terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7400: Efemérides (57): Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné (3) (Magalhães Ribeiro)


1. Dando seguimento à serie iniciada nos postes P7388 e P7393, continua-se a publicação de várias fotos e documentos alusivos à cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que fazem parte do acervo pessoal do Eduardo José Magalhães Ribeiro, fui Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974.
Camaradas,

Como já disse no poste P7388, esta matéria sobre a cerimónia simbólica da transição da soberania nacional na Guiné, para o P.A.I.G.C., devido ao seu peso informático (40 fotografias e 2 documentos históricos) teve que ser dividida em 5 postes, que vou tentando colocar durante esta semana, para que, aquelas pessoas que acompanhem a leitura, não percam a sequência de factos e fotos.
O fim do Império português na GuinéHoje publicam-se mais 10 fotos da referida cerimónia, que aconteceu em 9 de Setembro de 1974 – aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao P.A.I.G.C.

Já solicitei ao nosso Amigo Nelson Herbert que, face às boas dicas que inseriu nos comentários, me ajude a identificar correctamente as senhoras, os meninos e os meninas das fotos do último poste, para proceder oportunamente às devidas correções.

Registo aqui, desde já, o meu melhor apreço e agradecimento à amabilidade e prontidão com que o Nelson Herbert se prestou a ajudar-me, respondendo de imediato a este meu pedido.

Muitíssimo obrigado.

A bandeira nacional aguardava ondulante e serena o desfilar dos factos

Um dos soldados do BCAÇ 4612/74 observava os últimos minutos em que a bandeira nacional permaneceu no mastro

A chegada ao mastro e a preparação para o derradeiro arriar da bandeira portuguesa no quartel em Mansoa

Aqui já a bandeira descia a meia haste

A recolha da bandeira

A recolha da bandeira fotografada de outro ângulo pelo Alf Mil Oliveira Marques

Foi a vez de um homem do PAIGC iniciar os preparativos para o hastear da primeira bandeira da Guiné-Bissau em Mansoa



O homem do PAIGC estava um pouco nervoso...

Mas finalmente a bandeira estava atada e pronta

A bandeira já a meia haste, fotografada de outro ângulo, pelo Alf Mil Oliveira Marques

Assim nascia uma nova Nação em África - a Guiné-Bissau



A bandeira ondulava ao vento firme e formosa
O mastro desceu aprumada em atitude imperial
À multidão, ali em Mansôa, parecia afirmar:
«Aqui, esteve presente… o esplendor de Portugal!»


NÃO ERA UMA BANDEIRA QUALQUER
A Bandeira ondulava ao vento... firme e formosa,
Naquele alto e velho mastro do quartel... como voa,
O esplendor de Portugal garantia... assaz vaidosa.
Quanta veneração em sua honra... e quanta loa,
Tais façanhas heróicas dali presenciou... orgulhosa!
Bradai - às armas - lusitanos... se o inimigo soa,
Qu’Ela é o símbolo magno de união... gloriosa,
S’ameaça à Pátria algum inimigo... apregoa!
Qu’a garra deste povo... tem engenho e arte talentosa,
P’ra levar de vencida... que seja a besta em pessoa!
Qu’ali num naco d’África cumpriu de forma honrosa,
Dando mostras de valor indómito qu’inda hoje ecoa!
Até q’um dia no país se levantou tropa revoltosa,
Reformando a política do Ultramar... em Lisboa,
E qu’emanou então para Bissau determinação rigorosa;
Que em Portugal, a liberdade, é bombarda qu’atroa,
E independência às colónias concedeu airosa,
Em assinatura... cuja data ainda hoje ressoa;
Nove de setembro de setenta e quatro... luminosa.
Também, nesse dia, a Bandeira foi arriada em Mansoa,
Pondo termo a séculos de História maravilhosa,
Pela derradeira vez... em cerimónia digna da “Coroa”,
Perante multidão exultante... e soldados da Nação briosa.
E, assim, a Guiné... sua sorte... embarcou em nova canoa!

(continua)
Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74

Documentos e fotos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. os dois postes anteriores desta série em:


Guiné 63/74 - P7399: In Memoriam (66): A morte dolorosa de um dos últimos homens a chegar a Gandembel, o ex-Alf Mil João Barge (1944-2010)



Leiria > Monte Real > Palace Hotel > 26 de Junho de 2010 > V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné >  O  João Barge,  levado pela mão do seu camarada da CCAÇ 2317, o Idálio Reis...




Leiria > Monte Real > 2º almoço-convívio da Tabanca do Centro > 26 de Fevereiro de 2010 > Restaurante Montanha > Dois homens de Gandembel, João Barge e Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Gandembel / Balana, Buba,  Nova Lamego, 1968/70).



Fotos: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados

1. Mensagem do Idálio Reis (ex-Alf Mil, CCAÇ 2317, Ganbembel, Balana, Buba, Nova Lamego, 1968/70) [, foto à esquerda]:

IN MEMORIAM: A morte dolorosa de um dos últimos homens a chegar a Gandembel: o ex-alferes João Barge

A efemeridade da vida. Aos 66 anos de idade, o João deixou-nos mais sós, e numa indelével e profunda consternação os seus entes mais queridos, onde incluo com um carinho muito especial a sua mãe.

O Barge chega a Gandembel, em rendição individual, para substituir o Francisco Trindade, atingido gravemente por uma mina anti-pessoal no fatídico local de Changue-Iaia. Estava-se em meados de Outubro de 1968, quando um estudante de Coimbra quase a finalizar o seu curso, chega àqueles aterradores confins de África.

Tendo sido bem recebido por todos, soube adaptar-se com enorme senso ao seu grupo de combate. Felizmente que a situação geral de Gandembel/Ponte Balana havia melhorado substancialmente, graças à acção notável que os pára-quedistas tinham conseguido levar a efeito.

Nos outros lugares, Buba e Nova Lamego, o João Barge haveria de continuar com a sua CCAÇ. 2317, até esta acabar a sua comissão.  E a ele, faltava-lhe contar os últimos meses, agora em Bissau e entregue à parte logística de envio de víveres para as forças de quadrícula disseminadas pela Província.

