segunda-feira, 25 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16331: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (46): Quando Bismarck, Leopoldo II e as outras potências, Inglaterra e França (Cecil Rodhes e outros) dividiram África em Berlim, estavam-se nas tintas para os africanos... Ensaiaram depois o neocolonialismo a que chamaram independências e

1. Comentário de António Rosinha ao poste P16322(*)



[Foto à esquerda: Antº Rosinha: (i)  é um dos nossos 'mais velhos', membro ´senior da Tabanca Grande;
(ii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;
(iii) fez o serviço militar em Angola, foi fur mil, em 1961/62, (iv) diz que foi 'colon' até 1974;
(v) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil):
(vi) até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência'; 
(vii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'] (**`*)



Talvez a Diamang fosse em Angola a única Companhia que melhor imitava as grandes companhias inglesas, alemãs, belgas e francesas em África.

Quando Bismarck, Leopoldo II e as outras potências, Inglaterra e França (Cecil Rodhes e outros) dividiram África em Berlim, era simplesmente para dividir a exploração dos recursos naturais, ouro diamantes, volfrâmio, madeiras e o que aparecesse.

Estavam-se nas tintas para os africanos, nem para escravos os queriam, pois estes já estavam a ficar muito exigentes, já queriam trocar a tanga de pele de gazela por tirylene, e a querer uma retrete para o preto ao lado da do branco,  além da escola para o preto ao lado da do branco.

Então ensaiaram o neocolonialismo a que chamaram independências e abandoram em África os pobres dos portugas sozinhos que foram os últimos europeus, (Europeus?, só se forem de segunda, dizem aqueles sacanas), a sair de África e a deixar os diamantes sem sangue, a ficar como todos os outros diamantes, petróleos e volfrâmios completamente ensanguentados.

Honra a [Nelson] Mandela que não deixou que os boers fossem expulsos de sopetão e as riquezas continuam na África do Sul.

Sorte dos sul-africanos e azar das zebras, búfalos e girafas da Rodésia, Zimbabué de Mugabe, que já vende em leilão todos os animais das reservas de caça por falta de água, que morrem à sede (jornais)

A guerra de Pirada e Guidaje visava principalmente a Lunda do Comandante Vilhena, pai do museu do Dundo e os Bothas da África do Sul, o cone de África.

Os Guineenses eram, e são o mexilhão.

JD, é difícil explicar, mas sabes que também não leio pela tua cartilha, és mais Norton e Galvão,  como eram muitos imperialistas.  eu sou mais Antoninho da calçada.

Nós nunca podiamos imitar aqueles grandes exploradores.

Fui teu colega 1 mês, comia no refeitório dos solteiros no Cafunfo, já contei. (**)

Grandes e complicadas vidas, mas que mundo estuporado.

Não deixemos cair a "peteca" (como dizem os brasileiros). Falta muito para contar o fim dos impérios!

Antº Rosinha (***)

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(**) Vd, poste de  19 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12603: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (30): Só os diamantes são eternos... Ou: hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.


(...) Amigo José M. Diniz (e penso que me estou a dirigir a C. Martins também), eu andei na Lunda na tropa e a fazer uma estrada na região de Henrique de Carvalho.

E para a Diamang estive em Cafunfo (1970) a fazer uma picada entre uma futuro lavandaria e um rio que foi desviado para exploração.

Estive perto de um mês a conviver com algarvios exclusivamente, no refeitório dos solteiros, que trabalhavam numa lavandaria no Cafunfo.

Era um mundo à parte dentro de Angola e da própria Lunda. Não havia minhotos, beirões, transmontanos nem das Ilhas, e o meu contacto profissional era com um homem chamado Bastos, alentejano, de Elvas (?) e conheci e trabalhei recentemente com um neto desse homem (há 10 anos, antes de me reformar).

Diniz, afinal também estavas informado e encostado, meu malandro. Será que havia segregação nos seleccionados para funcionários da Diamang? (...) 

(***) Os últimos postes da série, desde 2014 (há um nº, o 42, repetido, por lapso):

12 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16079: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (45): A brutal emboscada do dia 22/3/1974, na estrada (alcatroada, construida pela TECNIL ) Piche-Nova Lamego: só por negligência, propositada ou intencional ou casual, estes casos podiam acontecer... É coincidência apenas, ou as Forças Armadas só já estavam preocupadas com outros valores?...

3 de maio 2016 > Guiné 63/74 - P16044: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (44): Os desentendimentos constantes entre alguns PALOP e Portugal... A luta continua.!...


30 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15913: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (43): Os receios europeus de um antigo colonialista português, gen Norton de Matos, em dezembro de 1943


22 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15781: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): A unidade que os cabo-verdianos ajudaram a criar


5 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15748: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (42): As riquezas das matéria primas africanas e as fantasias criadas


16 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15623: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (41): o que foi mais devastador para o PAIGC foi precisamente a campanha psicológica spinolista por uma "Guiné Melhor"


9 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15464: Caderno de Notas de um Mais Velho (40): "A colónia onde todas as Fatumata tinham de se chamar Maria" -Guiné Bissau (Sobre a reportagem do jornal Público)

30 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15428: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (39): 'Colon' e 'retornado'... É difícil de transmitir o que se passou e se sentiu... Os estudiosos metem os pés pelas mãos quando abrem boca.

8 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14985: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (38): é possível barrar a emigração a muitos milhões de jovens africanos sem perspectiva de vida? Nem Luís Cabral conseguiu fechar as entradas na Praça de Bissau...


7 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14583: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (37): Sempre houve emigrantes europeus para África, agora dá-se o inverso


29 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14202: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (36): Fazendo votos para que o tchon Manjaco, o tchon Fula, o tchon Pepel e o tchon do Largo São Domingos se entendam sempre como nestes últimos 40 anos.


12 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14015: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (35): IMPÉRIO sem TAP versus TAP sem IMPÉRIO


25 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13040: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (34): Ramos Horta & Ana Gomes hoje na Guiné-Bissau como ontem em Timor, uma dupla guerreira, sem armas de fogo, que está a fazer um belo e corajoso trabalho pela paz e pela lusofonia


10 de março de 2014 > Guiné 63/74 - P12817 : Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (33): O racismo mal disfarçado na África Lusófona, tão complicado e difícil de contornar como a divisão étnica tradicional
26 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12777: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (32): Mário Coluna (1935-2014) na verdadeira nação "Arco-Íris" (Portugal e Ultramar e a sua selecção de futebol)


3 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12668: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (31): Natália Correia e os filhos dos retornados (vingativos)


19 de janeiro de 2014 > 63/74 - P12603: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (30): Só os diamantes são eternos... Ou: hoje ainda se esconde se são os "restos mortais" do Império ou do Eusébio que se votaram no parlamento, para o Panteão.


10 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12568: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (29): O que os rapazes dos cachecóis precisam de saber: que o Eusébio foi um português muito especial, que ajudou a escrever uma página muito especial da história de Portugal, da Europa e de África...

Guiné 63/74 - P16330: Inquérito 'on line' (60) Para que servia a faca de mato? Num total (provisóro) de 55 respostas, um terço diz que nunca teve nenhuma; era sobretudo: (i) um objeto multiuso (38%); (ii) ferramenta de sapador (M/A) (29%); e (iii) abre-latas (29%)... Mais respostas precisam-se até 5ª feira, dia 28... José Colaço mandou-nos uma foto da sua faca de mato que sobreviveu ao incêndio do paiol em Camamude


Se a  minha faca de mato falasse...

Foto (e legenda): ©  José Colaço (2016). Todos os direitos reservados.


I. INQUÉRITO DE OPINIÃO: 

"PARA QUE SERVIA A FACA DE MATO ?" (PODES DAR MAIS DO QUE UMA RESPOSTA)... 

