sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21279: (In)citações (165): Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 18 de Agosto de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana", do qual publicamos hoje a Parte I


Da Guerra da Guiné, sem branquear nem reescrever a história: há 60 anos, as ideias Negritude, Nacionalismo, Libertação e Descolonização ou vírus da pandemia que matou a portugalização africana

A Resolução n.º 1542 ou “Declaração Anticolonialista”, de Janeiro de 1960, fomentou a litigância de Portugal com a ONU (Organização das Nações Unidas) durante 14 anos e espoletou a sua guerra ultramarina, que durou 12. Como não é possível evocar “todos os nomes”, esta narrativa homenageia a Geração de 40, as centenas de milhares de portugueses, europeus e africanos, seus “varões assinalados” e carne para canhão dessa guerra, que libertou Portugal do seu Ultramar, mas que tarda a libertar os seus Povos.
A ONU como comunidade internacional, interestadual, com fins da estabilização das nações, foi concepção e projecto de Theodore Roosevelt, então Presidente dos USA, concretizado em 1945 pelo seu sucessor e parceiros vencedores da II Guerra Mundial, e foi também o inspirador da dissolução dos impérios coloniais da Inglaterra, França, Holanda, Bélgica, Portugal incluído, o 3.º país mais antigo do Mundo, menos colonialista que eles, cuja admissão a União Soviética vetou até 1955 – a inveja de um império euro-asiático, formado pela II Guerra Mundial, por um império ultramarino, com 500 anos de história.
A ONU é pessoa colectiva, uma soma de pessoas singulares, logo capaz de todas as grandezas e misérias da condição humana, inclusive os pecados da incongruência e de não olhar a meios para atingir fins.
Até a essa Resolução e sua circunstância, a Guiné (e Angola, Moçambique, etc.), não era nem de Salazar/Caetano nem fascista, era portuguesa de facto histórico e de direito internacional, convencionado fazia precisamente 500 anos, pela Bula Papal “Romanus Pontifex”, de 8 de Janeiro de 1455, em troca da desistência do rei D. Afonso V do senhorio da Galiza e da desistência dele e do Infante D. Henrique do senhorio das Canárias (ambas a favor da Espanha), reconhecido em 1885, nos termos da Conferência de Berlim (escapou de ser francesa, inglesa ou alemã) e confirmado pelo Pacto da Sociedade das Nações, em 1920.

A partir de 1960, a ONU e Amílcar Cabral resolveram reescrever a sua história.

A Colonização é a dominação de uns povos por outros, é um poder do conhecimento, fenómeno transversal a todos os estádios evolutivos do homem, com registo sociológico e histórico quase tão antigo quanto a humanidade. Os povos sempre se invadiram, se dominaram uns aos outros, miscigenaram e mutuaram as suas economias e as suas culturas. A sabedoria popular diz “quem não está bem muda-se” e Karl Marx pensou fazer revolução com quem não está bem.

Colonialismo e Descolonização são conceitos políticos do século XVIII, gerados pela Revolução Francesa, criados pela Revolução Americana, nutridos pelo “jornalismo amarelo” do ex-Soldado de Cavalaria Joseph Pulitzer (pró-descolonização de Cuba), de efeito dirigido aos interesses americanos e ao termo do colonialismo da Espanha na América Latina (Portugal deixara de ser americano, em 1822, com a descolonização do Brasil), perfilhados pelo Partido Democrata americano e por Theodore Roosevelt, então secretário da Marinha dos USA, apropriados pelo russo Lenine, para tarar a carga psicológica e psiquiátrica da sua revolução, extensivamente propagados na década de 30 do século passado.
Lenine, sectário de Marx e revolucionário russo, começou por contribuir para a derrota da Alemanha na I Guerra Mundial, pela instigação às amotinações e à deserção massiva dos soldados russos dos campos de batalha do então aliado, exterminou a dinastia russa, ocupou o trono do czar e foi o arauto da “dilatação da fé e do império” da União Soviética, que Estaline concretizou. Theodore Roosevelt organizou a vitória da II Guerra Mundial, pela derrota da Alemanha, Itália e Japão, as “potências do Eixo” e o seu imperialismo, deixou-se manipular por Estaline, pela sua promoção a libertador e propiciou-lhe a “cortina de ferro” ou o “colonialismo soviético” nas nações da Europa do Leste.
A Liberdade precisou (precisa e premeia) do jornalismo de Pulitzer, para seu sustento, a Humanidade precisa dos ideais do Comunismo (não necessariamente leninistas e estalinistas) para impulsão das mudanças sociais, mas seria mais feliz, se prescindisse de líderes sociopatas e criminosos, do jaez de Hitler, Lenine, Estaline, Mao e seus herdeiros.

Amílcar Cabral, nacionalista visionário, português guineense, Eng.º Agrónomo e Alferes Miliciano do Estado Português na disponibilidade, foi homem do seu tempo, tão ambicioso quanto talentoso, renunciou à nacionalidade mas acabou como os portugueses de antanho – “morreu o homem, ficou a fama”.
Já trintão avançado e no cúmulo de 10 anos de trabalho – 5 de funcionário público, pelas veigas de Trás-os-Montes, campinas do Ribatejo, herdades do Alentejo, bolanhas da Guiné, e 5 na iniciativa privada (capitalista e colonialista) em Angola, na Sociedade Agrícola do Casseque, C.ª de Açúcar de Angola, C.ª da Agricultura de Angola e na C.ª dos Diamantes de Angola (Diamang), descobriu que a Guiné era o “calcanhar de Aquiles” do Portugal ultramarino, dedicou o resto dos seus dias ao fim da portugalidade africana, acabou às mãos de seguidores e passou à história como fundador da nacionalidade bissau-guineense.

O senhorio plurissecular de Portugal na Guiné não se sustentou apenas no facto histórico e no direito internacional. Este blogue de Camaradas da Guiné veiculou-nos há dias a investigação do Armando Tavares da Silva de, entre 1826 (na alvorada do conceito Descolonização) e 1918 (fim da I Guerra Mundial), ao longo de 90 anos, Portugal celebrou 76 Tratados e Convenções com as suas autoridades naturais, muitos por iniciativa delas próprias; e, com as suas recensões de tudo o escrito sobre a Guerra da Guiné, o Mário Beja Santos veiculou-nos que, entre 1901 e 1936, durante 35 anos, Portugal desencadeou mais de 30 grandes operações militares de pacificação, transversais à quase totalidade das etnias, à excepção da Fula.
A perda da soberania da Guiné não implica a lavagem da sua história nem a perda dos direitos de autor de Portugal de colónia nem a perda da patente da sua formatação em país. Os colonialistas portugueses que a descobriram e promoveram a exponenciação da sua escravatura (não foi Portugal que inventou ou instituiu a escravatura) foram os mesmos que lhe derramaram a civilização dita ocidental, que respeitaram a sua identidade e culturas, mormente a sua faixa da civilização oriental, que delimitaram as suas fronteiras físicas e, também, os mesmos que lhes levaram e foram o garante da sua paz.

Antes da emergência da ONU e do fenómeno Amílcar Cabral, a resistência guineense bélica à colonização portuguesa não passara de heterogénea, étnica, regional ou local. A sua única resistência armada, à dimensão nacional, foi a levantada por Amílcar Cabral, o seu PAIGC e o intrometimento internacionalista.
Em 1974, ao forçar o seu apressado abandono por Portugal, por exibicionismo e cantatas de vitória, o PAIGC desnatou a Nação guineense do seu mais importante activo - o seu elemento unificador. “Erros meus, má fortuna” - não por culpa de Amílcar Cabral, mas por culpa do “vão-se embora”, o “diktak” dos seus herdeiros, o cabo-verdiano Pedro Pires e o angolano José Araújo, negociadores do Acordo de Argel. A Guiné seria a mesma de hoje se, a par das ajudas internacionais, Portugal tivesse condições para investir o orçamento da sua guerra no seu desenvolvimento, num período de 5 anos de autonomia-transição?
O General Spínola quis ser para a Guiné o que De Gaulle fora para a Argélia; os negociadores de Argel quiseram ser para Portugal, o que Sékou Touré fora para a França. “Diz-me com quem andas e eu dir-te-ei quem és”!

