terça-feira, 28 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18960: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLI: Efeméride: a maior flagelação ao quartel de São Domingos foi há 50 anos...


Foto nº 1A > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >  16 de abril de 1968 > 18h00 > Cerimónia do arrear da bandeira


Foto nº 1B  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 16 de abril de 1968 > 18h00 > Cerimónia do arrear da bandeira > Do lado esquerdo,  o edifício do Administrador Local.


 Foto nº 2 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 16 de abril de 1968 > 18h00 >  Após os primeiros ruídos de saída dos Morteiros- início de mais uma flagelação do IN, todo o pessoal vai a correr para os seus postos, abrigos ou espaldões. 


Foto nº  3 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 16 de abril de 1968 >  O ataque vem do Norte – Senegal – e por este caminho vai o pessoal a correr para o Quartel de Cima – Companhia de Artilharia 1744, do Capitão Mil Serrão.


Foto nº 4 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 16 de abril de 1968 > Neste ponto o pessoal já está no fim da linha, junto à paliçada que separava o nosso aquartelamento, da terra de ninguém, a 2 ou 3 km do Senegal.



 Foto nº 11 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 1º semestre de 1968 > Vindos do lado leste um Grupo de Combate (CCAÇ 3 ou Companhia de Milícias  24) acaba de chegar de uma operação de rotina ou de reconhecimento dos arredores.



Foto nº 11A > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 1º semestre de 1968 >Saída de dois Gr Comb, do aquartelamento para operações de rotina ou reconhecimento, levadas a efeito pelo CCAÇ 3 ou  CM 24.


Foto nº 12 > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >1º semestre de 1968 > Saída de dois Gr Comb, do aquartelamento para operações de rotina ou reconhecimento..



Foto nº 12A  > Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 1º semestre de 1968 > Saída de dois Gr Comb, do aquartelamento para operações de rotina ou reconhecimento.


Foto nº 13 >  Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >1º semestre de 1969 >Chegada ao aquartelamento de um Gr Comb  da CART 1744, após uma operação de rotina ou de reconhecimento.


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 80 referências no nosso blogue.



 Guiné - Portugal 67/69 - Álbum de Temas:

T023 – A  MAIOR  FLAGELAÇÃO AO QUARTEL DE SÃO DOMINGOS ACONTECEU ÀS 24 HORAS DE 27, OU 00:00 HORAS DE 28 AGOSTO 1968
OUTRAS IMAGENS DE FLAGELAÇÕES AOS QUARTEL EM SÃO DOMINGOS
IMAGENS DE GRUPOS DE COMBATE NA SAÍDA E NA CHEGADA DE OPERAÇÕES


I - Anotações e Introdução ao tema:


1 – O MAIOR ATAQUE A SÃO DOMINGOS


Este Tema tem por finalidade dar conta de uma Efeméride – Os 50 anos, ou Meio século - que neste dia 27 e inícios de 28 de Agosto de 1968, se deu o maior ataque/flagelação ao aquartelamento e povoação de São Domingos.

Iniciou ao cair das 24 horas do dia 27 de agosto de 1968, e início de 28 do mesmo mês.

Sendo o maior de sempre, pela hora, o tempo de duração – 30 minutos, e a intensidade de fogo com todo o tipo de armas – Morteiros 82, Canhão Sem Recuo, Lança Granadas RPG e Lança Roquetes, Armas Pesadas e Ligeiras modernas,

Partiu da fronteira Norte com o Senegal, tendo sido devidamente respondido com as nossas armas, contudo o tempo foi interminável, longo e assustador. Era Noite.

Não sei explicar os contornos militares, pois não foi minha preocupação perceber isso, mas sim apanhar os invólucros que caíram perto da minha residência/dormitório.

Não houve mortes, feridos alguns e em especial das populações, socorridas prontamente.

O IN felizmente não apontava as armas como deve ser, pois num pequeno espaço em que nos encontramos, se meia dúzias de ameixas caíssem nas instalações haveria certamente muita coisa a lamentar, embora tínhamos sempre os abrigos, que não estando ao alcance imediato sempre serviam para meia protecção das tropas.

Não há fotos como é óbvio, nem dessa hora nem do dia seguinte, mas poderia ter algumas dos buracos que as bombas fizeram.

Fica aqui a história para quem esteve lá se lembrar, mas não vejo muita gente do meu Batalhão a comentar nada.


2 – IMAGENS DE UMA FLAGELAÇÃO ÀS 6 HORAS DA TARDE


Aproveitei este Poste para colocar então outro acontecimento, que por acaso eu estava a fotografar nos primeiros tempos em São Domingos. Era a cerimónia diária de Hastear a bandeira de manhã, e o arrear da bandeira ao fim do dia – 18 horas da tarde, inicio da noite.

Estava então uma secção comandada pelo Oficial de Dia, na cerimónia de arrear a bandeira, 10 militares, 2 a começar a arrear a bandeira Nacional em frente do Posto do Administrador Local, e além dos nossos militares estava sempre presente uma quantidade representativa da Mocidade Portuguesa de São Domingos.

Às 18 horas quando se inicia o arrear da bandeira, tinha eu feito a primeira foto, houve-se o ‘baque'  da saída de morteiros, então gera-se logo a confusão total e todos correm para os seus abrigos e os responsáveis pelos armamentos vão para os seus postos.

Eu fico ali com a máquina na mão, a tentar fazer as imagens da minha vida, isto é fotografando tudo. Claro que não era nenhum bravo nem herói, era a juventude e ingenuidade a juntar à minha ideia de fazer as fotos, não ligando nada ao que acontecia à volta. Quando elas começam a cair, eu também não era alheio a isso, e fiquei também descontrolado, as fotografias que deviam sair acabam por não acontecer.

A máquina não era como agora uma automática, após uma foto tinha de ir ao carregador e passar para a seguinte, mas com a normal atrapalhação, não metia nova foto, e assim vou carregando umas atrás das outras, e de vez em quando lá passando mais uma foto.

A verdade é que de quase um rolo se aproveitam umas 5 fotos, as outras ficaram todas em branco ou em cima das anteriores, foi uma desgraça total, e com a agravante de não encontrar uma quinta, só me aparecem 4 para representar este inédito e inolvidável acontecimento.

Acabo a última já na Companhia de Cima – onde estava a CART 1744, do Capitão Serrão, a qual fazia a segurança ao aquartelamento, a Companhia de Intervenção.

Nunca fiz publicidade disto, guardei e numerei-as e datei, dia 16 de Abril de 1968. Não durou muito tempo, pois conseguimos pôr os Turras a fugir com a nossa pronta resposta, mas nunca me escondi nem me deitei ao chão, estava obcecado pelas fotos, nada mais.


3 – PARTIDAS E CHEGADAS DE GRUPOS DE COMBATE AO AQUARTELAMENTO


Ainda dentro do mesmo princípio, para aproveitar este Poste, juntei algumas fotos – 3 – dos Grupos de Combate, quando saiam e quando chegavam de operações diárias.

Duas delas são com militares nativos, ou da CCAÇ 3, ou Companhia de Milícias 24, que integravam as nossas tropas. Na terceira,  em 1969, são militares da CART 1744.

São um pequeno testemunho de como se passavam as operações militares rotineiras, numa das quais eu próprio fui nomeado para uma operação, não de combate, mas apenas de um reconhecimento normal à volta do nosso aquartelamento de São Domingos, quando não devia ter feito, não era essa a minha especialidade.


II – As Legendas das fotos:


F1 – Cerimónia normal em qualquer Unidade em qualquer sitio. De manhã o hastear da bandeira, e ao fim da tarde, 18 horas, o arrear da bandeira. Aqui era mais uma vez, em frente do edifício do Administrador Local. São Domingos, 16Abr68

Pode ver-se um militar a puxar o fio da nossa bandeira, uma secção militar a prestar honras com as armas, atrás um grupo grande da Mocidade Portuguesa, e nessa hora e ao toque da corneta, toda a gente, civil e militar,  ficava parada e em sentido. Velhos tempos em que havia respeito à bandeira de Portugal.

