quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Guiné 61/74 – P20293: Memórias de Gabú (José Saúde) (89): Recuperando as “traquinices” do meu camarada Dias. A sua astúcia para contornar as “armadilhas” da guerra. (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem. 


Memórias de Gabu


Recuperando as “traquinices” do meu camarada Dias
A sua astúcia para contornar as “armadilhas” da guerra

Ouso trazer novamente ao nosso blogue nacos de recordações das memórias de Gabu então ali vividas, agora recuperando as “traquinices” do meu camarada Dias. O rapaz, franzino e com um ar lunático, era uma pessoa que escondia no seu íntimo inadiáveis princípios de um homem culto e politicamente informado.

O antigo furriel miliciano exponha saber e a sua astúcia para contornar as “armadilhas” da guerra eram simplesmente inigualáveis. Raramente pronunciava palavra e a sua postura pessoal restringia-se à sublevação de meias locuções, ou a um profundo silêncio. Tal era a revolta que lhe ia na alma, pensava-se.

Entrava no Bar calado e saía mudo. Aliás, o mesmo acontecia nos momentos das refeições. Nós, aparentemente mais expeditos, puxávamos por ele e… nada. Trazia, sim, consigo uma folha A4 com pequenas frases escritas sendo o teor das mensagens expostas redigidas em código. Por vezes lá ficávamos com a pulga no ouvido acerca do conteúdo do recado. Aliás, a sua intenção seria alertar mentes adormecidas sobre o contexto da guerra e tudo aquilo que a rodeava.

A filosofia quotidiana do Dias causava-nos, de certo modo, apreensão. Falava-se, em surdina, que o fulano, além de eventualmente “cacimbado” era um homem de esquerda, politicamente falando. A sua ironia, ou seja, o escárnio que colocava em cada palavra inscrita no papel que normalmente trazia debaixo do braço, deixava antever que o camarada sabia utilizar os meios para atingir os fins.

Perito no jogo de pingue-pongue o camarada Dias dava grandes cabazadas a um qualquer destemido adversário que porventura lhe fizesse frente. Aí o Dias mostrava supremacia. Era o maior. A curiosidade, porém, é que mesmo durante o jogo de pingue-pongue, que ele adorava, a sua voz pouco ou nada se fazia ouvir.

Convidado para as peladinhas da bola, o Dias desengonçado e com jeito zero para dar chutos na pelota, o bom do camarada guerreava com a redondinha e por vezes delirava a malta com uma finta ancestral que deixava o opositor completamente de rastos. Uma finta de corpo, uma outra em que “trocava os pés e as pernas” e a bola ia parar desconcertadamente ao adversário, resvalava, por norma, para uma gargalhada geral.

Aliás, a malta ria que se fartava com o desengonçado estilo do homem oriundo de Setúbal, mas ele lá mantinha a sua vertical postura. E eram tão giras aquelas tardes em que o futebol proporcionava momentos de lazer.

Acontecia que o furriel miliciano Dias nem no jogo da bola dava abébias aos camaradas. Falava pouco, não discutia uma jogada nem mesmo o resultado final, quer este lhe fosse positivo ou negativo. Para ele estava tudo bem. O banho seguinte, e com água barrenta vinda de um enferrujado chuveiro, limpava-lhe as ideias. O idealismo proporcionava-lhe outros desafios. E o Dias obviamente agradecia aos deuses da sorte.

Depois do 25 de Abril e com o fim da guerrilha no terreno consumada, surgiram os primeiros contactos com elementos do PAIGC. Nessa altura tivemos a oportunidade em observar, e constatar, que o bom do nosso camarada Dias, juntamente com o furriel miliciano enfermeiro Navas, já se tinham envolvido com visitas a bases dos guerrilheiros da PAIGC.

Dizia-se que tanto o Dias como o Navas partiam clandestinamente para esses contactos. Confesso que fui leigo nessa matéria, por isso não vou afirmar convictamente se porventura tudo o que se falava era absolutamente certo. Todavia, ficou a certeza que o camarada Dias era, já nesse tempo, militante ou simpatizante de um partido político que desafiava os bárbaros poderes do Estado Novo.

As suas “bocas”, sempre oportunas e enquadradas com a situação que se vivia na guerra colonial e onde se concentrava a chamada “carne para canhão”, teriam uma força bem maior se elas não fossem proferidas em instalações de sargentos, ou seja, em aposentações em que arraia miúda abundava.

Ah grande camarada Dias, revejo-te na tua luta titânica e o quanto das tuas “dicas” eram estilhaçadas pela força da razão. Lutavas a uma só voz e o teu grito de revolta esfumava-se num ténue horizonte onde os “revoltosos” não tinham cabimento. Outros tempos, outras realidades. 

Setúbal, a tua cidade, aqui tão perto da minha Beja, poderia ser palco de um reencontro entre estes dois velhos camaradas onde as memórias de Gabu proliferam e num abraço fraterno esmiuçarmos esses antigos tempos em que tu secretamente espalhavas, em surdina, doutrina política.  


 Dias, antigo furriel miliciano 

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em:

21 DE OUTUBRO DE 2019 > Guiné 61/74 – P20265: Memórias de Gabú (José Saúde) (88): Manel Pereira, um amigo. (José Saúde)

Guiné 61/74 - P20292: Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Partes II/III: Em Tite, ordem (frustrada) para caçar o 'Nino' Vieira, vivo ou morto; em Bissalanca, voluntário para apanhar as 'canas dos foguetes'


Guiné-Bissau > Bissau > Presidência da República > 6 de Março de 2008 > 'Nino' Vieira em pose de Estado... Foto extraída de vídeo feito durante a audiência que o Presidente João Bernardo Vieira, 'Nino' (1939-2009) deu a cerca de duas dezenas de participantes estrangeiros do Simpósio Internacional de Guiledje (Bissau, 1-7 de Março de 2008)... Sem dúvida, faz hoje parte dos 'mitos' fundadores da jovem e conturbada República da Guiné-Bissau... Seguramente foi o homem mais procurado do PAIGC durante a guerra colonial... O seu fantasma era visto por todo o lado... Chegou às mais altas responsabilidades do Estado... Mas nunca nenhum bom guerrilheiro deu um bom estadista... Como político, 'Nino' Vieira é uma figura controversa. O que pensarão dele, hoje, os jovens guineenses que nada sabem da luta pela independência?...

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição; Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné]



[Foto à esquerda: Manuel Rosa Viegas, ex-Furriel da Companhia de Caçadores, nº 1587, Empada , Catió e ilha do Como, entre 1966 e 1968; vive em Faro; é o mais recente membro da Tabanca Grande, nº 798 (*)]

Episódios da minha guerra (Manuel Viegas, ex-fur mil, CCAÇ 1587, Empada, Catió e Ilha do Como, 1966/68) - Partes II/III:  Em Tite, ordem (frustrada) para caçar o 'Nino' Vieira, vivo ou morto; em Bissalanca,  voluntário para apanhar as 'canas dos foguetes'

Há dias o meu amigo Zé Viegas acordou-me de uma hibernação de mais de cinquenta anos, e convenceu-me a não levar comigo o que vi e o que passei.