Amílcar Cabral fez a sua iniciação revolucionária com a ideia da união política da Guiné e Cabo Verde e com a visão da independência das duas colónias com o nome de República da Guinela (antiga designação da região de Buba). Meteu Cabo Verde no mesmo saco e terá adoptado essa onomástica, plausivelmente para subtrair sustentabilidade e embargar qualquer apoio internacional à ambição expansionista de Sékou Touré de formatar a sua Grande Guiné, com a anexação da portuguesa; este havia declarado a intenção de vir a anular ou violar a Convenção Luso-Francesa de 1885 (celebrada no contexto da crise do Mapa Cor-de-Rosa), ao arrepio do postulado da ONU e da OUA (Organização da Unidade Africana), do respeito pelas fronteiras anteriores à descolonização. Desde 1956, que o seu Partido Democrático estendia a propaganda da Grande Guiné pela região continental e insular de Catió, onde chegou a formar “clubes de trabalho”, como meio para atingir os seus fins. A peia da sua ambição expansionista foi ter a transformado a Guiné-Conacri num país faminto e sem vintém, com a sua incompatibilidade com De Gaulle e a sua ruptura com a França.

A onomástica Guiné-Bissau é criação da imprensa internacional, que ignorou nos seus despachos a diferenciação cabralista de República da Guinela.
Amílcar Cabral tinha sentimentos e ADN português, era neto biológico do padre António Lopes da Costa, natural da freguesia de S. Tiago de Cussarães, Mangualde, e Leopold Senghor, poeta e filósofo da Negritude, se não tinha ADN português, tinha o apelido, por pertinente razão. Se esse Presidente da República do Senegal fosse do jaez do ditador guinéu, ele teria levantado o PAIGC e o seu exército, inicialmente não o investiria contra as Forças Armadas Portuguesas, seria seu aliado, para que a Guiné-Bissau não fosse riscada do mapa.
Pela abolição dessa Convenção, a região de Cacine regressaria à Guiné-Conacri, a Guiné-Bissau deixaria de ter massa crítica de país, e ele poderia formatar a Grande Guiné dilatado até à actual fronteira à fronteira de Casamansa. Leopold Senghor jamais alinharia nisso, não obstante Sékou Touré lhe ter oferecido como contrapartida a consideração da Gâmbia como área da expansão natural do Senegal e todo o apoio à anexação. Argumentação: a falta de equidade dessa Convenção, o facto de essas fronteiras não ser divisória das etnias, a indiferença destas pela sua delimitação e do lado português haver mais falantes de francês que de português. Queria fazer e deixar obra.

Sékou Touré invejava e subavaliava o fenómeno Amílcar Cabral mas receava Portugal, potência da NATO, enquanto Leopold Senghor, inconvicto dos princípios e fundamentos marxistas, começou por o descartar e ao seu PAIGC, tendia para o apoio aos movimentos independentistas pró-ocidentais, como a UPG (União dos Povos da Guiné), liderada por Henri Laberi, o seu preferido era o MLG (Movimento da Libertação da Guiné), liderado por François Mendy, que autorizara a basear-se em Dandula-Turene.

Amílcar Cabral tombou em 20 de Janeiro de 1973, à vista da família e à porta de casa, vizinho de Sékou Touré, no perímetro do complexo residencial governamental, ocorrência alvo de três investigações, todas diáfanas e inconclusivas no referido ao mandante, a judicial guineana, o inquérito internacional conduzido pelo líder rebelde angolano Agostinho Neto e o inquérito do Conselho Superior de Luta, que resultou no fuzilamento de cerca de 200 compatriotas – o esplendor do PAIGC, como “máquina da morte” dos seus concidadãos.
No final do ano havia declarado, ante os quadros do PAIGC, a certeza de não estar na mira das armas dos portugueses, que lhe reconheciam o valor (optimismo decorrente dos encontros de Maio, entre o General Spínola e o Presidente da República Senghor, em superação dos anteriores, veiculados por Mário Soares, (comerciante de Pirada), manifestara-se suspeitoso das lealdades do seu “balneário”, escondera o esfriamento da relação com Sékou Touré e o seu temor do ego xenófobo e invejoso do seu anfitrião. Enquanto a sua estrela, sendo mulato, pequeno de estatura, apenas aspirante errático a estadista dum pequeno e putativo país, brilhava na galáxia política internacional, a dele, africano genuíno, apessoado, e líder de um grande país era fosca.

O assassinato foi perpetrado poucos dias depois do regresso dele da Conferência do Comité de Libertação de África, em Acra. Em Fevereiro de 1972, na reunião do Conselho de Segurança da ONU, na sede da OUA, em Adis-Abeba, havia influenciado a derrota diplomática de Sékou Touré, com a sua oposição à expulsão de Portugal da ONU; com a sua tradicional loquacidade, dia antes de ser assassinado havia respondido, pelo mesmo meio e no mesmo tom, às críticas tecidas na primeira página do principal diário argelino, a verberar a sua teimosia no ensino da Língua portuguesa nas “áreas libertadas”; e, ao saber que ele iniciara diligências junto do Mali e do Senegal (foram federação até 1960), tentando a formação de uma coligação militar, para correr com Portugal da sua vizinhança, ignorando ostensivamente o PAIGC e a escalada da sua guerra independentista, fizera-lhe saber que se a Guiné-Bissau tivesse que ser colónia, lutaria para que continuasse portuguesa e não de nenhum outro país africano.
“A Guiné só é Guiné porque é Portugal”, veredicto do Almirante Sarmento Rodrigues, ao despedir-se de seu Governador para ser ministro do Ultramar. Premonição? A antiga Guiné Portuguesa correrá o risco de deixar de ser Guiné-Bissau?

As recorrentes diferenciações de Guiné-Conacri e Guiné-Bissau, mais consentâneas com a sua história (iniciativa de patriotas bissau-guineenses?), constituirão antídoto à ameaça da perda da identidade bissau-guineense?
Nessa altura, em 1972, as Forças Armadas portuguesas na África eram o maior exército a sul do Sahara e o exército do PAIGC era considerado pequeno, o melhor preparado e o mais eficaz dos africanos.
Em 1974, a Guiné-Bissau saiu da órbita portuguesa, é lusófona em teoria, mas na órbita francófona, e, passados 60 anos, aquela argumentação de Sékou Touré será mais actual, plausível culpa dos seus governos, sempre de mão estendida ao neocolonialismo da “cooperação” e, também, ao experimentalismo da “reforma educacional pela controvérsia política”, perspectiva do teórico brasileiro Paulo Freire, o primeiro consultor do seu primeiro “comissariado” da educação do seu primeiro governo nacional. A propósito, trazemos à colação a declaração do nosso camarada da Guiné, Francisco Henriques da Silva, notável Embaixador em Bissau, em 1988, gestor magistral da crise Ansumane Mané, negociador com a Junta Militar do exílio do Presidente da República Nino Vieira em Portugal e da libertação da missão francesa refugiada na embaixada de Portugal, em como a instabilidade política da Guiné-Bissau tem o dedo da França…

Amílcar Cabral formou-se engenheiro e semeou a Guerra da Guiné à custa do Estado Português, convenhamos não a tempo inteiro do seu horário laboral, por ter produzido um notável trabalho tecno-profissional.
Regressou à Guiné para trabalhar nos Serviços Provinciais de Agricultura, em substituição do colega e amigo Eng.º Sousa Veloso, futura vedeta do programa “TV Rural” que desistira a seu favor. Em Agosto de 1953, o seu Chefe de Serviços Provinciais, Eng.º Agrónomo Nobre da Veiga, encarregou-o do estudo, planeamento e execução do Recenseamento Agrícola, coincidente com o início do mandato do Capitão-de-Mar e Guerra Mello e Alvim, transitado de Governador da Zambézia para Governador da Guiné, que lhe dispensou todo apoio, inclusive a importação do Senegal duma caravana francesa, para a sua logística.
Esse Recenseamento foi a oportunidade soberba do seu contacto, em extensão e profundidade, com a Guiné profunda, com as etnias tendencialmente revoltosas e para o seu diálogo instrutivo-subversivo com os “homens grandes” das tabancas balantas, manjacas, nalús, etc., ganhando-lhes a veneração de “homem grande” de Bissau. Em plena época das chuvas de 1964, nas “operações de intervenção” de “cerco e assalto” no Sul, entre a tralha propagandística do PAIGC, capturamos fotos suas encaixilhadas, de formato postal, bem ataviado, engravatado e enchapelado, a decorar as paredes das tabancas, ao lado das dos Governadores Melo e Alvim e Vasco Rodrigues, nas suas fardas n.º 1 de Oficiais Superiores da Armada.