RESULTADOS PRELIMINARES (n=55)



1. Arma de defesa  > 7 (12%)


2. Limpar o sebo ao IN  > 2 (3%)



3. Abre-latas > 16 (29%) 


4. Talher 3 em 1 (faca, garfo, colher)  > 11 (20%)



5. Ferramenta de sapador (MA)  > 16 (29%)



6. Adereço / ronco  > 10 (18%)



7. Outros usos (mato/quartel)  > 21 (38%)


8. "A minha amiga inseparável"  > 6 (10%

9. Objeto completamente inútil  > 0 (0%)



10. Nunca tive faca de mato  > 19 (34%)



11. Não sei / não me lembro  > 0 (0%)



Votos apurados às 12h00 de 25/7/201 6 > : 55 
Dias que restam para votar: 3




Foto: José [Botelho] Colaço ex-soldado trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), membro da nossa Tabanca Grande desde 2 de junho de 2008: tem 70 referência no nosso blogue.

II. Mensagem do nosso veteraníssimo José Colaço, com data de 23 do corrente:

Para arquivo do blogue, junto uma foto da minha faca de mato...

Se a minha faca de mato falasse, teria algo importante a contar. Eis o que resta da minha faca de mato depois de ter passado pelas agruras e , malefícios da guerra da Guiné, inclusive ter estado envolvida no incêndio do paiol em Camamude, no  sector de Bafatá, onde só a parte metálica resistiu. Devido ao calor que sofreu, perdeu a têmpera, o cabo que ostenta é em madeira feito por mim. 

É um exemplo de resistência, mas está velha igual ao dono.

Um alfa bravo,
José Colaço.
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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P16329: Notas de leitura (862): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
Porventura são estes testemunhos na primeira pessoa a matéria mais aliciante para o leitor que foi combatente, pela diversidade, pela sinceridade, pelo feliz entrosamento entre a memória e um distanciamento que não deixou rancores.
O livro de António Inácio Nogueira merecia andar pelas mãos de todos. Estes jovens capitães, salvo melhor opinião, são um inequívoco termómetro da atmosfera que se vivia em muitos pontos da Guiné, são testemunhos que não iludem a desmotivação, a descrença, o salve-se quem puder. A despeito deste estado de espírito, é impressionante como a generalidade destes jovens capitães sentiu a responsabilidade do mando e a vontade de trazerem todos os seus homens nas melhores condições físicas e psíquicas. E muitos não escondem o orgulho de isso ter acontecido, ou quase.

Um abraço do
Mário


Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (3)

Beja Santos

O livro “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016, é o mais minucioso olhar até hoje lançado àqueles a quem depreciativamente se chamavam os capitães proveta, naquele dado momento em que nos batalhões os oficiais do quadro permanente se cingiam ao comando e por vezes à CCS, aquelas centenas de jovens de oficiais que tinha sido aprovados nos cursos de comandantes de companhia, dados em Mafra passaram a ser os executantes operacionais por excelência.

Na análise que temos estado a efetuar, abordou-se a síntese que o autor nos dá sobre o enquadramento histórico e político da guerra, os modos de seleção e formação dos jovens capitães, passou-se em revista textos autobiográficos de cinco desses jovens capitães e entrou-se num importante capítulo abarcando cerca de três dezenas de testemunhos na primeira pessoa. Obviamente que nos cingimos ao que se escreve sobre a Guiné, sem prejuízo, é dito insistentemente, que o documento é suficientemente importante para ser lido do princípio ao fim por qualquer combatente de qualquer dos três teatros de guerra.

Vejamos o que nos diz José Fernando Real Magalhães Mendes que embarcou para a Guiné em Setembro de 1971 e deixou Bissau em Dezembro de 1973. Depois do 25 de Abril, ligou-se à LUAR e até se envolveu no assalto à Embaixada de Espanha. Teve pressão e recompôs-se, acabou os estudos e foi para advocacia. Ofereceu-se como voluntário, fez estágio em Angola na zona dos Dembos. Coube-lhe Bajocunda na Guiné. Investiu na população, andou nos trabalhos de reordenamento. Não esconde que de vez em quando investia pelo Senegal adentro para trazer vacas, pagava sempre, a contrapartida era o médico e o enfermeiro tratarem a população. “Um dia veio um sujeito muito atrapalhado dizer que tinha a mulher grávida e estava muito mal. Eu fui com o pelotão do alferes Sequeira ao Senegal. Fomos até lá, levámos o furriel enfermeiro e depois pedimos uma evacuação para junto da fronteira, o furriel enfermeiro disse que a mulher ia morrer se não fosse tratada. Veio um helicóptero e levou-a para Bissau, soube depois que ela se safou e o filho também, isso caiu muito bem na população”. Permaneceu em Bajocunda os 27 meses. Guarda na memória alguns aspetos chistosos:
“Quando saiu legislação que nos permitia entrar no quadro permanente, o comandante do batalhão chamou-me: 
- Ó Mendes, saiu agora uma lei… Você frequente lá aquilo não sei quanto tempo, é promovido ao quadro. Você tem capacidade, aproveite. 
Apresentou-me um papelinho e eu respondi: 
- Meu comandante, vou pensar. Nesse dia reuni os meus alferes todos, mandei vir uma garrafa de uísque, rasguei o papel e peguei-lhe fogo. 
Mais tarde disse: 
- O meu comandante desculpe, mas quero acabar o meu curso de Direito. 
- É uma pena para si, é uma boa carreira – retorquiu ele”.

Confessa que cometeu muitos erros, por ser muito novo.

José Manuel Nunes Marques fez estágio na Guiné, em Aldeia Formosa, era já licenciado em Engenharia Civil. Esteve em Cumbijã, depois Nhacobá. “Não me aconteceu rigorosamente nada, mas vi muita gente morrer”. Viveu uma situação disciplinar tumultuosa em Bolama, acabou por ir parar a Jemberém. Um dia, pelas três da manhã, chegou uma comunicação encriptada para abandonar Jemberém, foram para Cacine. A desmotivação era enorme, ninguém estava para arriscar a vida. Seguiu-se um alto de averiguações pelo modo como se tinha feito a desocupação de Jemberém, ficou tudo abafado, o castigo foi tirarem-lhe o comando da companhia. Nas novas funções, andou a fazer entrega de vários aquartelamentos ao PAIGC.

Há um capitão que foi depois coronel, Luís de Jesus Ferreira Marcelino, esteve na Guiné entre Junho de 1972 e Agosto de 1974. Ingressou na GNR mais tarde, terminou a sua carreira como coronel, Chefe do Estado-Maior da Brigada de Trânsito. No comando de uma companhia independente percorreu diversos sítios da Guiné: Aldeia Formosa, Mampatá, Colibuia. Não esquece a vida em tabanca, as missões humanitárias, o reordenamento das populações. Manuel da Silva Ferreira da Cruz teve uma vida difícil em Cobumba, antes da incorporação fez estágio como engenheiro técnico de química e depois de 1974 reiniciou a sua vida profissional numa empresa da indústria de plástico. Fez estágio no Leste de Angola, o IAO realizou-se em Bolama, seguiu-se Mansambo no Leste, participou numa operação gigantesca e depois seguiu para Cobumba, que o PAIGC classificava como zona libertada, houve inúmeros ataques. Dá relevo a um episódio passado durante uma visita do Comandante do COP 4 à sua Companhia. O oficial disse-lhe que “a companhia não apresentava ações e contactos significativos com o IN, que deveria ativar mais a companhia, já que os soldados deveriam estar preparados psicologicamente para morrer, se necessário fosse – tudo dito assim a frio”. Ao que Ferreira da Cruz retorquiu que iria chamar o pessoal e que ele, enquanto comandante, lhe transmitiria esta mensagem. Ao que o comandante do COP 4 respondeu: “Não, não é assunto urgente”.

