segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13483: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte II: Viagem no T/T Uíge até Bissau, em setembro de 1967, e depois até Catió, de DO 27 pilotada pelo srgt Honório

.
Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão (CCS/BART  1913, Catiói, 1967/69).[ Foto  tirada pelo nosso saudoso Victor Condeço, 1943-2010, que foi fur mil mec armam, CCS/BART 1913].


1. Continuação da publicação do testemunho do nosso  camarada, o grã-tabanqueiro Horácio Fernandes.que foi alf mil capelão no BART 1913 (Catió, 1967/69)  (*)

Esse tstemunho é um  excerto  do seu livro autobiográfico, "Francisco Caboz; a construção e a desconstrução de um padre" (Porto: Papiro Editora, 2009, pp. 127-162).

O Horácio Fernandes vive no Porto. Vestiu o hábito franciscano, tendo sido ordenado padre em 1959. Deixou o sacerdócio no início dos anos 70. É casado, tem 3 filhos. Está reformado da Inspeção Geral de Educação onde trabalhou 25 anos na zona norte. Em 2006 doutorou-se em ciências da educação pela Universidadfe de Salamanca, Espanha.

Foi o nosso camarada e amigo Alberto Branquinho quem descobriu o paradeiro do seu antigo capelão (*).Tenho a autorização verbal do autor (que de resto é meu parente e conterrâneo), dada  por altura do nosso reencontro, 50 anos depois da sua missa nova (em 15 de agosto de 1959, em Ribamar, sua terra natal), para reproduzir esta parte do livro, relativa à sua experiênciade como capelão militar na Guiné, muito marcante e decisiva para o seu futuro como homem e como padre.

O livro já aqui foi objeto de recensão crítica por parte do nosso camarada Beja Santos (*).

Francisco Caboz é o "alter ego" do Horácio Fermandes (n. 1935, Ribamar, Lourinhã). O livro começou por ser uma tese de dissertação de mestrado em ciências da educação, pela Univeridade do Porto (1995): Francisco Caboz: de angfélico ao trânsfuga, uma autobiografia. Nesta II parte (pp. 135/139), o autor relata-nos à sua viagem até Bisssau e depois até Catió, onde foi colocado como capelão, em setembro de 1967, em rendição individual, na CCS/BART 1913.













_______________

domingo, 10 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13482: Efemérides (171): Relembrando o naufrágio no Rio Geba, no dia 10 de Agosto de 1972, em que perderam a vida três camarada da CART 3494 (Jorge Araújo)

1. Mensagem do nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), com data de 8 de Agosto de 2014:

Caríssimo Camarada Carlos Vinhal
Os meus melhores cumprimentos.

O Naufrágio no Rio Geba ocorrido no dia 10AGO1972, independentemente de estar a uma distância de quarenta e dois anos – faz hoje – foi, é e continuará a ser um tema sensível no contexto dos ex-combatentes da CART 3494, do BART 3873, por ter provocado, de forma perfeitamente estúpida, o desaparecimento de três dos seus membros por afogamento.
Porque estivemos envolvidos nessa experiência de forma intensa, em que durante alguns minutos vivemos entre a água e o céu, entre a terra e o inferno, entre a vida e a morte, como referimos na introdução, continuamos a considerar tarefa difícil fazer-se o seu luto, tão fortes foram as emoções e as tensões que ocasionaram.
Dito isto, não podia deixar de prestar, nesta data, mais uma singela homenagem aos camaradas naufragados, relembrando/recordando alguns detalhes desse evento, adicionando-lhe outros factos associados que merecem a nossa relevância social e histórica.
Eis, em anexo, mais um contributo historiográfico, para memória futura, sobre as nossas vivências no CTIG.

Obrigado.
Um forte abraço.
Jorge Araújo.
Ago2014.


RELEMBRANDO O RIO GEBA E O MACARÉU

O NAUFRÁGIO NO RIO GEBA – 10AGO1972 E FACTOS ASSOCIADOS

I – O NAUFRÁGIO

Introdução

Em 2012, faz hoje precisamente dois anos [Vd. P10246(1)], tomei a iniciativa de divulgar, na primeira pessoa, as ocorrências relacionadas com um acontecimento que marcou a vida colectiva dos ex-combatentes da CART 3494, em particular daqueles que directamente nele estiveram envolvidos – uma secção reforçada do 1.º GComb – e que ficou conhecido, na história da Companhia e do BART 3873, como o «Naufrágio no Rio Geba».

Como referi nesse testemunho histórico, durante alguns minutos vivemos entre a água e o céu, entre a terra e o inferno, entre a vida e a morte, sendo que este último conceito viria a aplicar-se, lamentavelmente, a três dos catorze militares que naquela 5.ª feira, 10AGO1972, faz hoje quarenta e dois anos, tinham por missão fazer a travessia entre as margens esquerda e direita do Rio Geba, por esta ordem, com o objectivo operacional de sinalizar eventuais vestígios deixados no terreno pelo IN, vulgo reconhecimento à zona circunvolvente ao Destacamento de Mato Cão.

Relembramos, neste contexto, que a travessia do Rio Geba, a iniciar-se no Cais do Xime, sito a 250/300 metros do Aquartelamento da Companhia, seria feita com recurso a um bote de fibra de vidro conhecido por Sintex, com motor fora de bordo de 50 cavalos, sendo sugerido no protocolo de utilização, como elemento de segurança, que a sua lotação não deveria ultrapassar a dezena de indivíduos, incluindo o barqueiro. Contudo o universo de efectivos militares destacados para esta missão era constituído por nove praças devidamente equipados, por mim próprio, e ainda pelo CMDT da Companhia, o ex-Cap. Pereira da Costa, pelo ex-Alf. Sousa, em situação de Estágio Operacional e pelo ex-Major de Operações Henrique Jales Moreira [o mais graduado], bem como pelo barqueiro do Sintex.
 


