segunda-feira, 12 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22099: Notas de leitura (1351): "Ataque a Conakry, História de um Golpe Falhado", por José Matos e Mário Matos e Lemos; Fronteira do Caos, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
 
O livro de José Matos e Mário Matos e Lemos incorpora investigação que não é despicienda. E está bem contextualizado: os sonhos de Spínola saem gorados em 20 de abril de 1970, quando o plano congeminado de incorporação de guerrilheiros do PAIGC acaba numa tragédia, o Comandante-Chefe alinha numa solução radical, uma tentativa de golpe de Estado envolvendo um grupo de opositores de Sékou Touré organizados na FLNG. Tudo se revela frustrante ou pouco sério, bem detalhado pelos autores. 

E temos a invasão propriamente dita e o rescaldo, diplomaticamente desastroso e que fez crescer os anticorpos contra o colonialismo português. E a análise da operação passa pela verificação que deixara de haver qualquer solução militar, o regime de Caetano não dispõe de mais meios, ainda se tentarão soluções recorrendo ao projeto Alcora, em 1974, para comprar um dispositivo de deteção aérea, o Crotale, mas era irremediavelmente tarde.
 
Um belíssimo ensaio, credor da vossa atenção.

Um abraço do
Mário


Ataque a Conacri, história de um golpe falhado

Mário Beja Santos

"Ataque a Conakry, História de um Golpe Falhado", por José Matos e Mário Matos e Lemos, Fronteira do Caos, 2020, é a mais recente investigação sobre o antes, durante e após a Operação Mar Verde. 

Os acontecimentos em si do que ocorreu na madrugada do dia 22 de novembro de 1970 é amplamente conhecido, nos seus traços essenciais: com o beneplácito de Marcello Caetano, foi desencadeada uma tentativa de sublevação a partir da capital da república da Guiné Conacri, seis navios de guerra portugueses transportaram uma força militar de tropas especiais portuguesas e opositores do regime de Sékou Touré. 

O objetivo da operação era múltiplo: incluía a tentativa de um golpe de Estado que derrubasse o ditador guineense, destruir os meios navais do PAIGC e da Guiné Conacri, capturar Amílcar Cabral, resgatar 20 e poucos militares portugueses encarcerados numa prisão às ordens do PAIGC e neutralizar, destruindo mesmo, o potencial aéreo guineense. 

O sonho de Spínola em ver instalado um regime em Conacri que expulsasse o PAIGC malogrou-se: nem o ditador guineense nem o líder do PAIGC foram encontrados; por desacerto na comunicação, não foi tomada a estação de radiodifusão, que seria essencial para os sublevados anunciarem o golpe de Estado, os aviões de origem soviética tinham mudado de aeroporto, os meios navais do PAIGC foram destruídos, os prisioneiros portugueses foram resgatados, a prazo os sublevados guineenses foram executados como executados foram o alferes Januário Lopes e cerca de duas dezenas de militares-comandos africanos que se rebelaram contra as intenções da Operação Mar Verde e se entregaram às autoridades guineenses. O malogro deste ataque a Conacri iria constituir o mais rude golpe diplomático, adensando o isolamento do Estado Novo.

Em que é que a obra de José Matos e Mário Matos e Lemos introduz inovações? A estrutura do estudo permite uma leitura cronológica e o conhecimento aprofundado de um punhado de peripécias que a investigação permitiu desvendar. Fica bem claro que a Operação Mar Verde foi uma ousadia, tinha planeamento mas enfermava de graves omissões: o efetivo de sublevados era irrisório, a clique política guineense-Conacri que aceitara participar na Operação vivia graves tensões internas e a sua motivação e programa eram uma nebulosa; a PIDE não dispunha de informações fiáveis sobre os objetivos, houve que recorrer a um antigo desertor, o soldado Alfaiate, que se prestou a explicar a topografia da cidade, manifestamente insuficiente o seu conhecimento; diferentes ministros de Caetano puseram seríssimas reticências à operação, temeram sempre o pior, as consequências internacionais, as informações que se dispunham nos dirigentes políticos da oposição levavam a supor que seria um golpe de Estado de pouca dura, haveria um volte-face em poucos meses, e o PAIGC reocuparia rapidamente esta poderosa retaguarda. 

Os autores consideram que os dois principais acontecimentos políticos congeminados por Spínola: um, para atrair guerrilheiros numa nova formação militar composta por guineenses apoiantes da soberania portuguesa e outros a favor da independência; dois, instalar em Conacri um regime hostil ao PAIGC, deram como falhanço e o governador e comandante-chefe da Guiné, a partir daí, quis sempre abrir a porta para a solução política, que Caetano energicamente recusou. É verdadeiramente de questionar se não houve mais aventureirismo que realismo, ao querer confiar naquela oposição a Sékou Touré, sabendo-se mesmo que a Organização da Unidade Africana  [OUA] teria todos os predicados para intervir e abortar o golpe de Estado.

Depois de contextualizar a estratégia de Spínola na Guiné e de se ter chegado à solução radical da Operação Mar Verde, conta-se a história dos contatos estabelecidos entre esta oposição a Sékou Touré e as autoridades portuguesas. Pesquisada a documentação, as intenções desta frente de libertação da Guiné (FLNG) eram dadas como amadoras, mesmo sabendo-se que a França e o Senegal veriam com bons olhos o derrube do ditador de Conacri. 