Ainda há mais histórias, conto abreviadamente. Marcos António Blanch da Fonseca Dinis foi colocado em Piche, a seguir ao 25 de Abril a sua guerra foi de papel e polícia, a impedir roubos nas lojas. Nuno Álvares da Graça Matias Ferreira considera-se um privilegiado, não teve nenhuma experiência de guerra, era licenciado em Direito, foi delegado do procurador da República da Guiné, Fidélis Cabral Almada pediu-lhe para ficar até ao último dia. Óscar António Soeiro Soares andou por Caboxanque, Cadique e outras paragens. “No aquartelamento de Caboxanque, em 6 meses, sofri 14 ataques com artilharia. Tentava responder, mas os nossos morteiros tinham menor alcance que os canhões sem recuo deles. Era só para fazer barulho”. Em Bissau, participou na detenção do General Bettencourt Rodrigues. “Ouvi o Bettencourt nas telecomunicações, na noite de 24 para 25 perguntar ao chefe da PIDE: que unidades é que temos do nosso lado? E o da PIDE respondeu: que eu saiba nenhuma”. Raul Manuel Bivar de Azevedo andou pelo Chão Felupe. Rui Jorge Martins Pedro e Silva foi um dos capitães da operação “Grande Empresa”.

Há notas avulsas, o nosso confrade Vasco da Gama é um dos contadores. Aqui chegamos ao fim de um trabalho de doutoramento, alguém que andou à procura dos Capitães do Fim passados mais de 40 anos do seu regresso da guerra.

Uma história muito bem contada que deve ser por todos conhecida.
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Nota do editor:

Vd. postes anteriores de:

18 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16314: Notas de leitura (859): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (1) (Mário Beja Santos)
e
22 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16325: Notas de leitura (860): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16328: Inquérito 'on line' (59) A minha faca de mato ficará associada para sempre a um acontecimento doloroso: a morte do soldado da minha secção, Aladje Silá, em 20/7/1970 (Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)

1. Mensagem de Abílio Duarte [, ex-fur mil, CART 2479, mais tarde CART 11 e, finalmente, já depois do regresso à metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa Companhia de “Os Lacraus de Paunca” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70)]:


Data: 24 de julho de 2016 às 21:18
Assunto: A minha faca de mato.


A minha faca era igual a todas as outras, servia para tudo e mais alguma coisa, como todos nós que por lá andamos, sabemos. Teve muito uso e útil. 

No entanto a minha teve uma utilização muito critica e dolorosa. Quando no dia 20 de Julho de 1970, como já referi neste blog, o  meu Grupo de Combate teve que ir em socorro de uma Tabanca, atacada e incendiada pelo PAIGC, e o soldado da minha Secção Aladje Silá accionou uma mina antipessoal, e veio a falecer em resultado deste triste acontecimento. (*)

Quando os ânimos se acalmaram um pouco, depois de explosão, do pó e confusão de fogo cruzado, e se verificou  que o Aladje estava caído e a lamentar-se das sequelas da explosão, o Cabo Enfermeiro, depois de me avisar que eu estava todo chamuscado, pediu-me para abrir as calças do Aladje, o que eu fiz com a minha faca de mato, mas ao tentar usá-la, quando peguei no seu pé, fiquei com o mesmo na mão, pois o mesmo se tinha separado da respectiva perna. 

Quando comecei a rasgar a calça do camuflado, foi  quando me apercebi da desgraça, que vinha a caminho. Assim a minha faca de mato ficou associada a um muito triste acontecimento, que ain
da hoje me persegue e nunca consigo esquecer. (**)

Abílio Duarte
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Notas do editor:

domingo, 24 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16327: Blogpoesia (462): "A mulher de bengala..." e "Densa carapaça de nevoeiro...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Dois belíssimos poemas do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), dos muitos que nos vai enviando ao longo da semana, e que nós recebemos com prazer:


A mulher de bengala...

Pé antepé.
Atravessa a estrada,
Desde o lado de lá.
Vem para o café
Onde passa seu tempo.

Largas janelas.
Gente que chega e que vai.
Numa mesa sózinha,
Ela vive por dentro
O passado que foi.

Ali vem de bengala.
Cabelos pintados,
Para mitigar sua idade,
Porque as rugas não escondem,
Ela sobe as escadas.
Pede um café
E ali fica sentada,
Mirando quem chega
E que sai...

Bar Castelão, em Mafra, 21 de Julho de 2016
10h1m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

************

Densa carapaça de nevoeiro...

Densa carapaça me tolda a testa.
Tudo tapa.
Nada sai e nada entra.

O farol nervosamente não para de tocar.
E o mar revolto,
extravazando a espuma,
ainda mais sombreia o horizonte.

Só o sol, omnipotente,
rasgará, por certo,
esta bruma, crua e inclemente
que me tolhe de escrever.

É mesmo assim a vida dura de pescador!...

Bar 7 momentos em Mafra, 18 de Julho de 2016

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16312: Blogpoesia (461): "Ó mar azul..." e "Brisa verde...", por J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 23 de julho de 2016

Guine 63/74 - P16326: Álbum fotográfico de Adelaide Barata Carrêlo, a filha do ten SGE Barata (CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71): um regresso emocionado - Parte I: BIssau: o cemitério dos nossos bravos





Foto nº 1 > Bissau, o talão da Liga dos Combatentes... Vê-se que o talhão está agora cuidado e que há flores nalgumas campas.


Foto nº 2 > Bissau, outro aspeto do cemitério onde repousam uma parte dos nossos bravos



Foto nº 3 > Bissau > Cemitério > Placa: "Homenagem aos mortos pela Pátria. Visita de Sua Excelência o Presidente da República Contra-Almirante Américo Deus Rodrigues Tomaz à Porvíncia da Guiné. Bissau, 3 de fevereiro de 1968"



Foto nº nº 4 >  Bissau > Bissau Velho > Hotel (e casino)  Kalliste,,, Fica na praça 'Che' Guevara



Foto nº 5  > Bissau > Bissau Velho > A catedral católica, uma construção estadonovista (1945), projeto (reformulação) do arq João Simões


Guiné-Bissau > Bissau > 4 de novembro de 2015 >

Fotos (e legenda): © Adelaide Barata Carrêlo  (2016). Todos os direitos reservados.



1. A nossa grã-tabanqueira Adelaide Barata Carrêlo, filha do tenente SGE Barata, da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), esteve com a família (pai, mãe, irmã gémea e e irmão mais velho) em Nova Lamego na altura da segunda parte da comissão de serviço do pai (1970/71),entretanto falecido, em 1979, com o posto de capitão  (*).


 [Foto à esquerda:  na inauguração de uma nova escola em Nova Lamego, na qual a Adelaide foi  a menina branca a pegar na fita,  segura do outro lado por uma menina preta, que se vê perto de dela, para o gen António Spínola cortar]


Conheceu então a violência da guerra mas também bebeu, aos 7 anos, a água do Geba,,, Guardou, numa caixinha especial da memória, as boas coisas desse tempo, dessa Guiné e das suas gentes ... Quarenta e tal anos depois, em novembro de 2015, voltou lá... Diz que foi a "viagem da sua vida".

(...) "Em 1970 aterrámos em Bissau onde o meu pai nos esperava ansiosamente, seguimos alguns dias depois para Nova Lamego onde ele estava colocado. Eu tinha 7 anos, sou gémea com uma irmã e tenho um irmão mais velho 1 ano. Somos a família Barata.

Quando chegou a hora dos meus pais decidirem juntar-se naquela terra, não conseguiram convencer-nos de que poderíamos separar-nos, não, fomos também. E até hoje agradeço por ter conhecido gente tão bonita, tão pura.

As primeiras letras da cartilha, foram-me desenhadas pelo Prof. José Gomes, na Escola que hoje se chama Caetano Semedo.

Aquele cheiro, a natureza comandada pelo calor húmido que sufoca e a chuva que cai como uma cascata sobre a pele e o cabelo que teima em não se infiltrar...cheguei a pedir à minha mãe para me deixar correr como aqueles meninos que se ensaboavam no meio da rua e com um chuveiro gigante que deitava tanta água de pingos grossos e doces.