Este episódio que vou transcrever é sobre a minha ida a Tite (Parte II). E o outro sobre Bissalanca (Parte III).

Encontrava-me na tabanca dos Fulas, em Empada,  que ficava perto do aeródromo, vi uma avioneta que sobrevoava o aeródromo, pensei que vinha entregar frescos, porque o correio tinha sido entregue de manhã.

Quando me deslocava na sua direção, apareceu o impedido do comandante no jipe a dizer que o comandante queria falar comigo. Pelo caminho fomos à procura do Ceia e do Hermenegildo, um era o apontador da bazuca, o outro era municiador. Começamos a fazer contas de cabeçal  que não estava para acontecer coisa boa. 

Fomos à presença do capitão, que nos cumprimentou efusivamente e disse-nos que tínhamos como missão deixar bem representada a Companhia 1587, e para nos fardarmos devidamente e levarmos o material de guerra que costumávamos utilizar, as instruções seriam dadas depois no local do desembarque. 

Fiquei apreensivo e amedrontado,  não transmitindo aos meus camaradas o que me ia na alma. Fomos para a avioneta sem saber para onde íamos, o piloto cumprimentou-nos e disse para não estarmos preocupados, que tudo ia correr bem... Já no ar perguntei qual era o o nosso destino. Respondeu-me que íamos para Tite. 

Ao aterrarmos veio um oficial buscar-nos, cumprimentou-nos e disse que já me conhecia de uma operação que tínhamos feito juntos. No trajeto até ao gabinete das operações, vi tropas espalhadas por todo o lado, fez- me uma grande confusão... Quando chegámos ao gabinete do capitão é que soubemos a finalidade da nossa ida ali, disse-nos que íamos fazer um ataque surpresa a um sítio onde estava o 'Nino' Vieira, e que receberíamos instruções sobre o nosso lugar na coluna.

Passado um bom bocado fomos jantar, os soldados começaram-se a organizar, íamos descansar e pela madrugada iríamos ao alvo. Veio o dia, quando de repente recebemos ordem que já não se efetuava a operação, o 'Nino' Vieira tinha sido avisado do que estava a ser organizado em Tite, tendo desaparecido do lugar. Por esse motivo a operação não foi concretizada, o que foi um alívio.

Ao transcrever esta operação frustrada, lembrei-me de quando estava em Bissau numa consulta externa... Nessa noite atacaram Bissalanca com canhões sem recuo e não só, apareceram dois condutores à procura de voluntários para Bissalanca, os voluntários não foram muitos, mas chegados lá verificamos que o inimigo largara as granadas e desaparecera...

O pessoal estava todo em alvoroço. Entrei na caserna ocupada por três militares e vi que uma granada caiu lá dentro e desfez quase tudo. Um dos três ocupantes era meu amigo, cabo especialista da Força Aérea, cujo nome era Pinho. Foi ver os estragos dos seus aprestos, estes estavam todos traçados inclusive um casaco de antílope estava todo traçado e preto, não houve mortos nem feridos que eu tenha conhecimento.

Manuel Rosa Viegas
Furriel Miliciano – 75 anos
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Guiné 61/74 - P20291: Manuscrito(s) (Luís Graça) (171): Parabéns, mano Zé António Paradela... E toma lá um arrozinho de santieiros...










Tabanca de Candoz > 30 de outubro de 2019 > Os "santieiros" e o arrozinho do nosso contentamento... Vêm as primeiras chuvas e "eles", os cogumelos,  surgem, da noite para o dia, no fundo da terra, junto aos castanheiros e aos carvalhos... Estes são os primeiros cogumelos comestíveis deste ano...Aqui dizem-se "sentieiros"é um regionalismo... 

É um cogumelo comestível [Macrolepiota procera], com chapéu com 10 a 30 centímetros, muito apreciado na região de Entre Douro e Minho... Na região Centro, chamam-lhe "frade"... 


Atenção: há o "frade" comestível[Macrolepiota procera] e o falso "frade", venenoso [Macrolepiota venenata]...

Também se comem... (i) fritos com cebola; ou (ii) assados na brasa, só com uma "pedrinha de sal"!... Enfim, sabores da infância, um petisco, de comer e chorar por mais, dizem os tabanqueiros de Candoz.
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Parabéns, mano!...
E toma lá um arrozinho...
de santieiros!



Zé António Paradela,
Não t’fazia este alarido,
Se a vida não fosse bela,
E tu um amigo querido.

E tu um amigo querido,
Cheio de talentos e afetos,
À beira mar nascido,
Só te falta ter uns netos.

Só te falta ter uns netos,
Quanto ao resto és campeão,
Vida de anos repletos,
E amigos do coração.

E amigos do coração,
Que muito te querem bem,
Da Joana ao João,
E o Tibério também.

E o Tibério também,
Mais o capitão Aveiro,
E, se falta mais alguém,
É o teu filho bacalhoeiro.

É o teu filho bacalhoeiro,
Que não quis ser arquiteto,
Na Terra Nova é o primeiro,
E o mar é o seu projeto.

E o mar é o seu projeto,
Diz a mãe, que é 'madeirense',
Num barco não há chão nem teto,
Confirma o pai, ilhavense.

Confirma o pai, ilhavense,
Poeta do risco  e do mar,
Que o futuro a nós pertence,
E o resto é p'ra quem calhar.

E o resto é p'ra quem calhar,
Já não nos roubam o passado,
A chorar e a cantar,
Foi um tempo bem gozado.

Foi um tempo bem gozado,
Não me venhas cá com tretas,
Mesmo se às vezes mais stressado,
Não estavas mal das canetas.


Não estavas mal das canetas,
Nem te faltavam encomendas,
Agora é só maquetas,
E um gajo não ganha p'ras prendas.

E um gajo não ganha p'ras prendas,
Faz p'ros amigos uns versinhos,
E lá p'ras gregas calendas
Há de te papar uns almocinhos.

Há de te papar uns almocinhos,
Que a amizade não tem preço,
Com abraços e beijinhos,
Vou-me embora e me despeço.

Vou-me embora e me despeço,
Com este arroz de santieiros...
Vais-me dizer: "Eu mais mereço,
E vocês são uns lambareiros".

E vocês são uns lambareiros,
Comem tudo, não deixam nada,
Ainda dizem que são porreiros,
E a Matilde fica... augada!


Quinta de Candoz, 30/10/2019,
Os amigos Luís & Alice
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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20115: Manuscrito(s) (Luís Graça) (170): Viagens ao fundo da (minha) terra e outros lugares: Parte III: a vida são dois dias e a festa são três: o 6º encontro da família Ferreira...