Até 1970, a FLNG não tinha quaisquer intenções de organizar uma guerrilha, mas sim um golpe contra Sékou e a sua clique de apoio, dizia que o povo da Guiné Conacri os acolheria triunfalmente. No entanto iam pedindo dinheiro a Portugal, e repetidamente. Os autores dão-nos um quadro das cumplicidades, mostram com desenvoltura o planeamento da Operação e o seu desfecho; e chegamos ao rescaldo, a verificação por parte de Spínola de que não era viável uma solução militar. Segue-se a escalada da guerra, é certo e seguro que os meios de fogo do PAIGC passaram a ser superiores aos das forças portuguesas, Spínola pede a exoneração e planeia escrever "Portugal e o Futuro", será publicado em 22 de fevereiro de 1974, que propõe era já inviável, mas criou condições para a arrancada do 25 de abril. 

Os autores recordam que Caetano defendia uma autonomia progressiva para as colónias e não aceitava uma negociação com o PAIGC, segundo ele, seria um precedente relativamente às outras colónias, ele pensava que Angola e Moçambique podiam acabar na independência desde que estivessem assegurados os direitos dos colonos. Havia também hipóteses do plano de Spínola que não tinham nem pés nem cabeça, como o de integrar Amílcar Cabral como Secretário-Geral do Governo Provincial. E os autores observam: 

“Cabral nunca mostrou qualquer interesse em negociar com Spínola. Para o líder do PAIGC, o diálogo teria que ser com o governo central em Lisboa e não com o governador provincial. Isto significa que Spínola tentou protagonizar na Guiné uma solução que estava condenada à partida, não só porque estava em rota de colisão com a política oficial do regime, como também não correspondia às aspirações do PAIGC”.

Trata-se de um estudo muito bem urdido e que introduz dados novos sobre a Operação Mar Verde. Como em toda a historiografia da guerra da Guiné, omite os dados relevantes da génese e desenvolvimento da luta armada. A historiografia privilegia Spínola e nunca se serve dos arquivos para estudar os acontecimentos ocorridos entre 1962 e 1968, parece sempre Louro de Sousa e Arnaldo Schulz andaram para ali sete anos a encanar a perna rã, nunca se fala nos meios postos à disposição destes dois comandantes-chefes e até do dinheiro que o regime de Salazar dificultou para o desenvolvimento socioeconómico da Guiné. É dentro da efabulação que a historiografia faz aparecer Spínola como o Atlas do combate feroz à guerrilha, da implementação da Guiné melhor e dos cheiros da autodeterminação. Isto só para sublinhar que continuamos a fazer historiografia numa sala de espelhos partidos.
A bordo da LDG Montante, oficiais da Armada com os dirigentes da FLNG que iriam atacar o Campo Militar Samory, imagem do livro
Prisioneiros portugueses em Conacri
Prisioneiros portugueses a caminho de Bissau
Banda-desenhada de António Vassalo sobre a Operação Mar Verde
____________

Nota do editor

Último poste da série de 5 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22069: Notas de leitura (1350): “Guerra e Política, Em nome da verdade os anos decisivos”, por Kaúlza de Arriaga; Edições Referendo, 1987 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22098: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte V: Destino: Xime.... E um levantamento de rancho que acabou à bofetada...


Foto nº 1 >  O alf mil Crisóstomo, em primeiro plano...

Foto nº 2 > Regresso de um patrulhamento no subsetor do Xime...

´
Guiné > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 1439 (1965/67) > Agosto de 1965 >  O primeiro contacto com as terras do Xime...


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Continuação da publicação da série CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) (*)



CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque)


Parte V - Destino: Xime...


A viagem do Funchal para a Guiné decorreu sem grandes problemas . A CCaç 1439 embarcou no navio Niassa no dia 2 de Agosto de 1965 . A nossa Companhia era de rendição individual e talvez por isso o nosso comandante, Capitão Pires, tinha saido mais cedo para " preparar a nossa chegada”.

Por razões burocráticas,  que nunca cheguei a compreender,  foi-me dado o comando da CCaç 1439 , até que chegássemos a Bissau onde nos esperava o verdadeiro Comandante da Companhia, o  Capitão Amandio Pires .

Embora estivesse mentalmente preparado "para todas as situações", não deixei de ficar surpreendido pelas condições em que o pessoal estava viajando no Niassa. Os “quadros” viajavam em condições aceitáveis, mas custava-me ver os meus soldados nos andares inferiores do barco, quase uns em cima dos outros em beliches que de conforto pouco ofereciam. 

E logo na primeira noite, baixei e fui ter com eles, para lhes dar um pouco de ânimo. Parece que apreciaram verem o seu "comandante temporário" com eles e passado algum tempo começamos a cantar … E cedo era toda a companhia que cantava, até parecia que o nosso destino não era um teatro de guerra , mas sim alguma romaria. 

 Mas a CCaç  1439 não era a única companhia no barco; cedo me apercebi que membros de outras companhias achavam estranho a euforia "daqueles madeirenses" e queriam dormir, pelo que logo decidi não continuar com a cantarolice e regressei ao andar superior.

Mas na noite seguinte repeti. Desci mais cedo, para evitar ser apupado ou incomodar ninguém, ainda pensando que o cantar um pouco antes de dormir ajudaria a moral de toda a gente. Não foi o caso. Desta vez houve queixa mais a sério; quando a companhia estava já toda empolgada a cantar , fui chamado ao comandante do barco. Que admirava muito a manifestação do patriotismo dos madeirenses, mas que havia outras companhias e nem todos gostavam de ser serenados…

Recordo-me vagamente da nossa chegada a Bissau e da transferência imediata para um barco muito chato que eu nunca tinha visto nem ouvido falar. Não me vão faltar surpresas, pensei eu. E logo seguimos Rio Geba acima, esperando que não fossemos atacados mesmo no meio do rio. É que iamos sózinhos... e eu pensava que pelo menos teríamos uma escolta até chegar ao nosso destino em terra, onde quer que isso fosse.