F2 – Após os primeiros ruídos de saída dos Morteiros- início de mais uma flagelação do IN, todo o pessoal vai a correr para os seus postos, ou abrigos ou de armas. SD, 16Abr68.

Existiam outras fotos com a guarda de honra em debandada, mas falharam os disparos na máquina, muitas fotos se perderam.

F3 – O ataque vem do Norte – Senegal – e por este caminho vai o pessoal a correr para o Quartel de Cima – Companhia de Artilharia 1744, do Capitão Mil Serrão e outros. SD, 16Abr68.

Estas deslocações eram frequentes, o pessoal andava por outros sítios, e na hora de mais uma flagelação, teriam de correr para os seus abrigos e ninhos das nossas armas.

F4 – Neste ponto o pessoal já está no fim da linha, junta à paliçada que separa o nosso aquartelamento, da terra de ninguém e logo a cerca de 2 a 3 km tínhamos a Republica do Senegal, e os Santuários dos Turras, que eram autorizados por aquele país.

F11 – Vindos do lado Leste um Grupo de Combate acaba de chegar de uma operação de rotina ou de reconhecimento dos arredores. SD, 1º Semestre de 68.

Estes Gr Comb eram formados por militares de maioria negra, pertencentes à Companhia de Caçadores Nativos nº 3 ou Companhia de Milícias nº 24, comandadas normalmente por Furriéis ou Alferes miliciano.s

F12 – Saída de dois Gr Comb, do aquartelamento para operações de rotina ou reconhecimento, levadas a efeito por Nativos da CCAÇ 3 ou CM 24, comandadas por graduados brancos, Furriel miliciano ou Alferes Miliciano. SD, 1º Semestre de 68.

F13 – Chegada ao aquartelamento de um GC da CART 1744, após uma operação de rotina ou de reconhecimento, como chegam a pé, conclui-se que não seria de uma grande dimensão a área percorrida. SD, 1º Semestre de 69.

Pode ver-se bem o armamento que levava, e o cansaço com que chegaram. Em pé e sem boné, está o nosso Capitão Martins, da Secção de Pessoal e reabastecimentos, a ver a chegada das tropas.


Em, 2018-08-27

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

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Guiné 61/74 - P18959: Parabéns a você (1490): António Marques Barbosa, ex-Fur Mil Cav do Pel Rec Panhard 1106 (Guiné, 1966/68) e José Corceiro, ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1969/71)


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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18957: Parabéns a você (1489): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18958: Notas de leitura (1095): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (4) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Julho de 2018

Queridos amigos,
Depois de um repouso na ilha de Moçambique, algo que nos lembra, transviado, o episódio da Ilha dos Amores, inicia-se o derradeiro ato da vida daquela Companhia de Comandos que acabará desmembrada, a operação Nó Cego, a convicção do general K que encontrara uma poção mágica para varrer a Frelimo do Planalto dos Macondes. Tudo vai correr às avessas e a guerra mudará de rumo.
Como numa trágica comédia em imenso palco, homens mansos descobrirão a bravura, serão forjados alguns falsos heróis, um comissário político da Frelimo avisará o capitão da inutilidade do que por ali andam a fazer e o general K está em impante de alegria, considera que houve uma retumbante vitória.
É nesta feira cabisbaixa que Carlos Vale Ferraz escreve esta obra imponente, um clássico na justa medida em que fica esculpida, em toda a sua inutilidade, aquela guerra já sem sentido.

Um abraço do
Mário


Nó Cego, a obra maior de toda a literatura da guerra colonial (4)

Beja Santos

"Nó Cego", por Carlos Vale Ferraz, Porto Editora, 2018, impôs-se ao longo de 35 anos, como leitura obrigatória, é a obra mais universal da nossa literatura da guerra colonial, o romance mais poderoso, melhor arquitetado e de dimensão clássica. E, prova provada, inultrapassável.

Chegou a hora de uma certa quietude, a Companhia vai fazer uma pausa na ilha de Moçambique, encruzilhada nas viagens da carreira da Índia. Vamos conhecer o funcionamento da administração colonial, o castigo das palmatoadas, os conflitos entre a fação do administrador e a do juiz da comarca. Como na Ilha dos Amores, haverá o repouso idílico do capitão, com senhoras de vária idade. É este o prólogo do quarto e último andamento, chegou o momento da operação desenhada pelo impante general K, sempre seguido pelo séquito de ajudantes de campo, ele sonha com o dia histórico em que se vai dar a estucada de morte na Frelimo em todo o Planalto dos Macondes. É a operação Nó Cego, estariam localizadas com exatidão as suas três grandes bases: a Gungunhana, a Moçambique e a Nampula. Um coronel do Estado Maior sumariza o que se vai passar:
“Cerca-se esta zona – o coronel apontou –, aproveitando as estradas existentes e construindo com engenharia as que faltam, para fechar um quadrado de cerco que será guarnecido com emboscadas permanentes realizadas por tropas normais e patrulhamentos regulares com esquadrões de reconhecimento. Quando a ratoeira estiver montada, quando ninguém puder entrar ou sair, lançaremos ao assalto das bases as nossas companhias de tropas especiais: os comandos para a Base Alfa, nome de código da Gungunhana, os paraquedistas para a Bravo, da Moçambique, e os fuzileiros, em segunda fase, para a Charlie, da Nampula.”

E o general K declamou eufórico:
“Dentro deste quadrado tudo o que mexer é inimigo, será a guerra total! Esta é uma luta de vida ou de morte. Mas nós vamos ainda dar uma oportunidade às populações enganadas na sua boa-fé. Assim, durante este mês, faremos uma gigantesca operação de acção psicológica: as populações serão avisadas das consequências do apoio aos terroristas, serão convidadas a apresentarem-se voluntariamente nas nossas guarnições militares”.

E um outro coronel apresentou o plano de ação psicológica e social:
“Além dos panfletos serão lançados vários objetos que demonstrarão a nossa boa vontade, uma técnica que desde as Descobertas tem dado muito bons resultados no contacto com os nativos. Serão lançadas duas toneladas de roupa interior de mulher, tais como soutiens e calcinhas, canetas, sapatilhas, óculos escuros, bandeirinhas nacionais. Paralelamente serão difundidos programas de rádio a prometer terras e a vinda para o Sul. Paz e trabalho a todos os que se apresentarem. Este programa será realizado aproveitando os antigos terroristas capturados e recuperados pela DGS”.

É um momento alto em que Carlos Vale Ferraz esboça estereótipos inesquecíveis, como aquele capitão Vouzela que se compraz com as campanhas de pacificação de Mouzinho de Albuquerque, a arengada do general comandante-chefe às tropas a caminho da operação, os comentários brejeiros às senhoras do Movimento Nacional Feminino. E a Companhia de Comandos saiu à frente para assaltar a base Gungunhana. O foguetório começa cedo, explode uma mina no esquadrão de cavalaria do capitão Vouzela, o capitão está morto.
Um alferes de cavalaria justifica-se:
“Vínhamos à confiança, sem esperar minas. Está aí toda essa tropa a montar emboscadas…Rebentou a primeira e a autometralhadora da frente foi pelos ares, o nosso capitão mandou avançar a dele para a proteger e foi também pelo ar…”.

