quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19010: Dossiê LAMETA - Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste: um documento para a história, um livro do nosso camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque)... Parte IV: O papel da Organização das Nações Unidas... Homenagem a Kofi Annan (1938-2018)


(...) Na recepção oferecida por Kofi Annan ao presidente francês Jacques Chirac, ambos na foto posando com o pessoal de serviço. João Crisóstomo, à esquerda [de lacinho...], foi o “Maître D”. Eram ocasiões como esta que o presidente da LAMETA não perdia para o seu “lobby” (...) (p. 59)



Capa do livro
1. Mensagem de João Crisóstomo, com data de 18 de agosto último:

Subject: Koffi Annan

Caro Luís Graça,

Enviei-te um e mail  ainda não faz duas horas e afinal já aqui estou de novo: é que acabo de saber do falecimento de Kofi Annan. Como sabes, ele teve um papel importante no caso de Timor Leste e as comunidades portuguesas nos USA não foram alheias a tudo isso:   várias petições (com  muitas centenas de assinaturas  qualquer delas); manifestações em frente às Nações Unidas; contactos pessoais… um envolvimento que não passou despercebido à própria CNN que um dia mandou uma equipa a minha casa para falar comigo. E no dia seguinte  Timor Leste foi durante todo  o dia   um dos tópicos nos noticiários da CNN; o  que viria a ser repetido mais tarde no "Canal Diplomático" das Nações Unidas.

Não tenho pretensões que o livro LAMETA mereça ou  receba mais realce do que já  lhe deste no nosso blogue. Mas, caso achares pertinente o papel da LAMETA, relacionado com Kofi Annan, está mencionada nas páginas 59 a 64, e inclui:

(i) uma das cartas que lhe escrevi;

(ii) uma foto em que aparecem (a sua residência, onde agora está  o nosso António Guterres)   Kofi Annan,   o Presidente da França e o MNE, etc.,  num almoço que eu aproveitei para fazer o meu lobby por Timor Leste;

(iii) uma carta dele em resposta  uma das nossa petições,  etc.

"Just in case"…
Abraço.

João e Vilma 


2. Extratos do livro de João Crisóstomo, "LAMETA - Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste", edição de autor, Nova Iorque, 2017, 162 pp. (*)

Vamos continuar a reproduzir, com a devida autorização do autor, partes do livro,  neste caso, partes respeitantes ao cap. 4. Nações Unidas (pp. 59-64), em homenagem, à memória de Kofi Annan (1938-2018), o diplomata ganês, recentemente falecido, que  foi o 7º Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (1997-2006).

É um documento para a história, ou pelo menos, para "memória futura", este livro do nosso camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque), ex-alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67).

Nos postes anteriores, ficámos a saber como tudo começou, com o autor (, conhecido como o "mordomo de Queen"), com António Rodrigues, "outro mordomo" (natural da Batalha, distrito de Leiria),  com Anne Treserer e outros ativistas luso-americanos, em 1996. 

O João Crisóstomo, nascido no concelho de Torres Vedras, é um luso-americano, radicado em Nova Iorque desde 1975. Tem formação superior em gestão hoteleira. Aprendeu a fazer "lobbying" social, com a sua ex-patroa, a senhora Jacqueline Kennedy Onassis, de quem foi mordomo.

 O João Crisóstomo conta, aqui neste capítulo, como um mordomo luso-americano pode "mexer os seus pauzinhos", em organizações poderosas como a ONU. Neste caso, "levar a carta a Garcia"... (LG)






 (...) O outro exemplo é prova de que, se é verdade que muitas vezes as nossas cartas não dão resultado algum e parece que estamos a perder tempo, outras vezes elas valem bem a pena e o esforço que fizemos não foi tempo perdido.

Este caso demonstra-o. Em meados de Maio de 1999 fui às Nações Unidas. Não me lembro a data certa nem a razão, mas lembro-me que foi um acontecimento em que Koffi Annan estava presente. Ao sair deparei com o Secretário-geral, num grande átrio não muito longe da entrada onde por vezes tomam lugar exposições e coisas assim. Estava no meio de um grupo de pessoas com quem falava animadamente. Pensei comigo: “Bom, já agora vou dizer-lhe olá; se conseguir, até lhe peço que não se esqueça de Timor, que bem precisa da sua ajuda”.

Não podia ser mal educado e não me atrevi a captar a sua atenção. De qualquer modo, esperei e, quando me apercebi que ele ia embora, surgi e perguntei-lhe se lhe podia enviar uma carta sobre Timor-Leste. Disse-me que sim, que a mandasse para o escritório, mas eu preferia enviar-lhe
para a residência e pedi autorização para o fazer. “All right” - concordou.






(...) Cerca de três semanas depois, recebi uma carta do Chefe do Departamento de Informação Pública que em nome do Secretário-geral dava conhecimento da minha carta e reafirmava a promessa de toda a sua dedicação e de usar todos os meios diplomáticos à sua disposição para encontrar uma solução para os problemas de Timor-Leste. (...)





(...) Fiquei satisfeito e não pensei mais nessa carta, que, na minha opinião, tinha valido a pena escrever pois tinha atingido os fins em vista. O Secretário-geral deve compreender, dizia eu para os meus botões, que a minha opinião é a de muitos outros, mesmo que estes não peguem numa carta para escrever. Era isso o importante, fazer sentir ao Secretário-geral o interesse e preocupação de muita gente. (...)

Um dia tocou o telefone e quando, do outro lado, ouvi referir o nome da CNN pensei que se tratava de mais uma brincadeira desse meu amigo [,  o jornalista Henrique Mano,] .a fazer-se passar por repórter da CNN. “Tem lá paciência, estou mesmo apertado e não dá para falar agora. Falamos mais tarde, pode ser?” disse-lhe no meio da pressa e desliguei o telefone.