Também me lembro de quem lá ficou para sempre, não éramos muitos. Tantas lembranças que me acompanharam toda a minha vida e eis que em 2015 o meu filho, foi trabalhar para a Tese em Bafatá, uma ONGD (energias renováveis) e eu voltei lá, agora com a possibilidade de visitar tudo, foi a viagem da minha vida.

O reencontro com gente que parece ter ficado à nossa espera este tempo todo. (...)

 Aqui vão as primeiras fotos: Bissau, quarenta e tal anos depois, em 4/11/2015...
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sexta-feira, 22 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16325: Notas de leitura (861): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
Este camarada da Guiné apresentou uma tese de doutoramento na Universidade Fernando Pessoa, em 2015, sobre os capitães do fim do Império, os jovens comandantes de companhia com que se procurava suprir a carência básica de oficiais formados na Academia Militar, foram formados às centenas e lançados nos três teatros de guerra.
Há um meritoso trabalho de síntese a descrever um enquadramento histórico-político da guerra, um levantamento sério do que era a seleção e a formação destes jovens capitães, e chegamos a dois capítulos essenciais que decorrem do levantamento de autobiografias de cinco capitães seguindo-se um bem coligido elenco de 30 histórias de vida. Obviamente que nos cingimos àquelas que têm a ver com a sua presença na Guiné.
Direi sem qualquer hesitação que é uma obra que justificadamente devemos conhecer e sobre ela refletir, não ilude a carga polémica que a acompanha do princípio ao fim: a Pátria estava exausta, estava-se no limite dos recursos humanos, aqueles jovens saíam da universidade claramente politizados, sabiam melhor que os seus camaradas dos primeiros anos da guerra que havia ventos da História e que sem debate político se caminhava para o precipício.

Um abraço do
Mário


Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (2)

Beja Santos

Dando seguimento aos aspetos essenciais da obra “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016, depois de se sintetizar o enquadramento histórico e político da guerra e como se selecionavam e formavam estes comandantes de companhia, abre-se espaço a cinco autobiografias militares a que se seguem testemunhos na primeira pessoa. Por razões compreensíveis, acolhem-se aqueles que se relacionam expressamente com a Guiné, mas é imperioso chamar à atenção do leitor para o considerável interesse que têm os testemunhos dos comandantes de companhia que combateram em Angola e Moçambique.

As cinco autobiografias de comandantes de companhia combateram em Angola e Moçambique. Escreve o autor: “Estas cinco narrativas são o rosto da guerra traiçoeira e permanente em Mueda e Candulo e da fuga dos aquartelamentos das nossas tropas, das emboscadas e dos ataques a aquartelamentos em Sanga Planície e Miconge, do isolamento em N’Riquinha que magoa por dentro, nas terras do fim do mundo, da paz que se negoceia em segredo os matagais de Cangumbe com a UNITA, dos últimos tiros e dos últimos combates em N’Dalatando, Cabinda, Malange, Massabi e Pangamongo. Dos saques perpetrados e das debandadas, quando se aproxima o fim, na reta final do império” e segue-se a série de depoimentos: de Afonso Maria de Eça de Queiroz Cabral, relatando do saque de Vila Salazar (N’Dalatando), ao golpe de Cabinda; de António Inácio Correia Nogueira, cavaleiro do Maiombe, de António Pereira de Almeida, que andou em Mueda e em Candulo; de Benjamim Fernando Almeida, o negociador nos matagais de Cagumbe; e Lionel Pedro Cabrita, a quem se deve o texto de N’Riquinha a Rivungo, nas terras do fim do mundo.

Temos os testemunhos na primeira pessoa e os da Guiné tocam-nos pelo vigor, pela sinceridade e em tantos casos pelo desassombro.

Logo Abílio Delgado, o capitão puto de Guileje, incorporado em Abril de 1970, tinha 20 anos, fez a guerra e seguiu-se uma carreira profissional na banca. Ofereceu-se como voluntário para o curso de comandantes de companhia. O estágio, no posto de alferes, foi realizado no Leste de Angola, na região do Luso. Quem ministrou o curso em Mafra para comandante de companhia nunca tinha estado no Ultramar. Foi mobilizado para a Guiné, no comando de uma companhia independente. Foi colocado em Guileje, cujo aquartelamento descreve: “Eram cerca de 700 pessoas dentro do aquartelamento, contando com a população. A atividade operacional resumia-se a patrulhas diurnas, dia sim, dia não, com um efetivo de dois grupos de combate, e a coluna de reabastecimento, de Gadamael até Guileje. Durante a época das chuvas estávamos isolados por via terrestre, não havia reabastecimento. As condições de defesa satisfaziam, tínhamos boa artilharia e bom apoio aéreo, quando necessário”. Considera ter havido bom relacionamento com os subordinados, embora fosse o mais novo dos oficiais. Era o capitão puto, tinha 22 anos, chegou à Guiné em 1971.

Albertino Santos Pereira foi aterrar em Geba, fora mobilizado em 1972. Tinha sido nomeado para ir substituir o capitão de Guileje, acabou por ir parar a Geba, foi substituir um capitão que morreu de cancro. O seu grande orgulho foi trazer de regresso todos os seus homens, herdou uma companhia sem primeiro-sargento, teve uma comissão liquidatária trabalhosa, confrontou-se com problemas administrativo-logísticos de monta.

Carlos Alberto Gaspar Martinho embarcou para a Guiné em Março de 1972. Na universidade participou no movimento associativo “contra a Guerra Colonial” e esteve para fugir com dois colegas. O pai pediu-lhe para não ir. Fez o estágio em Angola, experiência inolvidável, saiu-lhe um capitão apanhado pelo clima, que fizera uma operação em que se perdeu metade dos efetivos, tiveram um trabalhão para regressar. Foi para o Olossato e Spínola assegurou-lhe: “É tão má esta zona que as companhias que vão para lá só ficam um ano, se tiverem bons resultados. Se o nosso capitão tiver resultados ótimos, dou-lhe a minha palavra de honra como vem aqui para Bissau, ao fim de um ano… Mantenha-me os itinerários todos limpos". Foi ferido na primeira flagelação, coseram-lhe os dedos. No Olossato, imprimiu uma disciplina rígida, foram levantadas muitas minas e houve poucos mortos em combate. Rodaram para Quinhamel, estava lá há um mês quando recebeu uma mensagem do Comando-Chefe para se apresentar no quartel-general. Apresentou-se e Spínola explicou-lhe que lhe tinha dado a palavra de honra que agora ia quebrar, dava-lhe a missão de se apresentar em Binta e a fazer a picagem e a desminagem da picada de Binta para Guidage. “Em Guidage ficam dois grupos de combate seus, e os outros dois grupos vão para Bigene. O senhor fica em Guidage, com os dois grupos, e comanda a outra companhia, de africanos, que lá está. O capitão Salgueiro Maia vai-se embora. Tem três dias. Tudo o que precisar peça. Estamos entendidos?”
Encontrou Salgueiro Maia e este barafustava: “Isto não se resolve com a guerra, chego à Metrópole e rebento com esta merda toda”. Deplora que todo o seu trabalho e dos seus soldados não mereceu uma réstia de conhecimento.