Por volta das 17.00 PM, (segundo um “relatório oficial’ de que não tinha conhecimento e que o Alferes Freitas me amavelmente me facilitou) finalmente paramos: à nossa frente havia um “ cais improvisado” e logo a seguir "meia dúzia de palhotas”. Era o Xime.

Não me recordo das instalações nem das condições… estava pronto para tudo, nada me ia surpreender. Recordo-me, sim, de sermos informados da existência de uma cantina e das facilidades de adquirir uísque e outras coisas a um preço muito barato. E logo na primeira noite, eu estava entre os que tiraram partido dessas “facilidades', comprando a minha primeira garrafa de Drambuie…

Por outro lado também aprendemos depressa a habituarmo-nos à ementa de feijão frade com bacalhau, salada de grão de bico com bacalhau,  feijão frade com bacalhau, grão de bico… e vira o disco e toca o mesmo. E isso estava a causar mau estar em toda a companhia. 

Um dia começaram a manifestar esse descontentamento na hora do rancho, fazendo barulho com as mamitas, utensílios metálicos,  meio pratos meio caixas . Eu estava de oficial de dia; tinha fama , dizem-me, de ser "de bons modos” e querer ajudar . E talvez por isso pensaram que eu pudesse fazer alguma coisa para remediar a situação. O que não era o caso. Não havia outro remédio senão aguentar até que chegasse nova entrega de víveres; e isso não dependia de ninguém na companhia. 

 Por isso pus a companhia "em sentido” e expliquei que compreendia a frustração de todos, que era a minha também; mas que o fazer barulho com os pratos não ia ajudar ninguém. E pus a companhia "à vontade” para começar a distribuição do rancho, talvez fosse outra vez feijão frade com bacalhau, não me lembro.

O que sei é que o barulho das marmitas embora menos intenso,  recomeçou. E eu imediatamente pus de novo a companhia em sentido e disse que não ia tolerar mais qualquer tipo de barulho como estava a acontecer pela segunda vez. E disse "vamos ficar em sentido um ou dois minutos para que todos tenham tempo de resfriar um pouco esse entusiasmo, antes de começarmos o rancho". 

E virei-me de costas para eles; mas logo ouvi atras de mim o que me parecia serem uns sorrisos de troça ; virei-me de repente e mesmo atras de mim deparei com um soldado, o S..., m posição de "à vontade” e a rir numa manifesta posição de galhofa para todos verem.

Sou e sempre fui um pequenitotes, mas no momento nem tive tempo para pensar: de repente espetei-lhe a maior bofetada que jamais pensava ser capaz de dar na minha vida.

Surpreso,  com esta minha reação, ele tentou desviar-se e pareceu-me que ia cair e eu então com a mão esquerda dei-lhe uma segunda no lado contrário para ele não cair. E foi um silêncio completo; mandei recomeçar o rancho, que não teve mais problemas. 

 O S... tinha fama de ser o homem mais forte da companhia e, de vez em quando, “para medir forças”,   desafiava um outro soldado, a quem todos chamavam “o chinês” pela sua força e aparência, a levantarem um pipo que ninguém mais era capaz de mexer. 

 Logo pensei que "um dia destes vou apanhar murro dele e vou aparecer morto em qualquer lado… ou então será talvez no mato… sou capaz de apanhar mesmo um tiro pelas costas” … E era pensamento que de vez em quando me vinha à mente. "Mas nada há a fazer", pensava. "E a verdade é que ele não devia fazer o que fez” .

Passados muitos meses,   um dia deparei com ele mesmo a meu lado no meio duma bolanha que estávamos a atravessar com água pelos joelhos , como por vezes sucedia . E reparei que ele tinha um sorriso, mas que me pareceu um sorriso amigável. E fui eu que puxei a conversa. "Olha, S..., ainda hoje me custa o que sucedeu no Xime"… E ele não me deixou dizer mais nada, pôs-me o braço no meu ombro e só disse : "Ó meu alferes,  tinha razão”! e senti a pressão do braço dele no meu ombro como para me dizer que o assunto estava esquecido. 

A verdade é que nunca mais tive receio de apanhar um tiro pelas costas no meio de alguma operação no mato!

Não me lembro em que dia foi a nossa primeira patrulha/deslocamento a Bambadinca. Mas menciono-a por não esquecer a minha surpresa quando nos disseram que tínhamos de "picar a estrada por causa das minas”.

Eu esperava algum aparato sofisticado, como se usa para detecção de metais, mas em vez disso eram meia dúzia de paus com um bico de ferro na ponta com que se picava o chão esperançadamente para sem as rebentar , detectar alguma mina que tivesse sido posta …

(Continua)

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22097: Guiné 61/74 - P22051: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IV: Composição orgânica: na sua maioria, praças naturais da Madeira, e oficiais e sargentos do Continente

Guiné 61/74 - P22097: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IV: Composição orgânica: na sua maioria, praças naturais da Madeira, e oficiais e sargentos do Continente

Brasão da CCAÇ 1439 (1965/67), BII 19.  Divisa: "Bravos, Avante"


1. Continuação da publicação da série CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) (*)


O João Crisóstomo é um luso-americano, natural de Paradas, A-dos-Cunhados, Torres Vedras, conhecido ativista de causas sociais, com repercussão a nível nacional e internacional: a autodeterminação de Timor Leste, as gravuras de Foz Coa ou a reabilitação da memória de Aristides de Sousa Mendes, o cônsul de Bordéus em 1940 são três das mais conhecidas e bem sucedidas...

Régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, foi alf mil, CCAÇ 1439 (Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): vive desde 1975 em Nova Iorque; é casado, em segundas núpcias, desde 2013, com a nossa amiga eslovena, Vilma Kracun].

Tem cerca de 135 referências no nosso blogue.


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque)

Parte IV: Composição orgânica | Louvores e condecorações


 

Reprodução das páginas 1 a 5 do cap I da História da Unidade. CCAÇ 1439, Enxalé, 1965/67, incluindo a sua composição orgânica


Louvores e condecorações

Li algures comentários que a CCaç 1439, em comparação com outras, parece ter "recebido muitas medalhas”. Não sei da validade ou não da crítica, e não tenho dúvidas de outros terão merecido igual e melhor. E é pena que reconhecimentos que são devidos, não tenham sido feitos. Isso não quer dizer que os recipientes da CCaç 1439 mereceram menos por isso as medalhas e reconhecimentos que lhes foram feitos. A verdade é que esta companhia era/foi na verdade um grupo de gente extraordinariamente corajosa e abnegada, como eu pessoalmente verifiquei durante todo o tempo em que tive privilégio de fazer parte deste grupo.

A atribuição de medalhas feita,  embora represente sem dúvida o muito valor dos que foram agraciados, até está longe de ser perfeita ou "completa”. Muitos outros mereciam igual distinção, talvez melhor; e por vezes por uma razão ou outra nunca foram reconhecidos. Também desta realidade fui e sou testemunha e cheguei mesmo a fazer sugestões nesse sentido, mas, salvo um único caso não fui suficientemente convincente.

A informação que se segue foi resultado de trabalho e investigação feita por José Martins (Post 20057 de 14 de Agosto de 2019) a quem, com a devida vénia, peço autorização para “copiar’ a informação que passo a descrever:

MAMADU JALO, Soldado de Infantaria de 2a classe nº 925/64
CC 1439/Batalhão de de Caçadores nº 697 - RI 15 GUINÉ
Grau Cobre, com palma

NAUSER SANA, Caçador Auxiliar
Medalha da Cruz de Guerra 4a classe

BRAMA LAI, Xime (civil contratado )
Medalha 4a classe

ADÃO CANALA, Xime, Caçador Nativo
Medalha de 1ª classe

ANTÓNIO NUNES LOPES,  Furriel Miliciano de Infantaria -
CC nº 1439 - BII 19 – 3ª CLASSE

JOAO FRANCISCO CRISOSTOMO, Alferes Miliciano de Infantaria
CC nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE

AMÂNDIO MANUEL PIRES, Capitão Miliciano de Infantaria
CC nº 1439 - BII 19 – 2ª CLASSE

LUIS MANUEL ZAGALO DE MATOS, Alferes Miliciano de Infantaria
CC nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE

JOÃO FERNANDES BARRADAS, 1º Cabo de Infantaria, n º 584/65
CC nº 1439/Batalhão de Caçadores nº 1888 - BII 19 4ª CLASSE

FERNANDO MACEDO RODRIGUES , Soldado de Infantaria, nº 9244165
CC nº 1439 - BII 19 - 4ª CLASSE

AGOSTINHO DA TRINDADE BAPTISTA, Soldado de Infantaria, nº 7158865
CC nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE

MANUEL EUSÉBIO NASCIMENTO FERNANDES, Soldado cozinheiro, nº 3715565
CC nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE

SORI BALDÉ, 1º Cabo da Polícia Administrativa, nº 240/64
CTIG - 4º CLASSE

QUEMÁ NANQUI - Civil, Caçador Nativo
CTIG - 4ª CLASSE

QUEBÁ SONCO, (Filho do Régulo de Missirá)
Caçador Nativo - - Civil - CTIG - 4ª CLASSE

JULIO MARTINS PEREIRA, Soldado Telefonista nº 2652365
CC nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE

ANTÓNIO DOS SANTOS CAMPOS, Soldado Condutor Auto nº 5406064
CC nº 1439 - BII 19 – 4ª CLASSE

FRANCISCO PINHO DA COSTA, Alferes Miliciano Médico
CC nº 1439 - BII 19 – 3ª

(Continua)
___________

Nota do editor:

(*) Postes anteriores da série



domingo, 11 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22096: Os nossos seres, saberes e lazeres (447): A minha terra, Pica, onde nasci, cresci e de onde, em 1961, parti para Mafra frequentar o CSM (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414)


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCAÇ 414, Catió (1963/64) e Cabo Verde (1964/65), com data de 10 de Abril de 2021:


A MINHA TERRA

A minha terra, a Pica, obviamente, é o local onde nasci, cresci e de onde, em 1961, parti para Mafra frequentar o CSM, o primeiro passo rumo à Guiné Bissau.

A Pica, é um lugar que se divide por duas freguesias do concelho de Fafe: São Gens e Quinchães. Outrora centro de passagem da estrada «romana» Chaves/Porto possuía uma estalagem, cuja construção e escadas em meia lua, de acesso ao primeiro andar, foram, há cerca de dois anos, lamentavelmente demolidas. Aqui, era paragem obrigatória para descanso dos transeuntes e mudança dos cavalos das diligências.