No dia seguinte, o telefone volta a tocar. Do outro lado da linha estava uma voz de homem, que ouvi com desconfiança: “Daqui fala Richard Roth da CNN. Sei que ontem esteve muito
ocupado e não pôde falar com o meu colega. Pode-me dar uns minutos agora?”
Fiquei surpreendido e tive de confirmar a veracidade da chamada (...).   Mas era verdade. Tratava-se do correspondente da CNN nas Nações Unidas. Disse-me que estava a preparar um trabalho sobre o Secretário-geral e que tinha encontrado uma carta que eu tinha escrito meses atrás ao Secretário- gerale que gostava de falar comigo. Se eu estivesse de acordo disse-me que poderíamos falar nos
escritórios da CNN nas Nações Unidas ou, caso eu preferisse, para me sentir mais à vontade, que ele
 viria a minha casa com a sua equipa para falar comigo. (...)

A carta que despertou o interesse da CNN, no entanto, foi uma escrita à mão e endereçada a Koffi Annan… Marcamos um encontro em minha casa para dois ou três dias depois.
Procurei nos meus papéis… a ver onde tinha guardado essa carta, que encontrei; era a carta que eu havia enviado um ano antes ao Secretário-geral e já mencionada atrás. Eu, ainda hoje, apesar de computadores e tudo o mais, tenho a mania de guardar cópias de tudo em papel.
A parte em que apareço nesse trabalho da CNN é bem pequena, apesar de terem passado várias horas na minha casa a filmar e a falar. Mas a verdade é que realmente valeu a pena: o trabalho, saído na parte das notícias, foi repetido várias vezes nesse dia e viria a sair em datas posteriores. Mostrou-me em minha casa com painéis e fotos de Xanana e outros motivos relacionados com Timor-Leste por toda a parte e começa comigo a ler a carta que eu tinha enviado ao Secretário-geral da ONU. (...)


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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18810: Dossiê LAMETA - Movimento Luso-Americano para a Autodeterminação de Timor-Leste: um documento para a história, um livro do nosso camarada da diáspora, João Crisóstomo (Nova Iorque)... Parte III: Novos aliados para Timor: O cardeal e diplomata do Vaticano, Dom Renato Martino

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19009: Memórias de Gabú (José Saúde) (70): As minhas memórias de Gabu: Memórias de um povo. Etnias na Guiné-Bissau. (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Memórias de um povo 
Etnias na Guiné-Bissau 

Aguçando as inócuas “armas ligeiras” que intencionadamente direciono para a minha simplória cândida consciência onde a saudade nos envia para imaculadas recordações, viajo pela interioridade ética de uma Guiné e revejo instantes áureos que nos remetem para a proliferação de etnias ali existentes. 

A curiosidade, sendo ela vocacionada para uma eficaz aquisição de literais saberes em toda a sua amplitude, leva-me a ultrapassar barreiras, procurar fidedignas informações em ferramentas por ora facultadas pelas novas tecnologias e debitar algumas narrativas coincidentes com a razão de o ser de um povo pelo qual outrora mantive uma relação de proximidade. 

Claro que os tempos eram outros e substancialmente duros de roer. A guerra impunha respeito e medo. A população civil encaminhava-se porém para um inevitável contacto com a tropa branca. Humildemente interessava-lhes, como era fácil entender. Neste contexto, foi num mesclado cenário de horrores que se consumiram as muitas comissões militares que fizeram do solo guineense um território de pavor e de fatídicas memórias. 

Vamos ao tema que por ora aqui nos acompanha: 

Os guineenses, na sua esmagadora composição, são de raça negra e originários de cerca de 40 etnias. Um verdadeiro mosaico de povos e culturas ancestrais. Neste argumento de lembranças sobre um território que nos foi familiar aquando da nossa presença militar naquela terra de além-mar, ouso deixar descrito nesta panóplia de pequenos textos que amiúde aqui trago à estampa, o conteúdo factual de uma população multirracial e que soube conviver entre as duas frentes de guerra. 

Não me alongando no tema porque certamente haverá muito para dizer, revivamos, sim, os rigorosos agrupamentos étnicos existentes na Guiné-Bissau: 

1 - Paleossudaneses e outros povos 

Grupo litoral: Balantas (Balantas Manés, Cunantes e Nagas); Djolas (Baiotes e Felupes); Banhuns, Cassangas e Cobianas; Brames, Majancos e Papéis; Bijagós, Biafadas, Nalus, Bagas e Landumãs. 

Grupo Interior: Pajadincas (Bajarancas) e Fandas. 

2 - Neo-Sudaneses

Grupo Mandinga: Mandingas, Seraculés, Bambarãs, Jacancas, Sossos e Jaloncos. 

Grupo fula: Fulas forros (fulacundas), Fulas pretos, Futajoloncas (boencas, futa-fulas e futa-fulas pretos) e Torancas (futancas ou tocurores). 

Nesta amostragem exposta, observa-se que os grupos mais importantes são os Balantas (30% da população); Fulas (20%); Maníacas (14%); Mandingas (13%) e os Papéis (7%) (dados de 1996). 

No litoral predominam os Balantas que cultivam arroz e gado bovino. Os Bijagós, que habitam no arquipélago com o mesmo nome e formam uma sociedade matriarcal. O Interior é ocupado pelos Fulas que são nómadas, dedicam-se à criação de gado e à agricultura itinerante. 