O seu primeiro momento revolucionário terá sido a criação com a malta da Granja de Pessubé do MING (Movimento da Independência da Guiné), em 1955, tertúlia ou espécie de partido informal, que sequenciou com o projecto e diligências da fundação de uma associação desportiva nativista, com a ideia-força da pedagogia nacionalista da juventude, exclusiva aos “filhos da Guiné”, não arriscando a infiltração no Sport Bissau e Benfica, clube formal e da maior implantação (ele fazia parte dos seus corpos sociais), então tendencial ao poder colonial.
A polícia (PSP) pusera o Governador Mello Alvim ao corrente do seu activismo, nas suas viagens pelo interior seguia-lhe a peugada subversiva, admoestou-o pelo telefone como “mau-mau” guineense, indeferiu-lhe o requerimento, retirou-lhe o seu apoio, despediu-o da Estação Agrária de Pessubé, considerou-o “persona non grata”, cancelou-lhe a residência permanente - mas atendeu-lhe e autorizou-lhe a visita anual à mãe, a permanência de 8 dias em Bissau, e, no tempo de espera para emigrar com a família para Angola não o sujeitou a qualquer coacção.

Iva Pinhel Évora, mãe de Amílcar Cabral
Foto editada

Amílcar Cabral e Maria Helena Rodrigues, sua esposa
Foto editada
Com a devida vénia a Expresso

Com a escalada do seu activismo independentista, Amílcar Cabral “chamou” a PIDE para Bissau, e, se a sorte não o tivesse protegido com a demora na sua instalação (em finais de 1958), a minha (nossa) história de combatentes e a história da Guiné-Bissau talvez fossem diferentes. Homem determinado e incapaz de arrepiar caminho, ele não deixou de registar para a posteridade a adoração pela mãe e a gratidão ao Governador Melo e Alvim.
Em 1959, o casal deixou Angola, ele despediu-se do emprego na Diamang, a Maria Helena de professora do liceu de Luanda, vieram passar os 8 dias a Bissau, o ambiente da cidade era o rescaldo do famigerado “massacre do Pidjiquiti” ou a morte de 16 marinheiros e estivadores das embarcações de cabotagem da Casa Gouveia, uma crise social, instigada por agitadores dos partidos na clandestinidade MLG e PAI (o seu irmão Luís Cabral era o técnico de contas da Casa Gouveia e militava nos dois, que é registado como advento da guerra independentista.
Ambos fundados em Bissau, o partido MLG (Movimento da Libertação da Guiné) era liderado pelo manjaco François Mendy, ex-combatente da Guerra da Argélia e ex-sargento do exército francês, e o PAI (Partido Africano da Independência), fundado em 19 de Setembro de 1956 e presidido por Rafael Barbosa, pedreiro natural de Safim, como ele filho de mãe guineense e de pai cabo-verdiano, militante do Partido Comunista Português, que cooptara os militantes residuais do extinto Partido Socialista da Guiné, também fundado por ele, e do informal MING, de Amílcar Cabral, sob o patrocínio da comunista alentejana Drª Sofia Pombo Guerra, proprietária da Farmácia Lisboa, na Bissau antiga, vizinha de porta com porta do chefe da PIDE.

(Continua)

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OBS:
- Links, negritos e itálicos da responsabilidade do editor
- Pesquisa das fotos, edição e legendagem da respondabilidade do editor
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Nota do editor

Último poste da série de 7 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21147: (In)citações (164): Há 50 anos: Quando a Igreja Católica Apostólica Portuguesa abençoava Guerra do Ultramar e a Igreja Católica Apostólica Romana abençoou a Guerra Colonial (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

Guiné 61/74 - P21278: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (16): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Agosto de 2020:

Queridos amigos,
Agora é mesmo o romance dentro do romance, a paixão apresenta a sua fatura, os cinquentões começam a dimensionar que há consequências, há distâncias inelutáveis, obviamente que fazem sofrer. Paulo Guilherme lança um SOS a um grande amigo, é menos um pedido de auxílio e mais um desabafo para se aliviar, ele é contumaz e conta-lhe uma história que considera modelar para a constituição da sua personalidade. Não há saída, nem luz no túnel, tudo se perspetiva para que tenham quinze anos pela frente a andar cá e lá, é tudo uma questão de amor verdadeiro e saber demonstrar a tenacidade.
Resta saber se pelo caminho não se levantarão outro tipo de escolhos, para isso é que os romances têm que possuir uma arquitetura com ciclos de alta voltagem, para que o leitor não desfaleça. A ver vamos.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (16): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Cher Gilles Jacquemain, tenho boas notícias para ti, já consegui tradução para francês do meu papel sobre o acesso dos consumidores à Justiça (enviei-te por correio urgente o volume, também em francês, da conferência que se fez em Lisboa, na Presidência Portuguesa de 1992), penso que ainda estamos numa fase experimental, o importante é que a Comissão fique sensível e abra mão à constituição de centros de arbitragem de conflitos de consumo com apoio autárquico e com a captação das empresas, é a lógica da justiça voluntária. Quanto à revisão da legislação do Time Sharing, depois da denúncia destes clubes de férias que andam a intrujar as pessoas, é forçoso criar um tempo de reflexão, algo como dez dias úteis, para que os consumidores anulem os seus contratos, tantas vezes assinados em atmosferas de grande pressão. Ando aqui a conversar com vários juristas, dar-te-ei notícias muito em breve, já que a nossa reunião do comité consultivo se realiza daqui a duas semanas.

Mudando de agulha, e não tendo outro confidente belga tão fraternal como tu, recorro à tua grande disponibilidade para me dares conselho, ao menos acolheres as minhas inquietações. Não restam dúvidas, tanto para Annette como para mim, vivemos uma relação amorosa intensa e promissora. A Annette em caso algum pode abandonar a sua profissão de intérprete na Bélgica, nem pensar em vir para Portugal. Lembras-te seguramente a conversa que tivemos a quatro, em tua casa, ela obtém, pelo facto de viver em Bruxelas e estar bem perto dos serviços de interpretação, bons trabalhos quer na cidade, quer noutros pontos da Bélgica e é bastante bem remunerada nas conferências fora do país, daí o conforto financeiro em que ela vive, podendo ajudar os filhos, creio que já te disse que o ex-marido é um modesto bibliotecário, refez a sua vida, tem mais dois filhos desta relação, os filhos do primeiro casamento não podem receber mais apoio dele. Vir para Portugal era gerar uma grande instabilidade, certamente com consequências nefastas para os seus rendimentos, por falta de trabalho de interpretação aqui, o mercado está saturado e as remunerações são mais baixas. Tu conheces a minha situação, sou funcionário público, dou aulas, aceito algumas consultorias que possam ser compatíveis com o meu estatuto funcional, escrevo nos jornais, os livros não dão dinheiro nenhum, só consolações, o resto é benevolato puro; é certo que recebo ajudas de custo pelas reuniões em serviço oficial, quanto à Associação Europeia de Consumidores paga-me a viagem e viva o velho. Não posso, pois, pedir reforma, quando tenho um cenário de quinze anos de trabalho pela frente, e filhos a viverem em condições por vezes aflitivas.

Por enquanto, não há dilema nenhum, viajo com alguma frequência, a Annette terá também as suas oportunidades de passar curtas temporadas aqui, pelo menos as férias, sabes tão bem quanto eu que os serviços da Comissão começam a abrandar na segunda quinzena de julho e só passam a carburar em pleno em meados de setembro. Temos pois as incertezas para os próximos quinze anos, nenhum de nós pode arredar pé, é evidente que a comunicação é bastante fácil, tratamos de tudo pelo telefone e por correio eletrónico. Quando nos despedimos em Zaventem a Annette teve uma crise de choro, soluçava baixinho, dava-me punhadas no peito, “agora que encontrei o amor tão desejado, recebo-o às prestações, é duro de roer, sei muito bem que não temos saída, felizmente que por ora me dás um lenitivo sublime, a tua inesquecível Guiné”. Procurei sossegá-la, todo o tempo disponível que aparecer será votado à sua companhia. “Juro por Deus que não desfalecerei, foi esse o principal ensinamento que recebi na Guiné”.

Ajuda-me, cher Gilles, anima-me, diz-me ao menos que com coragem a Annette e eu iremos resistir a estas duras ausências. Ela entranhou-se na ficção que eu prometi escrever, faz-me perguntas a torto e a direito. Junto-te uma imagem da Missirá reduzida à fuligem, foi uma flagelação na noite de 19 de março de 1969, noite quente, um calor abrasador, todo aquele colmo das moranças (habitações nativas) recebeu balas incendiárias, pareciam tochas. Foi a única flagelação de Missirá onde eu não estive, naquele exato momento tinha tido alta depois de uma operação em que me extraíram uma cartilagem por detrás da rótula do joelho direito, fruto de uma grande queda que dei de uma bicicleta. Anunciaram-me, quando fui buscar a guia de marcha para apanhar um voo, à queima-roupa, “É o Alferes de Missirá? Olhe, já não tem quartel, vários feridos entraram ontem no Hospital Militar”. Atordoado, alguém me levou ao hospital, não sei como me foi possível, com um grande emplastro à volta do joelho e amparando-me numa canadiana, subir tão depressa ao andar superior e andar por ali aos tombos à procura dos meus feridos. Um deles era o régulo, tinha estilhaços no peito, ainda estava combalido. Deu-me conta dos acontecimentos, do incêndio de, pelo menos, um terço das habitações, grandes perdas em haveres pessoais, muita gente em dificuldade. Sosseguei o ancião, dei-lhe a minha palavra que iria reconstruir Missirá. O que aconteceu, mantendo, mesmo a uma escala mais reduzida, as minhas obrigações operacionais, e que não eram poucas, uma delas vigiar a navegabilidade do rio principal, crucial para que nada faltasse numa região chamada Leste. Tudo isto contei a Annette, os meses que se seguiram, eram uma corrida contra o tempo, tinha em breve a época das chuvas e seria a desolação total. Recebi inúmeras ajudas, em Bambadinca deram-nos roupa, fez-se mesmo uma quotização para ajudar os mais necessitados.