No Gabú, onde a guerra se nos arredou em definitivo, relembro a sua intensa azáfama em preparar as últimas cadeiras do curso, que após o seu regresso definitivo, haveria de concretizar muito rapidamente.

Só nos viemos a reencontrar há cerca de 3 anos, já ele estava aposentado após um desempenho brilhante como Professor do Instituto Politécnico de Leiria. E a partir daqui, íamo-nos encontrando ainda que esparsamente, e uma das últimas vezes em que o instiguei a estar presente, foi ao último convívio da Tabanca Grande. Aqui, uma malta contemporânea de Buba, com o Carlos Nery a merecer justa honra de capitanear, viríamos a preencher uma mesa em franca confraternização. 

Morre ainda relativamente novo, vítima de um tumor maligno e num espaço de tempo muito curto. Num ápice, uma folha de Outono tomba para sempre. Somos nada, perante tamanhas adversidades, e que nos espreitam e avassalam a todo o momento. 

A notícia da morte do João [, foto à esquerda,] foi-me dada em primeira mão pelo Carlos Nery, em voz de grande comoção. 

E hoje, com outro companheiro - o seu ex-furriel Nabais Pinheiro- residente em Alcobaça, deslocámo-nos a Leiria para nos despedirmos de um homem simples, afável, reservado, de uma enorme estatura intelectual, que nos faz falta. Deixa-nos mais pobres, pois a perda de um amigo é sempre uma fatalidade pesarosa.

Pediu para ser enterrado na sua Murtosa, a terra das suas gentes, que o viu nascer. E aí jazerá eternamente.

Uma das suas filhas entregou-nos um pequeno cartão onde se pode ler:

"Cada pessoa que passa na nossa vida é única e não nos deixa só, porque deixa um pouco de si e leva um pouquinho de nós. É esta a mais bela responsabilidade da vida e a prova de que essas pessoas não se encontram por acaso…" 


O João Barge, de todo, não conseguiu resistir. Talvez, neste dia de o homenagear mais sentidamente, o do seu definitivo adeus, um turbilhão de sentimentos e comoções mais transparece nas preces que lhe endereçámos. Curvemo-nos em silêncio à perenidade da sua memória.

Até sempre, bom amigo.

Um forte abraço a toda a Tertúlia do Idálio Reis.

Guiné 63/74 - P7398: In Memoriam (65): Faleceu o nosso camarada João Barge, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Tertúlia / Editores)

1. O nosso camarada Hugo Guerra, por contacto telefónico, deu-nos ontem conhecimento do falecimento de João Barge* (foto à esquerda), amigo de Carlos Nery e do Rui Barbot / Mário Cláudio  e camarada de Idálio Reis na CCAÇ 2317 (Gambembel, 1968/69).

Tanto quanto é possível saber-se, o seu funeral terá ocorrido hoje nas Caldas da Rainha.

Queremos deixar à família,enlutada, e em especial à sua filha Maria do Carmo Barge,  deste malogrado camarada e amigo, as nossas mais sentidas condolências.

Cada camarada que morre leva um pouco do nosso colectivo de ex-combatentes. Somos cada vez menos para contar quão grande foram o nosso sofrimento e o nosso sacrifício e para exigir o devido reconhecimento.

Aqui fica nestas fotos a nossa singela homenagem a um tertuliano que não teve muito tempo nem saúde para nos contar pormenores da sua passagem por terras da Guiné, onde foi Alf Mil ao serviço da CCAÇ 2317.


Bissau > João Barge, com 15 meses de comissão


Bissau > João Barge e Rui Barbot (Mário Cláudio)


Gandembel (Ponte Balana) > Dezembro de 1968 > João Barge à entrada do abrigo onde dormia com os seus camaradas.



João Barge no papel de Mr. Martin na peça "A Cantora Careca", levada à cena em Abril de 1970 em Bissau e encenada por Carlos Nery. Vd. Poste 6935*.


Representação da peça "A Cantora Careca", de Ionesco, encenada em Bissau pelo Cap Mil Carlos Nery  > Casal Martin (João Barge e Maria Guilhermina)


João Barge com o seu "encenador" Carlos Nery (ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2382), no V Encontro da Tertúlia, em Monte Real, em Junho passado. Encontraram-se justamente aqui, neste dia, ao fim de 40 anos!!!
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)
e
4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

Vd. último poste da série de 29 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7357: In Memoriam (64): Hoje faleceu o Alfredo Dinis (ex-1º Cabo Enfermeiro da CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)

Guiné 63/74 - P7397: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (3): O segundo dia em Bissau

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Dezembro de 2010:

Caríssimo Carlos,
Tenho trabalho em Faro na 2ª e na 3ª feira, volto à escrita na 4ª.
Por favor, não te esqueças de legendar aquela tocante página referente ao Pel Caç Nat 63, o Jorge Cabral não me perdoaria a omissão.
A seguir, vou para Bambadinca, há um lote de sexagenários à minha espera. E depois parto para o território que percorri em todos os sentidos. E irei pela primeira vez aos diferentes territórios do então inimigo, em Madina e Belel, para lá do Poidom e na Ponta do Inglês.

Um abraço do
Mário


Operação Tangomau (3)

Beja Santos

O segundo dia em Bissau

1. Engolido um croissant sensaborão com café instantâneo, o Tangomau lança-se na Pansao N’Isla, há uma luz crua que torna a laterite ainda mais afogueada. Pela primeira vez dá consigo a pensar que cada edifício tem um guarda, habitualmente um idoso ou um jovem segurança, parece ser uma actividade que não predispõe pessoas de meia-idade. A cidade tornou-se insegura, não há empresa ou cidadão com algumas posses que não recorra a um anjo da guarda de assaltos à mão armada. Inflecte novamente para a Praça dos Heróis Nacionais e confirma que as ondulações do monumento que na era colonial foi dedicado “ao esforço da raça” são ocupadas por seres humanos que delas fazem sofá, tal a sombra que oferecem.