Guiné 61/74 - P20290: Historiografia da presença portuguesa em África (182): Dados Informativos 4, publicação da Agência Geral do Ultramar - Guiné, 1968: Os números da educação e saúde (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Estes dados são uma mera curiosidade, podem servir para quem pretenda estudar este período. O sistema educativo era de fresca data, o trabalho missionário, por natureza, não possuía a consistência que o sistema educativo público veio permitir, tanto no liceal como no técnico-profissional, acresce que a própria Agência Geral do Ultramar proporcionava bolsas de estudo para a metrópole. Onde podia haver, com legitimidade, orgulho era no setor da saúde, tanto o sistema público como a atividade missionária, pense-se na Cumura, no Asilo de Bor, no Hospital Central de Bissau, na Missão do Sono, no Combate às Tripanossomíases, nas tabancas-enfermarias, o período colonial marcou pontos na prevenção e combate às doenças tropicais mais agressivas, o Instituto de Medicina Tropical era apresentado como uma entidade de excelência.
Foi o que foi.

Um abraço do
Mário


Guiné, 1968: Os números da educação e saúde

Beja Santos

Um achado na Feira da Ladra, esta edição da Agência Geral do Ultramar, dados informativos sobre todas as províncias ultramarinas.
Retenhamos o que se escreve sobre a Guiné, logo quanto à educação e ensino:
“Na Guiné, a instrução na sua primeira fase e até meados do século XIX, esteve inteiramente confiada aos missionários, que não só catequizavam como ensinavam português.
Em 1883 havia já professores oficiais em Bolama, Bissau, Cacheu, Buba, Geba e Farim, e em 1890 foi publicado o primeiro Regulamento Escolar da Província, tornando-se o ensino primário obrigatório para as crianças de ambos os sexos, dos 7 aos 15 anos de idade. Este ensino primário incluía a leitura, escrita e gramática do português, a aritmética, a História de Portugal, a corografia e a geografia, a doutrinação cristã, elementos de agricultura e economia doméstica”.

Dá-se igualmente conta das alterações do sistema educativo na I República e na Ditadura Nacional, e assim se chega aos anos mais recentes já na década de 1960, onde se lê o seguinte:
“No ano lectivo de 1964/65 havia 123 escolas primárias, com 188 professores para 11.664 alunos, e 33 postos escolares, com 53 professores e 1376 alunos. Em 1965/66 os estabelecimentos oficiais, dispondo de 98 agentes de ensino para 3644 alunos, compreendiam 15 escolas e 22 posto escolares. As missões religiosas ensinaram em 36 escolas primárias e 52 postos escolares, com o total de 147 professores para 9800 alunos. Os números provisórios relativos a 1966/67 indicam a existência de 105 escolas primárias, com 280 professores e 12.105 alunos, e de 52 postos escolares, com 64 professores e 4900 alunos.
Os cursos nocturnos, especialmente para adultos, funcionam nas escolas de Bissau, Bolama, Bafatá, Mansoa, Bissorã, Catió, Farim, Nova Lamego, S. Domingos e Teixeira Pinto, e ainda outras. Fazendo parte do ensino primário, embora estranho ao plano oficial, há a contar (1966/67) com 276 escolas muçulmanas, com 278 professores e 4100 alunos.
Em 1958, dado o aumento da frequência do instituto de ensino liceal, foi a Guiné dotada com o Liceu Honório Barreto, em Bissau, com os três ciclos liceais. Em 1961 criou-se o Serviço Liceal Extraordinário, para adultos, em alas nocturnas. O Liceu Honório Barreto, no ano lectivo de 1966/67, teve 417 alunos, leccionados por 21 professores.
Quanto ao ensino técnico-profissional, em 1958, tinha sido instituída em Bissau uma escola técnica elementar, como um primeiro passo para a criação de estudos mais desenvolvidos. Aquela escola foi convertida, no ano seguinte, na Escola Industrial e Comercial. Em Dezembro de 1966, tinha 30 professores e 643 alunos.
Para a formação de quadros dos serviços públicos contava-se em 1966/67, com dois institutos (Correio e Telecomunicações, e Obras Públicas) com 6 professores e 26 alunos”.

Passando para a saúde e assistência, o Regulamento dos Serviços de Saúde e Assistência da Guiné, publicado em 1966, estipula a missão destes serviços: promover a defesa e proteção da saúde das populações, incluindo a prevenção e combate das doenças endémicas e epidémicas; estabelecer normas de salubridade urbana, rural, habitacional, de higiene de trabalho e das indústrias; promover o saneamento do território da Província; manter-se sempre atualizado o estudo das necessidades efetivas de assistência sanitária contra os grandes flagelos sociais e as endemias.

A rede sanitária incluía o Hospital Central de Bissau, 3 hospitais regionais, 6 hospitais rurais, 10 delegacias de saúde, 53 postos de saúde, 10 maternidades regionais nas sedes das delegacias de saúde e outras 12 maternidades rurais.
O Hospital Central de Bissau era assim apresentado:
“É um estabelecimento hospitalar e policlínico, com 356 camas, compreendendo, além dos serviços de medicina e cirurgia geral, as especialidades de pediatria, obstetrícia, oftalmologia, estomatologia, neurologia e psiquiatria, traumatologia e ortopedia, dermatologia e os serviços auxiliares de terapêutica e diagnóstico (de análises clínicas, anatomia patológica, anestesiologia, hemoterapia, radiologia, fisioterapia e dietética). Neste hospital são atendidos e tratados não só os doentes de toda a área do concelho de Bissau como também os doentes evacuados dos centros de saúde que não disponham de serviços especializados. O sempre crescente afluxo de doentes que se vem registando nas diferentes formações sanitárias determinou importantes obras de ampliação e adaptação no Hospital Central de Bissau, que conta hoje com dois blocos operatórios, uma enfermaria reservados exclusivamente a pediatria, encontrando-se em construção novos blocos de enfermarias e uma moderníssima cozinha”.

O documento da Agência Geral do Ultramar carateriza os hospitais regionais e os hospitais rurais, alude ao combate à tuberculose, às brigadas de radiorrastreio, à Missão de Combate às Tripanossomíases, bem como o combate à doença do sono.

Também se contextualiza a atividade missionária, recordando a elevação à categoria de prefeitura apostólica em abril de 1955, com sede em Bissau, compreendendo os três arciprestados de Bissau, Cumura e Bafatá, confiados, respetivamente, aos missionários franciscanos portugueses, padres franciscanos da província de Veneza e missionários do Instituto das Missões Estrangeiras de Milão. Em 1964, havia na prefeitura 22 sacerdotes, 9 irmãos auxiliares e 18 irmãs religiosas. As Irmãs, Hospitaleiras de Nossa Senhora da Conceição, trabalham no Asilo e Creche de Bor, no Hospital Central de Bissau e no Internato Feminino de Bafatá. No censo de 1960, havia cerca de 26 mil católicos e 8 mil catecúmenos.