São Gens, a minha naturalidade, vem da idade média onde existiu o Mosteiro de S. Gens e S. Bartolomeu de Montelongo, fundado pelos beneditinos, datado do século XI e será de origem «românica». Diz-se ter pertencido ao Convento de S. Miguel de Refojos, em Cabeceiras de Basto, também beneditino mas, segundo o distinto medievalista Pe. Prof. Doutor José Marques, tratando da sua extinção, poderá ser de existência anterior e foi extinta no período de 13 07 1159 a 10 03 1165.

Adianta ainda, este insigne historiador, que São Gens constituiu, tanto na fase monástica como na de colegiada, uma das instituições mais importantes desta circunscrição eclesiástica e civil.

Em 1528 passaria a anexo da Colegiada de Guimarães, sendo mais tarde convertida em colegiada de Montelongo, primeira circunscrição originária do actual concelho de Fafe.

Presentemente, com excepção da porta lateral sul, pouco resta da primitiva construção «românica» da Igreja, devido às alterações efectuadas ao longo dos séculos.

Construída de fino granito, é a porta de volta redonda e quase desprovida de ornatos, pois os próprios capitéis das colunas que a ladeiam são apenas indicados por carrancas estilizadas.


Na parte posterior da igreja, ergue se, altivo, o «torreão sineiro», presumivelmente « medieval », em granito.

No adro, ainda hoje, com sinais de 4 campas, e no interior da igreja achavam se, no século XVIII e até mais tarde, (ainda me lembro de as ver), diversas sepulturas, algumas seguramente do século XIII.
No corpo superior ( lugar dos homens) uma campa com armas e letreiro, muito bem feito, de Francisco Alvares do Canto, cavaleiro fidalgo da Casa Real e Capitão Mor de Monte Longo.


____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22090: Os nossos seres, saberes e lazeres (446): Quando vi nascer a Avenida de Roma (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22095: Blogpoesia (728): "Santa Páscoa"; O bico do lápis"; "A vida volta a nascer com os gatos atrás" e "A eternidade", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação semanal de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, CachilCatió e Bissau, 1964/66):


Santa Páscoa

- O Senhor lhes dê uma Santa Páscoa!
Era a saudação da gente da minha aldeia nos meus tempos de criança.
Tempos bons. Com valores.
Onde quem reinava era o Senhor.
Havia paz. Havia justiça e solidariedade.
O povo vivia mais renitente às futilidades do modernismo.
Quase tudo desapareceu.
Apenas ficou a saudade e a pena de que tudo secasse.


Ouvindo Schubert- Impromptus

Berlim, 4 de Abril de 2021
17h40m
Jlmg


********************

O bico do lápis

Atiço-lhe o fogo em brasa,
A inspiração.
Como um foguete desatinado
Ele rodopia sobre a tela e a paleta.
Descreve riscos e arabescos.
Escreve letras.
Desenha tons e sons de melodias.
Sonetes de alecrim.
Como flores num jardim às cores.
É um céu a arder
No sol , ao nascer de cada dia.
Ou a lua da saudade,
Ao escurecer de cada noite.
Quando é a hora da saudade,
Onde campeia a saudade estrema,
Em rimas doces de harmonia.


Berlim, 5 de Abril de 2021
8h12m
Jlmg


********************

A vida voltava a nascer com os gatos atrás

Como era bom vê-lo a subir a costeira de Pedra Maria.
Vinha da Longra. A carroça com ele.
Fazer bem era seu dom.
A tigela da sopa.
Comprada na feira,
Caíra ao chão, desfeita em cacos.
Guardados num cesto,
Esperava o médico.
Com suturas e pensos,
Endireitava os ossos,
A carne sarava
E, de novo a sopa,
Voltava a ferver...


Berlim, 6 de Abril de 2021
17h55m
Jlmg


********************

A eternidade

Alcandorada no alto dos céus,
Vive oculta à fraqueza de quem desiste à primeira dificuldade.
De quem não afronta com confiança
A esperança de alcançar.
O esplendor das montanhas exige esforço.
Vencer as escarpas e os desfiladeiros
Só é de quem arregaça as mangas e e se entrega corajoso.
Desistir é próprio dos fracos
E dos fracos "não reza a história"...
Para alcançar a eternidade é preciso extinguir os egoísmos
Que semeiam o mal e as injustiças geradoras da guerra,
Rainha de todos os males que grassam pelo mundo.


Ouvindo Tanhauser de Wagner

Berlim, 8 de Abril de 2021
8h47m
Jlmg

____________

Nota do editor

Último poste da série de 4 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22067: Blogpoesia (727): "Na beira da estrada"; Os sinos da minha aldeia"; "Conformação" e "Trocar as voltas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22094: Facebook...ando (63): fotos de Nova Sintra, 2ª C/BART 6520/72: entrega do destacamento ao PAIGC, em 17 de julho de 1974 (Mário Ferreira / Carlos Barros)

Foto nº 1 

Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4

Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 2ª C/BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 >  Retração do dispositivo > Entrega do destacamento ao PAIG


1. Fotos postadas na página do Facebook da Tabanca Grande, com data de 6 do corrente, pelo nosso camarada Carlos Barros, com a seguinte lacónica legenda:

(i) Entrega do destacamento de Nova Sintra, Setor do Quínara, em 17/7/1974:  Entrada dos guerrilheiros do PAIGC em Nova Sintra. Realce-se que não houve problemas e existiu uma confiança mútua,o que é de de salientar. Eu estive lá (ex-furriel Barros, 3º Pelotão,  2ª CART / Bart 6520). [Fotos nºs 1, 2, 3 e 4] (*)