Os cultos tradicionais são predominantes (45,2%), seguindo-se os islâmicos (39,9% e os cristãos (13,2%, sendo os católicos 11,6%, outros 3,8%, dupla filiação 2,2%). O número dos que se afirmam sem religião ou ateus é mínimo (1,6%) (dados retirados em sensos de 2000). 

Neste deambular de uma indeterminada caminhada que já vai longa, é perfeitamente aceitável que entrosemos no nosso blogue uma substância adquirida pelas muitas investigações feitas a um País que tento pesquisar em todas as suas fronteiras. 

Tanto mais que existem em mim reminiscências numa guerra onde fui, aliás, fomos apenas simples atores forçados. 

Com a “mala de cartão” arrumada, transportarei, um dia, na irreversível viagem sem regresso um oceano de fétidas imagens que tocam no coração do mais despretensioso camarada. 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

23 DE JULHO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18866: Memórias de Gabú (José Saúde) (69): Pássaros que esvoaçavam os céus da Guiné. Abutres. (José Saúde) 

Guiné 61/74 - P19008: Manuscrito(s) (Luís Graça (145): A minha coleção de "pedras jurássicas": Lourinhã, Praia de Vale de Frades...
















Portugal > Lourinhã > "Formação da Lourinhã" > Praia de Vale de Frades, entre a Praia da Areia Branca e a Praia do Paimogo > Agosto / setembro de 2018 > A minha coleção de "pedras jurássicas" (c. 150 milhões de anos).

[ Formação Lourinhã é uma formação geológica localizado no oeste de Portugal, nominada em homenagem ao concelho de Lourinhã. A formação é da idade do Jurássico Superior, e tem notável semelhança com a formação Morrison nos Estados Unidos da América e com as camadas de Tendaguru na Tanzânia (...) Além de abundante fauna fóssil,  sobretudo de dinossauros (...) comprovada pela ocorrência de ossos, a Formação Lourinhã também tem numerosas pegadas (...) e ovos. Fonte: Wikipédia]


 Fotos (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Praia de Vale de Frades,
em agosto, na baixa-mar :
à volta de um prato de sardinhas,
a vida podia não ter 

metafísica nenhuma
e mesmo assim ser
pura, emoção pura,
e simples, prazer simples.


Mandei pôr mais um prato
na mesa, sem toalha,
virada para o sul,
para o mar do Serro.
Não me esqueci do pão,
das sardinhas,
das batatas,
dos pimentos,
da salada e do vinho...

E eu esperava por ti,
que eras a oficiante da vida.



In: Paisagens Jurássicas, Excerto.
Lourinhã, agosto de 2004 / Revisto, setembro de 2018.


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Nota do editor:

Último poste da série > 2  de setembro de 2018 >  Guiné 61/74 - P18971: Manuscrito(s) (Luís Graça) (144 ): Se tens galinha pedrês, não a mates nem a dês

Guiné 61/74 - P19007: Historiografia da presença portuguesa em África (130): Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (2) (Mário Beja Santos)

Construção do Palácio do Governador, imagem inserida no livro “Guiné, Início de um Governo”, 1954, obra hagiográfica dedicada ao Governador Mello e Alvim


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Entrou-se numa fase de pacificação, o Governador Oliveira Duque expede uma circular determinando aos administradores de circunscrição e comandantes militares com um sem número de requisitos, pretende ir compondo um retrato das etnias, dos usos e costumes, das práticas religiosas, apurar os tipos de agricultura e se existem indústrias, como se pratica a justiça, qual a organização familiar, etc.
Se o fez é porque não existe uma caraterização, não se conhece os povos que se colonizam, daí a originalidade da iniciativa e o interesse em ver as informações dadas pelos respondentes. Dir-me-ão que é tudo matéria consabida, convido a marcar distâncias, as autoridades desconheciam inteiramente o mosaico étnico, a organização económica, era uma ocupação de fresca data, e dou comigo a pensar a injustiça que praticamos em desconhecer estas iniciativas e medir o alcance dos seus resultados nas governações que se seguiram.

Um abraço do
Mário


Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (2)

Beja Santos

Foi de Mansabá que em 1 de janeiro de 1915 o Tenente José Ribeiro Barbosa, comandante militar do Oio, enviou o seu relatório para o Governador Oliveira Duque, está depositado nos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa.

Antes de darmos a palavra ao Comandante que em Mansabá do Oio enviou ao Governador o seu relatório, em 1 de janeiro de 1915, importa situar as expetativas postas pelo Governador Josué de Oliveira Duque na circular que enviou aos administradores das circunscrições e comandos militares e que constam do Boletim Oficial da Guiné nº 33, de 15 de agosto.

Vejamos o teor da circular, vale a pena a sua reprodução integral:
“É da mais reconhecida conveniência, para o desempenho de cargos administrativos, em qualquer colónia, o conhecimento perfeito, quanto possível, dos usos e costumes dos indígenas que constituem a sua população, usos e costumes que, em grande número de resoluções a tomar, devem ser respeitados.
Este princípio, existente em diversos diplomas, dimanados das estações superiores, acha-se especialmente consignado para os Administradores das Circunscrições Civis, que mais de perto lidam com esses indígenas, e a quem compete, em primeira instância, a resolução de pendências entre eles suscitadas, tendo igual aplicação aos comandantes militares, acidentalmente investidos de iguais atribuições.
É, portanto, conveniente, para difundir o mais possível o conhecimento desses usos e costumes, que diferem de região para região da Província, segundo as raças que as habitam ou nelas predominam, reuni-los em um só diploma, cuja publicidade habilite todas as autoridades a proceder de modo que as suas deliberações, sendo as mais convenientes para os interesses da Província, sejam ao mesmo tempo acatadas pelos indígenas como as mais justas.