O poder narrativo espraia-se em pequenos flashes de estados de alma de oficiais, sargentos e praças, entrara-se na floresta de árvores a pingarem cacimbo, iam furando o capim ainda húmido, encontram-se trilhos, o cansaço alastra-se, inicia-se um brutal golpe de mão, a brutalidade toma conta do texto, uma jovem negra é sistematicamente violada. Queima-se tudo, há que continuar, a base de Gungunhana deve estar perto, há tiros, morteiradas, as tropas da Frelimo estão a reagir, recolhem-se vários feridos e um morto, irá morrer o alferes Fernandes, o capitão segue condoído, aquele seu alferes era de todos o mais frágil e normal. “Um miúdo de vinte e um anos… - o capitão cerrou os lábios -, tão zeloso que até as últimas palavras foram ordens para tratarem das suas cartas, apenas lhe escapou a derradeira, o apelo irreprimível à mãe, que parece ser o chamamento final dos homens que partem para a viagem de regresso às origens”.

Nestes tiroteios, é capturado o comissário político da zona, Alberto Chinavane, é duríssima a conversa travada entre o comissário e o capitão, mas o comissário morre devido aos ferimentos. E prossegue o caminho para a base, a Companhia de Comandos é recebida com silêncio, ninguém lá estava, todos tinham fugido. E, súbito, estoira o fogo inimigo, o capitão é ferido, na manhã seguinte chega a nova Companhia de Comandos, a base está completamente queimada. “O general comandante-chefe desembarcou do helicóptero seguido da comitiva. Vinha barbeado, de camisa e calças verdes, de boné de pala, como usava no seu quartel-general. A única concessão que fazia nas suas visitas às unidades em operações era calçar umas botas em vez de sapatos”. O capitão é exibido aos órgãos de comunicação social, o teatro e a política convergem no mesmo ato. E o capitão é evacuado. O general K dará uma conferência de imprensa anunciando que na operação Nó Cego se joga o futuro do Ocidente.

A Companhia de Comandos irá ser desmantelada, haverá ainda mais reação das forças da Frelimo, todos aqueles homens estão a mudar, há mansos transformados em lobos, há quem mude em herói por múltiplas razões do acaso. A dissolução daquela força de tropa especial é irreversível, alguém comenta: “Uma Companhia só é uma boa Companhia quando tem um bom capitão, um bom enfermeiro e um bom transmissões, esta já não os tem”.

Lá longe, no Algarve, gozando férias, o capitão medita: “Condecoraram, promoveram, graduaram, transferindo, reclassificaram, recompletaram. A nossa velha Companhia desapareceu”. O general K está eufórico, grita a todos os ventos que houve uma retumbante vitória. Como se sabe, a Frelimo saiu fortalecida, vão ficar para a História as explicações daquela guerra insana e destes mártires que, no Nó Cego, foram os mártires da mais dementada guerra que Portugal alimentou, um Nó Cego que só o 25 de abril desapertou.

Documento e monumento literário, este Nó Cego devia pelo menos ser livro obrigatório em todas as bibliotecas públicas, nenhum outro livro assume esta capacidade explicativa do que foi, no seu todo, a mais inútil das guerras em que Portugal participou. Salvou-se a comunicação entre todas as parcelas do Império, mas duro foi o seu preço.
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Notas do editor:

Vd. postes de:

6 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18901: Notas de leitura (1089): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

13 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18919: Notas de leitura (1091): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (2) (Mário Beja Santos)

20 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18940: Notas de leitura (1093): Nó Cego, por Carlos Vale Ferraz; Porto Editora, 2018 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18950: Notas de leitura (1094): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (48) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18957: Parabéns a você (1489): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste  da série  > 25 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18951: Parabéns a você (1488): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

domingo, 26 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18956: Blogues da nossa blogosfera (101): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (20): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


VENHO DE UM JARDIM DISTANTE

ADÃO CRUZ

©ADÃO CRUZ


Venho de um jardim distante florido de memórias
ou de um sonho qualquer
entre risos e lágrimas caindo de um céu de chumbo
ou de um céu de magnólias.
Venho do seio do orvalho da madrugada
num punhado de vida libertada
em qualquer rumor de passos
brincando nos telhados acesos pela luz do dia.
Venho de um jardim distante
onde grinaldas de flores abrilhantam a festa do azul dos tempos
no incêndio do crepúsculo ou no ardor da manhã
do meu berço de mistério e universo.
Venho das esquinas do tempo
em recordações avulsas ao sabor das pontes da vida
cavalgando o vento que assobia nas ruas estreitas
ou mordendo as pedras com punhais de silêncio.
De onde venho ninguém sabe.
Venho talvez da intimidade salgada do mar
ou de um jardim distante com um rio de passos e palavras
e pedaços de sol num rosário de pérolas
abrindo a neblina do nascer da vida.
Venho… quem sabe…
da nudez adormecida no silêncio do tempo
destinado à simplicidade da morte
pelo sinuoso caminho das recordações perdidas
no chão fundo das angústias ou nos retalhos da esperança.
Venho talvez das sombrias entranhas
prenhes de fulvos e ilusórios tesouros
que emergem do fundo do mar
sublimados de cor e luz
à superfície traiçoeira das águas bordadas de espuma.
Ou então…
Ou então serei filho de um mundo sem resposta
sujeito a ventos e marés que enrugam o latejar das veias
e quebram o voo das artérias com lugar no corpo
rompendo o fluir da vida no interior do sonho.
Não.
Eu não venho de lugar algum fora da mente
nem trago comigo a erva daninha.
Eu venho de um jardim distante entre o sonho e a razão
onde o pensamento se agiganta contra as trevas da ilusão.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18937: Blogues da nossa blogosfera (100): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (19): Palavras e poesia

Guiné 61/74 - P18955: Blogpoesia (581): "Para que servem as palavras", "Soletro os meus versos, letra a letra" e "O essencial", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Para que servem as palavras

Sonoras ou escritas
Têm cor, cheiro e sabor.
Podem ser pétalas ou espinhos de flor.
Umas graves outras leves.
Falam verdades
E falam mentiras.
Consolam a alma.
Magoam e
Curam feridas.
Malévolas,
Se trocam por tudo e
Se vendem por nada.
Tudo revelam
E guardam segredos.
Mudam de rosto conforme convém.
Defendem e atacam os fortes e fracos.
Paradas, vivem à espera de uso
E não cobram vintém.
Carregam nas cores quando convém.
Esquecem os caminhos por onde não passam ninguém.
Com justa medida, julgam os pobres e ricos.
Castas e púdicas se expõem ao sol.
Consertam as letras à sombra para parecerem baratas.
Sem elas não haveria portáteis
E os computadores nem sequer existiam...

Berlim, 20 de Agosto de 2018
19h59m
Jlmg

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Soletro meus versos, letra a letra

Como quem puxa a água dum poço com uma corda.
Encho o balde bem fundo e trago-o à tona.
Bebo dele e me refresco.
A outra parte sirvo à mesa dos amigos.
Suavize e mate a sede de quem chegue.
Sem olhar quem é.
Refresque e acalme a dor e o sofrimento que todos sentimos.
Ninguém está bem a cem por cento.
Minhas letras encham folhas de cor e luz.
Levem longe e sempre razões de esperança.
Lavem um pouco das muitas manchas que a sombra faz.
Embora não o pareça,
Nem tudo é mal no mundo.
O vença o bem e haja paz.

Berlim, 21 de Agosto de 2018
6h41m
Jlmg

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O essencial

É fértil a natureza.
Só nos dá o essencial e
Chega para toda a gente.
Se nada mais houvesse, além do essencial,
estaria muito melhor o mundo.
É como o leito do rio.
Sem ele, não há rio
porque esborda e se desfaz.
É vertical.
É o prumo do equilíbrio.
O secundário ou acessório
Só escurecem ou fazem sombra.
Os ramos adventícios são caducos e inúteis.
Sua poda atenta e constante se impõe para se conservar o tronco.
Nada sobrevive sem o essencial.

