussolini,  ai caduti di Bolama" [ , De Mussolini, aos caídos em Bolama] 

Fotos (e legendas): © José Gonçalves (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Mensagerm do José Gonçalves, nosso camarada e amigo que vive na diáspora, no Canadá, e que foi Alf Mil da CCAÇ 4152/73, tendo estado em Gadamael entre Janeiro e Julho de 1974:

Caro Luis:

Já há muito tempo que estou faltoso por não te em enviar as tais fotos da praxe, condição aliás do enlistamento no Blogue. Aqui tas envio com mais algumas como:

(i) a apresentação do comissário político ao Régulo de Gadamael;

(ii) a cerimónia da entrega de Cufar ao PAIGC;

(iii) e a do célebre monumento em Bolama que dizia "Mussolini ai caduti di Bolama" (**), e que eu dedico a todos aqueles camaradas que por lá passaram.

Cumprimentos para todos
José Gonçalves

 (**) Homenagem de Mussolini aos 5 aviadores italianos, vitimas de queda dos seus aparelhos em 5 de Janeiro de 1931 quando faziam a ligação Itália/Brasil com escala por Bolama


(...) Finalmente: Bolama que tem em si um dos raros monumentos ao esforço fascista de paz, quando Mussolini e Ítalo Balbo tentaram o cruzeiro aéreo para unir Roma ao Brasil. Com efeito, dois dos aparelhos despenharam-se em Bolama e a missão esteve em riscos de se malograr. Tal não aconteceu porque a tenacidade de Ítalo Balbo a isso se opoz. Resta desse desastre o belo monumento aos «Caduti di Bolama» no qual se reproduz um aspecto dos destroços dos aviões — duas asas, uma das quais ainda erguida aos céus e a outra quebrada e caída em terra.

O monumento foi feito por italianos e com pedra italiana, vinda de Itália, para esse fim. Mandou-o erguer Mussolini e na sua base lá se encontra a coroa de bronze por ele oferecida, com estes dizeres — Mussolini ai cadutti di Bolama. Ao lado, a águia da fábrica de hidro-aviões Savoia, uma coroa com fáscios da Isotta-Fraschini e a coroa de louros da Fiat. É curioso notar que este será um dos raros monumentos do fascismo, no mundo, que no fim de 1945 não foi apeado. Virado para diante e no alto, o distintivo dos fáscios olha ainda com alienaria o futuro, no seu feixe de varas e no seu machado, a lembrar a grandeza da Roma do passado. (...)

Fonte: Extractos de: César, A. -  Guiné 1965: contra-ataque. Braga: Pax, 1965.

Guiné 63/74 - P7211: (Ex)citações (103): Quando um homem tem de se conter para não partir a louça... (Manuel Reis)

1. Comentário de Manuel Reis [, foto à esquerda, Guileje, 1973], com data de 30 de Outubro passado, ao poste P7195, do Joaquim Mexia Alves:


Grande Camarigo:

De acordo com o teu texto.  Fez-me recordar a carta que recebi este semana do Exército Português para ir prestar declarações sobre um camarada, que viveu comigo o tempo de guerra em Guileje e Gadamael, e que sofre de STRESS PÓS-TRAUMÁTICO DE GUERRA.

Há feridas que nunca se curam, se arrastam pelo tempo, sem que para tal as entidades responsáveis façam algo para melhorar a situação: olham para o lado e assobiam.

Este amigo desloca-se ao serviço de Psiquiatria no Centro de Saúde anexo ao Hospital Militar, desde 1986, e os serviços continuam a complicar-lhe a vida no que respeita à ajuda que precisa e merece.

Confessou-me que só a compreensão da mulher e da família mais próxima tem impedido um desenlace mais trágico. Há momentos em que a vida, para ele, deixa de fazer sentido.

Já devo ter sido solicitado para este tipo de declarações mais de 30 vezes, mas agora foi grande a surpresa. Desde 1986 não tiveram tempo nem disponibilidade para resolver um problema, de fácil visibilidade, que se apresenta com contornos de um certo dramatismo.

No dia 9 de Novembro lá me apresentarei, no Regimento de Artilharia Anti-Aérea nº1, para tentar ajudar o amigo e camarada Victor Santos. Terei de me conter, para não partir a louça, já que isso mexe com o meu estado de espírito, as minhas feridas estão controladas mas não debeladas. Como diz o Mexia Alves, a cauterização por vezes é lenta e difícil.

Nestes processos é fundamental a ajuda familiar, mas os convívios e as trocas de ideias sobre experiências vividas em guerra, com os nossos amigos e camaradas, constituem um óptimo complemento no acalmar das dores.

Um abraço amigo.

Manuel Reis
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Nota de L.G.:

Último poste desta série > 24 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7171: (Ex)citações (102): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Manuel Marinho / José Belo)

Guiné 63/74 - P7210: Convívios (282): Jantar de Natal da Tabanca dos Melros e da Tabanca de Matosinhos, dia 10 de Dezembro de 2010 em Fânzeres, Gondomar

CONVÍVIOS

Numa organização conjunta da Tabanca dos Melros e da Tabanca de Matosinhos, vai realizar-se no próximo dia 10 de Dezembro de 2010, no Restaurante Choupal dos Melros/Quinta dos Choupos, Fânzeres, Gondomar, um Jantar/Convívio de Natal.

Este jantar, desta vez, alargado a todos os ex-combatentes do ultramar, seus familiares e amigos, tem também o objectivo de angariar fundos para a Tabanca de Matosinhos, destinados aos seus projectos de apoio em curso na Guiné-Bissau.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7197: Convívios (198): 6º Encontro da Tabanca do Centro, em Monte Real (Jero/Miguel Pessoa)

Guiné 63/74 - P7209: Agenda Cultural (89): Lançamento dos livros Estranha Noiva de Guerra, de Armor Pires Mota e Tempo Africano, de Manuel Barão da Cunha (Mário Beja Santos)

AGENDA CULTURAL

Conforme mensagens do nosso Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com datas de 27 e 28 de Outubro de 2010, damos a conhecer as seguinte actividades culturais


CONVITES

1. Lançamento do Livro "Estranha Noiva de Guerra" de Armor Pires Mota, em Oiã, Oliveira do Bairro, dia 13 de Novembro de 2010



2. Em Aveiro, dia 19 de Novembro de 2010


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3. Lançamento do segundo livro da colecção Fim do Império, "Tempo Africano" de Manuel Barão da Cunha, em Oeiras, dia 16 de Novembro de 2010.


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7177: Agenda Cultural (88): Lançamento da 2.ª Edição do livro Estranha Noiva de Guerra, de Armor Pires Mota, dia 10 de Novembro de 2010 na Associação 25 de Abril

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7208: In Memoriam (59): A todos quantos deram graciosamente a sua vida (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2010:

Caríssimos editores
Não sei se vou a tempo de entrar pelas vossas mãos no Blogue, neste dia que nos leva até junto dos camaradas que morreram na Guerra de África.