(ii) Agradeço estas fotografias ao soldado amigo do meu Pelotão (3º), Mário Ferreira , da Trofa que me enviou hoje mesmo. Bem como mais estas duas [em baixo, Fotos nº 5 e 6]: Mais um patrulhamento em Nova Sintra (23 de fevereiro de 1973) [Foto nº 5]; e Reabastecimento em Lala, cais, em Nova Sintra (15 março de 1973) [Foto nº 6]. (**)


Foto nº 5

Foto nº 6

Fotos (e legendas): © Mário Ferreira / Carlos Barros  (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
__________

Notas do editor:

(*) Vd. também poste de 2 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21962: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (20): a entrega do nosso destacamento aos guerrilheiros do PAIGC, em 17 de julho de 1974

[Sabemos, pelo Carlos Barros, que no  ato  estiveram presentes, entre outros, o comandante do Setor do PAIGC, Quinto Cabi; e pelas NT,  o Tenente-Coronel Fernando José de Almeida Mira (já falecido,   comandante do BART 6520/72, com sede em Tite); e o Capitão Mil Inf João Barbosa Machado, cmdt da 2ª C / BART 6520/72, de Nova Sintra.]

(**) Último poste da série >  de março de 021 > Guiné 61/74 - P21986: Facebook...ando (62): Um dos que participou na Op Mar Verde foi o 2.º Srgt Fuzileiro Domingos Demba Djassi, a quem dei trabalho depois de desmobilizado, e que desapareceu em 21 de março de 1975 (Mário de Oliveira, BIssau e Alcaide, Fundão)

Guiné 61/74 - P22093: Parabéns a você (1950): Jorge Picado, ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885 e da CART 2732 (Mansoa, Mansabá e Teixeira Pinto no CAOP 1, 1970/72)

____________

Nota do editor

Último poste da série de 9 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22084: Parabéns a você (1949): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf da 3.ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) e Cor PilAv Ref Miguel Pessoa, ex-Ten PilAv da Esquadra 121/GO 1201/BA 12 (Bissau, 1972/74)

sábado, 10 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22092: Em busca de... (313): Pessoal da 2ª C/BART 6520/72 e notícias da entrega de Bissássema, ao PAIGC, em 1974 (Leandro Guedes / Ricardo Sousa)


Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bissássema


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Comentário de Leandro Guedes ao poste P21316 (*)

Meu caro Carlos Barros:

O meu nome é Leandro Guedes e fiz parte, como furriel, do BART 1914, que esteve em Tite de Abril de 67 a Março de 69.

Há meia dúzia de anos,  tive contacto com o Alf Fernando Teixeira que pertencia à sua 2ª. Companhia do BART 6520/72, a qual fez a entrega de Tite e Nova Sintra, à Guiné-Bissau. 

O relato dessa entrega faz parte do blog https://bart1914.blogspot.com e facebook do BART 1914

Posteriormente perdi o email ele. O motivo deste meu contacto é saber quando aconteceu, e de que maneira, a entrega de Bissássema. Não há registos, nem relatos, nada.

Se me poder dar uma ajuda agradeço. O nosso email é;

bart1914@gmail.com 
ou 
lg.tvedras@gmail.com

Muito obrigado. Um abraço com votos de boa saúde.
Leandro Guedes.



2. Comentário de Ricardo Sousa ao poste P21316 (*)

Boa tarde,

O meu pai, António Sousa,  foi 1º cabo no 2ª C/BART 6520/72, e muito tempo que procura notícias ou se existem encontros dos seus ex-combatentes da Guiné Bissau - Nova Sintra - Os Mais, desde que voltou nunca encontrou ou teve contacto com mais ninguém.

odem-me dizer de como ele se pode informar quando e onde ocorrem esses encontros ou algum contacto de para que ele possa ligar com alguém para se manter em contacto.

Agradeço desde já a vossa ajuda,
Cumprimentos,
Ricardo Sousa

Guiné 61/74 - P22091: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (26): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte III: cozido à portuguesa, para despedida do inverno; frutos do mar, como saudação à primavera


Foto nº 1 > Frutos do mar, como "entradinhas"


Foto nº 2 > Suculento cozido à portuguesa


Fotos (e legendas): © António Levezinho (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação de sugestões gastronómicas, nacionais e internacionais, apropriadas ao reforço da nossa resiliência ao confinamento e à fadiga pandémica, sugestões que nos são facultadas pelos "vagomestres" e "chefs" da Tabanca Grande. (*)


Um dos nossos "chefs" com já créditos já firmados (**),  é o nosso amigo e camarada Tony Levezinho, ex- fur mil at inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, maio 69 / março 71). 

Está reformado da Petrogal,  vive grande parte do ano na Tabanca da Ponte de Sagres - Martinhal, Vila do Bispo. Infelizmente, agora mais sozinho desde que enviuvou há menos de quatro meses. A sua companheira de uma vida (50 anos!), a Isabel Levezinho, integra também a nossa Tabanca Grande. 

O Tony, órfão de mãe ao nascer, aprendeu a cozinhar cedo. Pelo menos desde os 14 anos que fazia petiscos para ele e o mano mais novo. Além do prazer da mesa, sabe receber como ninguém. Na Tabanca da Ponte de Sagres - Martinhal, não há nemhuma tabuleta à entrada a recordar o anexim popular: "O peixe e o hóspede ao fim de três dias fedem!"...