Berlim, 24 de Agosto de 2018
11h46m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18936: Blogpoesia (580): "Portão da poesia...", "Pingantes à borda do mar" e "Se alguém me vier bater à porta não terei poema para lhe dar...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18954: (Ex)citações (343): porquê tantos ex-seminaristas nas fileiras do exército, durante a guerra colonial? (António J. Pereira da Costa / Virgílio Teixeira / José Nascimento / A. Marques Lopes / Juvenal Amado)


Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015,  582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).

Seleção de comentários ao poste P18949 (*)

(i) José Nascimento:

O saudoso alferes Joaquim da Costa Marques,  comandante do 3.º Pelotão da Cart 2520  (Xime e Quinhamel, 1969/70) também foi oriundo do seminário.

Pouco fiquei a saber dele, era uma irmandade de 9 ou 10 elementos, creio que de uma família modesta. Ainda me lembro que, no dia do meu aniversário em 1969 na Guiné, fez o seu voto de felicidades em Latim. Obrigado Marques, até um dia.

(ii) Juvenal Amado:

Seminarista: o capitão Lourenço do Saltinho. [Referência à CCAÇ 3490, que esteve no Saltinho (1971/74) e que teve uma trágica história (a emboscada do Quirafo em abril de 1972)]...

Seminário: para além do "Cabra Cega", temos o livro "Gente Feliz Com Lágrimas" de João Melo. Niassa, o cheiro no porão a vomitado, urina, nafta e maresia, o nosso miserável regresso 27 meses depois...

(iii) Anónimo:

É uma entrevista? Um diálogo entre dois camaradas seniores com muita experiência de vida? A sua leitura entusiasma, todas as questões humanas, sociais, laborais, políticas, religiosas, de guerra, são abordadas com o realismo, a lucidez, a verdade, de quem é adulto e sabe que a vida é finita.

Virgílio Ferreira no livro "Manhã Submersa" retrata bem o pesadelo desses garotos de doze anos, sobretudo dos meios rurais do interior do país, sem liberdade religiosa e sem liberdade de expressão por imposição dos pais, dos professores, dos padres e dos governantes, quando entravam nos espaços limitados e claustrofóbicos dos seminários e ficavam privados da liberdade de circulação pelas ruas das aldeias e pelos caminhos de terra dos campos onde a sua natureza de potros selvagens se expandia e conseguia nesse contacto sem barreiras com a natureza mais agreste da Terra sacudir o peso de imposições familiares e sociais.

Passei lá um ano, os meus irmãos, três, também passaram por lá, eu confesso que foi o pior ano de "tropa" da minha vida. Quase todos os filhos de lavradores, pequenos, médios e até grandes, da minha aldeia, da minha geração e da seguinte, fizeram essa malfadado tirocínio. Também é verdade que a maior parte se não o fizessem ficariam para sempre a lavrar e cavar a terra. Dessas gerações nenhum saiu padre.

Porque como os outros que procuram fazer a paz com a consciência, a verdade e o passado, eu confesso que só fui para a Guiné, por falta de coragem. Digo falta de coragem, porque eu nesse tempo para lá de alguma agricultura pouco ou nada sabia fazer.

Fui para lá convencido de que era uma guerra perdida e admirei muito os que pensando assim deram o "salto". O espaço do Blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné é um espaço livre, ninguém dúvida disso. Eu gostaria que pelo menos alguns desses "fugitivos" fizessem alguns depoimentos neste espaço.

Muito obrigado ao Luís Graça e ao outro camarada quase anónimo, que eu desconheço, sou doutros anos. Fico à espera da segunda parte e doutras se quiserem.

(Comentário de Francisco Baptista, não assinado por lapso)

(iv) António J. Pereira da Costa:

Ainda gostava de saber por que é que o número de ex-seminaristas era tão elevado nas companhias.

Em 1968, em 4 alferes possíveis 3 eram ex-seminaristas e havia mais nas outras CArts do BArt 1896. Mais tarde, em Mansabá, dos 3 existentes um era ex-seminarista e bastante avançado nos estudos. Quando no encontrámos recentemente fiquei a saber que quando ele saíu do seminário, só lá ficaram 10.

Era uma "crise de vocações" ou a Igreja que tinha deixado de responder às necessidades espirituais das pessoas, neste caso dos jovens seminaristas e futuros padres?

Jogo nesta última hipótese à qual teremos de adicionar o ambiente sócio-psicológico que se vivia em Portugal e a conivência da hierarquia com "o sistema". Era frequente encontrarmos "dissidentes" e críticos, mas só na parte baixa da estrutura, como era o caso do capelão do BCaç 4612. Mas era um fenómeno inexorável a deserção do seminário. Claro que a "tropa" aproveitava-se... atiradores, com alguma tendência para liderar (que se aprendia desde o início no treino dos seminários) faziam sempre falta.

(v) Virgílio Teixeira:

Eu julgo, em resposta ao António Costa, que existiam muitos seminaristas nos batalhões e companhias, mas a nível de furriéis e alferes, devido à escolaridade, pois no seminário era fácil fazer o 5.º para furriel e o 7.º para alferes, e depois deram o salto do seminário porque cá fora já podiam ter uma vida melhor, com a escolaridade que trouxeram do seminário.

Não contavam, talvez, que iriam fazer uma missão bem pior na guerra, do que a de seminarista e depois padre. Se bem se lembram, nos anos 60 não havia assim tanta gente com escolaridade para as funções na tropa de furriel e alferes, o mesmo não se pode dizer do soldado raso, pois desta matéria não faltou durante uns tempos.

Sei alguma coisa, mas não muito, o meu pai também esteve no seminário, saiu com uma grande escola de vida, que nunca teria se não o metessem no seminário, mas pouco mais sei, porque ele sempre muito fechado, nunca se abriu muito sobre estas questões.

Eu próprio, poderia ser hoje um ex-seminarista, ou um ex-padre, pois quando acabei a primária, acho que o meu pai tinha ideia de me mandar para lá, só que eu era rebelde demais para isso, e entretanto como foi mobilizado para a Índia, em 1955, não houve tempo para essas formalidades, e quando voltou passados quase 3 anos já era tarde demais, e assim me safei dessa!

Estou a falar nisto pela rama, mas pormenores não os sei, era tudo muito fechado.

(vii) A. Marques Lopes:

Só uma observação: não considero que o meu "Cabra-cega" seja "romance"... Usei, eu próprio, um pseudónimo como autor e outro como personagem do livro, dei também nomes fictícios a outras personagens reais. Mas os factos são reais, não são romance.   (**)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18949: A galeria dos meus heróis (8): os seminaristas (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 23 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18865: (Ex)citações (342): O patacão da guerra: 1043 contos de 'ajudas de custo [de embarque] e adiantamento de vencimentos' foi quanto levantei em agosto de 1967 para o meu batalhão (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

Guiné 61/74 - P18953: Os 54 sargentos que tombaram no CTIG (1963-1974), por doença (n=24), em combate (n=17) e por acidente (n=13) (Jorge Araújo)


Lisboa (Cais da Rocha Conde de Óbidos), 6 de Outubro de 1964, 3.ª feira. Desfile de despedida do contingente da Companhia de Caçadores 726 [CCAÇ 726], momentos antes do embarque a bordo do N/M «Uíge»,  rumo a Bissau, unidade comandada pelo capitão Martins Cavaleiro [foto de autor desconhecido editada no cmjornal em 05.06.2010, in: http://www.cmjornal.pt/mais-cm/eu-reporter-cm/correio-do-leitor/detalhe/cacadores-726-convivem (com a devida vénia)].




Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil Op Esp  / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974);
 coeditor do nosso blogue; tem mais de 180 referências



OS 54 SARGENTOS QUE TOMBARAM NO CTIG [1963-1974] (POR ACIDENTE, COMBATE E DOENÇA) 
(Jorge Araújo)


1. INTRODUÇÃO

Este projecto de actualização das listas dos camaradas que tombaram no CTIGuiné durante a «Guerra do Ultramar» ou «Guerra Colonial» (1961-1974), estruturado por patentes segundo a tríade em que foram agrupadas as causas das suas mortes – acidente, combate e doença – teve o seu início com os «Alferes» [P18860], seguindo-se depois os «Furriéis» [P18925, P18927 e P18935].