Abraço fraterno
Zé Teixeira


IN MEMORIAM

A todos quantos deram graciosamente a sua vida, que o Criador os tenha no Seu seio, a viver no Reino da verdadeira paz

Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério Municipal de Bissau > Talhão Central dos Ex-Militares Portugueses > Março de 2008 > Um dos três talhões atribuídos aos militares portugueses, mortos durante a guerra colonial > No Talhão Esquerdo, estão as campas não identificadas: Estes serão porventura os restos mais dolorosos do que restou do nosso Império... Na Guiné haveria mais de uma centena de cemitérios improvisados (locais de enterramento), onde repousam restos mortais dos nossos camaradas... A dúvida é: esse trabalho de levantamento, sério e exaustivo, está feito ? Se sim, por quem ? E ainda se sim, como e quando foi divulgado ? Se não, porquê ? (LG).

Foto : © Nuno Rubim (2008) . Direitos reservados.


Hoje, dia que convida a uma paragem na vida para olharmos para os entes queridos que partiram, deixei que a mente e o coração dessem as mãos e fizessem uma incursão pelas matas da Guiné. Deixei-me transportar para aqueles dois anos palmilhei seus caminhos, irmanado num corpo composto por milhares de jovens, brancos e pretos, que como eu, ali viveram, sofreram e testemunharam um tempo fora do tempo. Um tempo que cheirava a morte. Um tempo sem Norte, que não fosse, para muitos, só e apenas regressar vivo e escorreito. Um tempo de voltar à vida da qual fomos afastados pela força da máquina manipuladora de um sistema politico que tomara posse da nossa Pátria e teimando em não querer ver os sinais dos tempos caminhava orgulhosamente só, lançando os seus melhores filhos num precipício de sofrimento dor e morte.

Deixei-me conduzir de novo pelas tórridas picadas à procura das vidas que vi ou senti partirem para a eternidade. Dolorosa viagem que me levou a Ingoré, Sinchã Cherno, Quebo, Bakar Dado, Tchangue, Laia, Balana, Gandembel, Guiledje, Gadamael, Buba, Samba Sábali e tantos outros lugares, onde o sopro da morte passou nas asas de um estilhaço, de uma bala ou mina e ceifou a vida. Tantas vidas, que se foram antes do tempo, sem tempo para o viverem. Um direito adquirido ou doado por Deus no acto de nascer. Vi de novo o sangue daqueles corpos. Brancos e pretos. Homens combatentes, mulheres e crianças. Velhos sem força para fugirem para os abrigos.

Senti de novo o ruído das saídas do canhão sem recuo, que nos tentava apanhar pela calada da noite. O olho cego da Kalash, que vomitava fogo de morte. Do obus ou do Fiat que faziam rebentar suas mortíferas bombas nas matas ou tabancas consideradas inimigas, com que violência!

Palmilhei mentalmente na picada que me levou de Buba para Aldeia Formosa pela mata do Cantanhez. Ali em Bolola, estava a árvore que me escondeu das balas assassinas cuspidas do topo de uma palmeira, que teimavam em furar a terra à minha volta, procurando algo mais quente, a minha vida.

Reencontrei o buraco que a mina anticarro fez na bolanha dos passarinhos, segundos depois de eu ter saltado da viatura que a pisou. Gesto que me salvou a vida, embora o seu sopro me tenha atirado violentamente ao chão e me tenha pregado um grande susto.

Reencontrei-me a pensar. Afinal sou um homem de sorte. Eu fui dos que voltei para junto dos meus.

A todos quantos deram graciosamente a sua vida, que o Criador os tenha no Seu seio, a viver no Reino da verdadeira paz.

José Teixeira
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7025: (De) Caras (1): PAIGC: Abdu Indjai e os "sete homens" (Luís Graça / José Brás / José Teixeira / Mário Fitas)

Vd. último poste da série de 29 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7191: In Memoriam (58): Faleceu o Dr. Rogério da Silva Leitão (José Marques Ferreira)

Guiné 63/74 - P7207: História da CCAÇ 2679 (41): Uma visita do Gen Spínola (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 31 de Outubro de 2010:

Ora viva, Carlos!
Há algum tempo que não dou notícias da CCaç 2679, mas hoje retomo com o envio deste breve episódio.

Para a Tabanca Grande, e para ti em especial, dedicado editor e camarada,
Um grande abraço
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (41)

Uma visita do General Spínola

Dia 27 de Dezembro de 1970. Na modorra de Bajocunda, quando não tinha actividade operacional, passava uma boa parte do tempo na cama, à pai-Adão, tão fresco quanto possível, na legítima tarefa de descansar e deixar o tempo a passar. Dei-me conta do ruído do reactor de um héli que se aproximava. Depois, baixou, e abrandou as rotações até se imobilizar. Algum tempo após chegou a notícia de que o General tinha chegado. Ele que tinha passado a uns dez metros da minha janela escancarada, e nem me dei conta. Deixei-me estar. Passados alguns momentos, veio a notícia de que o Caco Baldé queria falar-nos, era para formar a Companhia. Já estavam a interferir com a minha tranquilidade.

O Gen Spínola numa das suas visitas ao interior da Guiné, desta feita a Mansabá.

Levantei-me e fui escanhoar a barba em frente a um pedaço de espelho que havia na casa-de-banho. Era conveniente melhorar o aspecto, não fosse cair mal a minha imagem. Quando regressei ao quarto, verifiquei que era o único furriel ausente da formatura que, espreitei da janela, já perfilava na parada. Vesti uma camisa, calças, calcei as botas, pus a boina, e lá fui. A Companhia dispunha-se à frente dos edifícios do Comando e da cantina o que, de certa maneira ocultava, a minha aproximação. No entanto, não havendo ninguém à frente do Pelotão, arrisquei, furei entre o pessoal, e tomei o meu lugar de destaque. O homem-grande notou, mas não se interrompeu na ladainha. Eu dera-me conta de que o Pelotão estaria representado aí a cinquenta por cento.

Logo a seguir, o Virgílio Fernandes aproximava-se em grande galhofa, ainda pelo exterior do arame que nos separava da área civil. Atirava o quico ao ar, e saltava-lhe em cima na queda, enquanto cantarolava qualquer coisa como se o Spínola trouxesse cervejinhas pequenininhas. Todos contiveram a vontade de rir, e o Virgílio, ao passar a pseudo-porta de armas, colocou o quico na cabeça, e com ar desengonçado integrou a formatura. No silêncio que provocou, deu-se ares de sério à espera da continuidade do discurso. O Soldado-Velho (como gostava de referir-se) seguiu com o olhar todo o movimento, mas prosseguia o relato sobre os traidores da retaguarda, quando passámos a ouvir os melodiosos acordes da gaita de beiços que o Antão Mendes, outro famoso elemento, produzia na aproximação à formatura. O General fez nova pausa, deu até a ideia de ser apreciador do género musical fixando o olhar no artista. O Antão ainda perguntou onde é que começava o Foxtrot, já que os Pelotões estavam juntos num só corpo, e integrou a formatura. O Velho devia estar meio baratinado, mas prosseguiu o discurso que ninguém entendia, pois não mencionava nomes, apenas referia que o inimigo estava na retaguarda. Quem seria o inimigo, o Marcelo? o Ministro do Ultramar? o Governo todo? o povo? ou quem desviava o melhor da Manutenção, as cervejinhas? Podíamos conjecturar tudo isto, mas não entendíamos tamanha falta disciplinar, nem o significado. Seria uma forma de estimular o pessoal de se insinuar como a pessoa em quem poderíamos confiar? Talvez, pois também se referiu aos soldados heróicos que garantiam a presença portuguesa em África. Depois, desejou-nos sorte e felicidades, um bom ano novo, e a Companhia recebeu ordem para destroçar.