O naufrágio [relembrando alguns detalhes]


Com a navegação a cargo do barqueiro, como seria natural e normal, com o motor a desempenhar a sua função e com as águas muito agitadas por efeito do macaréu, cada um de nós não deixou de se interrogar quanto ao sucesso da «aventura» em que tínhamos embarcado e que, pouco tempo depois, deixou de ter hipóteses de retrocesso.

O pânico subia à medida que a embarcação se aproximava da cabeça do macaréu, cada vez com mais agitação e remoinhos à mistura. Naquele momento, um novo conceito surgiu no léxico dos militares, particularmente nas praças, que traduzia o sentimento que estavam a viver… “eu não sei nadar”, no princípio entredentes e depois mais audíveis e expressivos. O cenário começava, então, a ficar cinzento, deslizando para uma cor cada vez mais escura, independentemente de estar um dia óptimo, cheio de sol e com a temperatura ambiente a aumentar.

A pergunta filosófica que, certamente, cada um formulou para si, era a de saber como poderíamos sair daquele imbróglio, sãos e salvos? Entretanto, uma nova ordem foi dada, visando criar algumas réstias de esperança quanto à possibilidade e/ou às probabilidades de sobrevivência colectiva, apontando para uma “navegação o mais perto possível da margem esquerda”, ou seja, a mesma donde partíramos.

Quando nos encontrávamos a cerca de quatro/cinco metros do tarrafo – zona de lodo ainda não submersa, e onde habitualmente a comunidade de crocodilos [alfaiates; conceito militar] se organizava em frisa apanhando os seus banhos de sol [imagem acima] e, eventualmente, observava as suas presas – eis que se escuta uma nova ordem: “haja um que salte para o tarrafo levando consigo as correntes do bote com o objectivo de o poder suster”.

Olhando à minha volta, e perante a ausência de candidatos e/ou voluntários disponíveis para o cumprimento deste desiderato, eis que tomámos em mãos esse desafio. Porque a embarcação continuava instável face à movimentação das águas [imagem abaixo], o salto só poderia acontecer quando a distância entre o bote e a lodo fosse de molde a facilitar a operação proposta. Não sendo possível identificar o melhor momento para o salto, eis que no tempo «X» saltámos levando nas mãos a dita corrente já referida anteriormente. Durante o salto, feito de frente para o tarrafo, ouvimos, vindo da nossa rectaguarda, um ruído provocado pelo embate da proa do bote na parte mais alta do lodo, tendo como consequência a inclinação do mesmo projectando para a água todos os seus ocupantes.
Primeiro os que se encontravam no lado esquerdo da embarcação e depois os do lado direito, por efeito do desequilíbrio provocado pela transferência de peso que então ocorrera [lei da física].


De seguida, na água a luta era extremamente desigual entre o poder do Homem versus o poder da maré. Cada um dos militares, equipado e vestido com o seu camuflado que lhe dificultava a mobilidade no meio daquele líquido espesso e lodoso [imagem acima], procurava chegar a terra firme o mais rapidamente possível, pondo-se a salvo. E isso aconteceu a oito de um total de catorze elementos.

Dos seis em falta, três conseguiram entrar no bote: o barqueiro, o Miranda [1.º cabo de dilagramas] que, remando com a sacola das suas granadas, ajudou a recolher o ex-Major Jales Moreira em situação problemática. E os três seguiram ao sabor da corrente na direcção de Bambadinca, local onde estava sediado o Batalhão.


Os outros três elementos em falta eram: José Maria da Silva Sousa [de S. Tiago de Bougado, Trofa Velha (Santo Tirso)], Manuel Salgado Antunes [de Quimbres, São Silvestre (Coimbra)] e Abraão Moreira Rosa [da Póvoa de Varzim], que acabariam por desaparecer nas águas escuras e lodosas do Rio Geba, sem que existisse qualquer hipótese de salvamento [Vd. P10246(1)].


A recuperação dos náufragos

A angústia e a ansiedade dominaram o resto deste dia e dos subsequentes, desenvolvendo-se a crença e/ou a expectativa dos corpos dos desaparecidos poderem ser recuperados. Porém, essa crença e/ou expectativa apenas se concretizou uma vez, lamentavelmente. Decorridas mais de trinta horas após o acidente foi localizado um corpo/cadáver junto ao Cais do Xime [imagem abaixo]; era o do José Maria da Silva Sousa [o Bazuqueiro]. O seu corpo estava desnudo e em processo de transformação, como é natural neste tipo de ocorrência. O seu comprimento aumentara substancialmente, ultrapassando largamente os dois metros, assim como o seu peso, agora com valores a rondar os cento e cinquenta quilos.

Durante mais alguns dias, todos os olhares estiveram direccionados para o Rio Geba, esperando que ele nos devolvesse os outros dois corpos, mas em vão.


Em 13AGO1972, domingo, procedemos à realização do funeral do camarada José Maria da Silva Sousa, numa tarde de autêntico dilúvio [estávamos na época das Chuvas] e com direito a Honras Militares, função desempenhada pelo 3.º GComb, ficando o seu corpo sepultado no Cemitério de Bambadinca, sede do BART 3873.


Factos associados

Mesmo estando decorridos quarenta e dois anos da data desta lamentável ocorrência, continuam a persistir dúvidas a nível de alguns Quadros de Comando do BART 3873, nomeadamente quanto aos dois náufragos não recuperados. Em nome da verdade dos factos, confirmo que só um dos três corpos foi recuperado pelo contingente da CART 3494, pelo que só uma das três campas existentes no Cemitério de Bambadinca se refere ao militar metropolitano: o José M. S. Sousa.