João Londral Ivens Ferraz de Freitas Leito Martins. Passou treze meses na Guiné. “Fui colocado em Canjadude, onde aquartelava a CCAÇ 5, com soldados africanos enquadrados por oficiais e sargentos europeus. Canjadude tinha um quartel com uma casa para os serviços administrativos, um pequeno barracão para as refeições da tropa branca, valas em ziguezague, bunkers semi subterrâneos para alojamentos, e a aldeia indígena ao lado, cheia de enormes mangueiras que abrigavam o povoado”. Foi aqui que fez o estágio. Voltou a Mafra e formou batalhão sobre o comando do Tenente-Coronel Luís Atayde Banazol. Mobilizados para a Guiné, feito o IAO, marcharam para Farim, a atividade militar englobava Jumbembém, Nema, Lamel, Canjambari, Farim. O pior momento terá sido o ataque ao quartel, em Jumbembém, Fevereiro de 1974. E adiante: “Devo mencionar que os nossos soldados estavam emocionados com o fim da guerra e abraçavam os soldados do PAIGC. A capacidade de confraternização dos portugueses estava ali bem patente! Também fui de Berliet a Guidage. Percorri em silêncio a célebre zona de emboscadas, entre Binta e Guidage. Parecia-me ainda cheirar o fumo do rescaldo, buracos, troncos queimados, uma paisagem tenebrosa. Dias depois, fui com o Major Morna de helicóptero a Binta para entrega da unidade ao PAIGC. Depois, foi a retirada de Cuntima, de Jumbembém e de Farim”.

(Continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 18 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16314: Notas de leitura (859): “Capitães do Fim… do Quarto Império”, por António Inácio Nogueira, Âncora Editora, 2016 - Para entender a pátria exausta: os Capitães do Fim do Império (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P16324: Inquérito 'on line' (58): A minha faca de mato ? Era quase um canivete suíço e 'vestia' com manga de ronco!... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)




A minha de faca de mato era (é)  um canivete suiço...


Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz (2016). Todos os direitos reservados.


A. Resposta de Valdemar Queiroz ao nosso inquérito "on line": Para que é que servia a faca de mato ?


Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Data: 21 de julho de 2016 às 23:37
Assunto: Faca de mato, quase um canivete suiço (*)

É verdade, a faca de mato que era requisitada na Arrecadação, servia para quase tudo: desde o aparar estacas, passando por estripar uma lebre ou galinhola, desmanchar uma mina na picada e, principalmente, servia às mil maravilhas para abrir latas, as de quilo, de fruta em cauda, leite com chocolate, conservas, etc.

Julgo que a maioria dos Furriéis tinha uma faca de mato.

Também havia facas de mato num estabelecimento civil, em Nova Lamego, iguais às nossas, para venda. Nunca soubemos quem era o fornecedor, provavelmente algum 'faquir' que as desviava para arranjar uns trocos. Depois tinha que se ir lá comprar.

Eu comprei a minha e 'vestia' com manga de ronco, como agora se encontra. Já lá vão 47 anos e ainda está impecável, o aço é de grande qualidade e ainda é utilizada para abrir alguma lata da mesma maneira que era utilizada num final de tarde, serenamente, nos finais de tarde não se ouviam 'embrulhadas', com uma ligeira brisa e o sol a desaparecer, rápido, a abrir uma lata de cerveja pouco fresca em Guiro Iero Bocari.

Abraços
Valdemar Queiroz


B. Comentário do editor:

Camaradas:

Está a decorrer, até 28 do corrente mês, mais um inquérito por questionário "on line". Resposta múltipla, é só clicar... Onde ? No canto superior esquerdo do nosso blogue (**). Já chegaram as primeiras 14 respostas, até ao alvorecer... Boa continuação de férias, para os felizardos que estão de férias. Mantenhas para todo o mundo.


INQUÉRITO DE OPINIÃO: "PARA QUE SERVIA A FACA DE MATO ?" (PODES DAR MAIS DO QUE UMA RESPOSTA)

1. Arma de defesa > 2 (14%)

2. Limpar o sebo ao IN  > 0 (0%)

3. Abre-latas > 5 (35%)

4. Talher 3 em 1 (faca. garfo, colher)  > 3 (21%)

5. Ferramenta de sapador (MA)  > 6 (42%)

6. Adereço / ronco  > 3 (21%)

7. Outros usos (mato/quartel)  > 7 (50%)

8. "A minha amiga inseparável"  > 0 (0%)

9. Objeto completamente inútil  > 0 (0%)

10. Nunca tive faca de mato  > 3 (21%)

11. Não sei / não me lembro  > 0 (0

Votos apurados > 14


Prazo de resposta > 28/7/2016, 18h38

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de ulho de  2016 > Guiné 63/74 - P16323: Fotos à procura de...uma legenda (74): A faca de mato... afinal, para que é que servia ?

(**) Último poste da série > 13 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16299: Inquérito 'on line' (57): Total de respostas: 122. Só 3,3% não tinha lavadeira... E na grande maioria dos casos (86,1%) lavadeira só lavava mesmo a roupa...

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16323: Fotos à procura de... uma legenda (74): A faca de mato... afinal, para que é que servia ?


Guiné > Região do Cacheu > Teixeira Pinto > 35ª CCmds e Pel Rec Daimler 3089 (Teixeira Pinto, 1971/73) > Foto nº 56 do álbum de Francisco Gamelas  > Março de 1972 > Estrada Teixeira Pinto. Cacheu >  O alf mil comando Alfredo Campos, da 35ª CCmds, abre, com a sua faca de mato, uma lata de conversa de fruta, num momento de pausa e descontração.

Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Fotos à procura de... uma legenda  > faca de mato... afinal, para que é que servia ?

Não tenho a certeza se fazia, obrigatoriamente, do nosso equipamento inidvidual durante a guerra colonial... Eu sei que tinha uma, não sei se me foi distribuída pelo exército ou se a comprei no Casão Militar...

No Manual do Oficial Miliciano (1965), era considerada uma arma importante na contraguerrilha:

(...) As armas mais convenientes para serem usadas na guerra da selva, onde a observação e o campo de tiro são muito limitados, são armas de curto alcance, de fácil remuniciamento e fácil transporte sobre terreno difícil. As armas que reúnem melhores condições são a espingarda, a baioneta, a espingarda-metralhadora, a pistola-metralhadora, a carabina, granadas de mão e de espingarda, a catana e a faca de mato. (...) 

In Manual do Oficial Miliciano: parte geral, 1º volume. Edição do Ministério do Exército, Estado Maior do Exército, Rep Instrução,  1965 (*)

As tropas paraquedistas, julgo, usavam uma, especial, da marca espanhola Aitor...

Afinal, para que servia a faca  de mato ? Levantar minas ? Silenciar sentinelas ? Abrir latas de conservas ?  Servir de talher ? Limpar as unhas ?... Ou era só "ronco" ?

Os nossos camaradas de minas e armadilhas não prescindiam dela, a "amiga" faca de mato, O nosso saudoso Luís Faria (1948-2013) tem uma história, reveladora da relação especial que alguns de nós tinham a sua faca de mato (*)...

E o resto da "tropa-macaca" ? Que histórias tem para contar deste utensílio multiusos que faz parte das nossas memórias ?

Fica aqui um interessante desafio (e passatempo) para o fim de semana (**)... Ponham, por favor, uma legenda, na excelente foto do Francisco Gamelas, acima reproduzida... Mandem fotos, mandem histórias, façam comentários... A Tabanaca Grande agradece... LG

___________

Notas do editor:

/*) Vd. poste de 3 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2717: Exército Português: Manual do Oficial Miliciano (1): A Selva, perigos, demónios e manhas (A. Marques Lopes)



Foto do saudoso Luís Faria (1948-2013),
ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, 
Bula e Teixeira Pinto, 1970/72

(...) Tinha-a comprado no Porto. Era equilibrada,  adaptava-se muito bem à minha mão, éramos inseparáveis e até dez passos o lançamento não falhava o alvo. Levantou 1032 minas, mas nunca chegou a ser usada em/contra alguém.

Um dia, numa operação na zona de P. Matar, embrulhei (amos) forte e feio. Durante o regresso dei pela falta dela. Por qualquer motivo, desembainhou-se e lá se foi, no campo de batalha. Fiquei bem aborrecido! Era a minha companheira, tinha-lhe um carinho especial e ela transmitia-me uma sensação de segurança. Não tinha hipótese de voltar atrás para a procurar. Por lá ficou, perdida mas não esquecida.