Descendo a Avenida Amílcar Cabral, dois quarteirões à frente interpela o segurança da casa do Eng.º Filinto Barros, com quem tem entrevista aprazada. Cerca de 19 anos antes, era o Eng.º Filinto, Ministro da Indústria e dos Recursos Naturais, quando o Tangomau chegou à Guiné para propalar algum ideário básico acerca do consumo essencial e das coisas que se podiam fazer para minorar a degradação das condições de vida. Ao tempo ainda se fizeram uns 6 programas televisivos, tudo acabou na descontinuidade, como é uso e costume. É um reencontro cordial, traz-se uma lembrança, precisamente alguns exemplares do Kikia Matcho, uma pequena jóia literária, o desalento de um combatente do PAIGC que acaba na mais profunda das solidões, ignorado mesmo pelos parentes mais novos. A conversa começa exactamente pela crítica que o Eng.º Filinto faz neste romance à desordem urbana, à exibição anárquica dos lixos e à morte dos jardins. Perdeu-se o culto pelo asseio público, o trivial a escarrar, atirar embalagens, cascas de banana, em qualquer segmento da via pública. O Eng.º Filinto fala do que anda a escrever, mais uma obra de ficção que tem como cenário o conflito político-militar e também um ensaio sobre a política económica do tempo de Luís Cabral.

O que o Tangomau vem propor é que se encontre uma pauta comum, um espaço de diálogo entre antigos combatentes, para se falar das suas visões e experiências quanto à guerra e o Outro, tudo para publicar em livro. Toda a gente sabe o muito que há por fazer: comparar os relatos, nos dois campos, confrontar, se possível, poesia e prosa, fazer recurso às memórias, relatos dispersos, relatórios de operações, o que houver. Do lado do PAIGC, observa o dono da casa, perdeu-se muita documentação e há silêncios consentidos, prudentes. Tem conhecimento de algumas iniciativas, propõe, quando o Tangomau regressar do Leste, que haja um encontro com um dirigente histórico, Chico Bá, que se envolveu num projecto com Mário Cabral e Gil Fernandes e que tem a ver com o cruzamento de testemunhos durante o antes e o após a independência, é um exercício de diferentes experiências.



2. Novamente na Embaixada, recomeçam os telefonemas, é preciso descansar o Fodé, informar o anfitrião do Bairro Joli, depositar as últimas encomendas. E começa a descida para a Baixa de Bissau, primeiro pergunta-se no serviço de impostos se está Mamadu Soaré Soncó, aquele menino que queria vir para Portugal no fim da comissão do Tangomau, em 1970. Não estava, fora ver ao hospital o irmão Quecuta, que estava muito mal. Nas ruas por onde passava era interpelado por muitos jovens, instado a cambiar euros ou dólares por francos CFA. É um ambiente que tresanda aos expedientes de gente sem trabalho. Em frente ao mercado central, parou estarrecido diante de uma porta de ferro presa a cadeado: lá dentro fora tudo consumido por um incêndio, agora o mercado era ali à volta, alfaiates, peixaria, consertos de viaturas, os sapateiros aprimoram calçado com agulhas prodigiosas. O Tangomau pergunta pelo Solar do Dez, alguém indica um local onde agora funciona uma discoteca.

A temperatura sobe, a garrafa de litro e meio, encetada nos alvores da manhã, está quase vazia. Segue-se a peregrinação ao local onde funcionou o Comando da Defesa Marítima da Guiné, foi ali que o Tangomau avistou o comandante Teixeira da Mota, em 1969. Pede licença para tirar uma fotografia à guarita, que se mantém ajanotada. Seguem-se prolegómenos de consulta, vem um oficial de dia que autoriza o registo.

Quando se despedem, ele aborda o Tangomau: “Não tens aí 5 mil francos para mim?”. O interpelado não esconde o horror da pergunta, e foge em direcção ao Pidjiquiti e daqui sobe até à Pensão Central onde o aguarda uma deliciosa canja de ostra, uma boa posta de sereia com batata cozida e duas rodelas de papaia ao ponto. Sente-se sonolento, olha tristemente a laterite que se colou aos sapatos, coça as canelas, é por que as poeiras vão subindo à procura do suor pegajoso. Vai para a varanda e lê umas páginas de “O Poder e o Povo”, de Vasco Pulido Valente, não sabe a que propósito é que trouxe este ensaio demolidor sobre os fiascos do 5 de Outubro, vem ali a história do Partido Republicano Português que não se conta habitualmente nas escolas, também ali se demonstra, preto no branco, que houve mais perseguições e desordem na I República que nos tempos da Monarquia.

E adormece, foram os minutos reparadores, pelas três da tarde apareceu o Delfim Silva, segue-se um encontro em que se fala sobre a historiografia do PAIGC, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros faz observações sobre essas lacunas, a conversa centra-se sobre o que se passou na Guiné e no PAIGC entre 1973 e 1974. O Delfim deixa o Tangomau no INEP, ele vai dar aulas ali perto, Mamadu Jao, o director, mostra-se receptivo a apreciar uma proposta de investigação em torno das memórias do lado português e guineense, durante a luta armada e pós-independência, investigadores não faltam, o que é cada vez mais minguado é o financiamento dos projectos.

No regresso, o Tangomau mete-se na confusão do mercado de Bandim, pergunta por panos manjacos, foi um insucesso total. É nisto que passa Mamadu Jao, vai a caminho da cidade, dá-lhe boleia, deixa-o à porta do cemitério. O calor não abranda e não se vislumbra a chegada do fim do dia. O talhão dos combatentes está limpo, alguém no cemitério explica que andaram por ali a fazer limpezas à volta do 1 de Novembro. Ele ciranda em torno doutro talhão, correspondente às campanhas de pacificação, ali ao menos há um monumento condigno, não percebe porque é que os soldados mortos durante a guerra colonial não têm direito a um monumento, uma qualquer evocação.

Reza por todos os mortos e sai para a torreira do sol, contorna a Amura, conversa com uma sentinela, não vale a pena insistir, não se pode entrar naquela área militar, mesmo para ver o túmulo de Amílcar Cabral. Mais abaixo, procura vestígios do restaurante Pelicano e o que ali encontra, sem exagero, são escombros. Atónito, interroga os passantes, é tudo muito difícil, são dadas algumas respostas breves em crioulo, dá para entender que o Pelicano caiu para nunca mais se levantar. Agora é que o Tangomau se sente descorçoado, sobe a Pansao N’Isla à procura de um duche na Pensão Lobato.