Quanto às outras duas (?!) campas que o ex-Major Jales Moreira me informou aí existirem, em contacto recente, é de admitir, como probabilidade credível, que se refiram a dois combatentes do PAIGC, mortos no dia 01DEZ1972 na 2.ª emboscada na Ponta Coli [Vd. P9802], ou seja, três meses e meio depois do naufrágio.

Ainda hoje se não entendem as motivações que influenciaram a decisão de omitir, na HISTÓRIA DO BART 3873, este acontecimento marcante para todos nós, dele fazendo-se “tábua rasa”, nomeadamente no seu 5.º fascículo referente às actividades/acções do mês de «Agosto-1972» [pp. 77/79; pontos 35/40].
O único apontamento que conhecemos está expresso no Capítulo III – Baixas, Punições, Louvores e Condecorações [pp. 145/165]. Na pg. 149; Agosto-72; 1.Baixas; pode-se ler na alínea d) “Por Outras Causas” [nome dos três camaradas naufragados] “… todos da CART 3494, mortos por afogamento, no acidente do rio Geba, em 10AGO72”.
É inacreditável…, pois nunca houve justificação para tal.




II – HISTÓRIA DIVULGADA POR FAMILIAR DE UM NÁUFRAGO

O caso do Manuel Salgado Antunes

No dia 25 de Maio de 2013 Miguel Ribeiro Antunes, sobrinho de Manuel Salgado Antunes, na sequência de ter lido no blogue da CART 3494 a narrativa sobre o Naufrágio no Rio Geba de 10AGO1972, onde se fazia referência, justamente, aos nomes dos três náufragos [sendo um deles o de seu tio], tomou a iniciativa de nos escrever dando conta do que sabia sobre este tema.

A residir na Suíça, onde é arquitecto, Miguel Antunes refere que nunca conheceu o seu tio, que era irmão de seu pai. Sobre este caso, afirma que a sua família nunca soube muito bem o que se passou. A sua avó morreu há dois anos [2011] e no último dia de vida perguntou-lhe o que é que eu “Manuel” [confundindo-o com o seu filho/tio] estava ali a fazer quando estivera tanto tempo sem aparecer. Para Miguel foi o seu maior desgosto por ver aquela mulher, que ele adorava, morrer sem nunca ter tido uma certeza nem um corpo para fazer um funeral. Mais estranho é o facto de no dia em que sua avó morreu, esteve um senhor na sua casa afirmando saber onde estavam os restos mortais do seu tio na Guiné, e caso estivessem interessados em tratar deste assunto, ele era um ex-combatente.

Naquele contexto de muito pesar, a sua mãe não fixou o nome do senhor ex-combatente, tendo apenas a ideia de tratar-se de alguém duma localidade perto de Quimbres, de nome Carapinheira.

Pelo exposto, acredita que é o primeiro familiar de Manuel Salgado Antunes a saber, verdadeiramente, a história de seu tio, solicitando, se possível, mais informações sobre este caso, pois mantem presente essa curiosidade, agora que estão passados tantos anos.

Ainda nesse mesmo dia, na sequência de ter recebido notícias do camarada Sousa de Castro, que agradeceu, acrescentou que este assunto sempre se falou em sua casa sem problemas, mas nunca se aprofundou muito. A incerteza quanto ao incidente era alguma, até porque outras pessoas da aldeia e arredores, ex-combatentes, contavam várias histórias diferentes e ao longo dos anos talvez a versão original se tenha dissipado.

Porque se encontra na Suíça, por ser mais um que teve de deixar o País, não pode enviar fotos do seu tio. Mas, quando vier de férias a Portugal, promete enviar algumas que tem e que estiveram escondidas durante anos, decisão tomada pelo seu pai para que a sua avó não vivesse agarrada a esse passado – histórias da vida.

Perante estes dois contactos carregados de angústia e emoção, e como resposta ao interesse demonstrado em saber algo mais, escrevi-lhe o seguinte:

Caro Miguel,
Antes de mais receba os meus melhores cumprimentos e um bem-haja pela iniciativa que tomou. Com efeito, foi uma boa notícia saber que um familiar do Manuel Antunes, a mais de dois mil quilómetros da sua terra natal, tomou conhecimento, mais de quarenta anos depois, dos factos reais relacionados com a morte de seu tio, assunto que durante todo este tempo esteve envolto em mistério, suscitando naturais dúvidas e incredulidade no seio da sua família.

Considero este seu contacto, por isso, uma recompensa à iniciativa de tornar pública essa ocorrência estúpida, como são todas aquelas que poderiam ser evitadas, e que fez com que o seu tio naufragasse naquele dia 10Ago1972, nas águas revoltas do Rio Geba, na Guiné, e de mais dois camaradas seus.
Reafirmo o que ficou expresso na minha narrativa: - os corpos dos n/ camaradas Manuel Antunes, seu tio, e o do Abraão Rosa, nunca apareceram pelo que não existem restos mortais recuperados. Daí ninguém poder afirmar que conhece as suas localizações, o que lamento e lamentam todos os ex-militares constituintes da CART 3494. Lamento, ainda, a falta de ética e moral como trataram este assunto junto dos seus familiares directos, ocultando a verdade dos factos, entretanto tornados públicos. Por via da existência deste nosso blogue, que é a expressão colectiva de todos quantos partilharam o mesmo contexto, pretendemos continuar a prestar um verdadeiro “serviço público”.