Nesta ordem de ideias, determina Sua Ex.ª o Governador que os Administradores de Circunscrições Civis e Comandantes Militares procedam, no prazo máximo de 2 meses, e dentro das regiões em que exercem a sua autoridade, a uma conscienciosa investigação desses usos e costumes, de cujo resultado enviarão relatórios circunstanciados, tendo em vista os seguintes pontos concretos:

- Que raça ou raças habitam a área da sua jurisdição?

- Essas raças são aborígenes ou imigrantes? Se são imigrantes, donde, e em que época imigraram?

- Qual a sua organização social e política? Têm um ou mais chefes? Graus hierárquicos, e poderes inerentes a cada um?

- Se há chefes, como são nomeados? Por eleição, por herança?

- Têm respeito pelos velhos, e têm estes qualquer predomínio na administração indígena?

- Como procedem para com delinquentes? Têm tribunais especiais, como são constituídos, quem preside ao julgamento? Que penas especiais são aplicadas?

- Como procedem nos seus contratos, e como são punidas as faltas do cumprimento dos mesmos?

- Quais as relações desses povos com os vizinhos?

- São guerreiros ou pacíficos? Que armas usam? Adquirem-nas ou fabricam-nas?

- Como é constituída a família? Quem é, na família, o detentor de autoridade? Poderes do marido sobre a mulher, dos pais sobre os filhos … etc.?

- Que formalidades e festas precedem o nascimento? Que cuidados têm com as crianças?

- Praticam as cerimónias do fanado, em que consistem?

- Praticam iniciação no momento em que chegam à idade da puberdade? Em que consistem as festas feitas então?

- Como é considerada a mulher em geral? Têm especiais cuidados com a mulher grávida? Há cerimónias especiais durante o período da gravidez, e antes ou depois do parto?

- Quais as formalidades que precedem o casamento? Quais as cerimónias e festas que acompanham este acto? Existe a mancebia?

- Dá-se com frequência o adultério? Como é punido?

- Quais as cerimónias que têm com os mortos? Onde os enterram? Há ainda cerimónias depois de enterrados? Usam o luto, em que consiste?

- Quem administra a propriedade na família? Como se transmite?

- Têm indivíduos especiais que os tratem nas suas doenças?

- Professam alguma religião, e qual? Que práticas religiosas têm? Têm entidades especialmente encarregadas dessas práticas? Têm locais adequados a elas?

- Que vestuários usam as mulheres, os homens e as crianças? Usam adornos especiais, e quais? Empregam a tatuagem?

- Há alguma indústria indígena? Quais os principais artefactos? Podem constituir, pela sua aplicação e abundância, artigos de comércio? Como são constituídas as suas povoações, e construídas as casas de habitação? 

- Dedicam-se a qualquer género de desporto? Equitação, jogos atléticos ou quaisquer outros?

- Cultivam a dança, o canto, a música? Têm alguma dança, canto ou instrumento musical caraterísticos?

- Procuram instruir as crianças? Como procedem a essa instrução? Têm escolas, ou instituições equivalentes?

- Qual a sua alimentação? Empregam nela carne, vegetais, frutos e quais?

- Entregam-se ao uso de bebidas? Quais preferem? Fabricam ou adquirem essas bebidas?

- Dedicam-se à agricultura? Quais os produtos que agricultam?

- São esses produtos destinados à sua alimentação exclusivamente ou a negócio?

- Como é feita a permuta desses produtos?

- Há outros géneros coloniais, como borracha, café, copra, marfim…etc.? Como procedem à cultura e extração destes produtos?

- Quem se dedica especialmente à agricultura? Os homens ou as mulheres?

- Que ferramentas e utensílios empregam na agricultura? Fabricam ou adquirem esses artigos?

- Quais as épocas das diferentes fases das culturas?

- Quais os principais utensílios de uso doméstico? Fabricam ou adquirem esses produtos?

- Quais as matérias empregadas, e como são fabricadas? Têm artífices especiais para os diferentes ofícios?

- Há abundância de caça? Quais as principais espécies e as mais abundantes? Dedicam-se a algum género de caça com fins comerciais?

- Há abundância de peixe? Quais as principais e mais abundantes espécies?

- Há abundância de gado? Qual o que predomina? Há alguma espécie que especialmente convenha conservar e aperfeiçoar?

- Há abundância de água potável? Qual a sua origem?

- Há algumas plantas especiais, tais como a que chamam forro, e de que fabricam cordas? Ou outras quaisquer, com aplicações mais ou menos úteis, que convenha tornar conhecidas?

Além destes quesitos, deverá cada um, segundo o seu bom critério, ocupar-se de quaisquer outros não mencionados, que julguem dignos de menção especial, tendo em vista que nenhum, por insignificante que pareça, pode considerar-se sem valor para o fim que tem em vista: o conhecimento mais completo possível da vida, dos costumes, enfim, do modo de ser especial dos indígenas da Província.
É conveniente também que as citadas autoridades procurem obter exemplares autênticos de todos os artigos, armas, utensílios, instrumentos diversos, vestimentas e outros quaisquer fabricados pelos indígenas da região, bem como amostras dos diferentes produtos da mesma região, a fim de, em Bolama, poder organizar um mostruário, ou museu provincial, que muito pode contribuir para difundir entre todos o conhecimento das aptidões especiais dos mesmos indígenas".

Máscara KONI, inserida no livro “Esculturas e Objetos Decorados da Guiné Portuguesa”, por Fernando Galhano, Junta de Investigações do Ultramar, 1971.