Talvez numa próxima visita aquela zona tivesse a sorte do reencontro, quem sabe?

Alguns dias passados, estava com dois ou três amigos a beber uns copos na tasca do Silva (creio que era o nome) e às tantas uma bajuda abeirou-se deu-me um um pedaço de papel enrolado, disse: 

- É do Furié… - e rapidamente desapareceu, não dando tempo a qualquer pergunta.

Desenrolei o papel e… era a minha faca de mato! (...)


(**) Último poste da série > 20 de junho de  2016 > Guiné 63/74 - P16220: Fotos à procura de...uma legenda (73): O alferes miliciano piloto aviador Carlos Gonçalves em janeiro de 1972, no bar de oficiais de Teixeira Pinto (Lino Reis, cor piloto aviador ref)

Guiné 63/74 - P16322: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VII: a cultura da "responsabilidade social"...


Fonte: Companhia de Diamantes de Angola : breve notícia sobre a sua actividade em Angola (Diamang). Lisboa : Companhia de Diamantes de Angola  (Diamang), 1963.


1. Mensagem do José Manuel Matos Dinis:

Foto à esquerda:

José Manuel Matos Diniz, 

(i)  ex-fur mil at inf, CCAÇ 2679,Bajocunda, 1970/71;

(ii) nosso grã-tabanqueiro e adjunto do régulo  da Magnífica Tabanca da Linha, Jorge Rosales;

(iii) depois do seu regresso a casa, a Cascais, em janeiro de 1972, vindo da Guiné, rumou até Angola, em maio de 1972;

(iv) vai viver e trabalhar na Lunda, na melhor empresa angolana na época, a famosa Diamang - Companhia de Diamantes de Angola, com sede no Lundo;

(v) aqui casou (por procuração), aqui nasceu o seu primeiro filho:

(vi) desafiado por nós justamente a falar da sua experiência angolana em meia dúzia de crónicas memorialísticas,  aceitou galhardamente o desafio e já foi além, do prometido (*).


Data: 12 de julho de 2016 às 22:11

Assunto: As minhas memórias do tempo da Diamang, Lunda, Angola - parte VII

Caros amigos Luís e Carlos,

Aqui vai a parte VII das memórias, agora com uma divulgação sobre métodos aplicados naqueles azimutes, que já revelavam alguma modernidade de gestão. Infelizmente, até o pessoal mais qualificado podia não intuir o alcance de algumas orientações, mas que existiam... lá isso existiam, e tinham como preocupação o primado do ser humano.

Enquanto não me mandarem parar, e tiver alguma coisa para contar, levam comigo.

Abraços fraternos
JD


2. As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VII: uma cultura de "responsabilidade social"

Quando um empregado chegava à Lunda, recebia tapetes, tecidos para cortinados, lençóis... e uma grossa pasta-arquivo com inúmeras ordens de serviço, onde, em princípio, poderiam ser encontradas as diferentes orientações do ponto de vista técnico e social. Também recebi, mas não li mais do que uma dúzia, pelo que muitas das matérias ali tratadas nem tive conhecimento delas, e algumas, em leituras posteriores, constatei que teriam muito interesse para a melhoria da condição de vida dos trabalhadores e familiares.

Esta culpa de que me retrato, tem a ver com a enormidade da pasta, e com a escassez de tempo para além do horário normal de trabalho, mas, principalmente, porque a Companhia não se interessou pela criação de programas de aferição, difusão, melhoria e tratamento das matérias ali expostas.

A dar conta desse género de preocupação social, leia-se com alguma delícia uma passagem:
Com os trabalhos da Companhia «a tenebrosa Lunda abriu-se como flor exótica, e os benefícios da civilização e da cultura entraram nela como bênção do céu. À riqueza diamantífera que ela oferecia, riqueza do adorno e de coisas sumptuárias, como de indústria e ciência, respondia a Diamang com riqueza de princípios de desbravamento, de elevação humana... Por muito estranho que possa parecer aos detractores (e das obras insignificantes não os há) ou aos ignorante (e de todas as obras os há), a Companhia deixa, praticamente, tudo o que tira na própria Província».

De algumas coisas  tão evidentes e de tanta grandeza e importância, a par de outras de mero sentido lúdico, já dei parcial conta e significado da vitalidade para a região e para a província, mas não posso subscrever a parte relativa ao investimento local, bem como aos empréstimos financeiros ao Estado, na medida em que não tenho elementos de consulta sobre valores de produção e vendas, nem dos valores relativos a encomendas, investimentos, importações e outras despesas.

É do conhecimento geral que a Companhia beneficiava de sérias isenções sobre importações, mas também é verdade que fazia empréstimos ao Estado mediante juros simbólicos e insignificantes. Este extracto tem apenas uma intenção, a de mostrar como sob a forma de relatórios, também pode ser possível fazer expandir mensagens de carácter social com vista à inclusão das classes, que todos sabemos, não acontece com a velocidade de um clique. Ali havia aquela preocupação, e aos diferentes quadros é que poderia imputar-se a responsabilidade sobre o desleixo de delas não tomarem conhecimento nem fazê-las aplicar.

«Nunca impôs superioridades raciais, mas bateu-se e bate-se pela fraternidade humana e pela igualdade perante a lei, embora partindo da 'igualdade de méritos', como é próprio das sociedades progressivas».

Não foi, seguramente, sempre assim, mas é consolador que houvesse preocupações dessa índole.

«Estabeleceu, assim, nas tais terras tenebrosas, o nervo criador e trepidante da 'civilização adequada', que se estendeu desde a 'humanização do clima' até à 'humanização do silvícola', desde a plantação da mandioca e da citrina até à protecção às grávidas e à infância».

Em 4 de Dezembro de 1920 celebrou-se um contrato com o Alto-Comissário que fixava uma grande região de "claims", e em contrapartida, a Diamang obrigava-se:

a) a intensificar os trabalhos de pesquisa e exploração de diamantes nas áreas concedidas, de forma a aproveitar, o mais possível, as concessões;

b) a dar à Província, em acções inteiramente liberadas, 5% de todo o capital já emitido ou que o viesse a ser;

c) a entregar à Província, anualmente, 40% dos lucros líquidos;

d) e, ainda, a emprestar à dita Província 400.000 libras, em duas prestações iguais...

"Presentemente, nos termos dos contratos celebrados em... e 10 de Fevereiro de 1955... tem a Província direito a 50% dos lucros da Companhia, o que representa para as finanças de Angola uma participação verdadeiramente notável».

O distrito da Lunda, como, aliás, grande parte do território angolano até aos anos sessenta, representava uma fase embrionária de desenvolvimento social, fortemente influenciado pelas tradições tribais, na medida em que a presença dos brancos que levaram os primeiros métodos e instrumentos de trabalho e organização, circunscrevia-se às regiões urbanas e arredores. Deve ter-se em conta o imenso território da província, e a escassez de população, apresentando baixíssimo índice de habitante por quilómetro quadrado.

A Diamang carecia de grande número de pessoal indiferenciado, que a Lunda não podia proporcionar, pelo que também recorreu ao regime dos contratados, trabalhadores que eram deslocados desde grandes distâncias. O processo não se pode classificar de dignificante, pelo contrário, pois havia angariadores que ofereciam prendas a certos sobas, que designavam as pessoas a transferir. Só uma minoria se fazia acompanhar das famílias, pois a grande maioria eram jovens robustos e solteiros, que, geralmente, acabavam por cruzar laços de sangue com mulheres locais.

Inicialmente viviam em casas de construção tradicional, e as aldeias não dispunham de quaisquer infra-estruturas. Com o decorrer dos tempos e a prosperidade da Companhia, que também se reflectia nos salários de milhares de trabalhadores, o que aumentava a massa de capital circulante, houve nítida evolução, quer do modelo das casas da população que não beneficiava de habitação fornecida, quer nas infra-estruturas das aldeias, que incluíam latrinas, pontos de água, e por vezes banhos públicos e tanques de lavagem.