Uma vez que gostaria de voltar a este assunto, e porque certamente o Miguel já fez circular estas notícias por outros membros da sua família, muito grato ficaria se pudesse acrescentar algo mais ao que já referiu nos seus comentários, em particular a opinião de seu pai [a resposta ainda não chegou…].
J.A.

Porque este foi, é e continuará a ser um tema sensível no contexto da CART 3494, do BART 3873, os acontecimentos no Rio Geba [Xime-Bambadinca], no dia 10AGO1972, continuarão a ser relembrados/recordados… sempre, na medida em que é difícil fazer-se o seu luto.

Um grande abraço, muita saúde e boas férias.
Jorge Araújo.
10Ago2014.
____________

Nota do editor

(1) - Vd. poste de 10 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10246: Efemérides (107): Dia 10 de Agosto de 1972 - Naufrágio no Rio Geba de um sintex com pessoal da CART 3494 (Jorge Araújo)

Último poste da série de 7 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13472: Efemérides (170): João Augusto Ferreira de Almeida - o único português fuzilado na I Grande Guerra (Benjamim Durães)

Guiné 63/74 - P13481: Histórias da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71) (Luís Nascimento / Joaquim Lessa): Parte XX: a festa dos meus 25 anos, em Farim (Carlos Simões, ex-fur mil op esp. 1º pelotão)





1. Histórias da CCAÇ 2533 > Parte XX (Carlos Simões, ex-fur mil op esp, 1º pelotão):

Continuamos a publicar as "histórias da CCAÇ 2533", a partir do documento editado pelo ex-1º cabo quarteleiro, Joaquim Lessa, e impresso na Tipografia Lessa, na Maia (115 pp. + 30 pp, inumeradas, de fotografias). (*)

Desta vez, o Carlos Simões  conta-nos como é que passou o seu 25º aniversário natalício, em Farim...   Não foi diferente de outars festas de anos, passadas no mato, ao longop de toda a guerra... Com muito álcool... Este  episódio vem contadao na primeira pessoa, a pp. 77, do livrinho em questão... Boa continuação das férias para os nossos leitores...LG

Guiné 63/74 - P13480: Parabéns a você (769): Alberto Nascimento, ex-Sold Cond Auto da CCAÇ 84 (Guiné, 1961/63) e Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Cond Auto da CCAÇ 4745 (Guiné, 1973/74)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 9 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13476: Parabéns a você (768): Anselmo Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)

sábado, 9 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13479: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CART 3493) (9): Mesmo lá (tive sorte)

1. Em mensagem do dia 2 de Agosto de 2014, o nosso camarada António Eduardo Ferreira (ex-1.º Cabo Condutor Auto da CART 3493/BART 3873, Mansambo, Fá Mandinga e Bissau, 1972/74), enviou-nos mais um Pedaço do seu tempo.


PEDAÇOS DE UM TEMPO

9 - MESMO LÁ 

Amigo Carlos Vinhal
Antes de mais, votos de boa saúde extensivos a todos que te são queridos.

Com o passar do tempo, por vezes, dou comigo a recordar situações que quando era mais novo a vida não me permitia, há dias, fiz uma viagem ao meu passado pela Guiné e cheguei à conclusão que não me posso queixar de falta “sorte” durante o meu tempo de comissão.

Os meus camaradas, quase todos, foram de barco, eu fui de avião, ainda que velhinho. Demorou na viagem “apenas” nove horas, incluindo uma paragem em Cabo Verde onde viria a tomar o primeiro contacto com o clima de África.

Enquanto eles foram estagiar no Cuemuré, eu estive cerca de trinta dias em Bissau (nos Adidos), o que sempre deu para conhecer de forma mais suave o clima, as várias etnias que compõem a população da Guiné e o bulício da cidade. Para quem não fazia a mínima ideia daquilo que foi encontrar, foi muito bom aquele tempo de adaptação antes de chegar à companhia.

Depois viajei de Dacota até Bafatá, daí em coluna para Bambadinca e depois Mansambo. Os meus camaradas foram pelo rio Geba de LDG, até ao Xime depois em coluna auto para a sede da companhia.

A primeira mina anticarro acionada por uma viatura da nossa companhia foi na picada de Mansambo para Candamã. Nesse dia eu tinha ficado no quartel, o condutor era o José de Sousa.
A única flagelação que sofremos em Mansambo, estávamos vários condutores a carregar terra para levar para a oficina, começamos a ouvir saídas de morteiro, a nossa reação foi fugir para o abrigo mais próximo. Eu fui o último a sair do local onde estávamos, era um buraco enorme, provavelmente feito pelos militares que construíram o aquartelamento. Nesse momento tive um pressentimento que não tardaria que as morteiradas começassem a cair e não tivesse tempo de chegar ao abrigo, voltei para trás e deitei-me no local onde estávamos a carregar a terra.
Talvez tenha sido a minha sorte, as primeiras caíram precisamente no trajeto que os meus colegas fizeram até ao abrigo do nosso 81, eu era o último…

Não fosse os três feridos graves que tivemos e teria de considerar que estive num dos melhores sítios da Guiné daquele tempo, no que a guerra diz respeito. Com muito trabalho, mas era bem melhor que estar dentro do arame farpado sem poder de lá sair, como veio a acontecer mais tarde quando fomos para o sul.

No dia que chegámos a Cobumba, enquanto tivemos dentro da LDG à espera para desembarcar, fomos escutando o relato de um jogo de futebol que estava a decorrer entre o F C do Porto e o Benfica (dia 8 de abril de 1973), nos encarnados a grande referência era Eusébio, a grande esperança dos portistas tinha vindo da América Latina, chamava-se Cubillas.