O comandante militar do Oio, como vimos no texto anterior, atirou-se afanosamente ao trabalho, foi respondendo a tudo o que o Sr. Governador Oliveira Duque lhe pedira, suspendemos as suas respostas até aos mortos, a cerimónia, o enterro e o luto. Diz ele que os Sonincas, logo após a morte de alguma pessoa sua, disparam vários tiros como sinal e abrem a cova debaixo de um coberto grande que em geral têm ao centro de cada morança. Se a família possui vacas, matam uma ou mais, de acordo com as suas posses. Fazem grande número de tiros para dentro da cova e enterram o cadáver. Só a mulher usa o luto quando o homem morre. Consiste em despir todos os enfeites, desmanchar o cabelo e usar um pano branco na cabeça. O luto dura três meses nos muçulmanos e um ano nos Sonincas e Fulas.

Falando da administração da propriedade, o oficial responde que o administrador é sempre o homem. Este passa-a, por herança, para os filhos, nos Mouros e Fulas. Nos Sonincas, os herdeiros são os sobrinhos. Acerca do tratamento das doenças, informa-se que os curandeiros confecionam remédios com folhas, cascas, raízes, tubérculos, etc. E diz o relator que consta haver peritos na cura da lepra que o indígena conhece como uma das piores doenças.

Na abordagem ao tema da religião, responde-se que uma parte dos Sonincas professa a religião maometana, praticam orações cinco vezes ao dia, têm um encarregado especial, “mouro grande”, que faz teorias às segundas e sextas-feiras, dias feriados para eles.

No que respeita ao vestuário e adornos, diz sem hesitar que os habitantes do Oio já não são gentios de tanga. A mulher usa panos a servirem de saia, blusa de manga curta e lenço apertado na cabeça. O homem usa o tradicional vestuário Mandinga, que inclui calça, usa um barrete de variadas formas, predominando o tipo turco, mais ou menos modificado. As mulheres, como adorno, usam braceletes, pulseiras, anéis, argolas nas orelhas, contas no cabelo e pescoço, etc. As mulheres Fulas costumam adornar o cabelo com pequenas moedas de prata e usam um toucado artificial em forma de barrete frígio. Não usam propriamente a tatuagem e apenas as mulheres fazem sobre o estômago e parte do ventre, com um ferro especial em forma de unha, uma série de pequenos golpes que depois de cicatrizados são considerados enfeite. Algumas mulheres pintam os lábios de preto.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18986: Historiografia da presença portuguesa em África (128): Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 . P19006: (De) Caras (117): A morte do fur mil, da CCAÇ 18, Virgolino Ribeiro Spencer, em Aldeia Formosa, em 15 de janeiro de 1972... Acidente ou homicídio na Consoada de Natal de 1971 ? A versão do Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73).

Manuel Gonçalves, alf mil mec auto
CCS/BCAÇ 3852
(Aldeia Formosa, 1971/73)
1. O Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), já aqui foi apresentado à Tabanca Grande em 2 de agosto passado. (*)

Em longa conversa que tive com ele, no passado  dia 30 de julho, na Praia da Areia Branca, ele falou-me desses tempos em que esteve em Aldeia Formosa, aí tendo conhecido a CCAÇ 18 e o seu comandandnte, o ex-cap mil Rui Alexandrino Ferreira, nosso grã-tabanqueiro de longa data. (Tem 3 livros publicados, vive em Viseu e inbfelizmente sofre de doenca crónica degenerativa que o impede de continuar a colaborar com o nosso blogue.)

Também foi camarada, na CCS/BCAÇ 3852, do alf mil João Marcelino, que vive na Lourinhã, e que esteve presente no VII Enconro Nacional da Tabanca Grande (2012).



2. O Manuel Gonçalves, ex-aluno dos Pupilos do Exército, esteve sempre em Aldeia Formosa (ou Quebo). E estava lá quando se deu o caso do Virgolino Ribeiro Spencer, fur mil, CCAÇ 18, "morto por acidente",  em 15/1/1972 (**).  

Oficialmente, o exército considerou a sua morte como "acidente". Na realidade, ele terá sido assassinado, quando crculava pela tabanca com a sua motorizada. Era um guineense, de origem cabo-verdiana,  sendo naatural de Nª Sra. Natividade, Pecixe, Cacheu.

Era o único militar, ao que parece, que possuía uma motorizada. Para o Manuel Gonçalves, terá sido morto por alguém da CCAÇ 18, mais provavelmnete da sua própria companhia. As praças da CCAÇ 18 viviam na tabanca, estando por isso armados.

A haver crime. não se apurou o móbil do crime, nem se identificou o autor do disparo.. Pode-se pôr a hipótese de vingança ou racismo. Esta história acabou por ser um "pretexto" para uma "insubordinação militar", com o pessoal da CCAÇ 18,  a revoltar-se e virar as suas armas contra os "tugas" da CCS/BCAÇ 3852.

Foi preciso mandar avançar uma Panhard para serenar os ânimos... Isto passa-se na véspera de Natal, na noite de Consoada, 24/12/1971. O Spemcer, evacuado para o HM 241, em Bissau, acabou por não resistir aos ferimentos, três semanas depois.


Viseu > Regimento de Infantaria 14 > 4 de novembro de 2017 > Sessão de apresentação do último livro do Rui Alexandrino Ferreira, "A Caminho de Viseu" (Coimbra, Palimage, 2017, 237 pp. ) > Um abraço do João Marcelino (que vive na Lourinhã, esteve presente no VII Encontro Nacional da Tabanca Grande, em 2012, e que é amigo do autor desde a Guiné, tendo estado os dois juntos em Aldeia Formosa: o Rui como comandante da CCAÇ 18, o  João Marcelino, "Joneca", como alf mil, CCS/BCAÇ 3852).