Nenhum de nós teve coragem para denunciar a quadrilha de xicos que nos roubavam com desprezo, receosos do poder corporativo da tropa. E o estrondoso almoço de Natal tinha sido apenas há dois dias.
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Nota de CV:

(*) vd. poste de 25 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7174: Convívios (196): Encontro do Grupo do Cadaval no Couço-Coruche (José Manuel Matos Dinis)

Vd. último poste da série de 10 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6968: História da CCAÇ 2679 (40): Vinte paus por um feitiço (José Manuel M. Dinis)

Guiné 63/74 - P7206: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (2): Os meus anfitriões em Santa Helena - Bambadinca

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Outubro de 2010:

Operação saudade 2010 (2)

Os meus anfitriões na Guiné-Bissau, em Santa Helena, perto de Bambadinca

Para percorrer o Cuor a palmo, rever todos os locais onde vivi, abraçar pela última vez os amigos e as populações que ali viviam entre 1968 e 1969, ir a Mato de Cão, santuários do PAIGC, Enxalé, sentir aqueles meandros do Geba, e esperar o macaréu.

Para visitar as tabancas beafadas de Amedalai, Taibatá, Demba Taco e Moricanhe, por onde andei entre 1969 e 1970, chegar ao Xime e daí vaguear sem pressas até Ponta Varela, depois o Poidom, Ponta do Inglês e acabar no Burontoni e Baio, precisava de dois apoios logísticos fundamentais: comida, pernoita e banho; e viatura e condutor experiente, a dominar fluentemente o crioulo-português.

Aqui vai a fotografia dos meus anfitriões, vou ficar em Santa Helena, muito perto de Bambadinca. Lá fui, em tempos de guerra, eu e o Jorge Cabral, na altura em Fá.

Estou à espera do contacto do Jorge Cabral, ele quer passar os últimos anos (últimos? Mais 40,50 anos, insuportável, a chatear as bajudas...) em Finete, penso que ele quer que eu saiba preços de moranças T0, T1 e T2.

O maravilhoso disto tudo é que os anfitriões estão impacientes em conhecer-me.


Quanto à viatura, o meu Querido Fodé Dahaba cede-me um 4x4 adaptado ao local, Kalil, um dos seus filhos, será o comandante do bólide. Eu também.

já recebi encomendas do camarada Torcato, levo mensagens de paz e muita saudade. Vejam lá em que é que vos posso ser útil.

Um abraço do
Mário
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Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 31 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7199: Notas de leitura (163): Guerra na Guiné, por Hélio Felgas (4) (Mário Beja Santos)

Vd. primeiro poste da série de 29 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7188: Operação Saudade 2010 (Mário Beja Santos) (1): Carta ao meu querido amigo Fodé Dahaba

Guiné 63/74 - P7205: Efemérides (54): O fatídico dia 1 de Novembro de 1965 (António Bastos)

1. Mensagem do nosso camarada António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66, com data de 1 de Novembro de 2010:

Companheiro Carlos e toda a Tabanca Grande, bom dia.

Companheiro, vou escrever aqui umas linhas, pois este dia ficou-me gravado para sempre. Se entenderes que deves publicar, podes avançar, mas também agradecia que alteres alguns erros e o que entenderes pois sou um analfabeto nestas tecnologias e tenho a 4.ª classe feita a martelo.

Sou o António Paulo S. Bastos,  do Pel Caç Ind 953.

Neste fatídico Dia 1 de Novembro de 1965, pelas 21:30, horas estava eu de passagem por Farim esperando transporte para Canjambari, quando se dá um rebentamento no Bairro da Morocunda em Farim que causou a morte a 27 pessoas, 70 feridos graves e vários ligeiros, todos civis.
As NT sofreram 1 ferido grave e um ligeiro.

O engenho, duas granadas reforçadas com explosivos, pregos e lâminas, foi lançado para o meio do batuque onde era suposto estar muita tropa, o que não aconteceu, porque se tinha feito uma operação e o pessoal estava ainda a descansar.

Pela primeira vez na Guiné um Dakota levantou de noite para proceder à evacuação dos feridos.

No dia seguinte já se encontravam presos na 1.ª Companhia de Caçadores em Nema (Farim), 60 indivíduos entre eles: Pedro Mendes Fernandes, Bernardo da Cunha, Raul Teixeira Barbosa, José Maria Jonet, Dionísio Dias Monteiro, Pedro Tertuliano, Dionísio da Silva Pires (este empregado dos C.T.T.) e muitos mais, todos empregados das repartições públicas e casas comerciais.

As prisões foram feitas pelo agente da Pide de nome Prodízio e militares da CCS do BArt 733.

Passados 43 anos, na minha terceira viagem a Farim, vou encontrar uma sobrevivente do massacre que na altura tinha 7 anos, a Cadi ou Kati, que como vêem ainda carrega as cicatrizes.

Ainda me recordo de ver o saudoso Capitão Silva Marques, comandante da 1.ª CC,  a fazer, nos dias seguintes, o interrogatório aos presos em conjunto, com o Prodízio, diga-se que não era nada meigo.

Companheiros, tinha muito mais a publicar sobre este ataque mas fica para outra ocasião.

Um abraço para todos os camaradas da Tabanca Grande e um bom Feriado.

António Paulo,
Ex-1.º Cabo
Pel Caç Ind 953
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7115: Efemérides (53): Recordando os camaradas mortos na emboscada do Infandre no dia 12 de Outubro de 1970 (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P7204: Recordações dos tempos de Bissau (Carlos Pinheiro) (1) : Dia de Todos os Santos de 1968

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2010:

Caro companheiro, camarada e amigo Carlos Vinhal
Prosseguindo o que prometi há dias, aqui vai mais uma artigo se saudade e de recordação dos tempos de Bissau.
Era ainda o 3.º dia dos mais de 25 meses que por lá passei. Era dia 1 de Novembro, dia de todos os Santos. Estávamos em 1968. Mas a história sendo de certo modo trágica, não deixará de ter a sua utilidade nem que seja para que a memória não esqueça.

Para melhor lembrar aqueles que por lá passaram e informar os que ainda nada sabem da Guerra, vai também em anexo uma "paisagem" de GMCs daquele tempo já com mais de 40 anos andados naquela altura. Eram viaturas fora de série. Iam e voltavam sempre.
Uma vez vi uma que regressava do mato a rebocar outras 3 ou 4. Tinham força que nunca mais acabava. E não gastavam muito. Talvez uns 100 aos 50.

Por mera curiosidade, a foto tirada no Dia de Natal de 1968 na Companhia de Transportes, no QG em Bissau, com este tabanqueiro armado em cinéfilo.

Se e quando isto for publicado (seria interessante que fosse no próximo dia 1) agradeço-te que me informes.

Vou continuar esta tarefa de colaborar para avivar as memórias.