Vista parcial de Cobumba, local onde estiveram dois grupos de combate e quase toda a formação

Entretanto era chegado o momento de começarmos a descarregar, e transportar as coisas que levávamos para um local a cerca de quinhentos metros do cais, eu fui na primeira viatura, o condutor era o Cabral, foi um dos que seguiu mais cedo para Bissau quando ainda estávamos em Mansambo para levantar as viaturas, passaram as quatro e nada de anormal aconteceu.

Depois de feita a descarga foi o regresso ao rio para novo carregamento, o capitão disse-me para eu seguir com o Unimog, mas o Cabral disse que ia ele, andou cerca de cinquenta metros, a viatura acionou uma mina, passados poucos minutos estava a ser evacuado para Bissau, não mais voltou à companhia. Pouco tempo depois regressou à Metrópole para continuar o tratamento no hospital.
Uma vez mais a sorte esteve do meu lado.

Passado cerca de um mês de estarmos em Cobumba, vim a segunda vez de férias à Metrópole, durante esse tempo os meus camaradas sofreram o primeiro e único grande ataque quase corpo a corpo, ainda não tínhamos arame farpado e poucas valas de proteção, existiam muitas árvores de grande porte o que tornou possível a infiltração do IN chegando a poucos metros.
Uma vez mais tive sorte por estar de férias e não ter assistido a tal encontro.

Próximo de deixarmos Cobumba, estava de serviço de condutor, os picadores detetaram uma potente mina anticarro no trajeto que eu teria de fazer. Como de costume foi levantada pelo furriel Trindade, uma vez mais a sorte esteve comigo.
Essa mina foi levada para a arrecadação onde dois ou três dias depois viria a explodir, provocando as duas primeiras baixas da nossa companhia, o furriel Galeano e um soldado do 2.º pelotão, de quem já me não recordo o nome.

A três semanas do regresso à metrópole, a minha companhia fez uma coluna a Farim, eu estava a recuperar de um ataque de paludismo, fui dispensado pelo médico de fazer serviços pesados, apesar da doença que me fragilizou bastante, tive sorte, fazer colunas para Farim naquele tempo não era nada agradável.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 de Fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12671: Pedaços de um tempo (António Eduardo Ferreira) (8): Tempos de Bissau - Estórias opostas

Guiné 63/74 - P13478: Bom ou mau tempo na bolanha (61): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (1) (Tony Borié)

Sexagésimo episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Olá companheiros, ainda se lembram de mim?

Estou de novo convosco, tenho acompanhado, na medida do possível, o nosso blogue, o comandante Luís, de férias, que espero já caminhe bem e coloque a sua máquina fotográfica, em posição de “acção”, dispare fotos “a torto e a direito”, às vezes em frente a um espelho velho, partido e usado”, que até ficam “originais” e, acompanham aqueles poemas, que, ao lê-los, (não sei se é assim que se escreve), até parece que estamos lá no “sítio”, de onde eles falam, o Carlos Vinhal, que me manda, de vez em quando, algumas notícias do pessoal ou de coisas da Guiné, saia por alguns momentos do seu “posto de controle”, que deve de ser alimentar o nosso blogue no seu computador, vá lá à praia de “Massarelos”, (com a sua esposa), pois não vá alguma “girl”, apanhá-lo em “fato de banho”, apanhar algum sol, nem que seja por algumas horas por dia e, os restantes companheiros, alguns, muito bons colaboradores do nosso blogue, que com os seus resumos de guerra, críticas, lembranças, comentários, alguns “maldosos”, outros “confortáveis”, nos vão passando alguns momentos gratificantes, neste mundo, que se vai indo, cada vez pior, pelo menos para os mais jovens, pois nós, habituados à “guerra e ao sofrimento”, já pouco nos “apoquenta”, porra, não sei outra vez, se é assim que se escreve!.!.


Uff, já cheguei a casa, só de loucos, que viagem, pensava fazer 14.000 milhas e fiz mais de 15.000!
Não sei como vos vou explicar todos os pormenores, vai ser uma “coisa por alto”, espero que não digam “é só umbigo”, pois nada mais me move, do que a intenção de compartilhar com todos os meus companheiros, esta experiência, por favor não vão dizer, “é só americanices”, (e se disserem ou pensarem, também compreeendo, pois as coisas do dia a dia, são difíceis de obter, pelo menos na nossa idade), mas companheiros, nunca usei hotéis de luxo, comi a maior parte das vezes do que cozinhava e, dormia também a maior parte das vezes na caravana, só quando o tempo não permitia, pagando algumas vezes o espaço que ocupava nos parques de campismo. O resumo que tento escrever é sincero, foi mais ou menos o que se passou, os principais momentos vão saber, pois vocês, que lá andaram, comeram o “peixe e arroz da bolanha”, merecem saber, talvez vos faça vir “ao de cima”, as célebres “colunas” para Mansabá, Bissorã ou Olossato.



Já chega de blá, blá, blá, cheguei, estou em casa, na Florida e, lá vai mais uma lembrança portuguesa, agora aquela cantiga do folclore alentejano que anda na boca de toda a gente, ou quase toda agente, que é mais ou menos, “Às quatro da madrugada, o passarinho cantou”.