Foto (e legendas): © Márcio Veiga / Rui Alexandrino Ferreira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Não sei como é que o Rui Alexandrino Ferreira ficou na "fotografia".  Nunca falei com
ele sobre esta história. Mas no seu penúltimo livro,  "Quebo - Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 368 pp),  há uma referência a este trágico caso: capº 11º ( " A noite dos horrores, ou o conflito armado entre metropolitanos e africanos e ainda a morte de Virgolino Ribeiro Spencer").

Confesso que ainda não li o livro e, portanto, não sei qual é a versão do Rui... O Manuel Gonçalves tem o livro e ficou de ver alguns pormenores. Nessa noite, o Rui saiu com o seu guarda-costas e mais uma pequena força com vista a serenar os ânimos. Terá sido recebido à granada. O guarda-costas provavelmente salvou-lhe a vida.

Temos também na Tabanca Grande o Manuel Carmelita (ex-fur mil mecânico radiomontador da CCS/BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73), que nos pode dar a sua versão do que se passou nessa "noite dos horrores".

O Silvério Lobo, soldado mecânico, que esteve sob as ordens do Manuel Gonçalves, também é nosso grã-tahanqueiro e já voltou à Guiné inúmeras vezes, tem inclusive "cartão de residente"... Mas, a verdade, é que o caso do Virgolino Ribeiro Spencer é "virgem", aqui no nosso blogue (**)... Porquê tanto silêncio ?

Rui A. Ferreira
3. O Manuel Guimarães disse-me que o Spínola, face à gravidade dos acontecimentos,  deu um a "porrrada" ao comandante do BCAÇ 3852,  o ren cor Barata, considerando-o como "inapto" para comandar homens em situação de guerra.

Esse tenente coronel disse, ao alferes, que nesse dia "tinha acabado" a sua carreira militar... Já cá, na metrópole, o Manuel Guimarães soube, entretanto, do seu falecimento há uns anos.

O nosso conhecido Barros e Bastos  (, o célebre BêBê, major art do BART 2917, Bambadinca., 1970/72, de seu nome completo Jorge Vieira de Barros e Bastos ), depois de promovido a tenente coronel, foi comandar o BCAÇ 3852.

O Manuel, com 12 anos de Pupilos do Exército, "teve alguns problemas" com o seu novo superior hierárquico. Em Aldeia Formosa, tinha outro "nickname",  o Bagabaga...

Apelamos aos camaradas que estiveram em Aldeia Formosa, em 1972, para confirmar essta história. Não tenho, de momento, condições para falar com o Manuel Gonçalves, o Manuel Carmelita, o Silvério Lobo ou o João Marcelino nem muito menos com o Rui Alexandre Ferreira. (***)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 2 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 776.

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19005: Álbum fotográfico de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72) - Parte III




1. Parte III da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Adolfo Cruz (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796, Gadamael e Quinhamel, 1970-1972) com as fotos enviadas em mensagem do dia 21 de Julho de 2018, que retratam alguns dos momentos mais significativos da sua passagem por terras da Guiné.





Foto 18 - Gadamael

Foto 19 - Gadamael

Foto 20 - Gadamael  
Fotos 18 a 20 - Roupa de cerimónia

Foto 21 - Gadamael

Foto 22 - Gadamael
Fotos 21 e 22 - O meu casamento com Cira


O prémio: deixar Gadamael Porto e passar para o Norte, missão, defesa de Bissau, em quatro destacamentos, um grupo de combate em cada: S. Vicente da Mata, Bijemita (Ome), Quinhamel e Biombo.


Foto 24 - Destacamento de Bijemita - Festa (ronco) de recepção de alguns elementos da população local
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Nota do editor

Poste anterior de 6 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18991: Álbum fotográfico de Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Gadamael e Quinhamel, 1970/72) - Parte II

Guiné 61/74 - P19004: Parabéns a você (1498): Adolfo Cruz, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2796 (Guiné, 1970/72) e José Parente Dacosta, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 1477 (Guiné, 1965/67)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19001: Parabéns a você (1497): Rui Baptista, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 (Guiné, 1971/74) e Tony Grilo, ex-Soldado Apont Obus 8.8 do BAC 1 (Guiné, 1966/68)

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19003: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLII: Pistas e aeronaves (ii): Nova Lamego, 1º trimestre de 1968


Foto nº 21 > Nova Lamego, 1º trimestre de 1968 >  Nas asas de um caça T6, pormenores do cockpit do piloto e ajudante.


Foto nº 21 A > Nova Lamego, 1º trimestre de 1968 >  Nas asas de um caça T6, pormenores do cockpit do piloto e ajudante (dertalhe)


Foto nº22 > Nova Lamego, 1º trimestre de 1968 > Na placa 3 Caças T6 estacionados em Nova Lamego. Vista de trás, pode ler-se os números dos aparelhos, 1702,1791,1723.


oto nº 22 A  > Nova Lamego, 1º trimestre de 1968 > Na placa 3 Caças T6 estacionados em Nova Lamego. Vista de trás, pode ler-se os números dos aparelhos, 1702,1791,1723.


Foto nº 26 > Nova Lamego, 1º trimestre de 1968 > VirgílioTeixeira e, por detrás, o caça-bombardeiro T6, na pista de Nova Lamego.



F23 – Avioneta Dornier [, ou Cessna ?]  dos TAGP [, Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa,] descarregando pessoal e correio, na pista de Nova Lamego. Virgílio Teixeira, em grande plabo, à direita.