As missões protestantes na Guiné eram Evangélicas e situavam-se em Bissau, Bissau Novo, Biombo, Bissorã, Teixeira Pinto e Orango. Também segundo o censo, os islamizados, principalmente Mandingas e Fulas, orçavam pelos 182 mil.
E escreve-se:
“Note-se que o avanço do islamismo na Guiné não se fez de uma maneira contínua, mas antes por períodos de expansão seguidos de outros de recuo. A ocupação europeia veio favorecer consideravelmente esse avanço.
A dispersão do islamismo encontra-se ligada ao sistema de confrarias (na Guiné Portuguesa, a dos Cadiriya e a dos Tidjaniya) derivadas do rito malequita. As confrarias são dirigidas por grão-mestres (cheiques), que detêm a emanação da santidade (baraca), sendo muito hierarquizadas. À volta delas gravitam os operadores de milagres, curandeiros, místicos ou iluminados (marabus) ”.


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Nota do editor

Último poste da série de 16 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20245: Historiografia da presença portuguesa em África (180): “Duas descrições seiscentistas da Guiné”, de Francisco Lemos Coelho, introdução a anotações históricas por Damião Peres, Academia Portuguesa de História, 1953 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20289: Agenda cultural (709): Renato Monteiro: "Ciganos", apresentação de projeto fotográfico, 5/11/2019, 18h00, Palácio do Beau-Séjour, Benfica,LIsboa




Renato Monteiro, Xime,
cais fluvial do Xime (c. 1969/70)
Renato Monteiro

(i) ex-fur mil, CART 2439 / CART 11, (Contuboel e Piche, 1969), e CART 2520 (Xime e Enxalé, 1969/70); 

(ii)  licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 

(iii) professor do ensino secundário reformado; 

(iv) tornou-se um notável fotógrafo do quotidiano, com obra feita (vários álbuns publicados desde 1998; e tem pelo menos 20 blogues de fotografia, com destaque para  Fotografares e A Minha Cave;

(v) nasceu em 1946, no Porto, vive em Lisboa;

(vi) tem mais de meia centena de referências no nosso blogue;

(vii) um dos seus primeiros trabalhos publicados foi "Fotobiografia da Guerra Colonial",   em coautoria com Luís Farinha (Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1990,  e Círculo de Leitores, 1998).
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Nota do editor:

Último poste da série >  29 de outubro de 2019 >  Guiné 61/74 - P20288: Agenda cultural (708): Conferência "História da China: Relações Portugal-China", pelo prof António Graça de Abreu, dia 30, 4ª feira, às 17h45, no Campus de Carcavelos, NOVA School of Business and Economics

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20288: Agenda cultural (708): Conferência "História da China: Relações Portugal-China", pelo prof António Graça de Abreu, dia 30, 4ª feira, às 17h45, no Campus de Carcavelos, NOVA School of Business and Economics

1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu [ ex-alf mil SGE, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74). membro sénior da Tabanca Grande, com c. 240 referências no nosso blogue]


Date: quinta, 24/10/2019 à(s) 13:42

Subject: Conferência Relações Portugal-China

 São todos muito bem vindos à minha conferência 4ª feira, dia 30 de Outubro, às 17,45 na NOVA School of Business an Economics, Carcavelos, sobre "Chinese History: China-Portugal Relations". A conferência é em inglês, organizada pela NOVA China Club.

Nova China Club will organize the lecture "Chinese History: China-Portugal Relations". Gain insights into the past 500 years of Sino-Portuguese relations that are crucial to understand the modern bilateral relations. This means understanding how Portugal and China strengthen their ties through mainly cultural and economic exchanges.

The lecture will be held by Prof. António Graça de Abreu, former teacher at Chinese Culture and History at Universidade NOVA de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisbon and currently in Universidade de Aveiro.

He has published more than 20 books and lived
Fonte: António Graça de Abreu (2019) 
in China in the end of 1970's and beginning of the 1980's witnessing the transformation of the Chinese society first-hand. Since 1990, he has worked as a teacher of the annual courses in Chinese Culture and Civilisation, History of Macau and Chinese History at the Macau Mission in Lisbon and at Fundação Oriente.

The lecture will be hold at Nova SBE (School of Business and Economics, in Carcavelos) on Wednesday, October 30 at 17:45. Sala B 005. Please note that with your registration, you commit to attend the conference.

We are looking forward to welcoming you at the event!

Thank you/ Muito obrigado/ 谢谢! (#)

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(#)  Tradução [Google / LG]

O 'NOVA China Club'  vai organizar a palestra "História da China: Relações China-Portugal". Conheça os últimos 500 anos das relações sino-portuguesas que são cruciais para se entender as  relações bilaterais de hoje.  Isso significa entender como Portugal e China fortalecem os seus laços através de trocas principalmente culturais e económicas. 

A palestra será realizada pelo Prof. António Graça de Abreu, ex-professor de História e Cultura Chinesa da Universidade NOVA de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa e atualmente na Universidade de Aveiro. 

Publicou mais de 20 livros e viveu na China no final dos anos 70 e início dos anos 80, testemunhando ao vivo  a transformação da sociedade chinesa. Desde 1990, trabalha como professor dos cursos anuais de Cultura e Civilização Chinesa, História de Macau e História Chinesa na Missão de Macau em Lisboa e na Fundação Oriente. 

A palestra será realizada na NOVA School of Business and Economics, anteriormente Faculdade de Economia , em Carcavelos) na quarta-feira, 30 de outubro, às 17:45. Sala B 005. 
e
Tome nota que, com sua inscrição, compromete-se  a participar da conferência. Estamos ansiosos para recebê-lo no evento!  Muito obrigado.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P20287: Agenda cultural (707): Curso “A Herança Judaica em Portugal” pela Universidade Lusófona: dias 9, 16, 23, e 30 de novembro, Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa, Oeiras


Guiné > c. 1954/55 > Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949-Lisboa, 2014), entºao  com "seis/sete anos",  e Clara Schwarz da Silva (Lisboa, 1915- Lisboa, 2018).

Foto do arquivo de João Schwarz da Silva, que vive em Paris, e que edita a página da Web, "Des Gens Intéressants". São três membros da mesma família que fazem parte da nossa Tabanca Grande e têm ascendência judaica, como muitos outros portugueses que ignoram completamente esse facto, a herança (genética) hebraica...

Fonte: Página "Des Gents Intéressants", de João Schwarz da Silva (2017) (com a devida vénia...)


1. Mensagem de Maria José Rijo, técnica superior da CM Oeiras:

Data: 29 out 2019 13:52



Assunto: Curso “A Herança Judaica em Portugal” pela Universidade Lusófona:

Sinopse:

Potenciada pela recente lei que permite aos descendentes dos sefarditas obter a nacionalidade portuguesa, a procura e reencontro com a memória e identidade judaica é hoje um forte ponto de interesse em Portugal. Verifica-se uma intensa dinâmica cultural em torno desta temática com a proliferação de museus e centros interpretativos.

Que lugar dão os portugueses a esse património quase desconhecido que hoje se começa a vislumbrar?

Este curso proporcionará uma abordagem aos aspetos mais importantes e significativos da cultura sefardita, neste reencontro fundamental com a nossa História.



Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa, Oeiras


9 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (1ª sessão) – "A herança judaica em Portugal: A antiguidade da presença na Península Ibérica", por Paulo Mendes Pinto.

16 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (2ª sessão) – "A herança judaica em Portugal: Sinagogas, Judiarias e Comunidades",  por António Caria Mendes.

23 Nov, sáb, 15h: Curso Lusófona (3ª sessão) – “A Inquisição no património mental”,  por Susana Bastos Mateus


30 Nov, sáb, 11h: Curso Lusófona (4ª sessão) – “As cosmopolitas comunidades da diáspora: Amesterdão e Nova Iorqu",  por Susana Bastos Mateus e Carla Vieira


Preço: 15€ (para todas as sessões)

Informações e inscrições: galeria.verney@cm-oeiras.pt;


Maria José Rijo

Técnica Superior
Livraria-Galeria Municipal Verney/ Col. Neves e Sousa
Divisão de Bibliotecas e Equipamentos Culturais
Câmara Municipal de Oeiras
Rua Cândido dos Reis, nº90-90 A
2780-211 Oeiras

Tel: 21 440 83 29/ Ext: 51505

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Nota do editor:

Último poste da série > 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20269: Agenda cultural (706): III Encontros Literários de Montemor-o-Novo, a levar a feito na Biblioteca Municipal Almeida Faria, entre os dias 24 e 27 de Outubro (José Brás)

Guiné 61/74 - P20286: O segredo de... (32): Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74) e o mistério do "triângulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda"... Um "encontro de cavalheiros" com o IN


Guiné > Região de Bafatá > CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884 (Contuboel, 1972//74) > O Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, membro da nossa Tabanca Grande, da primeira hora. Aqui no "barco turra", a navegar no rio Geba... num embarque de reabastecimento cokmo delegado de batalhão ou j+a integrado na Companhia de Terminal.

Foto (e legenda): © Manuel Oliveira Pereira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Desde 2008 que temos vindo a contar "segredos", pequenos e grandes segredos", da nossa vida militar, coisas passadas há meio século, mas que só agora, por razão ou outra, temos vindo a partilhar uns com os outros...  E já são mais de trinta,o que dá uma média anual de 3 (três)!...

Recordo que o  propósito deste série, "O segredo de...", é esse mesmo: ser uma espécie de confessionário (ou de livro aberto) onde se vem, em primeira mão, revelar "coisas" do nosso tempo  da tropa e da guerra que estavam guardadas só para nós...

É esperado que os nossos leitores não façam nenhum comentário crítico, e nomeadamente condenatório, em relação às "revelações" aqui feitas, mesmo que esses factos pudessem eventualmente, à luz da época, constituir matéria do foro do direito penal, militar ou civil, infringir a disciplina ou ética militar, etc. ...

Saibamos ouvir sem julgar!... É o caso da "revelação" que, aqui há dias, o nosso camarada Manuel Oliveira Pereira, de Ponte de Lima, aqui deixou, em comentário ao poste P20267 (**).

Recorde.se: (i)  o Manuel [Oliveira] Pereira foi fur mil, CCAÇ 3547, "Os Répteis de Contuboel", (Contuboel 1972/74), subunidade que pertencia ao BCaç 3884 (Bafatá, 1972/74); (ii) é hoje advogado;  (iii) vive em Ponta de Lima; (iv) é membro sénior da nossa Tabanca Grande, tendo cerca de 20 referências no nosso blogue.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Mapa de Sonaco (1957) (Escala 1/50 mil) > Pormenor da posição relativa de Sonaco, na margem esquerda do Rio Geba, a nordeste de Contuboel, com Jabicunda a sudoeste.. Era uma região bastante povoada e próspera...

Os vagomestres das nossas companhias no Leste conheciam Sonaco, onde iam comprar vacas... Apesar da intensificação da guerra na região fronteiriça, a norte,  já nos anos 70, era uma região calma... Referimo-nos ao truàngulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda.

Temos apenas uma dezena  de referências a Sonaco no nosso blogue... 

Era posto administrativo e pertencia ao subsetor de Contuboel. Tenho ideia de que, no meu tempo (junho/julho de 1969) havia lá um pelotão destacado, da unidade de quadrícula de Contuboel (, que já não recordo qual fosse, mas em princípio não podia ser a CART 2479 / CART 11; seria talvez a CCAÇ 2436, 1968/70: passou por Bissau, Galomaro, Contuboel e Fajonquito; ou ainda a CCAÇ 2435, que esteve em Quinhamel, Fajonquito, Contuboel e Nhacra; ambas pertenciam, tal como CCAÇ 2437,  ao BCAÇ 2856, sediado em Bafatá).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


2. O segredo de... Manuel Oliveira Pereira (ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74): o mistério do "triângulo Contuboel, Sonaco e Jabicunda"...  Um "encontro de cavalheiros" com o IN


Sonaco  era, quando lá cheguei, em abril de 72,  um Destacamento militarizado. Vindo do Cumeré onde fiz (fizemos) o IAO, e depois de uma curta passagem (dois dias) pela sede da Companhia, em Contuboel, fui render o Pelotão da Companhia “velhinha”.

A guarnição era composta por 30 militares europeus (Grupo de Combate + Cabo Enf + Condutor auto + Sold Transmissões + Cozinheiro civil, o Malan) e um Pelotão de Milícias com 21 elementos.

O aquartelamento era uma antiga casa colonial, esventrada, sem janelas mas com alguma habitabilidade. Situava-se logo à entrada da parte “urbana” da vila, lado esquerdo e junto ao “mercado”. Ou seja a nascente da “avenida” .

A poente tínhamos o Posto de Correio a Igreja (capela),  o “Palacete” do Chefe da Circunscrição, um Chefe de Posto de “nível mais elevado”, e já à saída na direcção de Nova Lamego a Pista de Aviação e a “Estação Meteorológica”. Ao longo da “Avenida” situavam-se muitas casas comerciais e o “Café do Sr. Orlando Gomes”,  o homem que vendia vacas...

Sobre os contactos com o IN muito poderia dizer mas vou resumir. A minha Companhia era composta nos seus quadros por “milicianos” . A única excepção eram o 1º e 2º Sargentos. O Capitão era um quase Engenheiro civil, dois dos Alferes, andavam em Direito. O terceiro Alferes era já médico (exerceu na Companhia).

Dos Furriéis, um a caminho de Direito, outro de Economia e ainda mais dois dos Institutos Industriais o um quinto do Instituto Comercial. Não cito os outros, porque não faziam parte das “conversas privadas antirregime”, nem tão pouco as suas leituras passavam pelo jornal “República”,  nem eram ouvintes da BBC, Rádio Portugal Livre, Rádio Moscovo ou voz da América. Do mesmo modo pouco lhes interessava a “corrente Marcelista" da Assembleia Nacional e desconheciam nome da "ala liberal" como Miller Guerra, Francisco Lumbrales (Sá Carneiro), Francisco Balsemão, etc..