Quando regressei a Missirá, dois dias depois, o meu guarda-costas vinha a balbuciar, pedia-me perdão por não ter conseguido suster o fogo que me queimou a morança, a mais evidente tu vês na fotografia. Sobraram os ferros de uma cama, e Cherno Suane mostrou-me um crucifixo em prata, completamente enegrecido. Entendi a mensagem e aceitei a corrida contra o tempo, saímos todos vitoriosos. Penso que a Annette ouviu esta narrativa e tratou-a como uma parábola para as nossas existências. É uma mulher temperada por muitas agruras, pela educação dos filhos e pelo sentido do dever. Tenho uma grande esperança de que vamos vencer esta corrida contra a distância.

A ajuda que te peço em nada te compromete, sou eu que tenho de responder pelo meu destino, mas tu és o meu amigo belga mais fiel e não me negarás o conselho que te peço, como agir a partir de agora, ciente que tu estás da vida que a Annette e eu levamos. Dá-nos estímulo, bem precisamos. Escreve ou telefona. É muito tarde e estou a cair de sono, terei amanhã um dia absorvente. A Annette partiu para Helsínquia, segue para o Luxemburgo, as malfadadas estatísticas e os medicamentos. Mando-lhe mensagens, desculpa eu estar a sorrir, parecemos dois garotos, dois adolescentes deslumbrados, sem fazer contas com o dia de amanhã. Acho que é positivo, é o risco de viver, é o risco de aceitar que agarramos pela gola as vibrações do destino. E eu estou tão feliz, Gilles! Não me desampares, preciso de outros olhares límpidos, como o teu. À tantôt, Paulo

(continua)

A banda desenhada sempre presente na arquitetura de Bruxelas

Tintin e o seu criador, Hergé, Museu da Banda Desenhada, Bruxelas

Gare du Nord, a primeira estação ferroviária de quem vem do aeroporto

Alberto I, o Rei Soldado, à entrada do Monte das Artes, com a Capela Real ao fundo

Um pormenor do Jardim Botânico, com o contraste chocante do arranha-céus 

A Missirá destruída na flagelação de 19 de Março de 1969
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Nota do editor

Último poste da série de14 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21253: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (15): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21277: Meu pai, meu velho, meu camarada (64): Foto do sargento Joaquim José Fitas, o meu tio Quim, na véspera de partir para Cabo Verde, como expedicionário, em plena II Guerra Mundial (Mário Fitas)



O sargento Joaquim José Fitas, expedicionário em Cabo Verde, na II Guerra Mundial. Faleceu como sargento ajudante. Alguém sabe qual foi a sua unidade mobiliadora ? E onde foi colocado, em São Vicente ou no Sal ?

Foto (e legenda): © Mário Fitas  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de 20 do corrente, às 19h30, do Mário Fitas [, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, natural de Vila Fernando, Elvas; foi funcionário a TAP; cofundador da Tabanca da Linha;  tem mais de 140 referências no nosso blogue]
 

Caro Luís, em anexo envio a foto de meu tio, sargento Joaquim José Fitas no embarque para Cabo Verde na 2.ª Guerra Mundial.

Um grande abraço 

Mário Fitas
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21273: Meu pai, meu velho, meu camarada (63): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II

Guiné 61/74 - P21276: Blogues da nossa blogosfera (136): J. M. Correia Pinto, no seu blogue "Politeia", em 22/1/2013, faz uma recensão do meu livro "Diário da Guiné", de 2007 (António Graça de Abreu)


Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2017 > O Marcelino da Mata, mostrando o livro, "Diário da Guiné: lama, sangue e água pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007), que o autor, António Graça de Abreu, lhe ofereceu autografado. (*)

 Na altura,  o Marcelino da Mata, ten cor ref, era  um participante relativamemnte  frequente dos convívios da Tabanca da Linha.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem coomplementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem,  com data de 20 do corrente, 20h31, do António Graça de Abreu [ex-alf mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), membro sénior da Tabanca Grande, com mais de 260 referências no nosso blogue;  é poeta, escritor, tradutor, sinólogo, autor de livros de poesia (8), história (4), traduções (7), e viagens (3)]:

Meu caro Luís

Se achas que deves publicar, avança. O livro nunca teve recensão neste blogue [Luís Graça & Camaradas da Guiné]  pelo Mário Beja Santos.

Ignorava completamente este texto publicado em 2013 no blogue Politeia por J. M.  Correia Pinto, sobre o meu Diário da Guiné, o livro editado em 2007 pela Guerra e Paz, escritos sobre a minha experiência na Guiné 1972/74, num Comando de Operações, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, no norte, centro e sul do território em fogo. (**)

Na foto [, acima,] , estou em Cascais com o Marcelino da Mata, o mais condecorado de todos os militares portugueses.

Abraço,

António Graça de Abreu


Capa do livro do António Graça de Abreu, "Diário da Guiné" 
(Lisboa, Guerra e Paz, 2007, 220 pp)


2. Blogue Politeia: comentário político-económico-social > terça feira, 22 de janeiro de 2013 > Diário da Guiné: um livro de António Graça de Abreu 

Vem a propósito do quadragésimo aniversário da morte de Amílcar Cabral falar num livro publicado há cerca de seis anos mas de que somente há dias tive conhecimento – Diário da Guiné, escrito por António Abreu, entre Junho de 1972 e Abril de 1974, quase dia por dia o tempo da minha comissão de serviço na Guiné, em Bissau, na secção de Justiça do Comando da Defesa Marítima.

Para além da enorme diferença que à época representava ser colocado em Bissau ou no mato, há ainda uma outra porventura não menos negligenciável: fazer o serviço militar na Marinha ou no Exército. A diferença era sob todos os aspectos abissal.

António Abreu foi mobilizado para a Guiné com 23 meses de tropa cumpridos em Portugal, tendo sido sucessivamente colocado em Canchungo (antiga Teixeira Pinto), Mansoa e Cufar. Ou seja, quanto mais a comissão se aproximava do seu termo mais perigoso era o local para onde o mandavam.

Tendo muito presente as grandes datas dos dois últimos anos de guerra e as ocorrências que tragicamente as assinalam, segui, como se estivesse a reviver esses mesmos tempos, esta narrativa contada por quem viveu de muito perto esses mesmos acontecimentos.

O livro de António Abreu é, a vários títulos, um testemunho notável do que foram os dois últimos anos de guerra na Guiné não apenas no plano militar, mas também no plano das relações entre os milicianos e os soldados, do comportamento das chefias militares mais próximas, do estado de espírito dos combatentes, do relacionamento dos soldados com a população, das dificuldades correntes do quotidiano que se agravavam dramaticamente quanto mais perigoso era o teatro de operações, da filosofia de vida com que se encarava a inevitabilidade de uma comissão de 22 ou 24 meses, da incerteza sobre o dia seguinte, a partir de certa altura, do minuto seguinte…

Tudo isto António Abreu conta numa prosa elegante, sempre com muita grandeza de espírito e notável humanismo. O modo como salpica a narrativa com alguns episódios burlescos acontecidos no dia-a-dia da guerra e a fina ironia com que os trata fazem lembrar alguns dos melhores gags de Chaplin. 

Por outro lado, o equilíbrio das suas apreciações e o sentido de justiça sempre presente, mesmo nas condições mais difíceis, fazem com que ele seja capaz de apreciar as qualidades e até as virtudes daqueles de cuja acção discorda. A suposta ingenuidade com que aceita o inevitável, mantendo-se sempre íntegro e igual a si próprio, e a sua vasta cultura contribuíram certamente para que tenha saído sem traumatismos de uma guerra que se ia tornado mais violenta à medida que se ia aproximando fim.