F23A – Avioneta Dornier [, ou Cessna ?]  dos TAGP [, Transportes Aéreos da Guiné Portuguesa,] descarregando pessoal e correio, na pista de Nova Lamego. Virgílio Teixeira, em grande plabo, à direita (detalhe)


F24 – Nova Lamego, 1º trimestre de 1968 > Dakota estacionado na pista de Nova Lamego. Carregando pessoal com destino a Bissau


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/ BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) >1

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 80 referências no nosso blogue.


Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T201 – PISTAS E AERONAVES NA GUINÉ

A) O SECTOR DE NOVA LAMEGO – L3 (Parte II)

Legenda:

F21 – Nas asas de um caça-bombardeiro T6, pormenores do cockpit do piloto e ajudante. Nova Lamego, 1º Trimestre de 1968. [Foto não enviada, por lapso, ou repetida: vd, foto nº 25]

F22 – Na placa 3 Caças T6 estacionados em Nova Lamego. Vista de trás, pode ler-se os números dos aparelhos, 1702,1791,1723. Ao fundo um Heli e pormenor do espaço reservado com cobertura, chamado, aerogare. Nova Lamego, 1º Trimestre de 1968.

F23 – Avioneta Dornier dos TAGP, descarregando pessoal e correio, na pista de Nova Lamego. Algum pessoal procede a pequenas reparações e verificações do estado da DO. NL, 1º.Trim/68.

F24 – Dakota estacionado na pista de NL. Carregando pessoal com destino a Bissau. Este pessoal a entrar faz parte de um conjunto musical que foi dar espectáculo em Nova Lamego, por alturas do Ano Novo de 67/68. Nova Lamego, 1º Trim/68.

F25 – Nova foto nas asas de um caça T6, vendo o Cockpit. NL, 1º Trim/68.

F26 – Foto imagem do autor e do caça-bombardeiro  T6, na pista de Nova Lamego. 1º. Trimestre de 1968.

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Nota do editor:

Últino poste da série > 9 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18999: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLII: Pistas e aeronaves (i): Nova Lamego, outubro e novembro de 1967

Guiné 61/74 - P19002: Notas de leitura (1099): Relendo uma obra soberba - "Vindimas no Capim", por José Brás; Publicações Europa-América (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,

Naqueles anos de 1980, a obra do José Brás teria que surpreender pela riquíssima associação criada entre as vindimas que ele conheceu a ponto das suas descrições serem páginas de antologia e as vindimas no capim, como ele relata no final do seu soberbo romance, vindimas de mil cansaços, dos estrondos, das rajadas, nas febres, na água podre, nas centenas de quilómetros de picada, de trilhos, de selva virgem, nas horas e horas a rastejar sobre capim, na lentidão do tempo para o regresso, no frio das tripas nos cercos da estrada de Guileje, de Buba-Tomboli e de Gadembel.

Um acaso feliz permitiu uma nova e naturalmente refrescada leitura de um livro de um confrade nosso que marcou presença, por direito próprio, no que há de melhor na literatura da guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


Relendo uma obra soberba: Vindimas no Capim, por José Brás (2)

Beja Santos

Chama-se Filipe Bento, veio do meio rural (concelho de Alenquer), depois o mancebo percorreu vários quartéis, está agora no Sul da Guiné, foi colocado em Cutima, uma localidade Fula.
Descreve o pesadelo das colunas, neste caso a primeira que lhe coube na rifa:

“Eram quinze ou dezasseis carros. Velhas GMCs, Mercedes, Unimogs, duas autometralhadoras Fox, duas Daimlers da grande guerra. Isto tudo fazia mais de um quilómetro de coluna. O pessoal sobre a carga, camuflados novos, caras pálidas, do Inverno de Santa Margarida e do enjoo do porão do Niassa…

E aquele calor sufocante das três da tarde. Os pulmões à rasquinha para separar o oxigénio da humidade.

A caravana pôs-se em marcha lentamente. Nas caras dos meninos podíamos ver o quê?
Sei lá! Como é que eu posso dizer o que é que ia naquelas caras se eu nem sei o que é que ia na minha! O que lhes ia nas caras era de certeza o que lhes ia nas almas.

Havia ali muita cagufa! Até eu, armado agora em cronista, até eu, repito, até eu não tinha muita certeza se a conversa dos outros gajos era a sério ou… Simples gozo, a acagaçar quem acagaçado estava já…”.

Estamos a falar de um livro soberbo, “Vindimas no Capim”, José Brás, 2.ª Edição, Publicações Europa América, 1987.

E Filipe Bento deambula, deriva para outras histórias, um Benedito que queria matar o capitão e feriu gravemente outros; o padeiro em Camba-Jate, que nunca tirava os pés do quartel, e que um dia lhe deu na bolha e acompanhou uma patrulha, achou um engenho, artesanal, já ferrugento. Fechou-se em copas, trouxe-o para o quartel.

Segue-se a brutalidade da descrição:

“Depois do banho e da cerveja fresca, lembrou-se daquilo. Foi buscá-lo para o mostrar ao cabo do bar e para explicar ao outro, um pouco assustado e a olhar de lado para a lata velha, que não havia perigo nenhum, aquilo havia passado invernos à chuva e já tinha pólvora que prestasse.
Tentou desmanchá-la. Começou a batê-la contra o cimento da cantaria. Uma, duas, três, quatro, pum!

O padeiro ficou todo arranhado no peito nu e na barriga. E a mão lá se foi!

No lugar dela havia uma pasta de sangue cheirando a trotil que tresandava. A mão válida agarrou-se ao pulso mutilado e o padeiro iniciou uma corrida doida, aos berros, em direção ao posto de socorros”.

O cabo do bar observou que tivera sorte em ser canhoto.