A casa de banho está na mesma. Brunido e penteado de fresco, parte à procura da janta. Entra no restaurante Jordani e pede dois ovos estrelados com batatas fritas. Regalado, numa cidade sem iluminação, com os passeios aos altos e baixos, saltita ao sabor dos fogachos dos faróis. Pega no Pulido Valente e lê mais umas páginas, são greves, ajustes de contas, perseguição de padres. Vai adormecendo, embalado pela certeza que amanhã chegará a Bambadinca.
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Nota de CV:

Vd. postes de:

4 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7379: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (2): O primeiro dia em Bissau
e
5 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7384: Operação Tangomau (Álbum fotográfico de Mário Beja Santos) (1): Dias 18 e 19 de Novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7396: (Ex)citações (117): Transição da Soberania da Guiné, Idiotas e Ressabiados (José Brás)

1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 6 de Dezembro de 2010:

Carlos, meu amigo
Junto-te aqui mais um texto, desgraçadamente mais uma vez, não de raiz de origem minha, mas enxerto em árvore de outro homem do pomar.
Naturalmente que espero que uses o espaço e o tempo para a edição de forma a que não ocupe eu o que é colectivo.

Um abraço
José Brás


TRANSIÇÃO DA SOBERANIA NA GUINÉ
Idiotas e Ressabiados


Sinceramente gostei da desassombrada franqueza do nosso camarigo editor do blogue, na declaração contida na sua entrada sobre o render da bandeira portuguesa em Mansoa.
E por ter gostado, transcrevo dela a parte que mais gosto e construo outra peça em três partes e um epílogo, garantindo desde o meu agradecimento e o abraço de camaradagem que nos une na Tabanca Grande


I.ª PARTE

Sou leonês, juro aqui solenemente, que sou leonês dos sete costados, fiel a Afonso VI; Rei de Leão e Castela, e com ele profundamente envolvido na luta pela expulsão deste meu território cristão que se estende desde as faldas dos Pirinéus, até ao extremo limite do mar Atlântico a Oeste e a Sul, após dezenas de batalhas e escaramuças com primos e irmãos pela posse e domínio completo desta nossa Hispânia imperial, junta no esforço e no sangue de tantos heróis guerreiros e legitimamente una sob a bandeira de nosso reino e de nosso senhor.

E crendo nisso acima de todas as coisas, crenças e pretensões, revolta-me, irrita-me e desgosta-me profundamente, ler e ouvir tanto dislate e tanta burrice em inúmeras declarações de chamados portucalenses, que, ou são ignorantes, ou são ressabiados e, ou, fantoches apalhaçados de certas filosofias estrangeiras, querelas entre bispos e chefes de condado, separadores daquilo que a nossa luta havia juntado com tanto sacrifício.


E se os idiotas estão perdoados por motivos óbvios, já o mesmo não se pode dizer dos ressabiados que com as suas serventias lacaias, deturpam factos e acontecimentos que, de algum modo, podem vir a ser fatais à honestidade, lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais que a esta matéria são, e serão, dedicadas na História de Leão e Castela.


II.ª PARTE

Juro que sou sarraceno, árabe crente profundo do islão, cavaleiro servindo desígnios de Tárique e no esplendor de seu nome, o tarifado Al-Andaluz, território que se estende desde os limites das Astúrias até até ao extremo limite do mar Atlântico a Oeste e a Sul, após dezenas de batalhas e escaramuças entre irmãos árabes e Califas pela posse e domínio completo destas terras nossas por conquista a duras custas em sangue e morte que são parte integrante e natural da expansão muçulmana pelas terras a norte de nosso mar.

E crendo nisso acima de todas as coisas, crenças e pretensões, revolta-me, irrita-me e desgosta-me profundamente, ler e ouvir tanto dislate e tanta burrice em inúmeras declarações de seguidores do visigodo Pelagio que, ou são ignorantes, ou são ressabiados e, ou, fantoches apalhaçados de certas filosofias de cruzados estrangeiros e cristãos, assaltantes de nosso território sagrado e do islão profundo.

E se os idiotas estão perdoados por motivos óbvios, já o mesmo não se pode dizer dos ressabiados que com as suas serventias lacaias, deturpam factos e acontecimentos que, de algum modo, podem vir a ser fatais à honestidade, lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais que a esta matéria são, e serão, dedicadas na História de meu povo sarraceno e de meu Deus supremo.



III.ª PARTE

Nobre romano me confesso, comandante de legiões que atravessaram e conquistaram largos territórios, dominando gálios e saxões, subindo e descendo serras até essa longínqua Ibéria que se estende dos cumes pirenaicos até ao extremo limite do mar Atlântico a Oeste e a Sul, após dezenas de batalhas e escaramuças com povos bárbaros, Tartessos, Cónios, Celtas e, sobretudo, com uma aguerrida tribo de lusitanos comandados por Viriato, consolidando a Oeste o vasto e natural e amado Império Romano.

E crendo nisso acima de todas as coisas, crenças e pretensões, revolta-me, irrita-me e desgosta-me profundamente, ler e ouvir tanto dislate e tanta burrice em inúmeras declarações de seguidores dos povos do Islão que, ou são ignorantes, ou são ressabiados e, ou, fantoches apalhaçados de certas filosofias africanas e de deuses estrangeiros e pagãos em prejuízo de nosso direito territorial e de César.

E se os idiotas estão perdoados por motivos óbvios, já o mesmo não se pode dizer dos ressabiados que com as suas serventias lacaias, deturpam factos e acontecimentos que, de algum modo, podem vir a ser fatais à honestidade, lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais que a esta matéria são, e serão, dedicadas na História de Roma Imperial



FINAL

Eu Português me confesso, transmontano, beirão, algarvio, descobridor de novos mundos, cruzador de mares e de terras, pioneiro, bandeirante, pacificador de negros e de índios, construtor do vasto Império que se estende da Península Ibérica pela costa de África, pelo Oriente até à longínqua Índia e pelo Poente ao Brasil e outras partes, com o extremo sacrifício da Coroa portuguesa, de marinheiros, cavaleiros e infantes; pela dor e morte de tantos e tão ousados heróis, submetendo terras, povos e bens ao domínio português e ao ensino do cristianismo.