Um abraço
Carlos Pinheiro
Tabanqueiro 455


RECORDAÇÕES DOS TEMPOS DE BISSAU (1)

Dia de Todos os Santos de 1968 em Bissau

Era dia de Todos os Santos. Era dia 1 de Novembro de 1968. Estava no meu terceiro dia de Guiné. Tinha chegado no UÍGE em 28 de Outubro. Estava “adido” nos Adidos, em Brá, porque tinha ido em rendição individual e o meu Batalhão, o 1911, regressaria no mesmo barco onde eu tinha ido. Coisas da tropa. Só que, mesmo depois da comissão terminada e o barco ao largo à espera, mesmo assim, o 1911 estava numa operação especial no Sul. E o UÍGE lá esperou mais de uma semana.

Por tudo isto, estava “adido” nos Adidos, um quartel de passagem onde as condições, ou a falta delas, eram inimagináveis. Uma cama? O que era isso para os “periquitos” (1))? Comida? Tenham calma. Podem lá ir fora e andar “desenfiados” que ninguém dá pela vossa falta. Devem ainda trazer algum “patacão”(2)) da Metrópole no bolso. Desenrasquem-se, era a ordem e assim íamos fazendo, conforme podíamos.

Tudo ali estava de passagem, à espera de um destino. Para os que chegavam, era a espera da guia de marcha para o destino. Para os outros, os que já tinham terminado a comissão, era a espera do regresso desejado. Portanto, como não havia tanta coisa, camas era o que mais faltava. Não havia mesmo. A malta desenrascava-se a dormir em cima daquelas caixas da tropa que na Metrópole serviam para guardarmos, debaixo da cama, as nossas coisas e especialmente o farnel de casa e as botas de sair, as botas engraxadas. Ali, não. Ali serviam mesmo de cama. A primeira noite foi horrível. Os mosquitos, aos milhares, dada a falta de higiene e de qualquer tipo de limpeza mais que evidente, e ainda por cima com as “bolanhas”(3)) ali à volta, sabiam escolher o sangue novo acabado de chegar. No outro dia ainda não havia feridas, mas tínhamos o corpo todo picado. Parecia que tínhamos rubéola. Havia portanto que arranjar um sítio para dormir e eu, à boa maneira portuguesa, acabei por ter sorte.

Ainda no cais, no dia anterior quando desembarquei, encontrei um conterrâneo, já “velhote” naquelas coisas da guerra. Era condutor na Companhia de Transportes. Tinha sido ele, e os seus camaradas que nos transportaram, na véspera, naquelas velhas GMC da 2.ª Grande Guerra, para os nossos destinos. Foi ele que no dia seguinte me procurou para me dizer que, provisoriamente, me arranjava uma cama, com mosquiteiro, na sua Companhia, no Quartel-General, em Santa Luzia. Foi uma pequena felicidade, já que a maior parte dos companheiros de viagem só muito mais tarde é que tiveram a tal cama com mosquiteiro. Sim, esta coisa do mosquiteiro era um pormenor mais que importante, porque assim os mosquitos não nos chegavam ao pelo.
Talvez por isso, talvez porque não conhecia ainda mais ninguém naquelas paragens, mas também com sentimento de agradecimento, convidei o meu amigo para um petisco nesse dia de Todos os Santos.

Foi ele que escolheu o sítio. Aliás, eu ainda não conhecia nada. E assim, lá fomos até Safim, nos arredores de Bissau, onde se comiam umas ostras que eu ainda não sabia apreciar, mas também se comia um bocado de leitão e se bebiam umas “bazookas” da Metrópole ou até mesmo de Angola, a Cuca ou a Nocal, ou de Moçambique, a 2M, salvo erro.

A páginas tantas, como soe dizer-se, a meio do repasto, começa a passar por cima de nós uma série de helicópteros, movimentos esses a que eu não estava habituado e certamente por isso perguntei a que se devia tal bailado. E o meu amigo não se fez rogado:

- Havia “ronco”(4)). Mas o que era “ronco”?

E ele lá me explicou. Havia “porrada” de certeza.

Mas nós lá fomos cumprindo a obrigação que nos tinha levado aquele sítio. A temperatura era elevada, a humidade era ainda maior. Havia portanto que refrescar o corpo com as bebidas frescas sem que notássemos que a mente ficava cada vez mais nublada.

Depois, lá voltámos ao quartel, a Santa Luzia, à procura do local do descanso. Mas qual descanso? Quando lá chegámos, de certo modo “alegres”, mandaram-nos calar porque a caserna estava cheia de feridos.

Feridos? Mas como? Foi como um balde água fria. O “calor” passou-nos de imediato. Caímos de imediato em nós. O que é que se tinha passado? Tinha sido só mais um caso. Dramático como muitos outros. Um “periquito”, talvez duma Companhia que tinha ido comigo no barco, ao subir para uma GMC na zona de Bula, a caminho do seu destino, deixou cair a sua bazuca armada e aconteceu um mar de dor e de sangue.

Nunca cheguei a saber quantos morreram, mas alguns acabaram ali a comissão que estavam a iniciar. Muitos feridos estilhaçados em tudo que foi sitio. Nos braços, nas pernas, tronco, na cabeça, onde calhou. Daí aquele bailado dos helicópteros. No meio dos feridos, alguns eram condutores da Companhia de Transportes. Por isso, o Hospital, o HM 241, o Hospital Militar de Bissau onde se fizeram autênticos milagres durante toda a guerra, pediu aquela Unidade para recrutar pessoal para ir dar sangue. Voluntários apareceram de imediato, como era habitual. O Unimog arrancou carregado, mas antes de chegar ao Hospital, despistou-se junto ao Bairro da Ajuda, já muito perto do Hospital. Mais feridos. Mais dor. Mais sangue. Mais sofrimento. Daí a razão de tantos feridos na caserna aquela hora. Eram os que estavam menos-mal. O Hospital estava cheio e teve que dar alta aos que inspiravam menos cuidados. Era a guerra na verdadeira acepção da palavra.

Foi assim o meu primeiro dia de Todos os Santos que passei na Guiné. Há dias que não se esquecem e aquele foi um deles.

1) Militar recém-chegado à Guiné.
2) Dinheiro.
3) Terrenos pantanosos.
4) “Festa”, pancada, algo de anormal.

Carlos Pinheiro
26.04.08
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7173: Tabanca Grande (250): Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro, ex-1.º Cabo TRMS Op MSG (STM/QG/CTIG, 1968/70)

Guiné 63/74 - P7203: Memória dos lugares (108): A Ponte Caium e o monumento, construído por nós, e dedicado aos nossos mortos: Cardoso, Torrão, Gonçalves, Fernandes, Santos, Silva (Carlos Alexandre, radiotelefonista, natural de Peniche, 3º Gr Comb, CCAÇ 3546, 1972/74)


Guiné > Zona Leste > Piche > Destacamento de Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto de  1973. Monumento construído pelo pessoal destacado na ponte, do 3º Gr Comb, e que ainda lá está, como o comprovou em Abril passado o nosso camarada Eduardo Campos.