É uma escrita pontuada pelo pícaro, pela intensa coloquialidade, pela ênfase no horrível, na sensualidade, na muita insensatez no uso do mando, na vida insípida e num tempo aparentemente parado arame farpado adentro, de igual modo quando passa a limpo as tragédias das emboscadas.

Mas voltemos a Cutima, um hectare cercado de paliçada de cibos e lata de bidão. Um dito aparentemente vulgar introduz um novo ritmo na atmosfera: comia-se bem em Cutima-Fula, mas havia a ganância do vagomestre, as roubalheiras do despenseiro, ali a vida simulava o ritmo velho, com comerciantes a usar caminhos estranhos para vender a mancarra em Bafatá, as máquinas Singer continuavam o velho costume de juntar o tecido ao destino da linha, e depois chegou o Spínola e a guerra mudou de feição, se no passado em Cutima Fula a guerra só chegava nos estrondos dos ataques a Nhala, a Colibuia e ao Xitole, agora batia à porta de Cutima-Fula, as colunas tornavam-se duríssimas, o sangrento da guerra espalhava-se pelas picadas.

E há discursos que fazem avivar a perda da lógica, o contrassenso de todas as guerras, um exemplo:

“A mina antipessoal estava colocada do outro lado do tronco da árvore caída na picada. Era uma velha prática do PAIGC, toda a gente sabia, mas não havia maneira de evitá-las.

De resto, não era esta a única forma de semear minas e armadilhas num trilho qualquer. E vocês estão a ver! Como é que se podia perder tempo a procurar minas num percurso de vinte quilómetros de carril feito de capim podre e milhões de folhas secas? A bem dizer, de que cada vez que se assentava um pé era uma angústia, a cada passo a sensação de que era o último”.

Temos agora nova deriva, vamos até Gatoeira, não será muito longe de S. Jerónimo, terra da criança Filipe Bento, mas onde onde ele nasceu foi mesmo nesta Gatoeira, veio ao mundo numa das casas do avô materno, ao lado da adega, só aos oito anos é que mudaram para S. Jerónimo.

De novo uma descrição antológica, voltemos às vindimas:

“Fiz toda a limpeza da poda da vinha do meu avô paterno e quando chegaram as curas lá fui eu de novo para o patrão da vindima, agora a carregar o canequinho cheio de sulfato entre a barrica e o pulverizador.

Dias inteiros sem parar.

No princípio, as vinhas ainda têm as golas, as parras pequenas, levam pouco líquido, as boquilhas dos pulverizadores têm os orifícios estreitos, cada carrego do caneco leva um tempo razoável a esgotar-se no pulverizador. Se a barrica da cauda não ficar muito longe do local onde opera o sulfatador, o servente folga um pouco. Depois, começam as cepas a encorpar, as parras a crescer, os buracos de saída das boquilhas a alargar… É um vê-se-te-avias”.

E temos uma confissão, ainda a propósito destas sulfatadas:

“Nos sulfates, não imaginam vocês, o cobre da solução aquosa cola-se à pele, introduz-se nas unhas, penetra nos poros todos… Se passarmos as mãos apenas por água do poço, ou se as deixarmos até sem uma boa lavagem… Ou até ao fim da semana… Ou havia quem fizesse assim até ao fim da temporada toda das curas, três meses, mais ou menos, no final aquilo não são mãos, mas uma porcaria qualquer, nojenta, um polvo negro a agitar os tentáculos.

Eu cá, ao fim do dia, lavava as mãos com mijo! Acabava o trabalho, se tinha vontade de mijar afastava-me um pouco, virava-me a esconder o pirilau numa cepa mais ramalhuda, e vá de escorrer o freguês para as mãos. Aquilo era remédio santo. O cobre desaparecia e as mãos ficavam macias”.

Fala-se de bruxedos, de bebedeiras e navalhadas, de como se soube que havia uma guerra lá para as Áfricas, há queixas na GNR por maus tratos dos patrões, está aqui um retrato finíssimo de um mundo rural que se apagou, décadas atrás. Mas o autor justifica que há amarras entre os escravos brancos e pretos e que essas amarras rebentaram, a um preço sem igual carregámos aos ombros moribundos, conhecemos todas as cores da fome e da sede, do calor e do frio. Mas que o leitor não se iluda, aqui também fomos escravos, embora muitos “Não se sentiram nunca abusados, esmagados, nas madrugadas da praça de homens, valorados em lanços de coroa ou dez tostões, um quarto de pão escuro na mesa da ceia".

Para que conste, há muitas maneiras de falarmos das vindimas no capim. E José Brás foi magistral nas associações que criou entre o mundo rural de Alenquer e aquele devastador Sul da Guiné, onde ele também vindimou.

[José Brás foi fur mil da CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68); nasceu em Alenquer; trabalhou na TAP como tripulante comercial de 1972 a 1997; foi sindicatlsta e autarca; mora em Montemor-o-Novo; tem cerca de 130 referências no nosso blogue; é também autor de "Lugares de Passagem", Chiado Editora, Lisboa, 2010]
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Notas do editor

Poste anterior de 3 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18977: Notas de leitura (1097): Relendo uma obra soberba - "Vindimas no Capim", por José Brás; Publicações Europa-América (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18992: Notas de leitura (1098): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (50) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19001: Parabéns a você (1497): Rui Baptista, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3489 (Guiné, 1971/74) e Tony Grilo, ex-Soldado Apont Obus 8.8 do BAC 1 (Guiné, 1966/68)


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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18997: Parabéns a você (1496): Filomena Sampaio, Amiga Grã-Tabanqueira, esposa do nosso camarada Manuel Castro Sampaio (1949-2006) e Raul Manuel Azevedo, ex-Cap Mil, CMDT da 2.ª CART/BART 6522 (Guiné, 1972/74)