segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22539: Notas de leitura (1381): "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", por Jorge Monteiro Alves; LX Vinte e Oito, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Quando se pretende biografar uma figura denominada herói lendário, um combatente cumulado pelas mais altas condecorações portuguesas, impõe-se ponderar uma consulta a documentos probatórios, irrefutáveis, socorrer-se do contraditório, ir aos arquivos, quando se pretende uma biografia histórica, não é o caso do livro de Jorge Monteiro Alves que enveredou por uma biografia informal, aqui correm-se inúmeros riscos, suscitam-se imensas dúvidas, é sempre o herói quem comenta as suas façanhas, e persistem as lacunas, é indispensável que a historiografia entre em ação. Mas não se pode retirar o mérito, é o primeiro trabalho jornalístico sobre um complexo personagem sobre o qual há muito a investigar.

Um abraço do
Mário



Biografia informal de Marcelino da Mata, um projeto para entender um herói guineense

Mário Beja Santos

Uma biografia, por definição, pauta-se pela evidência científica: arquivos, consulta de toda a documentação disponível, audição de relatos apaixonados, desapaixonados, sob o efeito do contraditório; contextualização do biografado no seu tempo e pela sua obra; extensa bibliografia, notas das consultas, etc. O trabalho do jornalista Jorge Monteiro Alves sobre Marcelino da Mata, intitulado "No mato ninguém morre em versão John Wayne, Guiné o Vietname português", LX Vinte e Oito, 2021, é uma biografia informal, discorre sobre o personagem, o autor marca as suas distâncias, procura mesmo contextualizar o guineense mais condecorado do Exército Português no quadro da luta armada; mas, como é evidente, é trabalho lacunar, reconheça-se o mérito de procurar retratar o herói no seu tempo, saúde-se a primeira obra sobre alguém que suscita incomensurável admiração ou infindáveis reprovações e repulsa pelos métodos adotados na atividade de combatente.

O contraditório é elementar, tão elementar como a investigação. Julião Soares Sousa, o importante biógrafo de Amílcar Cabral, ousou desfazer lendas, contestar a data da fundação do PAIGC, pôr a nu as pesadas contradições na ideologia do líder que bem procurava camuflar a existência de uma discordância histórica entre cabo-verdianos e guineenses. Tendo Marcelino da Mata pensado em aliar-se ao PAIGC, fruto das represálias que este exerceu na sua família (mataram-lhe o pai e a irmã, grávida de 8 meses), era indispensável apurar a verdade dos factos, confirmar as execuções da primeira e segunda mulher, seguramente que houve testemunhos. Os depoimentos da sua vida são dados por ele próprio. Parece que a ebulição subversiva surgiu de modo espontâneo, e por obra e graça de um acaso tudo começa em Tite em 23 de janeiro de 1963. Ora Marcelino da Mata foi incorporado em Bolama, fez a tropa pelo irmão, será que não há nenhum testemunho sobre este tempo, e depois como condutor-auto e depois no BCAÇ 356?

Monteiro Alves dá-nos uma súmula do dispositivo militar, notas sobre a economia da província ultramarina, e assim chegamos aos efetivos. Temos o general Spínola a reivindicar mais meios (parece que os dois comandantes-chefes procederam igualmente assim, mas foram menos felizes na contemplação, fala-se no novo conceito de guerra trazido por este homem providencial, faz-se o contraponto com o triplo de poder de fogo do PAIGC face a uma unidade militar portuguesa, enfim, nada ficamos a saber sobre o comportamento das nossas forças até 1968. Providencialmente, ficamos a saber como atuavam as nossas forças tudo por causa do que diz Marcelino da Mata: a Batalha do Como, onde ele fez o tirocínio com os Comandos; o herói Marcelino da Mata está em Brá no Centro de Instrução de Comandos da Guiné Portuguesa, em julho de 1964, o Governador e Comandante-Chefe chama-se Arnaldo Schulz, Marcelino colabora com os Comandos, os Gatos, os Fantasmas, os Panteras. E no final do ano engendram um modo de operar, quer fazer operações com um escasso número de militares. Monteiro Alves entende que deve interpolar permanentemente o que faz o herói com as ofensivas do PAIGC e o que se passa na cena internacional. Temos depois a criação dos Roncos de Farim, uma tropa especial lendária a que ele se agregou, tinha à frente um alferes destemido, Filipe José Ribeiro, e Marcelino da Mata fazia parceria com um Mandinga não menos destemido, Cherno Sissé. Chovem as condecorações. Os Roncos chegam a Cumbamori, em dezembro de 1967, estava lá Luís Cabral, viveu uma grande inquietação, mas safou-se. Monteiro Alves vai citando Marcelino da Mata em exclusivo, não dá guarida a outros depoimentos.