Mais ou menos dois séculos depois, não tendo nada a ver com “exploradores”, “descobridores”, “pescadores” e “achadores”, foi a essa hora que acordámos, fazendo os últimos preparativos para a viagem, saindo de nossa casa, no estado da Florida, que foi explorada e colonizada pelos espanhóis, que a controlaram até 1819, quando foi comprada e anexada pelos Estados Unidos e, que fica localizada na região sudeste do país, sendo o estado mais meridional dos 48 estados da parte continental dos USA e, como quase toda a gente sabe, a principal fonte de renda da Flórida é o turismo.
O estado é conhecido mundialmente pelas suas diversas ofertas turísticas, que atraem anualmente mais de 60 milhões de visitantes, principalmente no inverno, vindos de outros estados americanos e de outros países. Estas atrações incluem inúmeras praias, aliadas ao clima relativamente ameno o ano inteiro., o parque de diversões Walt Disney World, a que muitas pessoas chamam “Disneylândia”, ou ao Centro Espacial Kennedy, que fica situado numa região a que chamam Space Coast, pois é lá que se situa uma Base da Força Aérea, de onde saem a maioria das naves espaciais dos USA, rumo ao espaço. Cabo Canaveral foi escolhido como local para o lançamento de naves espaciais, porque se situa muito próximo do equador e, desta forma, conseguir lançar uma nave espacial com a menor energia possível, aproveitando o movimento de rotação da Terra. Assim, as naves espaciais são sempre lançados para o leste, sobre o oceano, distante de centros populacionais.
Com aquele sentido de orientação que talvez tivéssemos herdado dos nossos antepassados navegadores portugueses, também tomámos um rumo de sul para norte, de leste para oeste, passando cidades vilas e aldeias, que nos levariam do estado da Florida até ao do Alaska, no mínimo espaço de tempo, e claro, despendendo a menor energia possível!.



Revisámos os últimos preparativos, tudo em ordem e saímos de nossa casa, às 6 horas da manhã, tomando a estrada número 95, no sentido norte, de seguida a estrada 10, de leste para oeste, atravessando um pouco do norte do estado da Florida, até à estrada número 75, que atravessa o longo estado da Geórgia que é o maior estado do país em área terrestre, a leste do rio Mississippi, embora o Michigan, a própria Flórida ou o Wisconsin, sejam maiores se a área ocupada por água for incluída, sendo a maior parte da Geórgia coberta por florestas, primariamente pinheiros, pessegueiros e magnólias. Quando entrámos no estado o terreno é plano e menos acidentado, já no norte é primariamente montanhoso. Dizem que o turismo e a indústria madeireira são importantes fontes de renda da Geórgia. À hora que atravessámos a cidade de Atlanta, tivemos alguma dificuldade com o tráfico, pois existe uma grande rede de estradas que se cruza nesta área e, se se não vai com muita atenção, não existe GPS que nos valha, e para os menos precavidos, são capazes de tomar a direcção do norte, quando a sua rota era o sul.

Já agora, não ficava bem se não vos explicássemos que a região que constitui atualmente a Geórgia fora disputada durante o final do século XVII e o início do século XVIII, entre o Reino Unido e a Espanha, quando então fazia parte de uma colónia chamada de Carolinas, que incluía também os atuais estados de Carolina do Norte e Carolina do Sul, depois por volta de 1724, os britânicos criaram a colónia de Geórgia, onde se instalaram na região, no que atualmente constitui a cidade de Savannah. Dizem que a Geórgia foi a última das Treze Colónias criada pelos britânicos e, claro, após a vitória americana na Revolução Americana de 1776, se tornou-se o quarto estado americano.


Já o sol ia alto, quando entrámos no estado de Tennessee, onde entrámos na estrada 24, com um tráfico, algumas vezes lento, com montanhas suaves em algumas zonas e agressivas em outras e, nós como levávamos um “atrelado”, que era nossa “casa ambulante”, que nos havia de valer “milhões”, em muitas situações onde havia zonas, (lá mais para o norte, ou já no Canadá e perto do estado do Alaska, onde a estrada seguia por mais de duzentas milhas sem qualquer alojamento, ou simples estação de serviço), fomos atravessando parte do estado do Tennessee, passando por algumas vilas ou cidades do actual Tennessee, que durante o período da colonização britânica da tal região das Treze Colónias, que na altura fazia parte do atual estado da Carolina do Norte e, era facilmente a região mais ocidental das antigas Treze Colónias britânicas. O Tennessee, por causa da cordilheira de montanhas dos Apalaches, era isolado do restante da Carolina do Norte. Após o reconhecimento da independência dos USA, por parte do Reino Unido, em 1783, os habitantes da região passaram a pedir a separação da região do atual Tennessee do restante da Carolina do Norte. Assim sendo, em 1796, o Tennessee separou-se da Carolina do Norte, tornando-se o 16.º estado norte-americano.


Sempre seguindo na estrada 24, no sentido sul norte, leste-oeste, entrámos no estado de Kentucky, que muitas pessoas acreditavam que a origem do nome do estado vinha de uma palavra “ameríndia” que significa "terreno de caça escuro e sangrento". Porém, atualmente, acredita-se que a palavra Kentucky possa ser atribuída a numerosos idiomas indígenas, com vários significados possíveis. Alguns destes significados são "terra do amanhã", "terra de cana e perus" e "terras pradas".

A região onde está localizado atualmente o Kentucky, como não podia deixar de ser, foi colonizada originalmente por colonos da colónia britânica de Pensilvânia, em 1774, mas passou a ser controlada pela Virgínia ao longo da guerra de independência, e tornou-se o décimo quinto estado norte-americano a entrar na união. Atravessámos a fronteira pela ponte sobre o rio Ohio, e dormimos na cidade de Marion, no estado de Illinois, cujas primeiras cinquenta milhas é deserto com algumas quintas com muitas vacas e com aquele cheiro característico dos currais que aquelas quintas têm.

Neste primeiro dia percorremos 868 milhas, com o preço da gasolina que variava entre $3.24 e $3.65 o galão, que são mais ou menos 4 litros.