Das muitas leituras sobre a Guerra Colonial, desde as narrativas de militares até à obra de ficcionistas consagrados, passando pela obra dos historiadores, tenho na minha modesta capacidade de apreciação literária o Diário de Guerra, de António Abreu como uma das obras mais interessantes que sobre o tema já li.[Publicado por JM Correia Pinto]

JM Correia Pinto, editor do blogue Politeia, desde fevereiro de 2008

"Fiz o liceu em Viana do Castelo e a universidade em Coimbra. Depois, fui assistente na Faculdade de Direito e militar na Guiné, na Reserva Naval. A seguir ao 25 de Abril, estive no Governo (IV e V) durante o período revolucionário. Andei depois pela cooperação para o desenvolvimento, no MNE, e fui professor na Faculdade de Direito de Lisboa (Clássica) e mais tarde na UAL. Agora estou 'retirado' ".]

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(**) Último poste da série > 3 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21220: Blogues da nossa blogosfera (134): Esquadrão de Bula: modelo à escala da Panhard AML 60, MX-03-19, do EREC 3432 (1972/74). Autor: João Tavares, da Associação de Modelismo do Montijo (José Ramos)

Guiné 61/74 - P21275: Parabéns a você (1853): Vasco Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 6 (Guiné, 1972/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21271: Parabéns a você (1852): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2615 (Guiné, 1969/71)

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21274: (Ex)citações (367): "O relógio da vida": uma prenda poética do Joaquim Pinto Carvalho e uma palavra de gratidão da aniversariante Alice Carneiro

 







1. O Joaquim Pinto Carvalho, advogado, natural do Cadaval, membro da Tabanca da Lourinhã, membro da Tabanca Grande desde 7/12/2013, ex-alf mil da CCAÇ 3398 (Buba) e da CCAÇ 6 (Bedanda), 1971/73, é também poeta de grande sensibuilidade. E costuma presentear os amigos e familiares com versinhos como este, que escreveu no aniversário natalácio da Alice Carneiro (*).

Seria uma pena este texto, uma pequena obra.prima,  não poder ser lido também pelos nossos leitores...Tem  um toque filosófico, e faz-nos lembrar o poeta António Aleixo, grande artesão da quadra popular. 

Com a devida vénia ao autor e com a autorização expressa da homeageada, aqui fica para apreciação dos amigos e camaradas da Guiné "O Relógio da Vida", do nosso camarada Joaquim Pinto Carvalho.





2. A nossa grã-tabanqueira Alice Carneiro pede-nos, entretanto,  para, aqui, publicamente agradecer, em seu nome,  as inúmeras mensagens de carinho, estima e amizade que recebeu, no dia do seu aniversário, não só da família, dos seus amigos e amigas, mas também  como dos camaradas da Guiné, alguns dos quais nem sequer conhece pessoalmente. Como o dia foi curto, só agora anda a ler a sua págna do Facebook, bem  como a página do Facebook da Tabanca Grande e ainda o nosso blogue, (*)

Quer agradecer em especial ao coeditor Carlos Vinhal pelo postalito de parabéns que nunca se esquece   publicar no nosso blogue, no dia 18 de agosto (**). E quer também os parabéns, atrasados, ao seu parceiro do dia, o António Melo Carvalho.

E  sente-se lisonjeada por ter recebido poemas como este, do amigo e vizinho Pinto Carvalho  (que ela  faz questão de partilhar, publicamente,  com malta da Tabanca Granda, om a devida vénia ao autor )  mas também  do José Teixeira, e naturalmente do seu próprio companheiro de uma vida e pai dos seus filhos (*). 

Em verso ou em prosa, em comentários emitidos  nas redes sociais,  ou em mensagens recebidos por email ou por telemóvel, foram belíssimas e tocantes as palavras que lhe dirigiram... A todos/as gostaria de poder responderm,. pessoalmente, se a tarefa não fosse hercúlea...

Deseja, isso, sim,  a todos/as  os/as que perderam um bocadinho do seu tempo para lhe dar os parabéns,  uma boa continuação deste verão do nosso descontamento mas onde continua a haver lugar para bonitas provas de amizade e apreço  como estas. Bem hajam! (***)

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(**) Vd. também18 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21264: Parabéns a você (1850): Coronel Inf Ref António Melo Carvalho, ex-Cap Inf, CMDT da CCAÇ 2465 (Guiné, 1969/70) e Maria Alice Carneiro, Amiga Grã-Tabanqueira

(***) Último poste da série > 9 de agosto de  2020 > Guiné 61/74 - P21239: (Ex)citações (366): Álcool e canábis na guerra colonial: o conteúdo e o "timing" do artigo da jornalista do "Público" não são "inocentes" quando desde o início do ano se fala do "estatuto do (antigo) combatente" (José Martins)

Guiné 61/74 - P21273: Meu pai, meu velho, meu camarada (63): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  O navio da marinha mercante "Serpa Pinto”.  Junho de 1942 > "Paquete Colonial que tantas as vezes esteve em S. Vicente", lê-se no verso. Possivelmente Foto Melo. Fonte arquivo da família.

 


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  Março de 1942 > "A escola Sagres em São Vicente durante o seu cruzeiro  no Atlântico". Foto: arquivo da família.

Este não é o navio-escola Sagres atual... Este é o antigo veleiro, de 3 mastros, Rickmer Rickmers, ao serviço da Marinha Portuguesa, como navio-escola Sagres, entre 1927 e 1962...Também conhecido por Sagres II. Foi substituído, em 1962, como navio-escola da Marinha Portuguesa, pelo Sagres III (antigo NE Guanabara da Marinha do Brasil),




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >  29 de setembro de 1942 (?) > Navio inglês, não é indicado o nome no verso... "Esteve em S. Vicente no dia 29 de setembro com diplomatas. [Eu] estava no hospital quando ele cá esteve".  O ano deve o de 1942. Foto: arquivo da família.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > " No dia 11 de Abril [de 1942] chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao porto de S. Vicente para irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses. 1942".  [Sabemos que se tratava dos navios Vulcania e Saturnia, porque há uma outra foto, no nosso arquivo com a seguinte legenda: "No dia 23 de dezembro [de 1942]  os barcos hospitais italianos “Vulcania” e “Saturnia” em São Vicente  pela 2ª vez".]




Lembrando, no centenário do seu ascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte II

(Continuação)


2. Um mês antes do Luís Henriques partir para Cabo Verde, no  T/T “Mouzinho” (em 18 de julho de 1941), Portugal acabava de perder um barco de pesca  e um navio da marinha mercante:

(i) o barco de pesca "Exportador I" fora cobarde e miseravelmente  atacado a tiro de canhão por um submarino italiano. a sul do Cabo de São Vicente, em 1/6/1941....

(ii) o navio da marinha mercante portuguesa, de carga e passageiros, da Companhia Colonial de Navegação, o “Ganda”, de 4.333 toneladas brutas, com 72 tripulantes e passageiros a bordo, tinha sido atacado e afundado, em 20/06/1941, ao largo da costa de Marrocos, pelo submarino alemão U-123, sob o comando do capitão tenente Reinhard Hardegen (1913-2018): moreram 5 tripulantes e os s náufragos foram deixados à sua sorte, num salva-vidas, mas mais tarde recuperados por um navio de pesca português e outro espanhol.

Uma das glórias da nossa marinha mercante foi o “Serpa Pinto” e a sua história (1914-1954) merece ser conhecida: navio de passageiros, era operado também pela CCN - Companhia Colonial de Navegação na carreira da América do Norte (Lisboa–Nova Iorque), na "Rota do Ouro e Prata" (Lisboa–Rio de Janeiro–Buenos Aires) e na "Rota das Caraíbas" (Lisboa–Havana), entre 1940 e 1955.

Terá sido o navio de passageiros que, durante a Segunda Guerra Mundial mais viagens transatlânticas realizou entre Lisboa, Nova Iorque e Rio de Janeiro, transportando refugiados da guerra em geral, e particularmente judeus, fugidos do nazismo, e trazendo, de volta à Europa, cidadãos de origem germânica expulsos dos países do Novo Mundo. Era tão popular que ficou conhecido pelos epítetos de 'Navio da Amizade', 'Navio Herói' e 'Navio do Destino'… (Vd. foto a seguir.)

Para mostrar aos beligerantes da II Guerra Mundial, que pertencia a um país neutral, o navio era pintado de negro, o casco, e com o nome de Portugal, bem visível, pintado a branco,  tal como o nome do navio. Toda as  tripulações da nossa marinha mercante, bem como da nossa frota bacalhoeira, e da demais pesca do alto,  sem esquecer a marinha de guerra, foram verdadeiros heróis, naquela época. E não poucos, bravos marinheiros e pescadores, perderam a vida, engrossando a lista de vítimas da nossa história trágico-marítima. 