Hoje, apresento ao Fórum a lista dos camaradas «Sargentos» dos três ramos das Forças Armadas, organizada segundo a metodologia anterior, os mesmos quadros de categorias e ordem cronológica.

Continuamos a considerar a hipótese desta lista estar incompleta, tal como as já publicadas, na justa medida em que existem casos de militares que tombaram nos diferentes TO que estão ainda por registar e/ou recensear.

Quanto aos camaradas «Sargentos do Exército», que faleceram em combate na Guiné, recordo os nomes dos três primeiros casos, por sinal os únicos ocorridos ao longo do ano de 1965, ou seja, dois anos após o início do conflito, e que foram:

● Em 28FEV1965 – o 1.º Sargento Inf Joaquim Lopo Covas Balsinhas, da CCAÇ 726,

● Em 19JUL1965 – o 2.º Sargento Inf Leandro Vieira Barcelos, da CCAÇ 763,

● Em 11AGO1965 – o 2.º Sargento CMD Rodolfo Valentim Oliveira, da 4.ª CCAÇ.


Guileje, na manhã a seguir ao 1.º ataque (30NOV1964), vendo-se a cozinha, o refeitório, a GMC e a armação de uma das tendas, onde o 1.º sargento Joaquim Balsinhas está identificado com a letra “A”.



Idem. Em “A” continua a ser o 1.º sargento Joaquim Balsinhas; “B”: o fur enf Manuel Rodrigues; “C”: o 2.º sargento José Bebiano; “D”: o fur trms Carlos Cruz e “E” elementos da CART 495 [fotos do camarada António Pires (Teco), com a devida vénia (P2360)].


2. AS PRIMEIRAS TRÊS BAIXAS EM COMBATE NO EXÉRCITO

2.1. A 1.ª BAIXA:  1.º SARGENTO INF JOAQUIM LOPO COVAS BALSINHAS, DA CCAÇ 726, EM 28FEV1965

Da História da CCAÇ 726 [Guileje, Mejo e Cachil, 1964-1966] consta que esta Unidade foi mobilizada pelo Regimento de Infantaria 16 [RI 16], de Évora, tendo desembarcado em Bissau a 14 de Outubro de 1964, 4.ª feira, rendendo a CART 676 no dispositivo e manobra do BCAÇ 600. Sob a orientação da CCAÇ 508, fez a adaptação operacional na zona de Quinhamel, perto da capital. Em 28 de Outubro e 17 de Novembro de 1964, foram destacados para Guileje o 1.º GrComb e o 2.º GrComb, respectivamente.

Em 25 de Novembro de 1964, 4.ª feira, todo o colectivo da CCAÇ 726 estava colocado no Sector de Guileje, então criado [daí ser considerada a primeira Companhia a ocupar Guileje], primeiro na dependência do BCAÇ 513, depois na do BCAÇ 600 e ainda na do BCAÇ 1861. Anteriormente Guileje esteve ocupado por um GrComb da CART 495 [Fev1964-Jan1965].

A CCAÇ 726, ao longo da sua permanência neste Sector, só ou em conjunto com outras subunidades, tomou parte em diversas operações, patrulhamentos e emboscadas no chamado "Corredor de Guileje". Por períodos variáveis forneceu, também, Gr'sComb para reforçarem, temporariamente, as guarnições de Gadamael e Cacine.

Em 30 de Março de 1965, 3.ª feira, na sequência da «Op. Arpão» ocupou a povoação de Mejo, aí ficando instalados dois GrComb. Em 27 de Janeiro de 1966, 5.ª feira, destacou dois GrComb para o Cachil, para reforçar a CCAÇ 1424, então na zona de acção do BCAÇ 1858. Em 2 de Julho de 1966, sábado, passou a integrar o dispositivo do BCAÇ 1858, por rotação com a CCAÇ 1424, assumindo a responsabilidade do subsector de Cachil, mantendo ainda um GrComb em Mejo.

Em 16 de Julho de 1966, sábado, foi substituída pela CCAV 1484, do Capitão Cav Rui Pessoa de Amorim, seguindo para Catió, onde se manteve até à chegada da CCAÇ 1587, do Capitão Mil Inf Pedro Reis Borges. Em 6 de Agosto de 1966, sábado, seguiu para Bissau, onde no dia seguinte embarcou a bordo do Paquete «Rita Maria» de regresso à Metrópole.

A CCAÇ 726, durante a sua comissão de vinte e dois meses, teve três comandantes: o Capitão Martins Cavaleiro, o Capitão Inf Arménio Teodósio e o Capitão Art Nuno Rubim. [vidé P2360 e P10576].

Entretanto, numa das missões de contra-penetração efectuadas no «Corredor de Guileje», morre em combate, em 28 de Fevereiro de 1965, domingo, por efeito de explosão de uma armadilha IN, o 1.º Sargento Inf Joaquim Lopo Covas Balsinhas, natural de S. Brás e S. Lourenço, Elvas.

A morte de Joaquim Balsinhas, considerada a segunda baixa do contingente da CCAÇ 726 [a 1.ª foi a do Furriel António Gonçalves da Silva, natural de Penude, Lamego (P18927), ocorrida em 29NOV1964, durante um ataque à tabanca e ao quartel de Guileje (P2360)], ficou grafada na historiografia da Guerra no CTIG como a primeira em combate de um Sargento do Exército, numa altura em que o conflito armado somava, então, vinte e cinco meses.


2.2. A 2.ª BAIXA: - 2.º SARGENTO INF LEANDRO VIEIRA BARCELOS, DA CCAÇ 763, EM 19JUL1965

A morte do 2.º Sargento Inf Leandro Vieira Barcelos, natural de Porto da Cruz, Machico (Madeira), ocorrida em 19 de Julho de 1965, 2.ª feira, é considerada a segunda na cronologia dos Sargentos do Exército falecidos em combate no CTIG, e a primeira da CCAÇ 763 [Cufar, 1965-1966].

Da História da CCAÇ 763 ("Nobres na Paz e na Guerra") consta que esta Unidade foi mobilizada pelo Regimento de Infantaria 1 [RI 1], Amadora, Oeiras, tendo embarcado a 11 de Fevereiro de 1965, 5.ª feira, a bordo do T/T «Timor» rumo a Bissau, onde desembarcou seis dias depois, em 17 de Fevereiro de 1965, 4.ª feira. Aí chegada, a CCAÇ 763 ficou instalada em Santa Luzia no BCAÇ 600, aguardando ordens para seguir para Cufar, região de Tombali, na Frente Sul, de modo a reforçar o BCAÇ 619, sediado em Catió. O seu regresso à metrópole aconteceu a 26 de Novembro de 1966, sábado, a bordo do N/M «Niassa».

Quanto à descrição do contexto onde ocorreu a morte do 2.º Sargento Leandro Vieira Barcelos vamos encontrá-la no livro de memórias "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" do nosso camarada Mário Vicente [Mário Fitas, ex-fur mil op esp da mesma companhia], o qual faz parte do riquíssimo espólio deste blogue.

No P17130 é referido: […]

"Em 8 de Julho de 1965 [5.ª feira], a Companhia [CCAÇ 763] embarca em Impungueda a fim de levar a efeito a «Op Satan». Pelas quatro horas da madrugada as três LDM que transportam a CCAÇ [763] encontram-se frente a Caboxanque. Detectadas, as forças do PAIGC abrem fogo contras as NT, as lanchas conseguem acostar e o primeiro GrComb a desembarcar contra-ataca, desalojando os guerrilheiros.