E crendo nisso acima de todas as coisas, crenças e pretensões, revolta-me, irrita-me e desgosta-me profundamente, ler e ouvir tanto dislate e tanta burrice em inúmeras declarações de seguidores dos povos das colónias, que ou são ignorantes, ou são ressabiados e, ou, fantoches apalhaçados de certas filosofias de liberdade e do direito dos povos, de Tiradentes e do Imperador D. Pedro, da rainha Ginga, de Gungunhana e tantos traidores aos supremos e naturais direitos da Corôa portuguesa sobre estas terras de Vera Cruz, Moçambique, Goa, Damão e Diu, Angola e Guiné.

E se os idiotas estão perdoados por motivos óbvios, já o mesmo não se pode dizer dos ressabiados que com as suas serventias lacaias, deturpam factos e acontecimentos que, de algum modo, podem vir a ser fatais à honestidade, lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais que a esta matéria são, e serão, dedicadas na História de Portugal.


Devo esclarecer que me dei a este trabalho desajeitado e historicamente não muito rigoroso e sem preocupação com o rigor histórico, apenas porque fiquei sem saber em que faixa me cabe, se a dos idiotas, se a dos ressabiados, desorientação que a mim muito penalizaria por aqui estar sem astrolábio, nem sextante, nem bússola, nem GPS.

Ao Magalhães Ribeiro, ao menos pela sua franqueza, pretendo homenagear e abraçar como camarigo e amigo para sempre, sejam quais forem as diferenças que aparentemente nos separam sobre esta questão…apenas.

José Brás

OBS:- Negritos e itálicos da responsabilidade do editor
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7389: (Ex)citações (116): Ainda os Mig... e outras coisinhas (José Brás)

Guiné 63/74 - P7395: História de vida (35): Viagem para o desconhecido (Agostinho Gaspar, ex-1º Cabo Mec Auto Rodas, 3ª CCAÇ / BCAÇ 4612, Mansoa, 1972/74)

1. Texto, enviado em 2 do corrente, pelo nosso camarigo Agostinho Gaspar,ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria, e membro da Tabanca Grande e da Tabanca do Centro:

Recordar o passado, viagem para o desconhecido

Caros amigos editores e tertulianos:

Depois do último jantar no R.I. 16, em  Évora, do dia 4 para 5 de Outubro de 1972, o Tenente João Manuel de Matos e Silva Mendonça chamou os aspirantes, os cabos milicianos e alguns soldados para a entrega dos galões, das divisas, das promoções a capitão, alferes, furriéis e 1ºs cabos. Foram horas de azáfama.

Depois de se ter entregue e feito o espólio pertencente ao quartel, já com as malas feitas e as últimas recomendações, chegou a hora da partida para um destino desconhecido, que só nos bancos da escola primária, dez anos antes de embarcar, tinha ouvido falar: era a Guiné.

Depois de receber uns certos papéis, guias de embarque e boletins de vacina, para que na hora não faltasse nada, o 1º sargento chama o capitão e avisa que há um militar que também era cabo e ia ser acompanhado sob escolta até a entrada do embarque. Eu,  que era o último dos cabos, o 1º sarg. Miguel que já faleceu no ano passado, vira-se para mim e diz:
- Ó nosso cabo,  tu e outro vão acompanhar e fazer segurança a um preso, é preciso que levantem armamento, quando o preso estiver em lugar seguro as armas serão entregues aos condutores dos nossos transportes.

Depois de ouvir o sermão e de ter acabado de falar , chegou a minha vez de falar, recordo ainda as palavras como se fosse hoje:
- Ó meu primeiro-sargento Miguel,  eu nem pertenço a esta guerra e muito menos sei mexer em armas e fazer segurança.

O capitão que estava ao lado vira-se para mim e pergunta-me quem eu era:
- Sou o cabo mecânico da companhia -  respondi.

A resposta dele foi bem clara:
- Tens razão, é melhor ser um atirador ... - Palavras e ordem tão sensatas e que alívio… Tinha chegado á companhia semanas antes e não conhecia ninguém e já o sargento me estava a meter medo e em sarilhos se corresse alguma coisa mal.

Tudo preparado, as bagagens carregadas nas viaturas, dia 5 de Outubro de 1972, era uma noite de chuva e bastante fria,  pela uma da manhã, eu já com vinte e dois anos feitos em Abril, entrámos para as viaturas com o destino a Figo Maduro, aonde um Boing 707 da Força Aérea estava á nossa espera, com uma pequena paragem pelo caminho para esvaziar a bexiga para o avião ficar mais leve.

Chegámos pelas seis da manhã, alguns familiares já se encontravam para as últimas despedidas, da minha parte não tinha ninguém, já as tinha feito em casa. Pelas sete o altifalante começou a chamar um a um pela ordem de embarque para fazer o check-in, entregar as bagagens e receber o número do lugar. Fui um dos primeiros, a minha cadeira o nº 13C, do lado esquerdo. No 13A ao lado janela ia o cabo Silva Ribeiro (o Padeiro), no13B, ao meio, o furriel mecânico, no 13C a minha pessoa,  cabo mecânico.

Mais uns tempos de espera e os últimos abraços e beijos aos familiares: pais, esposas namoradas, filhos e amigos. Por volta das nove horas novamente os altifalantes anunciavam o embarque, silêncio total, iam chamando, o pessoal ia entrando, ocupando os lugares destinados. Depois de estarem todos sentados, porta fechada, era um dia de Outono chuvoso e frio, íamos bem agasalhados, mal sabíamos que nós que passado algumas horas estaríamos a ser sufocados por altas temperaturas.