De uma vasta lista de sugestões do cardápio do Tony, escolhemos hoje mais dois pratos, um para encerrar com chave de ouro o solstício do inverno (Foto nº 2) e outro para saudar o solstício do verão (nº 1)... Esperemos que vos agrade e inspire... LG

PS - Tony, eu sei que já não temos idade, barriga e sobretudo saúde para dois pratos desta envergadura, mas agradou-me a ideia de uma "saída" e uma "entrada"... Um bom solstício do verão para ti e para todos nós!

___________

Notas do editor:


11 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21887: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (19): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte I: ainda não é verão (, mas um dia destes há de ser!), e já me está a apetecer uma saladinha de queixo fresco e uma paelha, com um bom branquinho...

Guiné 61/74 - P22090: Os nossos seres, saberes e lazeres (446): Quando vi nascer a Avenida de Roma (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Não se trata de uma ode triunfal à Avenida de Roma, é um apanhado de recordações de quem teve a dita de ver nascer de solo inculto toda esta arquitetura que marcou uma época, em toda a acepção da palavra. Primeiro pelo arrojo arquitetónico, o regime abria os cordões à bolsa e satisfazia as classes médias com habitação digna, casas com porteiro, mármores, amplas divisões, com os transportes à porta, artérias folgadas. Havia, é certo, obras incompletas, caso da Avenida João XXI, que só muitos anos mais tarde é que desceu até ao Campo Pequeno. Há estudos completos sobre a evolução desta parte da cidade, o historiador de Arte José-Augusto França, que a seguir ao 25 de abril deu uma perninha no planeamento urbano e na história da cidade, descreve bem como tudo aqui despontou, basta ler o seu livro Os Anos 20 em Portugal. Imaginem a petizada a vir num bairro relativamente monocórdico e assistir, entre a poeirada, à nascença deste admirável novo mundo.

Um abraço do
Mário


Quando vi nascer a Avenida de Roma (3)