Conseguindo progredir através de Caboxanque e depois Flaque Injã, pelas 07h00 consegue-se detectar e assaltar um acampamento, o qual foi destruído bem como várias instalações e uma grande escola do PAIGC, onde é apreendido bastante material e documentação. Entre a documentação são encontradas várias fotografias, uma das quais de "Nino" [Vieira, 1939-2009] em Pequim.

Na descida de Flaque Injã para Caboxanque somos emboscados. Reagindo bem, a Companhia consegue abater seis guerrilheiros, capturar uma espingarda automática e diverso equipamento. No cais de Caboxanque, onde se nos juntara a 4.ª CCAÇ de Bedanda, enquanto se aguardava o embarque, fomos de novo fortemente atacados, mas o IN foi repelido. Sofremos um ferido grave que foi evacuado de helicóptero para Bissau. […]

[Em 18 de Julho de 1965, domingo] voltámos a Cabolol. O guia vindo do Batalhão [BCAÇ 619] garante-nos haver um novo acampamento, mas não encontramos nada. Leva-nos ao antigo acampamento que verificamos continuar destruído. Divergimos para a tabanca de Cantumane que verificamos encontrar-se deserta. Procedimento normal em termos de anti-guerrilha, proceder à revista de todas as moranças e depósitos de arroz.

Quando o grupo destinado executava essa tarefa, a CCAÇ 763 foi violentamente atacada por um numeroso grupo IN que se encontrava emboscado na mata a norte. Três ataques sucessivos cor armas ligeiras e RPG, verifica-se a impossibilidade de utilização de morteiros, resultante da proximidade em que as forças se encontram.

Nessa ocasião é-nos dada a oportunidade de contactarmos com um novo, para nós, método de
emboscada: a utilização de abelhas.

[imagem de cortiço de abelhas africanas]. Fonte: iStock, com a devida vénia.

Os cortiços são postos em pontos estratégicos e, ao desencadearem a emboscada, fazem fogo sobre os 
referidos cortiços. As abelhas "lassas" saem lançando-se enfurecidas sobre os nossos homens, desarticulando completamente o dispositivo dos grupos de combate, ficando muita gente incapacitada para o combate, e para responder à emboscada [vidé P7674].

Com algum esforço, consegue-se fazer o envolvimento do IN provocando-lhe várias baixas confirmada. Por parte das NT sofremos mais um ferido grave que não viria a resistir, o nosso "Madeira". O 2.º sargento Leandro Vieira Barcelos é atingido no fígado por uma bala depois de lhe ter perfurado o rádio. O Barcelos não se aguentou e fina-se no dia seguinte no HM241, em Bissau. A CCAÇ 763 sofre mais três feridos graves por picadelas de abelhas, que foram também evacuados para o Hospital. E assim termina a denominada «Op. Trovão»" [P17130].


2.3 .  A  3.ª BAIXA: - 2.º SARGENTO CMD RODOLFO VALENTIM OLIVEIRA, DA 4.ª CCAÇ, EM 11AGO1965

A morte do 2.º Sargento Cmd Rodolfo Valentim Oliveira, natural de Santiago, Tavira, ocorrida em 11 de Agosto de 1965, 4.ª feira, é considerada a terceira na cronologia dos Sargentos do Exército falecidos em combate no CTIG.

O sargento Rodolfo Valentim Oliveira pertencia à estrutura orgânica da 4.ª CCAÇ [Companhia de Caçadores Nativos (ou indígenas) constituída por praças africanas de Recrutamento Local, que eram enquadrados por oficiais, sargentos e praças especialistas oriundos da Metrópole.

Criada e instalada primeiramente em Bolama em finais de 1959, mudou-se em Julho de 1964 para Bedanda, por necessidades operacionais, uma vez que um dos objectivos intrínsecos para a sua criação foi/era a segurança e/ou a defesa das suas populações, estando assim implícito o conceito de "missão" ou "actividade operacional" na luta contra os grupos da/de guerrilha armados. Três anos após a instalação dos seus primeiros efectivos em Bedanda, esta Unidade é renomeada, em 1 de Abril de 1967, passando a designar-se por Companhia de Caçadores n.º 6 [CCAÇ 6 - "Onças Negras"] (vidé: P18387 e P18391).

Na sequência da actividade operacional da CCAÇ 763, caracterizada pelo camarada Mário Fitas no livro acima referido, da qual resultou a morte do 2.º sargento Leandro Vieira Barcelos, já descrita no ponto anterior, encontrámos uma primeira referência à 4.ª CCAÇ, onde dá-se conta de missões conjuntas envolvendo as duas Unidades.

É a partir dessas vivências colectivas anteriores, partilhadas em palcos comuns, que se vem a saber da morte do 2.º sargento Rodolfo Valentim Oliveira. Por ausência de informações mais precisas quanto aos detalhes que originaram a sua morte em combate, citamos o que foi possível apurar neste âmbito:

"Voltamos a caminhos de Cabolol mas seguindo a estrada, passamos nas bordinhas da mata e vamos atá à tabanca de Cobumba, numa acção punitiva, por a sua população dar guarida a um grupo de guerrilheiros, que teria causado várias baixas à 4.ª CCAÇ estacionada em Bedanda, entre as quais se contava um sargento [Rodolfo Valentim Oliveira]" [P17130].

Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como costumamos afirmar, eis os quadros estatísticos dos 54 (cinquenta e quatro) sargentos [Ajud., 1.ºs e 2.ºs], nossos camaradas dos três ramos das Forças Armadas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, sendo 13 em acidente (24.1%), 17 em combate (31.5%) e 24 por doença (44.4%).

3. QUADROS POR CATEGORIAS E ORDEM CRONOLÓGICA












Fontes consultadas [com cruzamento]:

http://www.apvg.pt/

http://ultramar.terraweb.biz/index_MortosGuerraUltramar.htm (com a devida vénia)

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.
24AGO2018.
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Nota do editor:

Vd postes relacionados com este último:

19 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18935: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - III (e última) Parte: Por doença (n=14) (Jorge Araújo)

16 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18927: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte II: Em combate (n=139) (Jorge Araújo)

15 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18924: Furriéis que tombaram no CTIG (1963-1974), por acidente, combate e doença - Parte I: Por acidente (n=68) (Jorge Araújo)

20 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)



26 de4 agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18953: Os 54 sargentos que tombaram no CTIG (1963-1974), por doença (n=24), em combate (n=17) e por acidente (n=13) (Jorge Araújo)

sábado, 25 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18952: Os nossos seres, saberes e lazeres (281): De Aix-en-Provence até Marselha (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 6 de Junho de 2018:

Queridos amigos,
Aqui finda o périplo iniciado na formosa Aix-en-Provence e que culminou por uma larga deambulação em Marselha. Como todos os viandantes, escutam-se diferentes opiniões quanto à mais-valia de qualquer cidade, este viandante não auscultou comentários altamente lisonjeiros à imponente cidade portuária e há até mesmo comentários veladamente xenófobos, para não dizer racistas, acerca da sua população ou das gentes que por aqui circulam. No entanto, a cidade é muito mais que uma lembrança do passado, dos seus hotéis luxuosos, da majestade graciosa do Porto Velho. Tem panorâmicas inigualáveis, como estar no ponto mais alto de Notre-Dame-de-la-Garde e ver para um lado um Mediterrâneo aparentemente infindável e virar as costas para as cordilheiras dos Alpes que parecem aqui descansar.
Inesquecíveis férias na Provença. Em junho, o viandante espera aterrar em Toulouse e visitar os territórios dos Cátaros e dos Albigenses e pela primeira vez na sua vida assentar nos Pirenéus sem ser de passagem.