Éramos um grupo, aparentemente acomodado, mas andávamos  preocupados com o rumo que a guerra estava a tomar. Tínhamos oss problemas de quem  vivia no terreno. Andámos eslocados quase permanentemente da nossa base [, Contuboel,]  em reforço de outras unidades.

Fomos, além disso,   ocupar zonas – uma delas, Bambadinca Tabanca – sem que houvesse um aquartelamento. Para nos abrigarmos nos primeiros dias “requisitamos/tomamos posse” de umas moranças (palhotas de cana e colmo. Depois cavaram-se as valas e os abrigos. A alimentação, inicialmente “ração de combate” e depois a eterna “bianda”, por vezes, acompanhada por mais vianda. A água era recolhida a alguma distância onde o perigo espreitava a todo o instante.

 A morte e feridos de companheiros no Batalhão levaram a um repensar na forma de actuar, principalmente no perímetro de actuação da Companhia (Contuboel) e Destacamento (Sonaco).

Num dos períodos em que estou como comandante do Destacamento de Sonaco, tomo a iniciativa – já vinha abordando de forma subtil o velho comerciante Libanês e a sua esposa (uns anos bem mais nova que o marido), com quem por vezes jantava –  de alargar o meu leque de “amigos” (ficaram mesmo amigos) entre os Homens Grandes, o Cmdt da Milícia o Mali e o Cmdt de uma das secções do Pelotão de Milícias, o Djassi. Basicamente a questão era:

 –  Como vocês acham que o IN reagiria se lhe propusemos um “encontro de cavalheiros” ?

A vila de Sonaco era um centro de comércio muito importante. No meio de tanta multidão que diariamente ali  faziam suas trocas, compras e vendas era impressionante. Obviamente, o IN tinha aqui a sua oportunidade para se infiltrar.

Assim, de forma persistente, mas cautelosa, fui alimentando junto dos meus interlocutores a vantagem de uma aproximação da qual ambas as partes beligerantes beneficiariam. Entretanto a acção psicológica – a mesma que o Capitão – prosseguia com “oferta”,  à população, de víveres (farinha, arroz, sal, etc.),  acesso ao médico e/ou ao serviço de enfermagem, medicamentos, transporte para Bafatá e para reuniões da Assembleia Popular,  etc. Numa palavra: dentro do possível, sempre disponíveis!

O tempo foi passando e em mais um jantar na casa do comerciante Libanês, este atira-me com esta:

 – Alguém do PAIGC está aberto a um encontro, mas você terá que ir desarmado...

Incrédulo, perguntei:

 –  Onde e quando?
 – Aguarde, disse ele.

No dia seguinte, fui a Contuboel e chamei o Capitão de parte para lhe comunicar que, sem ele saber, andei a tentar chegar à fala com o IN. Olha-me de alto a baixo, puxa uma “passa” mais forte no cigarro e diz-me:

 – Sabe que também tenho andado a fazer o mesmo?
–  Então,  e agora o que fazemos?
– Nada, esperamos!...

Duas semanas ou três após esta conversa, recebo o Cap Martins em Sonaco. Salta do Unimog, dirige-se a mim e faz-me sinal para o seguir ao interior do aquartelamento e com o dedo aponta no mapa que eu tinha afixado na parede do meu “quarto”, dizendo:

–  É hoje e aqui!

Seguimos quase de imediato. Subimos para o Unimog e como escolta, uma secção reforçada, escolhida a dedo entre “os melhores” do Pelotão. Durante todo o percurso não trocamos uma palavra. A dado momento o Capitão dá ordem de paragem – estamos no interior de uma mata densa, no triângulo Sonaco/Contuboel/Nova Lamego – manda a secção fazer segurança em circulo e para estar atenta.

Nós os dois e apenas com a pistola à cintura, entramos mata dentro, numa caminhada de medo, mas determinada. Alguém viria ter connosco. E veio!... Eram quatro ou cinco guerrilheiros bem armados que nos emboscaram. Um deles, talvez chefe, diz:

– O  acordo é desarmados. Entreguem as pistolas.
– Não –  responde o Capitão. –  Se nos permitem e para que o “encontro se realize”, iremos fazer a entrega aos nossos camaradas que estão a quinze, vinte minutos de distância.

O mesmo guerrilheiro concorda.

Viramos para o ponto de partida e sempre pensei que naquele momento íamos ser abatidos com um tiro pelas costas. Felizmente não aconteceu. Feito o depósito das armas aos nossos camaradas,  o Capitão deixa a ordem que,  caso não regressássemos dentro de duas horas, deveria ser dado o “alarme” para que aquela zona fosse bombardeada.  Diga-se que o nosso pessoal não sabia nem soube – só já em Portugal vieram a saber – qual a razão daquela incursão na mata. Recordo que já no aquartelamento o sold Pinto me perguntou "se as bajudas eram boas"...

Voltamos a fazer a caminhada. Antes, o Cap Martins, faz-me sinal com os olhos com um "Vamos? "
– Claro que sim!

O nervosismo era muito. O medo existia, mas uma força interior me dizia que tudo iria correr bem. O desistir não fazia parte dos nossos planos. Fomos.

Os guerrilheiros voltam a surgir, mas em local diferente. Já não nos apontam as armas. Fazem-nos andar às voltas e mais voltas, até que entramos numa pequena clareira, de 100 a 150 metros. À volta dela muitos guerrilheiros armados. A um dos lados, uma grande tenda branca com um avançado tipo alpendre. No solo, à entrada da tenda um enorme tapete com loiça e bules e um cheiro agradável a comida fresca.

De dentro da tenda sai um indivíduo muito bem vestido com os trajes muçulmanos, aparentando menos de 40 anos. Atrás dele mais dois, também novos. Dirige-se a nós, estende-nos a mão cumprimentando-nos pela patente e nome. A nossa surpresa é enorme, já que os nossos ombros iam vazios e as fardas não tinham nomes. Convida-nos a sentar, o que fazemos,  ao mesmo tempo que pergunta

 – Surpreendidos?
 – Sim – respondemos quase em coro.  – Este aparato, os nossos nomes e patentes…
Olha-nos e diz-nos.

– Sei tudo ou quase tudo acerca de vocês, A vossa forma como fazem a “guerra”, a postura e a relação com a população, a atitude como encaram a nossa luta pela libertação do jugo colonial, a acção dos vossos grupos de apoio a outras unidades da frente, nomeadamente Sare Bacar, Bambadinca Tabanca, Madina Mandinga e sobretudo o respeito que manifestam pelas gentes de Contuboel, Sonaco e Jabicunda (o grande povoado junto à ponte de Contuboel), e na ajuda diária à sua sobrevivência.

Perante este desenrolar de “conhecimento” sobre a Companhia, fomos ficando à vontade, não tanta, quando fomos convidados a beber o chá de menta e o ensopado, presumo, de borrego, Perante a hesitação (medo de estar envenenada) o nosso anfitrião, rindo, disse:

 – Olhem para mim: vou comer e beber do mesmo que vos oferecemos.