"Em matéria de trabalho houve o reconhecimento de que as populações africanas, pela sua debilidade económica e correspondente pouco desenvolvida divisão do trabalho, não estavam em condições de eficazmente, defender os seus direitos e interesses dentro de um sistema caracterizado pelo salário. Por isso, o Estado, cumprindo o assumido dever de protecção, criou em benefício delas o regime do indigenato, de características que o especializaram em face de outras formas de intervenção estadual, também usadas em favor das classes economicamente débeis. Estes regimes caracterizavam-se por uma regulamentação protectora, particularmente apertada e paternalista».

Aqui estamos em presença de um discurso com base no pensamento oficial que foi tão severamente criticado pelos opositores ao regime. Peço, por isso, a vossa diligência para o criticarem com liberdade e fundamento, não esquecendo a particularidade da época (1963), e os regimes congéneres nas países anglófonos e francófonos dali vizinhos.

O processo de evolução social estava em marcha acentuada. Segundo a Companhia, «não se trata de fornecer ao trabalhador alimento suficiente e racional, habitação higiénica e confortável, salário justo e equacionado com as possibilidades das empresas e as necessidades familiares do trabalhador, mas, e muito principalmente, de acompanhar de perto a evolução psicológica correspondente à alteração do sistema tradicional de vida, inevitável quando o salário vem substituir os recursos angariados segundo as formas próprias das economias de subsistência». 

Por essa altura também foi dada atenção às condições do trabalho feminino, embora só um reduzido número de mulheres trabalhasse para a Companhia.

A Diamang teve ainda a preocupação de em África estabelecer a progressiva valorização e ligação das raças brancas e de cor. Melhorar as condições de vida dos nativos, zelar pelo seu bem-estar, elevando-os na escala dos valores sociais e económicos (com o contributo da escola e da igreja), eram objectivos que estavam na base de toda a organização. Para isso houve que considerar os trabalhadores africanos segundo os conceitos de:
a) grau de educação social;
b) grau de evolução profissional;
c) modalidade contratual.

A primeira qualificação revela a ponderação sobre o trabalhador desde o mínimo da evolução, até à situação de cidadania adquirida e em que o seu regime é equiparado ao do trabalhador europeu.

(Continua)


3. Comentário do editor:

Zé:  Qual a fonte? A referência bibliográfica? As fotos não são tuas... No nosso blogue, temos que pôr estas coisas, como manda a lei...

Ouras coisa: dizem que o acionista belga da Diamang  é que influenciava as decisões e a cultura da empresa: caso da criação do Museu, por exemplo... A colonização e a "pacificação" do Congo, transformada em "couto privado" do Leopoldo II, da Bélgica, são das páginas mais negras da história do colonialismo em África... Acho que fomos uns "meninos de coro" ao lado deste gajo, hoje acusado de genocídio... O que sabes dos "belgas"?

Um abraço.
Luís



Congo ex-Belga > c. 1920 > "Troféus de caça"...  Uma visão europocêntrica (imperial, pedradora, paternalista,,,) de África. Fotos de Victor Jacobs (digitalizadas e editadas por LG.). 

Fonte: Louis Franck - Le Congo Belge, Tome I. Bruxelles: La Renaissance du Livre. 1928. p. 152, [Exemplar, raro, gentilmente disponibilizado pelo meu amigo e vizinho de Alfragide, eng. agrº Francisco Freitas, nascido no antigo Congo Belga, hoje República Democrática do Congo.  O autor, Louis Franck (1868-1937) foi um político, belga, de origem flamenga, jurista, escritor, antigo ministro de estado e antigo ministro das colónias; interessou-se por questões como a colonização belga no Congo, o atvismo flamengo, etc.;  fundou a École coloniale supérieure,em  Anvers, em 1920, mais tarde, em 1923, Université coloniale de Belgique].


4. Resposta do José Manuel Matos Dinis, com data de 13 do corrente:

Olá, Luís, tens razão.

A fonte é uma publicação da Diamang, datada de 1963, sob o título Companhia de Diamantes de Angola: Breve notícia sobre a sua actividade em Angola. Não faz referência a restrições sobre publicações. É uma edição própria. 

No meu tempo não havia belgas, apesar de uma participação no capital que a Forminiére detinha. Mas foram os belgas que intuíram da existência de diamantes em Angola, tendo em conta a proximidade geográfica das jazidas, e a continuidade das condições morfológicas e geológicas do território. 

Também foram eles a dar impulso à prospecção e a entenderem-se com o Governo para o inicio das explorações. Isso está na Net. 

Meninos de coro? Claro que sim, apesar de termos tido exemplares dados à exploração do preto considerado subproduto da humanidade. Norton de Matos, que pretendeu dignificar o tratamento dado aos nativos, foi corrido depois de o Parlamento o ter desancado com o argumento de bon-vivant, mas só fazia um trabalho encomendado, que incomodaria o Norton. A A.N. desconsiderou-o tanto, que o senhor foi demitido por duas vezes, e durante esse período o regime foi de difícil explicação, entre o liberal e o esclavagista.

O curioso, é que foi o desencadear da guerra, que permitiu um fluxo importante de colonos, mais apetrechados, que ajudaram à mais brilhante expansão sócio-económica da iniciativa dos portugueses.  Se o Brasil foi em tempos o orgulho de país irmão, não sei se Angola quereria romper os laços, mas seria, certamente, uma sociedade moderna e exemplar, porque todo o crescimento era equilibrado e reflexo dos níveis de progresso atingidos.

Um abraço,
JD


5. Resposta de LG, no mesmo dia:

Obrigado, Zé, confirmo, encontrei a referência na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos:

Companhia de diamantes de Angola : breve notícia sobre a sua actividade em Angola (Diamang). Lisboa : Companhia de Diamantes de Angola(Diamang), 1963.

É suficiente.

Ab.
LG
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de julho de  2016 > Guiné 63/74 - P16265: As minhas crónicas do tempo da Diamang, Lunda, Angola (1972-1974) (José Manuel Matos Dinis) - Parte VI: singela homenagem ao etnólogo e antigo diretor do Museu do Dundo, João Vicente Martins (n. 1917)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16321: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (51): Os portugueses tiveram tendência para menosprezar o PAIGC, antes e depois da guerra... Recordando uma cilada dos "homens do mato" aos homens grandes de Sancorlã/Cambaju, ao tempo da CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Regulado de Sancorlã > Cambaju > A família reunida em Cambaju, ano de 1965/66 > Em cima: Mãe (Cadi Candé), pai (Aliu Tamba Baldé) e Aua (prima irmã). Em baixo: Tulai (minha irmã), Eu (de boina verde), Carlos (hoje médico) e Aissatu (irmã da Aua). Esta foto foi tirada por um soldado português amigo da família. (*)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > 1991 > Festa de Ramadão  > El-Hadj Aliu Baldé (Tamba), o pai do Cherno > Em 1937 fez parte do grupo de jovens que saiu de Canhamina para Contuboel para receber e homenagear os combatentes de Sancorlã que participaram na última guerra de Canhabaque (Ilhas Bijagós)... 