Situa-se no tabuleiro da ponte,  no lado esquerdo,  no sentido Piche-Buruntuma. Na foto, vê-se em primeiro plano, sentado na base do monumento, o  Teixeira, de barbas; em segundo plano, e da esquerda para a direita, o Rocha (condutor, natural da Praia da Rocha, Portimão); o Carlos Alexandre (radiotelefonista, natural de Peniche), do qual só se vê a cara; e o Manuel da Conceição Sobral (natural de Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém, ajudante de padeiro do Cristina). Ao lado do Rocha, à sua esquerda, vê-se o pequeno oratório tendo, na sua base, inscrita a legenda "Nem só de pão vive o homem"... (Não tem nada a ver com o forno do Cristina, como eu supunha...) (LG).

Foto: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Ponte Caium > Abril de 2010 > Dois monumentos de homenagem aos bravos de Caium,  constituídos por: (i) Memorial aos mortos da CCAÇ 3546 (1972/74): "Honra e Glória: Fur Mil Cardoso, 1º Cabo Torrão, Sold Gonçalves, Fernandes, Santos, Sold Ap Can [Apontador de Canhão  s/r ]Silva. 3º Gr Comb, Fantasmas do Leste. Guiné- 72/74"; (ii) Pequeno oratório com a legenda "Nem só de pão vive o homem. Guiné, 1972-1974". 


É espantoso como, 37 anos depois, o memorial p.d. esteja ainda quase intacto (falta-lhe a cruz que o encimava) e em razoável estado de conservação... Noutros sítios, estes monumentos deixados pelas tropa portuguesa foram vandalizados ou pura e simplesmente destruídos.  Hoje, pelo contrário, há uma tentativa para os recuperar. Estamos no nordeste, em pleno chão fula, próximo da fronteira com a Guiné-Conacri, a meio caminho entre Piche e Buruntuma.

Foto: © Eduardo Campos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) >  Destacamento da Ponte Caium > s/d (época seca, 1973 ? )> O destacamento visto da margem esquerda do Rio Caium, a sul da estrada no sentido Buruntuma-Piche. O memorial ficava a meio da ponte, do lado do lado esquerdo do tabuleiro (no snetido Piche-Buruntuma). Se lá estivesse nessa altura, não seria visível na fotografia porque estaria tapado pelos abrigos, aqui ao centro da foto (e onde ficava as transmissões, segundo informação do Alexandre que, no entanto, está examinar melhor uma imagem destas com mais resolução; à entrada do tabuleiro, estão dois camaradas que parecem ser o Cristina e o Sobral).


Nos dois álbuns de fotografia do Jacinto Cristina (sem datas nem legendas), não há uma única foto do memorial... Com toda a certeza esta foto é dos primeiros meses de estadia na ponte, ainda na época seca (1º trimestre de 1973 ou início do segundo; o memorial foi  construído, uns meses depois da emboscada de 14 de Junho de 1973,  em finais de 1973 ou inícios de 1974).


Sabemos que um novo troço da estrada Piche-Buruntuma estava em construção, a cargo da Tecnil. De Nova Lamego a Piche já se ia há muito em estrada asfaltada. Daí talvez este desvio, contornando a ponte e atravessando o rio, e que é visível na foto. Na época seca, o rio Caium ficava seco (ou reduzia-se a um pequeno lago à volta da ponte). Este rio é um afluente do Rio Coli, que fica a sul da estrada Nova Lamego-Piche-Buruntuma e serve de linha fronteiriça entre a Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri.




Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium > O Carlos Alexandre e o Jacinto Cristina... O Carlos, soldado telefonista, de rendição individual,  será o recordista da ponte, com cerca de 18 meses de permanência neste local (de Janeiro de 1973 a Julho de 1974)... Já estava na ponte, logo no início de Janeiro de 1973, quando o 3º Gr Comb chegou... E lá ficou, quando eles se foram embora, ajudando o seu substituto, o operador de transmissões, a adaptar-se ao lugar. Depois ainda ficou em Bissau, colovado na Engenharia, à espera de completar o tempo que lhe faltava. Lembra-se de ter encontrado em Bambadinca um antigo cabo miliciano que lhe dei instrução na metrópole e que ele muito gostaria de voltar a encontrar hioje. O regresso a casa foi só em Agosto de 1974. O Cristina e o resto da companhia já tinham partido, em Junho de 1974...(Nessa altura, já se ia de avião; recorde-se que a companhia partiu para a Guiné em 23/3/1972 e regresssou a casa  27 meses depois, em 23/6/1974).





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Destacamento da Ponte do Rio Caium > Quatro camaradas, quatro amigos: Da direita para a esquerda: Jacinto Cristina (padeiro e municiador do morteiro10,, e não 81, diz o Carlos), Carlos Alexandre (operador de transmissões, natural de Peniche), Rocha (condutor, algarvio) e Santiago (1º cabo, atirador, que tomava conta da cantina)... 

Recorde-se aqui a opinião, autorizada, do nosso camarada Luís Borrega: "Se houvesse um ranking para os maiores BURACOS da Guiné, Ponte Caium estaria certamente no TOP TEN, e provavelmente dentro dos 10, muito à cabeça (...) . O destacamento tinha que ser rendido a cada três semanas, (só em teoria), pela necessidade de géneros, mas também porque psicologicamente era o máximo de tempo que (...) podia aguentar. No entanto só éramos rendidos mês e meio ou dois meses depois. Numa das vezes estivemos 15 dias a sobreviver só com latas de atum, café e pão confeccionado sem fermento. Podem imaginar a qualidade desta panificação. Não havia mais nada no depósito de géneros. Era o meu grupo de combate que estava lá nessa altura. Foi um bocado complicado lidar com a situação, especialmente acalmar a guarnição" (...).

Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.



1. Mensagem do nosso leitor e camarada Carlos Alexandre  (e, a partir de agora, também membro da nossa Tabanca Grande, depois de termos falado os dois ao telefone, ontem, de manhã, e de ele ter aceite o meu convite; entra com o nº 458, neste dia simbólico em que por tradição evocamos os nossos mortos queridos):


Data: 31 de Outubro de 2010 00:32
Assunto: Monumento na Ponte de Caium

Companheiro,  boa noite. Sou natural de Peniche,  trabalho nos estaleiros navais, e cumprí serviço militar na Ponte Caium como radiotelefonista entre Janeiro de 73 e Junho de 74. Estive, portanto,  com o Cristina. [Sold Jacinto António Grilo Cristina, natural de Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, membro da nossa Tabanca Grande desde Março passado].

O que me leva a dirigir-me a si, deve-se ao facto de ter entrado no blogue, da Tabanca Grande,  e ter verificado algum desconhecimento da vossa parte sobre o memorial aos falecidos do 3º Grupo de Combate (Fantasmas do Leste) que se encontrava (encontra) a meio do tabuleiro da ponte,  no lado esquerdo,  no sentido Piche-Buruntuma. Esse monumento está(va) ao lado de uma pequena capela com uma pequena imagem, que está retratada na outra fotografia [, do Eduardo Campos, Abril de 2010],  embora quase destruída,  onde está(va] inscrita a frase "NEM SÓ DO PÃO VIVE O HOMEM".