De facto a comida estava óptima. Já a bebida..., uma cervejinha gelada saberia melhor, mas enfim!

Neste entretanto lá fomos dizendo das razões que nos levaram a ter este encontro, nomeadamente a “estupidez” de nos matarmos uns aos outros, quando no cerne da resolução estava um problema meramente politico e não militar.

Demos a conhecer, que a ida para a guerra por parte da juventude portuguesa era uma imposição do regime e não do povo português. Daí propor aos guerrilheiros actuantes no nosso sector “um pacto de não agressão”.

Findo os nossos argumentos, ouvidos num silêncio total, tivemos uma contraproposta muito curta que se resumia em continuarmos de forma mais profunda a acção que desde há muito vínhamos desenvolvendo juntos das populações do perímetro [, subsetor de Contuboel].

O nosso interlocutor, para além de ser um poliglota, conhecia a Europa, Cuba, Checoslováquia e URSS.

Corremos e andamos por muitos sítios e a certeza que “fomos” contemplados pela sorte, tivemo-la em Madina Mandinga (ali a sul de Nova Lamego e ao lado de Cabuca e na estrada para Ché Ché) e depois no Dulombi, mais a sul e também perto do Rio Corubal, onde com o meu Grupo fui fazer a ”reocupação” do quartel, entretanto “abandonado/desactivado” por uma Companhia do Batalhão sediado em Galomaro.

Conclusão: O único morto da nossa Companhia – um Furriel, por ter pisado uma mina – aconteceu ao serviço de outra Unidade, na fronteira com o Senegal, entre Sare Bacar e Sare Aliu, Acrescento que NÃO era o nosso Grupo (o meu) a sair. A “besta” do Cmdt de Companhia onde estávamos destacados, deu por “castigo” essa ordem. Daí darmos o benefício da dúvida de que a mina causadora da morte do Furriel Melo tinha por destino a Companhia Independente,  sediada em Sare Bacar e NÃO o 4º Pelotão da CCAÇ 3547 (Contuboel).
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20 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17686: O segredo de... (29): João Crisóstomo (ex-alf mil, CCAÇ 1439, Enxalé, Porto Gole, Missirá, 1965/67): Porto-Gole 1966: uma aventura no Rio Geba, para nunca mais esquecer... uma daquelas que nos poderia ter custado a vida!

23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16123: O segredo de... (28): Domingos Ramos e Mário Dias, dois camaradas e amigos da recruta e do 1º CSM (Bissau, 1959), que irão combater em lados opostos... No último trimestre de 1960, Domingos Ramos terá sido vítima do militarismo e racismo de um oficial português quando foi colocado no CIM de Bolama, como 1º cabo miliciano

3 de outubro de 2015 > Guiné 63/74 - P15192: O segredo de ... (27): A minha prenda de Natal de 1963: a destruição de Sinchã Jobel, com o meu engenhoso fornilho montado numa mala de cartão... (Alcídio Marinho, ex-fur mil at inf MA, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)

12 de setembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15107: O segredo de... (26): Ser ou não ser furriel na data de embarque (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

29 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15053: O segredo de... (25): A caneta do Governador (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)

14 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P15004: O segredo de... (24): Segredo desvendado (Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546)


 2 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14962: O segredo de... (20): Fernando Brito (1932-2014), ex-1º srgt, CCS/BART 2917 (1970/72): quadro, em "folha de capim", do seu infortunado filho (, morto mais tarde num trágico acidenrte, em 2001), pintado pelo caboverdiano Leão Lopes, em Bambadinca, 1971 (Cláudio Brito, neto)


26 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13046: O segredo de... (18): O ato mais irresponsável nos meus dois anos de serviço como soldado de artilharia (Vasco Pires, ex-alf mil art, cmdt do 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72)

28 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12648: O segredo de... (17): O maior frio da minha vida (Fernando Gouveia)

25 de janeiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12632: O segredo de... (16): Ricardo Almeida (ex-1.º cabo, CCAÇ 2548 / BCAÇ 2879, Farim, K3 / Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71): Como arranjei uma madrinha de guerra, como lhe ganhei afeição e amor, e como por causa da minha
terrível doença fui obrigado a tomar uma dramática de decisão de ruptura... A carta de amor pungente que ela me escreveu, em resposta..

13 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6379: O segredo de ... (13): Amílcar Ventura e o seu irmão, artilheiro, ferido gravemente em Gampará

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6257: O segredo de... (12): O meu sobrinho Malan Djaló, aliás, Malan Nanque, o rapazito de 8 ou 9 anos anos, apanhado pelo Grupo Fantasmas, do Alf Mil Comando Saraiva, em 11 de Novembro de 1964, em Gundagué Beafada, Xime... (Amadú Djaló)

18 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5670: O segredo de... (11): Um ataque a Bissau, uma bravata do Hoss e do Django (Sílvio Fagundes Abrantes, BCP 12, 1970/71)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5529: O segredo de... (10): António Carvalho (ex-Fur Mil Enf, CART 6250, Mampatá, 1972/74): Os tabefes dados ao Bacari

21 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5138: O segredo de... (9): Fur Mil J. S. Moreira, da CCAV 2483, que feriu com uma rajada de G3 o médico do BCAV 2867 (Ovídio Moreira)

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5006: O segredo de... (8): Joaquim Luís Mendes Gomes: Podia ter-me saído caro aquele pontapé no...

24 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5002: O segredo de... (7): Amílcar Ventura:Ajudei o PAIGC por razões políticas e humanitárias

11 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4936: O segredo de... (6): Amílcar Ventura: a bomba de gasóleo do PAIGC em Bajocunda...

4 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4461: O segredo de... (5): Luís Cabral, os comandos africanos, o blogue Tantas Vidas... (Virgínio Briote)

11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3598: O segredo de... (4): José Colaço: Carcereiro por uma noite

6 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3578: O segredo de... (3): Luís Faria: A minha faca de mato


(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)

Guiné 61/74 - P20285: (Ex)citações (361): Do meu amigo Zé Saúde, com quem estive estes anos todos sem falar da guerra, até ao segredo dos 'Asas Brancas' de Contuboel (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Contuboel > Tabanca dos arredores > CCAÇ 2479 (1968/69) > Um instruendo, de etnia fula, cuja identificação se desconhece, que foi mais tarde integrar a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12... A placa rodoviária assinala alguns das povoações, mais importantes, mais próximas: Ginani (17 km), Talicó (22 km), Canhamina (27 km), Fajonquito (30 km), Saré Bacar (39 km), Farim (96 km)...

Contuboel chegou a funcionar como importante centro de instrução militar (CIM=, no início da política da africanização do Exército Português, no 1º semestre de 1969. Em data que não posso precisar, esse centro acabou por ser transferido para a ilha de Bolama, aparentemente mais segura. Em Junho de 1969, Contuboel era descrita como um "oásis de paz" (*) N e nela dava-se formação às futuras CCAÇ 11 e 12 e a um grupo de combate da futura CCAÇ 14.