Perdidos do Atlântico, c0m fracas comunicações com a Metrópole, os nossos expedicionários acompanhavam os dramas da II Guerra Mundial, como a chegada e partida de navios-hospitais. 

A Itália, por exemplo, viu afundar-se 12 dos seus 18 navios-hospitais. Na realidade, os navios aqui referidos não eram navios hospitais mas 4 dos navios transatlânticos (incluindo o “Duilio” e o “Giulio Cesare” que, com mais 2 petroleiros, “Arcole” e “Taigete”, conseguiram, numa operação conhecida, resgatar e repatriar cerca de 28 mil pessoas, entre crianças, mulheres e homens, da África Oriental, sob a égide da Cruz Vermelha Internacional em três viagens de circum-navegação do continente africano, entre 2 de abril de 1942 e agosto de 1943. O "Duilio e o "Guilo Cesare" serão afundados no bombardeamento aéreo dos Aliados na baía de Muggia em julho de 1944. Num total de 25 mil tripulantes inscritos, a Marinha Mercante italiana na II Guerra Mundial, perdeu cerca de 1/3 (7164).



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Navio hospital italano "Duilio" [No verso, pode ler-se a legenda, muito sumida: "Hospital de diplomatas (sic) italiano que esteve em São Vicente em 1/6/194 (?). Foto Melo. Aequivo da famíia de Luís Henriques


Segundo a imaginação, algo delirante e voyeurista, dos nossos  expedicionários, 3300 acantonados numa pequena ilha de 15 mil habitantes, os passageiros, que não terão desembarcado, travavam uma luta atroz contra a falta de álcool a bordo... Contava-se que, à falta de bebibas no bar, bebiam álcool puro!...Recordo-me do meu pai contar esta história... O navio de passageiros "Duilio" tinha 23 636 toneladas, será afundado em julho de 1944.

Guiné 61/74 - P21272: Meu pai, meu velho, meu camarada (62): Lembrando, no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte I



Lourinhã, jardim da Senhora dos Anjos, c. agosto / setembro de 1947 > 
Luis Henriques (1920-2012)  com o filho primogénito, Luís Graça,   
ao colo da mãe, aos 8 meses, Maria da Graça (1922-2014)   
Foto: arquivo da família.


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Lembrando,  no centenário do seu nascimento, a popular figura do lourinhanense Luís Henriques, o “Ti Luís Sapateiro” (1920-2012) - Parte I



1. Figura muita popular e querida da sua terra, nasceu há 100 anos, na Lourinhã, em 19 de agosto de 1920 e morreu com 91 anos, os últimos cinco dos quais passados no Lar e Centro de Dia de N. Sra. da Guia, na Atalaia.

Devido à atual pandemia de Covid-19, a família e os amigos vão ter que adiar a singela homenagem que tencionavam fazer-lhe, no corrente mês de agosto, a 22, no centenário do seu nascimento.

Haverá no entanto um missa em Ribamar, Lourinhã, terra da sua avó materna, no próximo sábado, dia 22, às 18h30. Os familiares e amigos que puderem e quiserem comparecer (dentro do limite dos menos de 100 lugares disponíveis na igreja da paróquia de Ribamar) serão bem vindos.

Está prevista ainda, em tempo oportuno,a publicação, pela família,  de um pequena brochura, incluindo pequenos depoimentos daqueles que com ele ainda conviveram, nomeadamente filhos, netos e antigos jogadores do Sporting Clube Lourinhanense, das camadas mais jovens, que ele acarinhou, treinou e formou.  Haverá também um almoço de "confraternização" entre família e amigos, bem como um jogo de futebol entre antigos jogadores treinados por ele.

A família recordo-a, pelo "grande exemplo de vida que nos deu na sua passagem pela terra" e como "lourinhanense que amava a sua terra, as  suas gentes, a sua família"... "Conversador incansável que falava em verso, contador de histórias, que em todos via um amigo, apaixonado pelo futebol, pelos jovens que com amor treinou e ensinou, e com um coração enorme que sabia repartir por quem tinha menos do que ele" ("Alvorada",  7 de agosto de 2020, pág. 28).

Apresentamos hoje um breve resumo da sua história de vida que é também a história de  muitos portugueses da sua geração, mobilizados durante a II Guerra Mundial,  para defender a soberania portuguesa, nomeadamente nas ilhas atlânticas (Madeira, Açores e Cabo Verde)...

O jornal quinzenário "Alvorada", com sede na Lourinhã, na sua última edição (nº 1285. de 7 de agosto de 2020 , pp. 26-27), publicou um extenso texto, da autoria de Luís Graça e família, e que tomamos a liberdade de  reproduzir com as necessárias adaptações, acrescentando-lhe mais fotos e texto de um brochura em preparação.


Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > 1941 > Luís Henriques.
1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5. unidade mais tarde
integrada no RI 23. Foto:arquivo de família.


Luís Henriques (1920-2012), pai do nosso editor, Luís Graça, tem mais de 40 referências no nosso blogue, e nomeadamente na série "Meu pai, meu velho, meu camarada".

Era casado com Maria da Graça (1922-2014), doméstica.  Deixou, como descendentes, 4 filhos (Luís, Graciete, Maria do Rosário e Ana Isabel), 12 netos, 8 bisnetos. Era filho de Domingos Henriques Severino, natural do Montoito, e de Alvarina de Sousa, natural da Lourinhã, mas com raízes em Ribamar. 

Tinha raízes, pelo lado do pai, Domingos Henriques Severino, no Montoito, e pelo lado da avó materna, Maria Augusta de Sousa, em Ribamar. Ficou órfão, aos 2 anos, de sua mãe, Alvarina de Sousa, natural da Lourinhã.

O meu avô paterno, que ainda conheci na infância, terá morrido também com 91 anos. Usava muletas e fumava a sua “beata”: é a imagem que eu tenho dele. Dizia o meu pai que ele “tinha ficado mal das pernas por causa dos resfriados do  mar”:  como muitos agricultores das zonas ribeirinhas (Montoito, Atalaia, Areia Branca, Ribamar, Porto Dinheiro...), era também nos tempos livres um mariscador, dedicando-se à apanha tradicional de polvos e crustáceos.

Domingos Henriques Severino [, ou só Domingos Henriques,] foi homem de teres e haveres (, tinha “sete fazendas e três pinhais”, dizia-me o meu pai), tendo casado três vezes. Do primeiro casamento, não teve filhos: a esposa era de Torres Vedras, de uma família conhecida, os Fonsecas, ligada ao comércio automóvel; do segundo matrimónio, teve o meu pai (Luís Henriques, de seu nome completo),  e o meu tio (e padrinho de batismo), Domingos Inocêncio Severino, já falecido. É estranho os dois irmãos não terem o mesmo apelido, mas era frequente na época, um filho ficar com um primeiro apelido do pai (neste caso, Henriques), e outro filho ficar com o segundo  apelido paterno (, no outro caso, Severino).

Do terceiro casamento, o meu avô teve "uma equipa de futebol e um suplente", como dizia, com graça, o meu pai. Casou com um senhora que era mãe solteira, natural da Zambujeira ou Serra do Calvo. (Trazia pela mão o Manuel “Ferrador”, o “suplente”.)

De entre esses meios- irmãos, destaca-se o Afonso Henriques, o “Afonso das Bicicletas”, também figura popular na sua terra, pela sua paixão pelo ciclismo. (Tinha uma oficina de reparação de bicicletas e motorizadas, a Casa Osnofa,  na Rua Miguel Bombarda, nº 17)



Alvarina de Jesus Sousa: s/d, c. 1920.  
Foto: arquivo da família.


A mãe do meu pai era a Alvarina de Jesus Sousa [, foto acima], filha de Francisco José Sousa, da Lourinhã, comerciante de peixe, e de Maria Augusta, de Ribamar.

Morreu jovem, em 1922, de tuberculose, terrível doença da época, facto que  marcou o meu pai para toda a vida: a mãe nunca lhe pôde dar um beijo, punha-lhe apenas a mão, ou a ponta de um dedo,  na cabeça, na testa ou na face… (Pergunto-me: como é que um miúdo de dois anos pode ter essa recordação ?... Muito provavelmente, os tios contaram-lhe.)

E, nos seus três últimos dias de existência, em que eu tive o privilégio de o acompanhar no seu leito de morte, evocou o nome da mãe Alvarina,  por mais de um vez.

 


Maria Augusta de Sousa  (Ribamar, 1864- Lourinhã, c.1934). S/ d.

Foto: arquivo da família.