Com o roncar dos reactores, o avião começou a movimentar-se para a pista, era o meu baptismo de voo... Ao longo de toda viagem era um silêncio total. Foi servida uma refeição. Quatro horas depois chegámos a Bissau, quando o avião parou só passado mais de quarenta minutos é que abriram a porta e nós a olhar pelas janelas,  tudo aparecia diferente e estranho de ver, as pessoas em mangas de camisa e calções, e a nós só nos faltava o sobretudo.

Quando saímos da porta para fora, ao descer as escadas do avião perecia que íamos para o inferno, não sei se existe… (mas o verão quente de 73, passei-o no inferno de Gadamael, mas esta história fica para a próxima).

Ao sair do avião fomos recebidos por um graduado, não tenho a memória de quem era. Formados em parada na pista, veio  a dar-nos as boas vindas para o nosso calvário. Na maior força do calor o oficial falava, nós sem perceber o que ele dizia e a tropa a secar e a assar ao calor, e alguns até desmaiaram.

Acabadas as cerimónias militares, as viaturas rumam ao Cumeré para uma estadia de algumas semanas. Dentro do quartel, ainda em cima das viaturas, fomos recebidos pela praxe, "Pius pius pius"...Eram os da 2ª CCAÇ do nosso BCAÇ 4612/72, tinham chegado dias antes e já se consideravam velhinhos!

Um abraço aos amigos tertulianos

Agostinho Gaspar (**)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 3 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6100: Tabanca Grande (211): Agostinho Gaspar, ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74 (Agostinho Gaspar)

(...) Sou o Agostinho Gaspar, moro na Boa Vista, Leiria e fui 1.º Cabo Auto Rodas da 3.ª CCAÇ/BÇAÇ 4612/72, que esteve em Mansoa.

Não venho falar de guerra, mas sim do tempo de tropa do meu serviço militar. No meu pensar, classifico os que fizeram a tropa em três classes: felizardos, felizes e infelizes, no meu caso, devo estar no grupo dos felizes.

Em 1970 fui à inspecção militar, nos editais da freguesia contavam (19) dezanove nomes, mas no dia (das sortes) compareceram somente onze (11), os outros já tinham passado a fronteira, uns com família, outros sem família, e a viver nos arredores de Paris.

Fiz a recruta em Janeiro de 1972, na CICA 4, em Coimbra, passei para EPSM, Sacavém, onde tirei a Especialidade de Mecânico, estagiei no RI 7 de Leiria. (...) Terminado o estágio, novamente na EPSM durante a semana iam chegando os estagiários do meu turno de vários quartéis, no final mês de Agosto, fim-de-semana sai na ordem de serviço as mobilizações… dos cento e poucos do meu curso, metade estava na lista para a Guiné, e eu fui deles! Calhou-me na rifa o BCaç 4612/72 que estava a formar no RI 16 em Évora, outros foram para várias unidades que embarcaram na mesma altura. A 5 de Outubro de 1972 rumei nos aviões da TAM com destino a Bissau. (...)


(**) Último poste desta sérei > 15 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7285: História de vida (34): Do Cunene a Gadamael ou as (des)ilusões do Portugal plurirracial e pluricontinental... Para o Cherno Baldé, com apreço (José Gonçalves)

Guiné 63/74 – P7394: Controvérsias (113): Direito de resposta ao P7392 (Magalhães Ribeiro)


1. Camarada Vasco da Gama é na qualidade de membro desta Tabanca Grande, que eu Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974, respondo às dissertações que expuseste no poste P7392. 




Isto era escusado amigo Vasco da Gama, tens os meus números de telefones, telemóvel e e-mail, podias muito bem ter-me ligado (como já o tens feito muitas vezes) e esclarecíamos tudo intestinamente, mas há sempre uma tendência para o mediatismo (instintiva) e a reacção a quente (do mesmo modo) nestas coisas, não é?
Palavra de Honra, que o P7392, foi bom e oportuno para eu conhecer melhor o pensamento e poder interpretativo de mais alguns camaradas (só por isso valeu apena) e só vou responder porque partiu de ti, que considero um Amigo.
Outro qualquer mandava-o para aquela parte e pronto! Além de que: “Quem não se sente não é filho de boa gente.”, e eu sou!
Não percebo como interpretaste o meu texto, pois recebi diversas mensagens e e-mails, de quem gostasse e compreendesse o que eu escrevi. Aproveito a oportunidade para a estes últimos apresentar o meu muito obrigado.
Assim não foi e então aqui vão algumas explicações:
“… as letras garrafais… ” é um pequeno destaque no texto, em letra minúscula, expressando o meu pensamento e isso, que eu saiba em informática, não é ofensivo para ninguém.

“… apelidar alguns camaradas ex-Combatentes de ignorantes, de ressabiados, de fantoches apalhaçados, de idiotas, de serventias lacaias, que deturpam factos e acontecimentos porventura fatais à lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais”, temendo que esses “tipos” deturpem a História de Portugal…” os exemplos deste tipo de gente são tantos, tão conhecidos e objecto, ciclicamente, de tantas críticas em todos os média e até aqui no blogue, tão lidos, debatidos e falados, que quanto a esta matéria está tudo dito!

“... se calhar, apenas e só, por não pensarem como ele.” estou-me marimbando que muitos não pensem como eu sobre estas matérias, como noutras, pois eles, com certeza, marimbar-se–ão também para as minhas.

“Não, não gostei de ler esta introdução e entristeceu-me a linguagem utilizada, eventualmente porque serei ignorante no seu entendimento…”, onde é que isso está escrito Vasco? Repito onde é que isso está escrito?
O 25 de Abril ou como eu gosto de escrever 25A74... eu estive nele de G3 na mão, no RI15 – Tomar -, estava mobilizado para Guiné (há postes no blogue onde estão documentos meus comprovativos e tudo).“… de Angola…”, só conheci os meus tios que trabalharam no duro em Luanda e arredores, investindo todos os centavos ganhos naquela terra em pequenas lojas, para no pós 25A74, retornarem a Portugal apenas com roupa que tinham vestida. Os que enriqueceram podem ser muitos mas eu não me relaciono com nenhum, nem me interessam para nada.