Foto: © Renato Monteiro (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Manuel Pereira
1. Comentários, ao poste P20267, do Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74) (**)


(i) Na verdade Contuboel foi sempre (?) um Centro de Instrução de Milícias. Pelo menos com a minha Companhia (CCaç 3547) e com outras duas - tenho a certeza porque tenho amigos dessas Unidades - que a antecederam;

(ii) No período destas três (3) comissões não houve registos de qualquer "incidente";

(iii) Razoes, não sei. Sei todavia, que a "acção psicológica" mantida pela minha Companhia junto das populações nativas eram a "nossa" primeira prioridade, tendo por cabeça o Cmd Companhia, o Cap Mil Carlos Rabaçal Martins;

(iv) Poderei acrescentar ao ponto anterior e, até porque já lá vão 45 anos sobre o retorno, algumas inconfidências que podereis confirmar - já foi escrito e ainda estamos todos vivos - que mantivemos contacto com "intermediários" do PAIGC, fizemos permutas de bens essenciais à nossa sobrevivência e por último (?) e depois de muitas diligências, uma "reunião", bem no interior da mata e DESARMADOS (eu, na altura como Cmd do Destacamento de Sonaco e o Cmd Comp Cap Martins), condição que nos foi imposta pelo "IN" e por nós aceite, com um alto dirigente e comitiva do PAIGC.

Eles bem armados, à excepção do alto dirigente e comitiva do PAIGC. Desse encontro, enre outras coisas, resultou um "pacto de não agressão". Este encontro teve eco na Rádio "Maria Turra", pois fomos apelidados dos "Asas Brancas" (símbolo da paz) de Contuboel;

(v) Esta reunião mostrou-se profícua, quer na "quadricula" afecta à Companhia e Destacamento (Contuboel e Sonaco), como também nas nossas permanências em reforço de outras Unidades e muito em especial na "Reocupação"" - tinha sido abandonado pelo Batalhão de Galomaro - do Aquartelamento do Dulombo, ali nas margens do Rio Corubal, por mim e pelo "Pelotão" que tive a honra de comandar e que resultou em "nenhum" ataque por parte do "IN";

(vi) As Fotografias são viagens diferentes no tempo e reportam-se à minha "missão" enquanto delegado de batalhão. Sim, porque para além de "operacional",  também tive, entre outras, funções de ambito administrativo que me proporcionou, correndo perigos evidentes, "viajar . por mar, rio e pelo ar. Nesta última missão permitiu-me conhecer quase "toda (?)" a Guiné, desde Bissau, Bafatá, Xime, Porto Gole, Farim, Mansoa, Bambadinca, Nova Lamego, Aldeia Formosa e Cacine;

(vii) As fotografias são a bordo dos barcos que faziam o "reabastecimento" para os Batalhões / Companhias Independentes, no caso, presumo serem todas no Rio Geba;

(viii) Para melhor compreensão vejam, aqui no "Blogue" algumas postagens minhas, nomeadamente o poste P3264.

Zé Saúde e Nanel Pereira, em Monte Real
(ix) Respondendo ao Luís Graça...

 È verdade nunca falei com o Zé Saúde (José Saúde) sobre a Guiné. Em momento algum, desde dia em que nos conhecemos, nunca o assunto “tropa” foi aflorado.

As minhas, nossas preocupações era gozar a vida. Éramos novos, vindos da guerra (mas não abordada) e precisamos de “viver”. Foram no meu caso 28 meses de Guiné (só passei à disponibilidade em Agosto) e mais um mês “adido” ao RAL1 (RALIS), já que tinha por missão – todos já estavam em casa desde de Junho – levantar do “Niassa”, ancorado na Rocha Conde d’Óbidos, as bagagens (caixotes) da malta do Batalhão, trazer para o RAL1, organizar (agrupar) por regiões/distrito/concelho e transportá-los até à estação da CP de Sacavém, fazer o seu carregamento nos vagões, selar e dar ordem de marcha para as estações mais próximas dos destinatários.

 Obviamente, a minha missão era meramente administrativa. A minha farda velhinha era respeitada quase como se de um “herói” se tratasse. Voltando ao Zé Saúde.

Como dizia, o tempo disponível era para fazer a desforra de tantas privações. Na altura (75), as movimentações políticas ocupavam-me grande parte do tempo. Na faculdade eram as RGE e as RGA. No trabalho as Comissões de Trabalhadores e actividade sindical. No exterior, havia que apoiar o “povo em luta”. Fazer algo pelas cooperativas. Ajudando de borla, inclusive pagando do meu bolso o transporte para ir apanhar azeitona e outros produtos. Havia que dar corpo e voz à ADFA e no aspecto mais pessoal – aqui entra o Zé – o querer conquistar todas as mulheres bonitas. Não havia tempo, queríamos, talvez, esquecer. As “boîtes” e bailinhos em casas particulares completavam-nos. Foi assim que numa noite “bem bebida” quem sofreu as consequências foi o carter do “Morris Mini”,  do Zé Saúde.

È verdade! Só em Monte Real, falamos da Guiné. Fiquei curioso quando vi o nome dele na lista para o “Encontro [Nacional da Tabanca Grande" c e por isso não poderia deixar de estar presente. Foi muito bom!

A minha afirmação de Contuboel nunca ter sido atacada ou flagelada, tem duas fontes. A primeira, a minha (Companhia), porque durante toda a “comissão” (Março de 1972 a Junho de 1974) passamos incólumes. A segunda porque tenho amigos ( 1968/70 e 1970/72 ), um até sogro do meu filho, de seu nome Plácido Lamas, esteve em Contuboel – foi ele e mais alguns que construiu a “moradia” no exterior do arame farpado, quase colada ao parque da “ferrugem”, entrada lado direito da “porta de armas”.

Relativamente ao “centro de instrução de milícias – no meu tempo – foi um facto. Antes de nós, a informação chegou-me pelos os amigos referidos acima. Talvez não percebido a diferença entre Tropas nativas e Milícias.

Nota: Gostaria de incluir algumas fotografias. Como se faz?


Como tenho, ainda, boa memória, estou ao dispor para qualquer dúvida que possa suscitar.
Um Abraço a todos.

Manuel Oliveira Pereira

Fur Mil do BCAÇ 3884 / CCAÇ 3547,
Guiné, março de 72 / julho de 1974. (***)

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Notas do editor


(...) O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes; (iv) os homens, sempre eles, a tagarelar uns com os outros, sentados no bentém, mascando nozes de cola. (...)

(**) Vd. poste de 22 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20267: Controvérsias (140): é verdade que Contuboel, na zona leste, região de Bafatá, nunca foi atacado ou flagelado ? ( Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547 / BCAÇ 3884, 1972/74)

(***) Último poste da série > 9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20219: (Ex)citações (360): O sucesso do posto de controlo sanitário de Nhacra, ao tempo em que por lá passavam as "trabalhadoras do sexo" de Bissau, em missão patriótica... (José Ferreira da Silva, autor do bestseller "Memórias boas da minha guerra", 3 volumes, Chiado Books, 2016-2018)