 

A sua avó materna, Maria Augusta, nasceu em 28 de outubro de 1864, em Ribamar, ou melhor, em Casais de Ribamar, hoje integrados na vila de Ribamar. Pertencia ao clã Maçarico: filha de Manuel Filipe e Maria Gertrudes. ( A sua ascendência está documentada até, pelo menos, a meados do séc. XVIII.)  

Veio a  casar na Lourinhã, com um peixeiro, Francisco José de Sousa (1864-1939). O casal teve 7 filhos.   Terá morrido com “cerca de 88 anos”, segundo o meu pai, ou seja no início dos anos 50, o que ponho em dúvida. Já li ou ouvi  algures outras datas: 1920, 1934…

O Luis Henriques, órfão aos dois anos, viveu nos primeiros anos de infância com a nova família do pai, que casou pela terceira vez. Ao todo teve uma dúzia de irmãos.

Fez a instrução primária (na época quatro anos de escolaridade) na velha Escola Conde de Ferreira,  (demolida pelo camartelo camarário antes do 25 de abril), sob a direção do saudoso Prof José António Simões Silva (1898-1964) que ainda conheci na minha infância e adolescência, pai do nosso conterrâneo Jorge Pedro e sogro da minha professora do ensino primário (da 2ª `4ª classe) e da admissão ao liceu, a dona Maria Helena Perdigão (, felizmente ainda viva).



Lourinhã, c. 1950/60: traseiras da escola Conde Ferreira, para rapazes (à direita) e raparigas (à esquerda). Edifício infelizmente demolido pelo camartelo camarário, "em nome do progresso"... 

Em segundo plano, a igreja matriz da Lourinhã (séc. XVII) e a sua torre sineira. Fazia parte do convento de Santo António (fundado em finais do séc. XVI). Em primeiro plano, junto ao muro do recreio da escola das raparigas, o urinol público... 


Foto: cortesia de Lourinhã Noutros Tempos, página do Facebook editada pela ADL Lourinhã - Associação de Desenvolvimento Local da Lourinhã




Lourinhã > Rua Miguel Bombarda, equivalente hoje ao nº 36 > 
Loja de Manuel Lourenço da Luz: Artigos Fotográficos…
Mas também vendia “fazendas de lã e algodão, chapéus e sombrinhas”… S/d. 


Foto: cortesia de Lourinhã Noutros Tempos, 
página do Facebook editada pela ADL Lourinhã - Associação 
de Desenvolvimento Local da Lourinhã

O seu primeiro emprego, em 1929¸ ainda com nove anos,  foi como… “máquina registadora e de calcular”, nas duas lojas do fotógrafo e comerciante Manuel Lourenço da Luz, que veio da Praia da Vieira (n. 1903), para a Lourinhã, na segunda década do séc. XX, e que foi pai do conhecido fotógrafo lourinhanense António José Ferreira da Luz (Foto Luz) (, mais tarde, estabelecido em Angola). 

Não sei em que circunstâncias ele foi trabalhar, depois de acabada a 4ª classe. Tinha apenas nove anos....Por um lado, era órfão de mãe e o pai tinha uma família numerosa a sustentar. Por outro, ele era “bom nas contas de cabeça”, razão por que terá sido contratado pelo comerciante Manuel Lourenço da Luz.

O meu pai recordava-se de, no verão, estar na loja da Praia da Areia Branca (, cujo plano de urbanização data dessa época, c. 1919/20), e de à segunda-feira ir com o patrão, caçar patos e perdizes, na foz do Rio Grande bem como ao longo do rio e nas dunas. (Essa loja situava-se na artéria principal na Praia, hoje Av António José do Vale, numa das primeiras casas térreas que se terão contruído nos anos vinte, ao lado do atual café Topa Mar, talvez no nº 40).

Tendo o seu pai casado pela terceira vez, e tendo este uma prole numerosa, aos 13 anos, por volta de 1933/34, o Luís Henriques terá uma nova família de acolhimento, a do seu tio materno, Francisco José de Sousa  Jr. (de alcunha, “Fofa”), industrial de sapataria e músico, membro da então Banda dos Bombeiros Voluntários da Lourinhã (, atual Banda da AMAL - Associação Musical e Artística Lourinhanense, cujo presidente da direção é um seu neto, Paulo José de Sousa Torres).

Aprende, como tio,  o ofício de sapateiro. É criado com os seus primos António Francisco Sousa, Carlos Andrade de Sousa e Maria de Lurdes Andrade de Sousa, “Milu” [, esta felizmente ainda viva; e todos eles com excelentes dotes musicais: o António tocava saxofone e fundou a primeira "banda de música ligeira” da terra,  o conjunto Sol Do Ré Mi, onde tocou, também, entre outros o Manuel “Swing” (, estava na moda, no pós-guerra, o jazz); o Carlos era um especialista em pratos na banda da Lourinhã; e a “Milú” uma bela menina de coro, mãe do atual diretor da AMAL, Paulo José de Sousa Torres)].

Curiosamente, o meu pai nunca teve inclinação por nenhum instrumento, se bem que fosse sócio e admirador entusiástico da Banda, e gostasse de cantarolar.

Em 5 de setembro de 1940, “vai às sortes”, é apurado para todo o serviço militar.

 Aos 20 anos assenta praça no Regimento de Infantaria nº 5 (RI 5), Caldas da Rainha, que ficava a trinta quilómetros de casa. Ia e vinha à Lourinhã, de bicicleta, aos fins de semana, por estradas ainda macadamizadas... Até aos setental e tal anos, andava, todos os dias de bicicleta, até ao dia em que as pernas comneçaram a falhar: tinha treino e constituição de atleta.

Em 18 de julho de  1941 parte para o Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde, como expedicionário, com o posto de 1º Cabo de  Infantaria da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5, que vai integrar, mais tarde,  o RI 23.  Namora já a futura esposa, Maria da Graça, que era natural do Nadrupe e que trabalhava  em Lisboa (e depois na vila)  como “criada de servir”.


Lourinhã > 5/9/1940 > “Os meus camaradas no dia das sortes”, lê-se no verso 
da fotografia Luís Henriques é o do meio, na fila de pé. 
Foto: arquivo da família


Caldas da Rainha > "15/7/41. A despedida das tropas expedicionárias  
de Cabo Verde. R.I. 5, Caldas da Rainha.   Luís Henriques"
 [1º Cabo Inf da 3ª Companhia do 1º Batalhão do RI5]. 
Foto: arquivo da família.

A viagem das forças expedicionárias do RI 5 (e de outras unidades)  foi no T/T "Mouzinho", da Companhia Colonial de Navegação,   com partida no Cais da Rocha Conde de Óbidos, conforme notícia do "Diário de Lisboa",  desse dia 18/7/1941.  Salazar, em pessoa, assistiu à cerimónia. O navio chegou ao Mindelo em 23/7/1941.



Diário de Lisboa (diretor: Joaquim Manso),
sexta-feira,  18 de julho de 1941, p. 5, 
 Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > A
rquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos.

As viagens dos nossos navios de transporte de tropas (T/T), para as diferentes partes do "império",  não eram isentas de risco... O oceano Atlântico foi palco de sangrentas batalhas durante a II Guerra  Mundial. Países neutrais como Portugal tinham de pintar os seus navios de pesca e da marinha mercante com gigantescas bandeiras e o nome do país nos cascos das embarcações. 

Os nossos navios eram frequentemente intercetados tanto pelos Aliados como pelas potências do Eixo (e em especial pelos alemães, cujos submarinos "infestavam" o Atlântico...). Onze navios, sob bandeira portuguesa, foram afundados, durante a II Guerra Mundial, entre 1940 e 1943, não obstante as embarcações estarem claramente identificadas como sendo oriundas de Portugal, "país neutral": 1 em 1940; 4 em 1941; 4 em 1942; e 2 em 1943.



Ilha da Madeira > Funchal > s/d [c. 1941] > "O Paquete Mouzinho. Oferecido 
pelo meu amigo [e conterrâneo, da Lourinhã] José B[oaventura] Lourenço [Horta] 
no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942." É provável que o José Boaventura Horta tivesse adquirido a foto a bordo. E, se não erro, o amigo do meu pai, meu conterrâneo e meu vizinho (no tempo em que vivi na Lourinhã, menino e moço) era da arma de artilharia (6ª Bateria Antiaérea do Grupo de Artilharia Contra Aeronaves) 
Foto: arquivo da família


Os portugueses, hoje,  não conhecem de todo  o enorme esforço militar, humano e financeiro que o país fez, na época da II Guerra Mundial, para garantir a soberania portuguesa nos territórios ultramarinos. Portugal manteve um exército  de cerca de 180 mil homens  nessa época. Em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães e dos italianos, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados.