“A “nossa” Guiné, é por ela que o nosso Blog existe, ocupava o lugar n.º 175 entre 177 países no que ao índice de desenvolvimento humano diz respeito (é o terceiro pior país do mundo para se viver), tem uma mortalidade infantil de 200 por mil e um Produto Interno Bruto (P.I.B.) inferior à facturação anual de várias empresas portuguesas.”, lamento muito, sinceramente, mas a culpa, já lá vão 36 anos, é de quem? Repito de quem?

“Escolherás o saco onde me catalogarás, mas deixa-me dizer-te que em minha opinião os maiores amigos da Guiné são os nossos camaradas combatentes, tenham feito a guerra por amor à pátria ou obrigados, como foi o meu caso.”, pois eu também sou e tenho ido, até hoje, a TODOS os encontros, aqui em Matosinhos, que têm tido por fim ajudar a Guiné-Bissau, juntando-me aos nossos solidários Camaradas como o Zé Teixeira.

“Não os insultes!”, a minha resposta é QUÊ???????????????????????????? Insultei quem????????? Fica “ressabendo” que eu integro há muitos anos a esta parte duas associações de ex-Combatentes, onde continuo a ajudar, sempre que posso, mais destes Homens que tu jamais ajudarás em dias de vida! Por exemplo, ainda a semana passada quase vi falecer o nosso bom e leal Camarada Alfredo Dinis, no IPO do Porto, tendo-o visitado sempre que pude!

Isto era escusado amigo Vasco da Gama!
Era escusada a tua completa desinterpretação das minhas palavras e esta fissuração na nossa amizade!

Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

23 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 – P7320: Controvérsias (111): Copá: Quero aqui repor a verdade dos factos! (António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323) 


segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7393: Efemérides (56): Cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné (2) (Magalhães Ribeiro)


1. Dando seguimento à serie iniciada no poste P7388, continua-se a publicação de várias fotos e documentos alusivos à cerimónia da transição da soberania nacional na Guiné, que fazem parte do acervo pessoal do Eduardo José Magalhães Ribeiro, fui Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré/Mansoa/Brá – 1974. 

Camaradas,

Como já disse no poste P7388, esta matéria sobre a cerimónia simbólica da transição da soberania nacional na Guiné, para o P.A.I.G.C., devido ao seu peso informático (40 fotografias e 2 documentos históricos) teve que ser dividida em 5 postes, que vou tentar colocar durante esta semana, para que, aquelas 
pessoas que acompanhem a leitura, não percam a sequência de factos e fotos.

Sempre que eu escrevo alguma coisa neste blogue alguns camaradas dão pulinhos. Como o balanço é muito favorável, registo o meu apreço e agrado pelos vários e-mails e comentários criticando positivamente este meu trabalho e agradeço aos outros que leiam, outra vez e calmamente, o que eu escrevi (se quiserem). Ali não há nada escondido, nem sequer entrelinhas. É directo, sincero e é aquilo que eu penso. Não retiro dali uma vírgula! Quem quiser pode sempre conversar comigo pessoalmente, ou via e-mail, sobre as matérias por mim desenvolvidas.

O fim do Império português na Guiné 


Hoje publicam-se mais 10 fotos da referida cerimónia, que aconteceu em 9 de Setembro de 1974 – aquando da entrega do aquartelamento de Mansoa ao P.A.I.G.C. 
  
Nesta foto pode ver-se a malta da família Sá que esteve presente na cerimónia. Da esquerda para a direita: Maria idília , Miloca e Zita, Fernanda Sá (de óculos com uma bandeira artesanal na mão), Maria Emilia (mais atrás), Florinda, Teresa e Maria Helena (as últimas 3 são irmãs do Antero Sá). 
Ainda a família Sá. Da esquerda para a direita: Emília Maria (Diloca), Fernanda Sá, Helder (o mais pequenito), Emília Maria, Teresa, Zita e Maria Maria Helena. 

O Hélder, o Vitor e o Nuca (filhos da Florinda e Teresa Sá)

Aspecto do povo antes do início da festa. À direita pode ver-se o Alf Mil Oliveira Marques

À esquerda os pioneiros do PAIGC, de frente está o Alf Mil OpEsp Vitor e, à direita, o pessoal a da CCS devidamente formada

Aspecto do pessoal da CCS em sentido

Os guerrilheiros representantes do PAIGC (curiosamente só falavam francês)

Os guerrilheiros do PAIGC marchando para tomar as suas posições

Os guerrilheiros do PAIGC nas suas posições

O Comandante do Batalhão, o BCAÇ 4612/74, ten cor António da Costa Varino; o  Comissário Político do P.A.I.G.C.; o 2º Comandante do Batalhão, major Ramos de Campos;  e o Representante do C.E.M.E. do C.T.I.G., o ten cor Fonseca Cabrinha.
Vários comandantes do PAIGC (dos sectores Norte Centro e Sul, segundo me disseram)

(continua)

Um abraço,
Magalhães Ribeiro
ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BCAÇ 4612/74

Documentos e fotos: © Eduardo José Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados. 
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Nota de M.R.:

Guiné 63/74 – P7392: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XII): Sobre a nova Série do nosso Blog “O fim do Império português na Guiné” do nosso camarigo Magalhães Ribeiro



1. Mensagem de Vasco da Gama* (ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, Cumbijã, 1972/74) , com data de 6 de Dezembro de 2010:

Junto anexo mais uma Banalidade desta feita referente ao post do nosso camarada M.R.

Um abraço para todos.
Vasco da Gama



BANALIDADES DA FOZ DO MONDEGO - XII

Sobre a nova Série do nosso Blog “O fim do Império português na Guiné” do nosso camarigo Magalhães Ribeiro.