O que pretendo esclarecer é o seguinte:

 O monumento foi desenhado e realizado com a participação de quase todo o grupo e todo ele foi construído com areia,  cimento e ferro. Foi desenhado e recortado no chão, forrado a papel para não colar e cheio de cimento,  ferro e pedras. Ao ser levado para o sítio onde ainda hoje está,  partiu-se a ponta que fazia o seguimento da meia lua. Como não podia ser reparado,  optamos por fazer uma pequena escadaria e uma cruz.

Envio também uma fotografia que é bastante esclarecedora. Obrigado.

Carlos Alexandre [seguem-se os contactos telefónicos, que poderemos depois dispensar a camaradas dele que o queiram contactar].



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Carta de Piche > Localização (assinalada a amarelo) da Ponte do Rio Caium, na estrada Piche (a sudoeste)-Buruntuma (nordeste, junto à fronteira com a Guiné-Conacri), sensivelmente a meio entre as duas localidades. O Rio Caium corre para sul, sendo um afluente do Rio Coli (que separa os dois países, num largo troco da fronteira leste).



2. Comentário de L.G.:

Falei ao telefone com o Carlos Alexandre que, de resto, é nado e criado num concelho vizinho do meu. Falámos também de Peniche, do passado e do presente, e de algumas pessoas que conhecemos. Falámos de Alfragide que ele conhece bem, e onde tem um filho que trabalha numa empresa informática.

O Carlos vive neste momento em Coimbrã, mas continua a trabalhar na sede do Concelho, nos Estaleiros Navais de Peniche, SA, uma empresa hoje de sucesso que dá trabalho a duzentos e tal pessoas... É chefe de equipa. Já era carpinteiro naval (e com muita honra) quando foi para a Guiné. Era igualmente casado e tinha uma filha, tal como o Cristina. Pelas contas feitas ao tempo que passou na Ponte Caium, ele deve ser mesmo o recordista do lugar: um ano e quase seis meses (ou seja, entre Janeiro de 1973 e Junho de 1974)...

 Aceitou, de bom grado, o meu convite para integrar a Tabanca Grande. Depois do Cristina, é o segundo representante da CCAÇ 3546 no nosso blogue. Prometeu mandar-me uma foto actual, como mandam as regras. E outras que ainda conserva, de Caium e de Piche. Tinha falado recentemente com o Cristina e estava "zangado" com ele por não se lembrar da construção do monumento (!)... Também o Sobral não se lembrava da obra, o que lhe parece incrível... O Barroca, por sua vez, tinha uma vaga ideia... Não há dúvida que a memória humana é muito selectiva...

O Carlos foi um dos principais artífices da obra, mesmo que na sua modéstia diga o contrário. Falou-me de um outro camarada, o Barroca (alentejano,vive em Lisboa), do Sobral (que era um especialista a fazer o cimento)... Mas insiste em esclarecer, sem falsas modéstias,  que foi "obra colectiva", trabalho de equipa.  Ele era carpinteiro naval, não trabalhava com pedra nem com cimento, mas sabia fezer moldes e desenhos. A ideia até saiu bem... Tudo começou uma lata de coca-cola, uma folha de papel e lápis... Discutiu-se depois o que se devia lá pôr (os dizeres)...

Qual mármore, qual carapuça! Isto é mesmo cimento, ferro e pedras!... As letras e desenhos foram feitos a canivete, no cimento fresco...Qual empresário do pós-independência, qual benfeitor, qual carapuça!... Foi tudo à custa deles! E colocado no local à força de braço!... Em suma, com tanta inspiração como transpiração, acrescento eu...

Face à complexidade e à perfeição da obra, exigindo competências que não eram habituais encontrar-se a torto e a direito nas nossas unidades (por exemplo, desenho técnico) e partindo da errada suposição que o monumento tinho sido construído em pedra, e no pós-independência, eu próprio já tinha, com alguma ingenuidade, comentado o seguinte: "Alguém, entretanto, que nos ajude a responder às nossas dúvidas e perplexidades: (i) foi trabalho para custar bom patacão; (ii) aquele tipo de pedra (mármore ?) não era fácil de encontrar na Guiné ; (iii) será que o trabalho foi encomendado e executado na Metrópole ?; (iv) haveria alguém, nomeadamente em Bissau, com a necessária tecnologia para executar aquele tipo de trabalho ? (v) quem terá sido o "arquitecto" ; e (vi) o executante ?"...

Bem, eu imaginava alguém ligado aos mármores, à cantaria, habituado a desenhar letras, a cinzelar  a pedra... Qual quê, tudo feito com papel, cola, cimento, ferro, pedras, areão... Primeiro foi feito um molde, na terra (barro): o corpo do monumento, em forma de meia lua, foi cheio com cimento, reforçado com bocados de arame farpado (ou verguinha, já não se lembra)... As dimensões, tanto quanto o Carlos se lembra, eram mais ou menos as seguintes: cerca de 15 de espessura, 2,5 metros de altura, e outro tanto ou mais de comprimento.   O monumento, com umas centenas quilos ("mais de 200, seguramente!"),  foi depois levado à força de braço para o tabuleiro da ponte, onde depois se realizou o trabalho mais fino: o recorte das letras, os desenhos em relevo... E ali ficou, a meio da ponte, cravado no chão, a um distância de 35 cm do corrimão do lado esquerdo (no sentido Piche-Buruntuma), deixando um homem passar ou colocar-se por detrás...



Como se vê, um dos arquitectos e artífices foi um... carpinteiro naval!...Para além da concepção, aplicou-se sobretudo no desenho: letras e brasão do pelotão (3º Gr Comb, Fantasmas do Leste). Habituado que estava a trabalhar com moldes e letras, na construção naval,  a tarefa para ele não tinha segredos.  Mais difícil era cortar o cimento a canivete, para fazer as letras desenhadas. Outro colega habilidoso terá feito esse trabalho. Era preciso rapidez e perícia para que o cimento não secasse.  Foi obra "colectiva", como ele faz questão de sublinhar ("O cimento, por exemplo,  foi tarefa do Sobral, eu não percebia nada de cimento pré-esforçado").

E foi tudo planeado e executado a seguir à morte dos camaradas na emboscada montada pelo PAIGC em 14 de Junho de 1973, na estrada Buruntuma-Piche: 1º Cabo Ap. Metralhadora David Fernandes Torrão; Sold At Carlos Alberto Graça Gonçalves (mais conhecido por Charlô, devido ao seu feitio brincalhão; Sold At Hermínio Esteves Fernandes; Sold At José Maria dos Santos.  Todos eles brutalmente mortos à roquetada e cortados em quatro com rajadas de Kalash... Nessa altura, o Alexandre (como é conhecido entre os seus camaradas) estava de férias...

A partir de Agosto de 1973, o grupo começou a trabalhar a ideia de fazer-lhes uma homenagem derradeira, um memorial em que a sua memória ficasse perpetuada em cima da ponte, por muitos e bons anos... Interrogado sobre o início dos trabalhos, o Carlos aponta para finais de 1973, princípios de 1974... A obra ainda levou umas semanas. E a ideia era pintar os diversos elementos do monumento. O que não chegou a acontecer, porque entretanto deu-se fim do destacamento. Mas o brasão do pelotão (o desenho dos Fantasmas do Leste) foi muito usado nas cartas que se escreviam. Como havia vários camaradas que não sabiam nem nem escrever, o Carlos desempenhava também essa nobre função de ler e escrever as cartas e os aerogramas...