Tal como no caso dos Açores (cuja guarnição militar foi reforçada com 30 mil homens), para a defesa de Cabo Verde, e sobretudo das  três  ilhas com maior importância geoestratégica, a ilhas de São Vicente, Santo Antão e  Sal, foram mobilizados 6358 militares, entre 1941 e 1944, assim distribuídos:  

(i) 3361 (São Vicente): 
(ii) 753 (Santo Antão);  
e (iii) 2244 (Sal). 

Mais de 2/3  dos efetivos estavam afetos à defesa do Mindelo (, ou seja, do porto atlântico,  Porto Grande,  ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos).

Só havia “vapor” (barco), com mantimentos e correio, de dois em dois meses… A saudade da terra era mitigada pela presença de diversos lourinhanenses, o furriel miliciano António Correia Caxaria (1917-2020), o Jaime Filipe, ambos da Atalaia, o Boaventura Horta, da Lourinhã, o Leonardo, da  Serra do Calvo, e outros,  que pertenciam à mesma unidade (RI 23, constituído na Ilha de São Vicente, 1941/44).

Numa época de elevado analfabetismo (, mais de 40% no grupo etário dos 20-24 anos, em 1940), sacrificava os seus tempos livres escrevendo dezenas de cartas por semana em nome de muitos dos seus camaradas. Aos 91 anos ainda se lembrava dos números de tropa (!) de alguns dos seus camaradas, e até das moradas (!) para onde enviava as cartas.

A seca e a fome que assolaram Cabo Verde nessa época, e que fizeram milhares e milhares de mortos [inspirando o romance de Manuel Ferreira (1917-1992), “Hora di Bai”, publicado em 1962, tiveram impacto na consciência de bom português,  bom cristão e bom lourinhanense, que era o 1º cabo Luís Henriques. O seu "impedido", o Joãozinho, que ele alimentava com as suas próprias sobras do rancho, também ele morreu, de fome e de doença, em meados de 1943.

Os antigos expedicionários de Cabo Verde desta época continuaram a encontrar-se durante muitos e muitos anos, até à década de 1990... O Luís Henriques  costumava ir aos encontros do 1º Batalhão do RI 5, nas Caldas da Rainha... até que as pernas começarem a falhar e a maior parte deles, dos seus camaradas, acabou por morrer. O mesmo se passava com os outros regimentos: RI 7 (Leiria), RI (11 (Setúbal), RI 15 (Tomar)... Cabo Verde, a sua “morabeza”,  ficou-lhes no coração para sempre...

(Continua)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21271: Parabéns a você (1852): Manuel Amaro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 2615 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 19 de Agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21267: Parabéns a você (1851): Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763 (Guiné, 1965/66)

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21270: Bombolom XXVI (Paulo Salgado): Jornal "O Tabanca" da CCAV 2721 no Olossato

1. Mensagem do nosso camarada Paulo Salgado (ex-Alf Mil Op Esp da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72), autor dos livros, "Milando ou Andanças por África", "Guiné, Crónicas de Guerra e Amor" e "7 Histórias para o Xavier", com data de 18 de Agosto de 2020:


Jornal “O Tabanca”

Companhia de Cavalaria 2721 – Olossato e Nhacra, de Abril de 1970 a Fevereiro de 1972

Pois é: no Olossato, durante algum tempo – aquele que o tempo de que dispúnhamos e a situação no TO permitiam – construímos um jornal. Chamámos-lhe “O Tabanca”. Fruto de vontades individuais que se fundiram num esforço colectivo, “O Tabanca” pretendia, acreditávamos, ser uma forma lúdica e lúcida de dar vazão a ideias que fossem para além das conversas de bar (importantes naquele escoar das horas), das jogatanas de cartas (um escape pouco saudável) e dos copos bebidos em dia de folga (se folga havia) – sempre que as forças físicas e anímicas careciam de algo diferente.

Sem qualquer pretensão, um pequeno grupo começou a magicar algo que nos envolvesse para além da solidariedade conseguida nos momentos de perigo. A ideia, creio, partiu do Capitão Mário Tomé, Comandante da Companhia, logo secundada pelo Bento, pelo Branco e por mim próprio, depois alargada a muita malta que desejava “entrar” naquela andança. E que entrou. A sério.

Foi uma azáfama: primeiro, no Posto de Comando, tendo conversado, debatido e concluído pela designação a atribuir ao jornal. Penso ter sido o Bento (um “homem grande”) a alvitrar a designação. Já tínhamos quase cinco meses de guerra no lombo, e interessava dar outra coesão às tropas – que fosse para além das actividades bélicas; segundo, ver os pontos de interesse de cada um e do corpo de militares; finalmente, envolver, de forma gradual, a malta. Tivemos sorte, porque havia várias motivações pessoais, como é bom de ver. O Branco foi um desenhador excelente, além de autor. Houve muitas participações, incluindo inquéritos a soldados, cabos e graduados sobre diversos assuntos. Cada um escreveu o que lhe apeteceu, por vezes, muitas vezes, raiando a inconveniência, “o politicamente incorrecto”.

Um sentido importante foi dado: o nome Tabanca pretendia significar a forte ligação à aldeia. Por curiosidade, a ligação à tabanca era efectuada por diversas formas: limpeza diária da aldeia com equipa de serviço e jovens designados pelos chefes de tabanca, num Unimog com bidões construídos para o efeito; reuniões semanais com chefes tradicionais, apoio à população para deslocações nas colunas para Bissorã.






Voltarei ao tema “ligação à tabanca” noutro meu bombolom.

Ainda outra curiosidade da Companhia: fizemos vários encontros culturais e recreativos na Sala do Soldado.

Saíram somente quatro números. Com alguma regularidade. Foi um escape excelente. Um espaço de convívio. Ainda nos uniu mais, na Companhia. Basta ver os artigos através dos sumários de três números, os primeiros, pois perdi o quarto. A deslocação para Nhacra, fez dispersar os diversos grupos por aquartelamentos: Dugal, Tchugué, Ponte de Ensalmá e outros – o que retirou a coesão, que não a amizade e a solidariedade.

Paulo Salgado
Ex-alferes miliciano e comandante de companhia interino
Agosto de 2020.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21211: Bombolom VI (Paulo Salgado): Amaral Bernardo, um homem bom, um homem grande

Guiné 61/74 - P21269: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (20): O sargento da milícia de Amedalai

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca)  > Subsector do Xime > Amedalai (tabanca em autofesa e destacamento de milícias) >  Junho de 1970 > José Nascimento.


1. Mensagem do nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) com data de 14 de Julho de 2020:


O sargento da milícia de Amedalai

A zona operacional do Xime abrangia as tabancas de Amedalai, Taibatá e Dembataco que estavam em auto defesa. Amedalai ficava no percurso do Xime para Bambadinca, sede do Batalhão 2852 e quando por qualquer motivo a CART 2520 fazia deslocações a Bambadinca era normal fazer-se uma pequena paragem junta a esta tabanca, costumávamos transportar alguns elementos da população até Bambadinca e vice-versa. Esta pequena aldeia guineense era defendida por uma secção de milícias comandada por um sargento de milícia africano.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca > Subsector do Xime > Carta do Xime (1955) > Escala 1/50 mil > O traçado a vermelho indica a antiga estrada Xime-Bambadinca, passando por Taliuara, Ponta Coli, Amedalai, Ponte do Rio Udunduma.

Com alguma frequência para receber instruções do capitão da Companhia esta secção deslocava-se ao Xime e certa vez ao cruzar-me com o sargento da milícia este pediu-me emprestados 100 "pesos" (100 escudos) que me pagaria logo que possível. Acedi e passado algum tempo o sargento cumpriu o prometido e liquidou o empréstimo. Por algumas vezes a situação repetiu-se e o comandante da milícia não ficou a dever nada ao suposto primo da Dona Branca.

Acontece que no decurso duma operação executada pela CART 2520 tivemos de pernoitar na tabanca de Amedalai. A tropa manda desenrascar e cada um assim o fez, o pessoal ficou instalado em redor da pequena aldeia indígena. Quando me preparava para passar o noite o melhor possível, apareceu-me o sargento da milícia que pediu-me para o seguir, levou-me para uma morança com quarto e cama a que não faltava um mosquiteiro e que tinha um conforto razoável para a circunstância, durante a noite mosquito foi picar para outro lado. Foi a prova de gratidão deste camarada africano. Espero que depois da independência não tenha sido importunado pelo PAIGC.

Na manhã do dia seguinte e devidamente recomposto do percurso do dia anterior, seguimos rumo a Samba Silate e depois junto à margem do rio Geba, regressámos à nossa base no Xime.

Para todos os camaradas da nossa aventura africana, um grande abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21174: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento, ex-Fur Mil Art) (19): Uma desditosa criança do Biombo