[Em rigor, foi uma expedição punitiva, contra os bijagós que se recusavm a pagar o "imposto de palhota", também conhecida por "quarta e última campanha de Canhabaque", decorrendo de 10 de novembro de 1935 a 20 de fevereiro de 1936... O pai do Cherno faleceu  em Bissau em setembro de 1999, porvavelmente com 80 anos.  Recorde-se aqui que El Hadj  é um título honorífico reservado ao crente muçulmano que, em vida, consegue ter a felidadade de fazer, com sucesso, pelo menos uma  peregrinação anual,  Hajj,  a Meca (LG)



Guiné-Bissau > Bissau > Maio de 1977 > Eu e a minha mãe (*) [Em 2011 ainda viva, embora já cega... O Chern fala dela com uma imensa ternura... Teria 80 anos de idade: disse ao filho que, por volta de 1936/37, quando o pai voltou de Canhabaque, a última batalha da "campanha de pacificação",  ela teria aproximadamente 9/10 anos de idade. (LG)]


Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P16317 (**):


Caros amigos JDinis e MLLomba,

Aproveito esta abertura para apresentar um exemplo típico de acontecimentos que foram reais, mas que, na altura devida, não mereceram a atenção devida dos portugueses e foi assim:

Em meados de 1964/5, salvo erro, como nos contaram (***), os elementos da guerrilha que actuavam na zona Norte (eixo Cuntima-Sitato-Cambaju), confrontados com a forte resistência do regulado de Sancorlã,  apoiado por um pelotão de metropolitanos de uma companhia sediada em Bafatá (penso que a companhia do Alcídio Marinho, CCAC 412,  Bafatá, 1963/65), contactaram os grandes de Cambaju e solicitaram um encontro para conversações "entre irmãos", longe dos olhares dos brancos.  Na realidade era uma cilada.

No dia combinado, os grandes de Sancorlã desconfiados, no lugar dos homens grandes e dos régulos, resolveram enviar os filhos mais velhos para negociar, divididos em dois grupos. O primeiro grupo ia preparado para as conversações, mas na retaguarda ia um segundo grupo discretamente armado para o que desse e viesse.

Antes de chegar ao local combinado,  o primeiro grupo caiu numa emboscada dos homens do mato que sem pré-aviso abriram fogo, matando duas pessoas e ferindo outras. Nao fosse a pronta intervenção dos homens da retaguarda, provavelmente, seriam todos chacinados.

Todavia, os portugueses não tiraram as devidas ilações deste acontecimento macabro, na primeira fase da guerra,  talvez porque os mortos eram civis armados e nativos guineenses ou por outras razões que nunca saberemos,  e não se tomaram as medidas que se impunham para que não viesse a repetir-se.

E, pasmem-se, esta mesma estratégia seria utilizada alguns anos mais tarde (1970) no chão manjaco, no que ficou conhecido como a tragédia dos 3 Majores, talvez o crime que mais abalou os portugueses e a sua cúpula dirigente na Guerra da Guiné e a retaliação não se faria esperar com a invasão de Conakri, em Novembro do mesmo ano.

Para terminar, acho que, muitas vezes houve tendência de menosprezar o PAIGC e as suas forças, antes e depois da Guerra, quando, na minha opinião, devia de ser tudo ao contrário.

Um abraço amigo,

Cherno AB

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Notas do editor:



(***) 31 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15556: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (50): Na minha língua materna, o fula, não existe a expressão "Feliz Natal"... Mas felizmente que a Guiné-Bissau é um país de tolerância religiosa, em que as duas religiões monoteístas, Islamismo e Cristianismo, coexistem bem com o animismo

Guiné 63/74 - P16320: Os nossos seres, saberes e lazeres (164): Ai, se Bocage soubesse ou visse… (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Por vezes visitamos um local com uma finalidade pré-determinada e o destino encarrega-se de nos dar as voltas, encontramos outras finalidades. A ideia era percorrer e registar o Convento de Jesus, rever a galeria de pintura quinhentista, conhecer a casa de Bocage e ver a exposição dos desenhos que lhe dedicou Júlio Pomar. Pois aconteceram outras coisas, o viajante foi atraído pelas entranhas do casco histórico e deslumbrou-se. E disse para consigo: isto é um rodopio de surpresas, os camaradas da Guiné têm que visitar demoradamente Setúbal, há muito mais coisas que o choco frito e as praias deslumbrantes.

Um abraço do
Mário


Ai, se Bocage soubesse ou visse… (1)

Beja Santos

Visita-se Setúbal por muitíssimas razões: para ir às praias, que são bem aprazíveis; tomar um barco e ir até Tróia, nem que seja só para visitar o extraordinário património relacionado com o Império Romano, daqui partia muita salmoura para muitíssimos recantos; para visitar o Convento de Jesus, uma jóia única, ali bem perto se ratificou o Tratado de Tordesilhas, quando os povos ibéricos se julgavam capazes de repartir os novos mundos descobertos e a descobrir; ou visitar uma exposição, já que Setúbal tem uma vida cultural própria que extravasa a Serra da Arrábida, uma gastronomia de peixe sem concorrência, ir ver golfinhos ao Rio Sado ou aves à Mourisca. Pois o pretexto para passear era ir ver Bocage, desenhos de Júlio Pomar, em último dia de exposição, 6 de Fevereiro, já com foliões carnavalescos na rua, e por ali deambular. Vamos aos factos.


Parece mentira mas é verdade, este fontanário, seguramente património municipal, está adossado a um prédio de estranhas dimensões, pior casamento é inimaginável. Pois acontece, o mostrengo parece que veio para ficar. Eu protesto, é indigno de ver tal coisa no casco histórico de Setúbal que um dia será uma das jóias rutilantes do nosso património construído.


Dir-me-ão que estas requalificações não têm nada de especial. Mas não é bem assim, é preciso ver e contrastar, perceber que do arruinado se faz o vistoso e com caráter. Estas intervenções precisam de ser aplaudidas e mostradas, é um dos modos de fazer sair da sombra os edifícios maltratados, gerando orgulho em ver Setúbal reluzente, ainda mais aprazível.


Quem vem pela Avenida Luísa Todi fatalmente que será atraído por estas formosas bicas em praça ampla, é um monumento pujante, atraente, dá gosto andar à volta e perceber que Setúbal tem o Sado, tem uma Sé e Bispo, uma lindíssima casa da cultura e praças anchas, pontos de partida e de chegada, aqui me demorei e pensei nos tempos em que destas bicas gente se dessedentava e comprazia com tanta estética da pedra.




O Mercado do Livramento é um lugar inevitável, teve excelentes obras, tornou-se um espaço sem rival. Veja-se o cuidado com que se restauraram estes azulejos, vêm de um tempo em que os mercados se associavam às alegrias azulejares, bíblias de atividades económicas e do que havia de melhorar a visitar, o mercado de Santarém é um outro bom exemplo, e há as estações do caminho-de-ferro e os azulejos que se derramam por tanta cidade portuguesa. Ainda bem que estes ícones são os referentes numa economia de outrora que elevou Setúbal a um patamar de grandezas.



Imagine-se o que é andar por ali empolgado com os odores de tanto peixe há pouco vindo do mar, encontrar o que resta da cabeça de um espadarte e logo na banca a seguir dar com o Paulo Raposo, uma estima que caminha para meio século, andámos por Mafra e Amadora, embarcámos para a Guiné em Julho de 1968, cada um penou em diferentes buracos do mato, no regresso recompusemos as vidas, ele ali estava a abastecer-se de espadarte para levar até Montemor-o-Novo, onde tem hotel rural. Pedi-lhe autorização para esta imagem e para divulgação pública. Entre camaradas da Guiné os reencontros fazem-se sempre com sorrisos, a alegria é indisfarçável.


Por aqui começou Setúbal, está em frente ao antigo RI 11, onde se situa a Galeria Municipal do 11, é ali que vou ver o Bocage por Júlio Pomar. Alguém disse: ainda restam alguns panos da velha muralha e portas de entrada. Nesse casco histórico, perguntei onde estava a tão concelebrada muralha, com a afabilidade costumeira dos setubalenses, que se saúdam sempre, alguém me levou a este espaço arruinado e me indicou um dos últimos panos da muralha, em carne viva. E a gente pergunta o que se perdeu nas chamadas modernizações, que nada têm a ver com as catástrofes naturais, deitamos abaixo e depois torcemos a orelha, é tarde, é irremediável. Que este vestígio maltratado grite por si, e nos peça a todos o devido auxílio.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16300: Os nossos seres, saberes e lazeres (163): A estação de metro do Campo Grande: Uma obra-prima da arte pública urbana (Mário Beja Santos)