Mário Beja Santos

Eu bem gostaria de vos contar ao pormenor o que era o nosso ensino primário, o que se aprendia em português, o tipo de leituras, o esplendor da Pátria, as minudências da Geografia, das Ciências Naturais, a profusão de heróis na nossa História gloriosa, e deixo para último a aritmética, com trabalhos que me deram cabo da cabeça mas, confesso, defenestraram-me medos para os rudimentos do que cada um de nós deve saber de Gestão, a começar pela nossa. Escrevi nas memórias da minha infância O Fedelho Exuberante o que por acaso guardei numa folha de apontamentos que, pasme-se, sobreviveu. Era uma coisa assim: “O professor deu dois quintos de uma folha de papel a cada um dos 35 alunos da classe. Quantas folhas foram distribuídas? Abro o caderno, mostro a operação, 2 a dividir por 5 dá 0.4, multiplico por 35, logo 14 folhas, estou impante de alegria, a minha mãe acena, afirmativa”. Claro que houve traumas com os decímetros, os hectómetros e os decâmetros, felizmente tudo passou.
Aqui na António Patrício há Bairro Social e outra arquitetura. Na esquina com a Avenida de Roma são prédios da Caixa de Previdência, mas neste recanto emergiram dois prédios diferentes, marcarão a fronteira do quarteirão, a seguir temos os prédios verdes, assentaram nas profundezas do olival, erguem-se em pilares decorados por pequenos mosaicos, são todos verdes, os habitantes, insista-se, trazem outra graduação social, reconheça-se no entanto que na Rua António Patrício temos o prédio dos médicos, confim com o meu, a Dr.ª Maria Alcina Esteves da Fonseca, do rés-do-chão direito, assistirá, em 1964, ao estertor da minha querida avó, no rés-do-chão esquerdo vive o Dr. Ivo Loio, que foi padrinho de casamento de Agostinho Neto, pelos anos fora farei amizade com o Dr. Cabral Rego, cuja paixão eram os postais máximos, e com o Dr. Carlos Conceição, que fazia anos do dia de Natal e exigia a nossa presença.
Os prédios verdes modificaram o funcionamento do nosso abastecimento. A minha mãe fornecia-se diariamente no Mercado do Saldanha, as miudezas conheceram transferência da Rua de Entrecampos para aqui. Logo em frente a nossa casa havia padaria com fabrico próprio, dispersos talhos, frutaria, mercearia, o mais que se sabe. Instalaram-se empresas de reparação, escritórios e até cabeleireiro. Por uma questão de fidelidade, continuei a ir cortar cabelo no Campo Grande na Barbearia do Sr. Cunha, esperantista emérito, e a deliciar-me com o disse que disse da clientela.
Recorde-se que os nossos prédios do Bairro Social, entenda-se, têm uma arquitetura bastante uniforme, sempre de três andares, o mesmo tipo de fachada com algumas variações nas varandas, já se disse que há uma certa variedade na dimensão das casas. Podia agora discretear sobre as cinco divisões da minha morada, a lembrança da chegada do esquentador, do frigorífico e da enceradora (não esquecer que havia para ali umas enormes tábuas de pinho, nenhuma Encerite conseguia fazer luzir todo aquele madeirame), mas não me parece oportuno. Vamos subir até à Avenida de Roma, deixa-se o Campo Grande e a Igreja dos Santos Reis Magos onde frequentei a catequese para outra ocasião, tenho pena de não vos falar mais dos nossos quintais, bem tratados por gente que tinha fortes reminiscências do meio rural de onde eram provenientes, as nespereiras, os loendreiros, as laranjeiras, os buxos, mas também não é oportuno.
A atração irrecusável é o nascimento daquele cruzamento na Avenida de Roma. Vamos aos factos.
Tudo começou naqueles quatro prédios portentosos, cor-de-rosa, com umas marquises rendilhadas e fazendo junção com prédios mais baixos da Avenida dos Estados Unidos da América e até mesmo com um prédio do Bairro Social. Combinávamos na escola ir espreitar o avanço dos trabalhos, subíamos os andaimes a partir das cinco da tarde, víamos chegar os novos residentes que, indiferentes à poeirada permanente, chegavam com os seus haveres nas camionetas de mudança, íamos espreitar o espólio dos novos inquilinos, descobrimos que havia porteiros, tinham secretárias torcidos e tremidos. Era um caos harmonioso, havia gente a chegar indiferentes à zoada dos camartelos, dos camiões pejados de areia a despejar matéria-prima para alimentar as betoneiras, estas sempre a resfolgar e a vomitar o ingrediente transportado para o trabalho dos trolhas.
Inolvidável experiência, ver a Avenida de Roma crescer prodigiosamente em direção à linha do caminho-de-ferro, e depois ultrapassá-lo. Nós, a miudagem, apalermados com o arrojo daquelas linhas, nada se comparava com a casa do nosso bairro, nós tínhamos varandas simples e austeras, óculos a fazer de janelas, o que se via no nosso bairro podia-se ver na Encarnação ou no Alto da Ajuda, era um fabrico em série de baixo custo e até me apetecia contar-vos que na nossa casa usaram madeira não tratada, uma noite acordámos com um estrondo monumental na sala de jantar, o guarda-loiça enfiou-se pelas ripas podres, houve que substituir todo aquele travejamento em pinho. Na Avenida de Roma tudo parecia panorâmico, varandas arredondadas, andares com três e quatro janelas e com estores, prédios com cores garridas, não havia dois tons iguais, portas bem chapeadas, pegas como de casas apalaçadas, os átrios marmoreados, os prédios com elevador, saiam das viaturas de mudanças móveis de estilo novo, o chamado estilo americano, andávamos a ver os elementos escultóricos e a tentar decifrá-los, sabíamos lá o que eram os tritões e as sereias, um dos prédios tinha lá em cima uma escultura de um ferreiro. Que maior novidade podíamos ter?
Antes de continuar, e de vos dizer que estão a chegar comerciantes azafamados com lojas a vender café e chá (a mistura popular de café, com preço imposto pelo Governo é coisa das mercearias, nestas lojas novas primam os lotes de S. Tomé, Angola e Timor), sapatarias, artigos orientais, pequenos estabelecimentos com papelaria e tabacaria, e até descrever o bulício rodoviário, uma palavra, para o Vá Vá. O Vá Vá é um dos pontos altos desta modernidade onde pontificam Formosinho Sanches e José Segurado, e no termo da Avenida Cassiano Branco. Ainda hoje podemos visitar o seu interior azulejar, o resto mudou radicalmente, perdeu o ar de café, é um snack-bar insípido. Por aqui passo sempre que posso para homenagear a Menez que nos deixou esta arte tão bela, felizmente conservada, ainda que tenha perdido a primitiva atmosfera.
A imagem seguinte é para mostrar a ligação entre as elegantíssimas torres e prédios que vão manter a escala e dar uma dimensão segura à Avenida de Roma. Estou neste momento a ver a trautear o maestro e compositor Joly Braga Santos, que vivia no prédio à esquerda. A seguir ao 25 de abril esta zona foi sacudida por uma tormenta, houve para ali uma explosão de todo o tamanho no primeiro andar da torre, constava que alguém estava a fazer uma bomba naquela atmosfera de PREC e deu-se mal, desapareceu entre muitas janelas desfeitas.
Olho para a correnteza destes prédios e logo me lembro de outra novidade, os cafés com o título snack-bar, a novidade eram as refeições ligeiras que davam pelo nome de combinados, aqui não havia petiscos de taberna, nada de bacalhau albardado ou bifanas, comia-se ao balcão mas também à mesa. Posso fechar os olhos e recordar os diferentes estabelecimentos que por aqui houve, que davam uma sensação de autossuficiência que se prolongava até à Avenida Guerra Junqueiro, onde o comércio adquiria uma outra sofisticação. Ficaram ainda algumas lojas icónicas, a Cafélia e a Livraria Barata, aqui o proprietário sabia olhar o cliente e dispensar-lhe, quando lhe tinha confiança, um livro proibido e também aqui, numa loja então com dimensões insignificantes, era possível encontrar David Mourão Ferreira, Artur Portela Filho ou Virgílio Ferreira.
A Avenida de Roma estende-se entre a Praça de Londres e a Avenida do Brasil. Veremos mais adiante que do cruzamento da Avenida de Roma com a Avenida dos Estados Unidos da América é tudo muito mais taciturno, o comércio é muito menos vibrante, a grande recordação que guardo é o Cinema Alvalade, e explicarei porquê. A artéria febricitante é aquela que passou nestas últimas imagens e que culmina com esta preciosidade arquitetónica de Cassiano Branco. Entre a muita sorte que a vida meu deu tenho um querido amigo que aqui vive, e não há vez que aqui quando bato à porta não recorde o Café Roma e mesmo ao lado o Café Londres, ambos de saudosa memória.
(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 3 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22063: Os nossos seres, saberes e lazeres (444): Quando vi nascer a Avenida de Roma (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 5 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22070: Os nossos seres, saberes e lazeres (445): A minha primeira viagem (de comboio) para além do Ave, Minho... Uma aventura, até Ermidas do Sado, Santiago do Cacém, Alentejo ! (Joaquim Costa)