Tony Borie,
Agosto de 2014.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 7 de Junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13254: Bom ou mau tempo na bolanha (59): O Alferes Miliciano Bobone (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P13477: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte I: Passagem pela Academia militar aos 32 anos












1. Começamos hoje  a reproduzir aqui o testemunho de um camarada nosso, grã-tabanqueiro (*), que foi alf graduado capelão no BART 1913 (Catió, 1967/69), Horácio Fernandes.  

[Foto á esquerda, tirada pelo nosso saudoso Victor Condeço, 1943-2010, que foi fur mil mec armam, CCS/BART 1913]

Tenho  a  autorização verbal do autor (que  de resto  é meu parente e conterrâneo), nais de 50 anos depois do nosso último encontro, para reproduzir um excerto do seu livro autobiográfico, "Francisco Caboz; a construção e a desconstrução de um padre" (Porto; Papiro Editora, 2009, pp. 127-162), relativamente  à sua experiênciade como capelão militar na Guiné, muito marcante e decisiva para o seu futuro como homem e como padre.

O livro já aqui foi objeto de recensão crítica por parte do nosso camarada Beja Santos (**).

Francisco Caboz é o "alter ego" do Horácio Fermandes (n. 1935, Ribamar, Lourinhã). O  livro começou por ser uma tese de dissertação de mestrado em Ciências da Educação, pela Univeridade do Porto (1995): Francisco Caboz: de angélico ao trânsfuga, uma autobiografia.

O Horácio Fernandes vive no Porto.  Deixou o sacerdócio. É casado, tem 3 filhos. Foi o nosso camarada e amigo Alberto Branquinho quem descobriu o paradeiro do seu antigo capelão (***).

_____________

Notas do editor:

(*) Vd poste de 12 de julho de  2012 > Guiné 63/74 - P10145: Tabanca Grande (348): Horácio Neto Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1911 (setembro de 1967 / maio de 1969) e BCAÇ 2852 (Bambadinca, maio/dezembro de 1969), nascido Maçarico, natural de Ribamar, Lourinhã, grã-tabanqueiro nº 565...

(**) Vd. psote de 3 de fevereiro dfe  2012 > Guiné 63/74 - P9439: Notas de leitura (329): Francisco Caboz, A Construção e a desconstrução de um Padre, por Horácio Neto Fernandes (Mário Beja Santos)

(..) “Francisco Caboz, A construção e a desconstrução de um Padre”, por Horácio Neto Fernandes (Papiro Editora, 2009), é um relato ímpar pela simplicidade do que documenta, pela coragem em pôr por escrito recordações por vezes pungentes da criança sofrida que o adulto guardou em bom recato. Algures, na Lourinhã [, Ribamar,] num ambiente de pobreza austera, um menino solícito e participativo nas fainas duras do campo e das pescarias do pai, guardou esculpido a cinzel as memórias de um meio rústico, das brincadeiras das crianças e da religiosidade dos actos litúrgicos, dos bodos e da catequese. Terá sido na escola primária, no princípio dos anos 40, que se sentiu impelido a ser padre. Com 11 anos partiu para o Colégio Seráfico, em Braga, partiu com o enxoval mínimo (...)

O padre construiu-se a partir deste colégio que era um pesado e frio edifício de quatro pisos, circundado por densa e verdejante mata (...)

Francisco não esqueceu a composição do pequeno-almoço, do almoço e do jantar, as diversões, os passeios, as orações e a composição dos estudos. É uma descrição por vezes arrepiante, o leitor segue-o pelos lugares, envolve-se nos sacrifícios e nas medidas disciplinares, Francisco é tão evidente que aceitamos que se tenha habituado a cumprir sem pestanejar, sentindo-se sempre devedor dos padres. Cresce e habitua-se a afastar as tentações da carne. Aliás, segundo o director espiritual, as mulheres catalogavam-se da seguinte maneira: as freiras que se tinham consagrado a Deus; as mulheres casadas, sobretudo as mães dos padres, porque tinham dado um filho a Deus; depois as outras mulheres que procriavam; e as solteiras eram sempre um perigo porque causavam maus pensamentos aos homens. No final do 5º ano partiu para o Convento do Varatojo, agora era um rapaz de fato preto e chapéu na cabeça, é aqui que ele vai fazer um ano de noviciado, aqui também há castigos e penitências para as faltas. A nova etapa serão três anos de curso filosófico e depois quatro anos de curso teológico, no Seminário da Luz, em Carnide. De vez em quando, Francisco corre o risco de ser expulso, uma vez enviam uma carta anónima denunciando um tio que vivia amancebado, era o suficiente para a sua expulsão, felizmente que tudo se esclareceu. Temo-lo agora padre, em Agosto de1959, começa a sua missão, reza missas em casas senhoriais, presta serviço religioso nas igrejas, é professor.

A desconstrução de um padre começa nas suas hesitações ou vacilações: está apto a exercer a sua missão de sacerdote? Se o autor carpinteirou admiravelmente o contexto onde nasceu um padre e o modo como ele foi construído, há que confessar que esta desconstrução é descosida, frouxa, perdeu o nervo, é uma narrativa arrancada à força, um testemunho que não agarra o leitor pela gola.