Um abraço do
Mário


De Aix-en-Provence até Marselha (13)

Beja Santos

Regresso, em jeito de despedida, a Notre-Dame-de-la-Garde, a 162 metros de altitude, aqui foi edificada a igreja de peregrinação com o mesmo nome. As imagens falam por si, a cidade avança nas suas cores puras para o Atlântico, por detrás deste altíssimo ponto de peregrinação estão ao Alpes, guardam na sua cumeeira o último gelo do inverno. Aqui o viandante medita sobre o que já viu na imponente Marselha, surpreendeu-o as destruições ao tempo da II Guerra Mundial, os alemães derrubaram as construções do bairro em torno do Porto Velho, como medida de precaução; da cidade levaram judeus e oposicionistas, à partida, em agosto de 1944, houve mais destruições no porto. Mas aqui em cima respira-se a paz, a imensidão do casario aviva-se com o céu tão azul, que beleza e que tranquilidade!




A Basílica atual data do II Império, naquele momento do século XIX a França expande-se, o seu império colonial tornou-a próspera, e daí os meios para esta edificação em estilo romano bizantino. A igreja alta está ornada de mosaicos e de numerosos ex-voto, testemunhos eloquentes da fé popular. No ponto mais elevado, o campanário, está a estátua monumental da Virgem dourada, folheada a ouro nas oficinas Christofle.



Regresso à cidade, nova itinerância, pretendia-se visitar um museu de arte contemporânea que está em obras, contempla-se agora a Ópera, Marselha tem os seus pergaminhos na música operática. A primeira Ópera foi construída no início do século XVII, aqui, Lully criou uma academia de música, é um edifício gracioso, pena é que esteja tão entaipado, não permite ao viandante que expanda o olhar fora do cerco do casario. É uma construção do século XVIII, foi parcialmente destruída por um incêndio em 1919, da origem só conserva as paredes-mestras e a fachada principal e a sua colunata jónica. Foi reconstruída em Arte-Deco, o que trouxe originalidade a toda a composição.


A França digeriu sempre mal a sua derrota em 1940, os seus colaboracionistas, o seu antissemitismo, demorou décadas a enfrentar a realidade. E é nestas deambulações que encontramos lápides dessa realidade, tão dolorosa, a partida de judeus e oposicionistas para uma viagem sem regresso.


É nisto que o viandante se depara com uma exposição em que pontifica o vermelho, na casa do artesanato, onde primam diferentes valências, ora vejam a indumentária feminina, um instrumento musical e a elaboração de livros, é gratificante percorrer esta amostra tão graciosa, tudo tão bem exposto, sobre a égide do vermelho.





Está na hora de partir, dizer adeus a esta cidade com 26 séculos de história, encruzilhada de civilizações entre a Europa, África e Ásia, veio o viandante com tanto entusiasmo à procura do velho porto, das suas fortalezas, com destaque para o Forte de S. João, os seus bairros antigos, os seus museus, o panorama de Notre-Dame-de-la-Garde. Sucesso completo, não foi total por falta de acesso ao Parque Nacional Des Calanques, mais uma razão para voltar, e então nessa oportunidade partir de Marselha para a ilha rochosa de If, mundialmente conhecida pelo romance “O Conde de Monte-Cristo”, de Alexandre Dumas. O maciço des Calanques proporciona um espetáculo natural único, com as suas escarpadas agulhas rochosas de pedra calcária branca a precipitarem-se sobre o mar verde-azulado.
O viandante despede-se mostrando a rua onde viveu, daqui se vai para a artéria principal La Canebière, a espinha dorsal da velha Marselha, e na gare toma-se comboio até ao aeroporto.
Foram umas férias felizes, o viandante promete voltar.

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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18933: Os nossos seres, saberes e lazeres (280): De Aix-en-Provence até Marselha (12) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18951: Parabéns a você (1488): Manuel Carmelita, ex-Fur Mil Radiomontador do BCAÇ 3852 (Guiné, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18948: Parabéns a você (1487): António Fernando Marques, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18950: Notas de leitura (1094): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (48) (Mário Beja Santos)

Câmara Municipal de Bolama, fotografia de Francisco Nogueira no livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Aqui se falará de um Casino Hotel, que nunca saiu do papel, da amargura de um inspetor do BNU que presenciou o movimento revolucionário de 1931 que considerou que a administração em Lisboa não teve um mínimo de reconhecimento pela sua compostura, pede-se mobiliário para o primeiro andar da filial em Bissau, e ficamos a saber que a Sociedade Industrial Ultramarina é um empreendimento do BNU, em Bandim fabricavam-se telhas de boa qualidade. E igualmente ficamos a saber que caso ocorresse qualquer tumulto ou levantamento revolucionário, era determinado que as notas seriam perfuradas e no caso de haver bloqueio se fechava a dependência até à normalização da situação.
Naquele ano de 1932, a situação financeira de um empreendimento agrícola supostamente modular, a Sociedade Agrícola do Gambiel, começa a derrapar. Não é o primeiro e não será o último colosso agrícola a soçobrar na Guiné, lamentavelmente.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (48)

Beja Santos

Introdução 
De V. Senhorias para V. Exas.

Com data de 30 de Abril de 1927, o Governador Leite de Magalhães vê publicado no boletim oficial da Guiné o diploma legislativo provincial n.º 353, do seguinte teor:
“Lutando a colónia com dificuldades para a instalação conveniente dos funcionários que a servem e não podendo o Estado dispor de verba que seria precisa para a rápida construção dos edifícios necessários ao seu alojamento;
Considerando, porém, que, se o Estado promover e auxiliar a construção de hotéis em boas condições de higiene e de conforto, onde os funcionários e suas famílias possam deparar, a preços acessíveis, o bem-estar de que carecem, também por essa forma se conseguirá melhorar as suas condições de vida da colónia;
Considerando mais que, para os olhos estranhos, um país que não saiba oferecer comodidades na sua hospedagem é um país que se não tolera e que a si próprio se condena pelo atraso que revela nos hábitos da sua vida… Hei por conveniente determinar o seguinte:
Artigo 1.º - Na tabela de despesa extraordinária para o ano económico de 1927-1928, será inscrita a verba de cem mil escudos, para garantia de juro de capital necessário à construção de um hotel em cada uma das cidades de Bolama e de Bissau, obrigando-se o Estado a conceder anualmente, e durante dez anos, a mesma garantia relativamente ao capital que não estiver amortizado.
Art. 2.º - Os hotéis a construir deverão oferecer todas as condições de higiene e conforto, preferindo-se as construções em pavilhões destacados e, quando possível, em parques ajardinados.
Art. 3.º - Os concorrentes à construção dos hotéis deverão apresentar as suas propostas até ao dia 30 de Junho do corrente ano, na Direção dos Serviços de Obras Públicas, fazendo-as acompanhar das respetivas plantas e memórias descritivas, e com indicação das vantagens que oferecem ao funcionalismo da colónia no tocante a preços de alimentação e de hospedagem”.

Em Junho desse ano José Granger Pinto escreve ao gerente do BNU em Bolama, anexa um projeto de construção para um Casino Hotel no total de seiscentos mil escudos, e declara:
“Não tendo o numerário necessário para esta construção, pedia a V. Ex.ª a fineza de apresentar à Direção do BNU em Lisboa o referido projeto e propor o financiamento da construção, mediante a respetiva hipoteca nas seguintes condições: o Governo da colónia garantia o juro de 10% sobre o capital empregado, durante dez anos; o peticionário comprometia-se a pagar todos os anos 10% do capital abonado pelo Banco, mas a amortização só começaria a vigorar depois de concluída a construção. 
E escrevia, em jeito de despedida: 
“Atrevo-me a fazer esta proposta, estimulado por Sua Excelência o Governador, calculando que a Direção desse Banco desejará prestar o seu auxílio a uma obra de beneficiamento para esta colónia, aonde por enquanto nada existe como melhoramento”.