Estive na Guiné no período de Outubro de 1972 até finais de Agosto de 1974, a maior parte do tempo passado no Cumbijã, tabanca que havia sido abandonada julgo que em 1966 e que a minha companhia, a Companhia de Cavalaria 8351, companhia independente às ordens do Comando Chefe veio a reocupar nos princípios de 1973, então território de terra queimada sem o mínimo vestígio de gentes mas profusamente atulhado de minas que, pacientemente, fomos levantando até rapidamente termos ultrapassado o quarteirão, entre as antipessoal e as anticarro, simples ou recheadas com mais ou menos armadilha, tarefa que finda nos permitiu colocar duas fiadas de arame farpado para que pudéssemos erguer as nossas “moradias”, nem mais nem menos que as tendas de campanha, cavar umas valas e aguentar firme…

Entre o assalto a Nhacobá, a protecção diária à estrada Quebo-Nhacobá e à estrada Quebo-Buba num período posterior, vivíamos num perfeito isolamento, onde as notícias chegavam sempre atrasadas e onde, juro-vos, nunca ouvi falar de Migs nem de Cop’s nem nunca me deram conhecimento superior de Guidaje nem Gadamael e se o Guileje não nos passou despercebido foi porque os embrulhanços eram perfeitamente audíveis tanto no Cumbijã como em Nhacobá, tão perto e tão longe estávamos dos nossos camaradas da CCav 8350.

Ao chegar a este espaço que é o nosso Blog “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, fi-lo sobretudo para aprender com camaradas que vivendo experiências diferentes da minha me completassem o pouco que sabia da Guiné, no seu conhecimento estrutural, também para emitir uma ou outra opinião que ajudasse a escrever a história da Guiné, homenagear os meus queridos camaradas para que os seus nomes não ficassem esquecidos, mesmo dos mármores que vão aparecendo aqui e acolá, se calhar mais em jeito de sossegar consciências de quem “ordena” do que propriamente homenagear os nossos mortos, os nossos feridos, os nossos camaradas que se vão suicidando ou estendendo a mão à caridadezinha.

Só o ler nos princípios orientadores do nosso espaço que aqui “não nos insultamos uns aos outros, que somos capazes de conviver civilizadamente com as nossas opiniões diferentes, sejam elas políticas, religiosas ou outras” encheu-me de alegria tal que de pronto me desinibi para escrevinhar aqui e acolá e comentar esta ou aquela opinião.

Faço-o agora, e de pronto, ao post 7388, não pretendendo beliscar minimamente o interesse documental das fotografias que o M.R. começou a publicar, iniciativa que aplaudo enquanto amante da aprendizagem sobre a Guiné.

Ao ler a introdução à nova série do nosso camarigo M.R. que hoje se inicia onde expressa em letras garrafais, cuja utilização a outros criticou, o conceito “de ultramar português”, para de seguida apelidar alguns camaradas ex-Combatentes de ignorantes, de ressabiados, de fantoches apalhaçados, de idiotas, de serventias lacaias, que deturpam factos e acontecimentos porventura fatais à lealdade e veracidade que se exige nos registos paginais”, temendo que esses “tipos” deturpem a História de Portugal se calhar, apenas e só, por não pensarem como ele.

Não, não gostei de ler esta introdução e entristeceu-me a linguagem utilizada, eventualmente porque serei ignorante no seu entendimento, e dizer ainda antes de tocar em meia dúzia de coisas, que o 25 de Abril (por extenso, para que todos entendam) é por mim considerado como o dia da Liberdade que devolveu aos portugueses a possibilidade de aqui, ou em outro qualquer lado, discutirem com todo o àvontade o que o regime salazarista nos impedia de fazer, trocando sem medos de espécie alguma os nossos argumentos.

Não foi o 25 de Abril que colocou nas rédeas da governação este ou aquele partido, deu apenas e só ao povo a possibilidade de o fazer, o que há muito lhe era vedado: ir às urnas expressar o dever sagrado do voto, de participar activamente na eleição dos seus governantes.

Escolhemos mal? Culpemo-nos a nós que os elegemos mas deixemos o 25 de Abril sossegado.

Caro Pira de Mansoa, ao teu conceito de ultramar português, faltam algumas coisas, em meu modesto entender, apesar de também conhecer, como tu, muitas famílias
simples e trabalhadoras que, obtido que fosse o passaporte salazarista, para lá, sobretudo Angola, se deslocavam trabalhando no pequeno comércio ou na função pública conseguindo melhor sustento que a pátria salazarista lhes negava.

É que não te podes esquecer das famílias portuguesas que ascenderam a grandes patamares de riqueza à custa do controlo das matérias primas das colónias, não te podes esquecer da exploração da mão de obra indígena, do aproveitamento da escravatura, do absoluto desprezo pelos direitos dos trabalhadores, da inexistência de condições laborais com o mínimo de dignidade, da exploração da mão de obra infantil.

Administrámos territórios que foram “nossos” durante séculos a fio e estamos de mãos lavadas face à situação catastrófica em que a “nossa” Guiné se encontra?
A “nossa” Guiné, é por ela que o nosso Blog existe, ocupava o lugar n.º 175 entre 177 países no que ao índice de desenvolvimento humano diz respeito (é o terceiro pior país do mundo para se viver), tem uma mortalidade infantil de 200 por mil e um Produto Interno Bruto (P.I.B.) inferior à facturação anual de várias empresas portuguesas.

Só mais uma coisa, dizes que os portugueses procuravam uma terra que lhes desse o que não lhes era dado no Continente, justificando assim a sua ida para África…

É verdade.

E o que fazemos nós, os europeus, sim, além de Portugal também a Bélgica, a Inglaterra, a Alemanha, a França etc. foram potências colonizadoras, o que lhes damos em troca aos africanos que procuram aqui apenas e só o sustento que lhes mate a fome?
Impedimos a sua entrada, não com arcos e flechas, mas com armas mais mortais; as do racismo, da indiferença, da miséria, do desemprego ou fechando-os em guetos.

Escolherás o saco onde me catalogarás, mas deixa-me dizer-te que em minha opinião os maiores amigos da Guiné são os nossos camaradas combatentes, tenham feito a guerra por amor à pátria ou obrigados, como foi o meu caso.

Não os insultes!

Do meu Buarcos lindo, hoje carregado de nuvens cinzentas, com as paredes da minha casa brilhantes de humidade, a parecerem-se com a tristeza dos meus olhos, vos deixo, a todos, camarigos um abraço fraterno.

Vasco Augusto Rodrigues da Gama
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7130: (Ex)citações (101): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (Vasco da Gama / José Brás)

Vd. último poste da série de 5 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6675: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (XI): O escritor, o teatrólogo e o atrevido escrevinhador