Imprevistamente, é indigitado para capelão militar, frequenta a Academia Militar, aprende a manejar a G3 e ouve o bispo de Madarsuma a explicar a razão do compromisso com a pátria e a razoabilidade da guerra aos terroristas, Portugal estava a defender a civilização cristã contra as agressões externas. É nomeado capelão militar no BART 1913, segue para Catió num DO pilotado pelo lendário sargento Honório. É logo praxado na sala de oficiais, à mesa, no almoço, o major passa-lhe fotografia com mulheres nuas e Francisco pergunta-lhe se eram fotos da mulher dele, valeu o médico do batalhão que conseguiu que o caso ficasse abafado. Temos uma descrição de Catió como uma vila isolada e cercada de florestas e rios com um administrador cabo-verdiano, um administrador adjunto alentejano e uma dúzia de cipaios; havia duas casas comerciais e um comerciante conservava o seu estabelecimento na outra margem do rio, num local chamado Ganjola, onde esteve um destacamento que depois veio a ser abandonado com consequências sérias para Catió. É uma descrição cuidada mas pouco vibrante, sabemos que houve ataques à sede do batalhão mas ele é praticamente omisso quanto ao seu relacionamento com os militares. Há igualmente uma descrição de Cabedu, um aquartelamento mais a sul onde Francisco apanhou um susto quando os guerrilheiros invadiram a pista e entraram na povoação. 


Pouco também ficamos a saber do seu múnus apostólico fora do quartel, ele é lacónico: “Francisco nunca foi visita assídua nem das populações nem dos comerciantes brancos. Naturalmente reservado, nunca actuou como se fosse o pastor do rebanho com as obrigações inerentes. Tinha o papel de capelão, procurava desempenhá-lo, mas pouco mais do que isso”. As suas homilias eram obrigatoriamente para falar do heroísmo dos nossos soldados e da vida difícil da Guiné. O BART 1913 foi rendido, Francisco foi colocado em Bambadinca, numa zona que ele classifica como a mais cobiçada pelo inimigo. Adoece e entretanto a sua comissão chegou ao fim, regressa em Dezembro de 1969. Com o dinheiro que juntou, vai estudar e ajuda a irmã, que está a tirar o curso de contabilidade. (...)

(***) Vd. poste de  17 de junho de  2011 >  Guiné 63/74 - P8437: Contraponto (Alberto Branquinho) (36): A construção e a desconstrução de um Padre

Guiné 63/74 - P13476: Parabéns a você (768): Anselmo Garvoa, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 2315 (Guiné, 1968)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 8 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13473: Parabéns a você (767): Henrique Martins de Castro, ex-Sold Cond Auto da CART 3521 (Guiné, 1971/74) e José Santos, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 3326 (Guiné, 1971/73)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13475: Manuscrito(s) (Luís Graça) (39): A felicidade ? É onde nós a pomos e onde nós estamos...












Tabanca de Candoz > 14 de julho de 2014 > O ninho das andorinhas residentes na Quinta de Candoz (1ª foto de cima)... E outras imagens que podem ser facilmente associadas à arte de ser feliz...

Fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.



Não sei se as aves do paraíso são felizes…
por Luís Graça


Não sei se as aves do paraíso
são felizes.
Mas em Candoz poderiam  sê-lo.
Não há aves do paraíso em Candoz
porque Candoz fica no hemisfério norte,
longe dos trópicos e longe do paraíso
(se é que ele existe).
Dizem que as aves do paraíso
são as criaturas mais lindas do mundo.
Em Candoz, há outras aves, outros pássaros,
daqueles que rasgam os céus
e nidificam na terra:
não há perdizes,
ou, se existem, são poucas e loucas;
mas há verdes pombos bravos dos pinhais,
e rolas, de outras paragens,
alegres pintassilgos,
ruidosos pardais do telhado,
andorinhas, cada vez mais,
no vaivem das suas viagens,
mas também toutinegras, popas, verdilhões.
Há coros de rouxinóis,
outras aves canoras e canastrões,
melros de bico amarelo
que fazem seus ninhos nas ramagens 
das videiras do vinho verde.
Não há guarda-rios, de azuis e rubras plumagens,
à cota trezentos,
com o rio Douro ao fundo do vale,
a serra de Montemuro em frente.
Eça de Queiroz,
meu vizinho, da Quinta de Tormes,
deveria ter gostado de conhecer Candoz
onde os pássaros são livres,
e, se são livres, logo serão felizes.
Pelo menos têm grandes espaços para voar,
os pássaros de Candoz.
Claro que há os predadores,
o gaio, o corvo, o búteo, o mocho, o milhafre…
A liberdade é a primeira condição da felicidade.
Triste é o melro na gaiola,
mesmo que esta seja forrada a ouro.
A outra condição é a equidade.
E eu aqui presumo
que haja igualdade de oportunidades
na busca de alimentos,
de sítios para nidificar
e de parceiros para acasalar.
As andorinhas que por cá ficaram,
há mais de uma década,
parecem ser felizes.
São inteligentes, as andorinhas,
e façam análises de custo-benefício,
como qualquer economista.
Passam todo o santo dia a caçar insetos
num raio de 500 metros à volta do ninho
que fizeram no alpendre de uma das casas
em redor do fio da lâmpada exterior.
É uma insólita construção,
herdada de geração em geração
e todos os anos retocada ou reconstruída.
Já não voltam para o norte de África,
Ficam por cá,
as andorinhas de Candoz.
Se calhar fogem de Alá,
do alvoroço do povo
e dos tiros das Kalash.
Afinal, a felicidade está onde nós a pomos,
mas nós nunca a pomos onde nós estamos.



Lourinhã, 7/8/2014.

PS - Há 38 anos casei-me na Tabanca de Candoz,
com a Chita,
a minha “ave do paraíso”.
Foi o primeiro casamento civil do ano,
no Marco de Canaveses.
__________________

Nota do editor:

Último poste da série > 3 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13459: Manuscrito(s) (Luís Graça) (38): Que viva la (mo)vida... e o choco frito do Bar da Peralta!