E em boa hora, neste dia 1 de Novembro de 2010, voltamos a falar da memória destes camaradas que a morte não deixou que regressassem a casa para contar, aos filhos e netos, como era a vida na Ponte Caium...

Recorde-se que, por outro lado, em 19 de Fevereiro de 1973,  também tinha morrido o Fur Mil Op Esp Amândio de Morais Cardoso, vítima de uma armadilha que estava a desmontar.  Ainda o grupo tinha chegado há pouco tempo ao destacamento da Ponte sobre o  Rio Caium (vd. foto ao lado, do Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav , com a especialidade de Minas e Armadilhas,  CCAV 2749/BCAV 2922,  Piche, 1970/72, que também lá penou).

Também em Março ou Abril de 1973, falecera, de acidente, o Silva, apontador de canhão s/r (que não funcionava, era só para "turra ver"). Ora, sabendo-se que o Cristina tinha ido de férias em Abril de 1973, e que nunca saía do destacamento, na altura da construção do monumento ele estava pois lá, e de certeza que também deu uma ajuda...

Sobre esta obra, devo dizer que não conheço nada semelhante, à sua dimensão ou escala, em termos de criatividade, estética e técnica construtiva, deixada pelos nossos anónimos arquitectos, engenheiros, escultores, construtores, pedreiros e carpinteiros militares no TO da Guiné.

A foto tirada pelo Eduardo Campos enganou-me, ao sugerir que o material podia ser mármore rosa, ou coisa parecida... O monumento original era da cor do cimento, afiança o Carlos Alexandre. Com o tempo, e a acumulação do pó vermelho da estrada, ganhou a cor de mármore rosa...

Foi por causa destas  inexactidões que o Alexandre viu no blogue, é que se decidiu escrever-me (e telefonar-me). E aqui fica o esclarecimento: o seu a seu dono!... E mais do que isso: os meus/nossos parabéns aos bravos de Caium, pelo exemplo não só de talento e imaginação como de extraordinária camaradagem, união, trabalho de equipa e capacidade de sofrimento !... Ponte Caium representa o que de melhor têm (e são capazes de mostrar) os seres humanos, mesmo numa situação-limite como esta.




Guiné > Zona Leste > Piche > Destacamento de Caium > CCAÇ 3546 (Piche, Ponte Caium e Camajabá, 1972 / 1974) > Foto do memorial, em mais detalhe, com os quatro camaradas e amigos: em primeiro plano, sentado na base do monumento, o Teixeira, de barbas; em segundo plano, e da esquerda para a direita, o Rocha (condutor, natural da Praia da Rocha, Portimão); o Carlos Alexandre (radiotelefonista, carpinteiro naval, natural de Peniche, e um dos co-autores da concepção e execução do monumento),  e o Manuel da Conceição Sobral (natural de Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém).


Foto: © Carlos Alexandre (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Já agora, o Carlos queixou-se que o Cristina nunca apareceu nos convívios anuais do batalhão, havendo muita malta que o gostava de rever e abraçar. Ele, Carlos, por sua vez já se deslocou de propósito à terra do Jacinto, que fica longe de Peniche, para lhe levar uma lembrança. O ano passado teve oportunidade de conhecer a Cristina, a filha do Jacinto, e o marido, o médico Rui Silva que ele achou um casal encantador.

Enfim, aqui fica mais um pedaço da história de todos nós... Prometi ao Carlos que transmitia de novo ao Cristina estas informações (que de resto já lhe foram dadas por ele, Carlos, ao telefone), disse-lhe que ficava a aguardar mais relatos da vida na Ponte de Caium e que  lhe desejava uma "boa estadia" na nova Tabanca, a nossa Tabanca Grande. E, a propósito, ele informou-me que a tabanca mais próxima da Ponte chamava-se Sinchã Tumane...

Pela minha parte, espero um dia destes encontrar o Carlos em Peniche para o conhecer pessoalmente e dar-lhe um abraço ao vivo.
_____________

Nota de L.G.:

Último poste desta série > 31 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7201: Memória dos lugares (84): Recepção popular dos piras da 2ª CART do BART 6523 (1973/74), em Cabuca (António Barbosa)

domingo, 31 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7202: Blogpoesia (81): Quem não se lembra?... (Augusto Vilaça)

1. Mensagem de Augusto José Saraiva Vilaça (ex-Fur Mil da CART 1692/BART 1914, Sangonhá e Cacoca, 1967/69), com data de 10 de Outubro de 2010:

Amigo Carlos,
passo-te um poema relacionado com a Guiné.


BLOGPOESIA

Quem não se lembra?...

Augusto Vilaça

Quarenta e quatro anos passados
continuamos irmanados
relembrando ousadias.
Foi um tempo particular
de uma era militar
arriscando nossas vidas.


Bolanhas, fulas, biafadas,
capim e morteiradas,
abrigos... flagelações...
Foram muitas caminhadas
e algumas emboscadas
sustos... palpitações.


Mas hoje estamos de pé
sem esquecermos até
aqueles que aqui não estão.
Camaradas da Guiné
vamos mostrar como é
com um abraço do coração.


O camarada
A. Vilaça
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7147: Tabanca Grande (248): Augusto José Saraiva Vilaça, ex-Fur Mil da CART 1692/BART 1914 (Sangonhá e Cacoca, 1967/69)

Vd. último poste da série de 18 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6868: Blogpoesia (80): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (7) (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P7201: Memória dos lugares (107): Recepção popular dos piras da 2ª CART do BART 6523 (1973/74), em Cabuca (António Barbosa)

1. O nosso Camarada António Barbosa (ex-Alf Mil Op Esp/RANGER do 1º Pelotão da 2.ª CART do BART 6523, Cabuca, 1973/74, enviou-nos, em 14 de Outubro último, excelentes e raras fotos da recepção oferecida aos piras pelo povo da região:

Camaradas,

No longínquo dia 8 de Setembro de 1973 a minha 2ª CART do BART 6523, assumiu a responsabilidade do subsector de Cabuca.

As fotos que se seguem são referentes às boas vindas com que fomos brindados pela população civil local, podendo verificar-se o ambiente festivo que ali vivemos naquele memorável dia.

RECEPÇÃO DOS PIRAS DA 2ª CART DO BART 6523










Um Grande Abraço
António Barbosa
Alf Mil Op Esp/RANGER da 2.ª CART do BART 6523

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
Fotografia: © António Barbosa (2010). Direitos reservados.

___________

Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
28 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7186: Memória dos lugares (83): Gadamael e as suas unidades de quadrícula (Luís Graça / Daniel Matos)

Guiné 63/74 - P7200: O Soldado Africano Esquecido / Forgotten African Soldier (2): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp do Pel Caç 52 e da CCAÇ 15 (1971/73)

1. Mensagem do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves (, foto à esquerda, algures na Guiné, entre 1971 e 1973:


Data: 19 de Outubro de 2010 09:18
Assunto: Pesquisa Académica sobre Soldados Africanos


Meus caros camadas editores:


Reencaminho mail que recebi do Senhor Jochen Steffen Arndt, pedindo-me ajuda para um trabalho que descreve no seu mail e aqui me escuso de repetir.