Não se conhece seguimento deste processo, do Casino não há memória, o BNU cederá o seu belo edifício de Bolama para Hotel de Turismo e Bissau conhecerá ao longo das décadas, pensões, residenciais e até uma unidade que dava pelo nome de Grande Hotel, não era grande e tinha pouco de hotel.

Há um silêncio documental que abarca o período de 1928 a 1930, não falta documentação sobre a chamada “Revolução Triunfante” que sacudiu a Guiné em 1931, o relatório de execução é bem elucidativo do que se terá passado, na perspetiva do gerente de Bissau. Da documentação arquivada encontra-se o texto do telegrama que o gerente de Bissau tentou enviar para Lisboa, a Junta Governativa da Guiné não permitiu a sua expedição, respondia ao telegrama enviado pelo BNU de Lisboa que pretendia saber se o Governador da Província ainda estava preso. De facto, o Governador Leite de Magalhães fora preso em 17 de Abril, posto a bordo, com outros oficiais da Guarnição e suas famílias, seguira no vapor de carga “Maria Amélia”, com destino a Lisboa.

1964 - Equipa de basquetebol do Grupo Desportivo e Cultural dos Empregados do BNU.

Com data de 7 de Maio, o administrador do BNU Fonseca Monteiro expede uma circular com caráter reservado onde se escreve, sob o título “Acontecimentos Anormais”:
“Os recentes e graves acontecimentos que se desenrolaram nos arquipélagos da Madeira e dos Açores e na Província da Guiné, e a lição que desses factos colhemos, aconselham-nos a determinar a todas as gerências das nossas dependências do Ultramar que em caso de tumultos, greves revolucionárias, guerra ou estados semelhantes, defendam as nossas notas, perfurando-as; e que em caso de bloqueio regularmente estabelecido, se considerem em país inimigo e procedem de conformidade, fechando a dependência enquanto a situação se não normalizar. Estas instruções são de caráter permanente.”

A revolução abortada deixou sequelas como se pode verificar do documento confidencial emanado do Serviço de Inspeção com data de 6 de Agosto de 1931, onde se começa por dizer não haver qualquer comunicação, aconselhando o gerente de Bissau a emitir a favor dos revoltosos um cheque de doze mil francos sobre Dakar.
Os revoltosos desistiram do saque desse cheque e só exigiram notas de francos, houvera igualmente por parte do Gerente recusa no fornecimento do código telegráfico, e tece as seguintes considerações:
“Em ocasiões como aquela em que os factos se desenrolaram, não é fácil deixar de satisfazer pedidos formulados com cortesia, porque atrás desta está a violência pronta a efectivá-los.
A revolução na Guiné foi feita com gente de boa moralidade, com outra de moral muito duvidosa e com dezenas de bandidos da pior espécie que o Governo da Metrópole tinha deportado e que o Governo da Colónia até conservava isolados numa das ilhas dos Bijagós.
Atrás dos mandantes estavam estes que até aqueles temiam. Bem armados e municiados tiveram a colónia inteira à sua discrição; atravessámos tal emergência conseguindo, com o nome proceder, que não fosse feito o mais ligeiro desacato às dependências do Banco, que não nos fosse exigido, a bem ou a mal, um escudo sequer, e no fim, quando supúnhamos ter prestado, sós sem o auxílio do gerente, um serviço ao Banco, digno pelo menos de umas ligeiras palavras de louvor, apenas nos é dado ler recriminações à maneira como procedemos.
Não estivéssemos nós na Guiné naquela ocasião, ou tivéssemos logo ao eclodir o movimento retirado para o território francês que, estamos certos, para o Banco não teriam corrido as coisas como correram e nem sabemos o que teria acontecido ao gerente.
Procedemos com as circunstâncias da ocasião e a apreciação no local, no meio dos acontecimentos, nos aconselharam; e, ao terminar o movimento quando os cofres da Fazenda foram atingidos, quando outro tanto sucedeu ao de uma circunscrição administrativa e algumas firmas comerciais tiveram de fazer fornecimentos e não lhes pagaram, o Banco nada sofreu.
O nosso proceder foi tão imparcial que de ambos os campos adversos, durante o movimento e depois da sua jugulação, recebemos sempre provas de deferência.
Preso e expulso para Portugal, o chefe da secretaria militar, o Major Carvalhal, regressado à colónia, quando vamos a Bolama, oferece-nos um almoço e acompanha-nos até à ponte de embarque; o actual governador, Tenente-Coronel Zilhão, quando também ultimamente fomos a Bolama convida-nos para o jantar à oficialidade do cruzador Carvalho Araújo, não pudemos aceitar por motivos escusados de aqui dizer, mas não nos dispensa, todavia, de irmos almoçar com ele; à partida, agora de Bissau, o comandante militar e os oficiais que os revoltosos, ao eclodir o movimento, haviam preso e expulso, vão a bordo apresentar-nos as suas despedidas, faz-se um inquérito aos acontecimentos, são ouvidas dezenas de testemunhas, não somos convidados ou intimados a depor; outro tanto sucede com o inquérito acerca do ex-Governador Leite de Magalhães. Tudo isto demonstra que o nosso proceder, se não feriu os revoltosos, irritando-os ou provocando represálias, não foi de molde a susceptibilizar ou provocar a antipatia dos seus adversários, hoje de novo senhores da colónia.”

1964 - Empregados do Banco, suas esposas e os representantes dos orgãos informativos, após o almoço de confraternização.

A vida continuava e nos finais de Novembro de 1931 o gerente de Bissau informava Lisboa que era necessário mobilar, sem luxo mas com decência, o primeiro andar do edifício da agência, a mobília existente já não correspondia às necessidades e solicitava autorização para a compra e o envio de uma mobília de sala completa, com o mínimo de 12 cadeiras, uma mobília de sala de jantar com 12 cadeiras, uma mobília de quarto e um conjunto de tapetes, e dava-se a seguinte justificação:
“A necessidade destes tapetes é flagrante, porque o pavimento é de mosaico. As mobílias terão de ser de tamanho grande, dado o espaço dos aposentos a mobilar. Não podemos deixar de frisar a V. Ex.ª que ao pedirmos estes artigos de mobília não temos em vista rodearmo-nos de luxo – que bem dispensamos – , mas tão somente prover o edifício com aquilo que julgamos indispensável".

No ano seguinte, em Outubro, o gerente de Bissau dá noticias para Lisboa acerca da Sociedade Industrial Ultramarina, a fábrica de cerâmica, sediada em Bandim estava em laboração, e escrevia-se que com uma considerável diminuição de despesa em relação à exploração dos anos anteriores:
“Basta dizer a V. Ex.ª que, em regra, se gastavam vinte latas de petróleo para a moldagem de seis mil telhas e agora só se gastam três latas. Por mais estranho que o caso pareça, é assim mesmo.
Estamos tratando sobretudo de produzir telha bastante para tentar a sua colocação no vizinho arquipélago de Cabo Verde, visto estarmos informados de que ali se importa da Metrópole número apreciável desse produto.
Para tanto, escrevemos por esta mala às nossas dependências naquela colónia pedindo-lhes várias informações, preços, consumo provável, etc., tendo em consideração a boa qualidade da nossa telha.
Se conseguirmos introduzir naquele importante mercado estas nossas cerâmicas, estamos crentes de que bons resultados se colherão.
Mas para que o nosso esforço tenha o êxito que esperamos, pedimos a V. Ex.ª o favor de mandar recomendar o maior interesse aquelas dependências, o que antecipadamente a V. Ex.ª agradecemos.”

1932 é também o ano em que surgem graves problemas com a Sociedade Agrícola do Gambiel, fora prevista para se transformar num impressionante empreendimento agrícola, modelo até no uso da maquinaria, nela participará Armando Cortesão, que passará à História como um dos maiores cartógrafos de reputação mundial.

(Continua)
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Notas do editor

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