Julgo que poderá ser divulgado na Tabanca Grande onde há camaradas que, por muito mais dedicados aos números e estatísticas do que eu, poderão dar uma mais concreta ajuda a este trabalho, caso, meus camaradas editores,  achem que o devemos fazer.


Com um abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

2. Resposta do Joaquim Mexias Alves ao investigadorJochen S. Arndt:


Exmo. Senhor Jochen Steffen Arndt:

Agradeço o seu mail e desde já me disponibilizo para o ajudar no seu trabalho, em tudo aquilo que eu possa saber sobre o assunto.

Com efeito comandei o Pel Caç Nat 52, de soldados guineneses de diversas etnias, e depois comandei durante uns tempos a CCaç 15 que era formada por guinenenses da etnia Balanta.
De qualquer modo e como penso ser do seu interesse e do interesse do seu trabalho, vou dar conhecimento desta troca de mails entre nós aos editores do blogue onde estão reunidos diversos combatentes da Guiné, http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/, e onde há camaradas meus que o poderão ajudar bem melhor do que eu, pois têm acesso mais fácil aos números estatisticos que refere e deseja conhecer.

Fico obviamente à sua disposição.
Com os melhores cumprimentos
Joaquim Mexia Alves

3. Mensagem, de 18 do corrente, de Jochen S. AArndt, enviada ao nosso camarada Joaquim: [com correcções do português, introduzidas por L.G.]




Exmo. Senhor Joaquim Mexia Alves,


Meu nome é Jochen Steffen Arndt. Sou [assistente de investigação] e estudante no programa de doutoramento da Universidade de Illinois em Chicago, EUA. Encontrei recentemente o seu site na internet e seu artigo publicado no journal Correio da Manhã no dia 10 de Julho 2010. Este artigo foi de grande interese para mim por que trata também de soldados africanos que [fizeram] parte das forças portuguesas no ultramar. Mais especificamente foi de grande interese para mim porque estou realizando um projeto de pesquisa académica sobre soldados e [milícias] africanos que serviram com as forças portuguesas na África entre 1961 e 1974.


As questões que norteiam meu projeto são (...) (vd. poste P7192) (*).


Dado este contexto, e como o Senhor Alves serviu juntamente com tropas africanas no Pel Caç Nat 52, perto de Bambadinca, eu gostava de perguntar se estaria disposto a participar neste projecto, partilhando [comigo] as suas experiências, memórias e, talvez, seus contactos.


Por enquanto eu estabeleci contactos através do site ultramar.terraweb, com alguns veteranos europeus e africanos. Seria de grande interesse o Senhor Alves [poder] juntar-se a este projecto.

Agradeço-lhe sinceramente por [me dispensar] o seu tempo. Por favor, não hesite em contactar-me com quaisquer perguntas.


Atentamente,


Jochen S. Arndt
PhD Student
Department of History (MC 198)
913 University Hall 601 South Morgan Street
University of Illinois at Chicago
Chicago, IL 60607-7109

3. Comentário de L.G.:

Eu já dei o meu acordo de princípio em relação à colaboração dos membros do nosso blogue, a título individual,  com este investigador e com este projecto. Fazendo eu próprio parte da comunidade científico, e sendo oriundo das ciências sociais e humanas, tenho a obrigação de contribuir, também eu, para o desenvolvimento de domínios científicos como a história, e em particular, a história contemporânea (portuguesa, europeia, africana...). 

Infelizmente não tenho actualmente quaisquer  contactos pessoais com os antigos soldados guineenses que integraram a CCAÇ 12 (da qual fiz parte, entre Maio de 1969 e Março de 1971). Não me correspondo com nenhum deles nem sei onde vivem, com uma única excepção. No entanto, os seus nomes estão publicados no nosso blogue.

As informações que publicamos no nosso blogue são públicas. Naturalmente que os nossos textos e imagens estão sujeitos a direitos de autor. Mas podem ser citados em trabalhos de investigação científica ou outros propósitos desde que estes não sejam comerciais. Pedimos apenas que nos dêem conhecimento desse uso.

A colaboração com este investigador e com este projecto é, em princípipio, feita a título individual, e tem um propósito académico. O nosso blogue (que abriu uma nova série, O Soldado Africano Esquecido / Forgotten African Soldier, inspirado no título da página do Jochen, ForgottenAfricanSoldiers.Orgmas que já tinha e tem a série Os Nossos Camaradas Guineenses, entre outras), o nosso blogue - dizia -  gostaria de poder acompanhar os progressos feitos pelo autor e sobretudo aproveitar o ensejo para expor e discutir a actual situação dos antigos militares, do recrutamento local, que integraram as Forças Armadas Portuguesas no CTIG. Na realidade, não se trata do Soldado Africano Desconhecido (que também o houve, na Guiné) mas de um Soldado Africano Esquecido.

Por outro lado, gostaríamos de ver acautelados, acima de tudo, os interesses e os direitos dos nossos antigos camaradas guineenses que venham a aceitar ser entrevistados no âmbito deste projecto de doutoramento. Esses interesses devem ser devidamente protegidos. Nomeadamente achamos que a sua identidade e local de residência (dentro e fora da Guiné-Bissau)  não devem ser revelados, de modo a proteger a sua identidade e segurança. Muitos deles já sofreram demais, foram perseguidos, discriminados, presos e até mortos.


A mediação da nossa Liga de Combatentes também pode ser útil. No entanto, é bom não esquecer que há um contencioso com o Estado Português (por causa de reparações e pensões) que poderá dificultar e até inviabilizar os contactos com os nossos antigos camaradas guineenses. Não me parece, por outro lado, que esteja muito activa a AMFAP - Associação dos Ex-Militares das Forças Armadas Portuguesas, da Guiné-Bissau. Não conheço os seus dirigentes nem sequer os seus estatutos... 



No que diz respeito ao Jochen Steffen Arndt, sabemos que é alemão, ou de origem alemã, que é ainda jovem, que teve um avô no exército alemã, na frente russa, e que trabalhou em Portugal, mais exactamente em Vila Nova de Gaia, durante sete anos, pelo que fala e escreve (presumo) o português (, para além do inglês e do africânder, as três línguas que ele usa no sítio do projecto). Gosta de francesinhas, diz-nos o Paulo Salgado, e tem boas recordações do nosso país. Não sabemos as razões, pessoais ou outras,  por que decidiu entretanto continuar os seus estudos e doutorar-se em história numa universidade americana. Essas razões poderá ele ter a gentileza de nos dizer, se for caso disso. 



Fica aqui também o convite para ele integrar a nossa Tabanca Grande (e mandar-nos uma foto sua), à semelhança do que fizemos com a Tina Kramer, também alemã, doutoranda em etnologia, e que entende o português, coisa que não acontece com outro doutorando, que apoiámos, o Ten Cor da Força Aérea dos Estados Unidos,  Matt Hurle.


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Notas de L.G.: 

(*) Vd. poste de 30 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7192: O Mundo é Pequeno e o Nosso Blogue... é Grande (30): Forgoten African Soldier / O Soldado Africano Esquecido (Jochen Steffen Arndt, Universidade de Illinois em Chicago)