Foi várias vezes ao Senegal, em agosto de 1967 resgatou os homens da CCAÇ 1546, que tinham sido apanhados à mão, o prémio foi a Torre e Espada. É 2.º Sargento, criou o seu próprio grupo, os Vingadores. Anda numa completa dobadoira, Schulz parte, Spínola chega e o autor desenvolve as alterações introduzidas pelo novo Comandante-Chefe, os Vingadores sempre no ativo. Cria-se a primeira Companhia de Comandos Africana, a africanização da guerra conhece novos desenvolvimentos. Dá-se a Operação Mar Verde, Marcelino da Mata participa, ataca o quartel da Guarda Nacional em Conacri, é pouco económico no autoelogio:
“Eu arranjei uma metralhadora e comecei a fazer fogo. Aquilo era como disparar contra carneiros. Só à minha conta, numa contagem oficial, ficaram lá 94 estendidos, mas devem ter sido muito mais. Quem ficou aborrecido comigo foi o Calvão, pois alguns dos mortos eram oficiais superiores que simpatizavam com a FLNG e que se deviam juntar à revolta. Mas eu não sabia de nada disso. Nem ninguém do meu grupo. Quem me levava essas instruções era o alferes. Mas como ele foi abatido logo à entrada do quartel…”.
Nova condecoração para Marcelino da Mata, graduado em alferes com a especialidade de Comando. Monteiro Alves há ocasiões em que mostra que não teve acesso a fontes documentais, refere calmamente que o PAIGC derrubou um helicóptero no rio Mansoa em 25 de julho de 1970, que vitimou quatro deputados, não foi nada assim, o helicóptero foi metido no golfão em pleno rio, o piloto não conseguiu a manobra correta para dali sair, foi tudo puro acidente.

O autor volta a espraiar-se sobre a cena internacional, Marcelino tinha sido enviado para Cabora Bassa em 1971, Spínola mandou-o regressar, veio para o Centro de Operações Especiais, foi nessa altura que nasceram os Vingadores, Marcelino da Mata conduz uma verdadeira máquina de combate. Estamos chegados a 1973, entram em cena os mísseis Strela, Marcelino tinha anteriormente colaborado na Operação Grande Empresa, a ocupação do Cantanhez, soma louvores e cruzes de guerra. São referidas as ofensivas do PAIGC e a nova ida de Marcelino da Mata a Cumbamori. A 28 de abril de 1974, Marcelino da Mata cai ferido e é mandado para o Hospital de Bissau e evacuado para Lisboa a 2 de maio. A Guiné caminha para ser um país independente. Segue-se uma frase descabelada do autor:
“As últimas tropas portuguesas saíram da antiga província. Mas não trouxeram consigo os Comandos e os Fuzileiros Africanos. A traição portuguesa equivaleu a uma pena de morte para milhares de homens que deram tudo pela bandeira verde rubra”.
Se acaso tivesse consultado a documentação, verificaria que foram efetuadas diligências para trazer todas as tropas especiais, recusaram, quiseram ser remunerados até dezembro. Está-se em crer que um jornalista sabe que existe o Direito Internacional, não se pode interferir na vida interna de um Estado autónomo, pergunta-se que mais diligências poderiam ser feitas a não ser protestar pela diplomacia. Insiste-se na tónica do abandono sem minimamente querer apurar a verdade dos factos.

A biografia informal de Marcelino da Mata certamente que irá despertar novos trabalhos que permitirão abrir luz sobre a complexidade do personagem, já que o seu heroísmo foi incontestável, como o seu destemor, o melhor será aprofundar recorrendo às fontes documentais e aos testemunhos de todas as latitudes. Enquanto é tempo, que já é muito escasso para quem conheceu e combateu ao lado do herói da lenda.


Imagem retirada do Diário de Notícias, com a devida vénia
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Notas do editor

Vd. postes de:

24 de Agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22481: Notas de leitura (1374): Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português” (Lisboa, Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte I (Luís Graça)
e
4 de Setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22513: Notas de leitura (1377): Jorge Monteiro Alves: “No mato ninguém morre em versão John Wayne: Guiné, o Vietname português” (Lisboa, Livros Horizonte, 2021, 191 pp.) – Parte II (Luís Graça)


Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22533: Notas de leitura (1380): "Um caminho de quatro passos": temos um novo escritor, o António Carvalho passa o teste, e espero que seja com louvor por unanimidade e aclamação dos seus leitores (Luís Graça)

domingo, 12 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22538: (Ex)citações (391): Ainda não sabemos a proveniência da foto de capa do livro do TCor Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra de África" (Guerra e Paz Editores, 2021), escolhida pela editora (António Bastos / Carlos Vinhal)


1. Há dias telefonou-me o camarada António Bastos para falar do livro "Os Números da Guerra de África" do Tenente Coronel Pedro Marquês de Sousa de quem é vizinho e amigo.
Em conversa com o TCor Marquês, inevitável era que o Bastos não falasse da fotografia[*] da capa do seu livro, ao que o autor respondeu não ser responsável pela sua escolha, e que até tinha pedido que omitissem o seu posto militar quando fizessem referência ao autor da obra. Que lhe mostraram o livro já tal e qual como foi publicado.

Disse-me também o Bastos que se lembrava de ter visto uma foto semelhante àquela numas das muitas obras que tem sobre a guerra de África. Pedi-lhe que se a encontrasse, ma mandasse para se pubilcar.

2. Passados poucos dias recebi esta mensagem do António Bastos:

Companheiro Carlos, bom dia,
Mediante a nossa conversa sobre as duvidas de onde saiu a foto para o livro "Números da Guerra de África" do nosso Camarada Tenente Coronel Pedro Marquês de Sousa. Foi do Diário de Noticias que lançou já há alguns anos, dos autores Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, o livro "Guerra Colonial", livro esse que tem esta foto. Eu penso que seja uma sequência do mesmo.
Carlos, como eu disse na conversa que tive com o Pedro, ele disse-me que sobre a foto da capa do livro não sabe onde a editora a foi buscar e também me disse que tinha dito à editora que não metesse o Tenente Coronel.

Penso que esclareci algumas dúvidas dos nossos camaradas.
Um abraço e muito obrigado.
A. Paulo


3. Como também coleccionei os fascículos que compõem o livro "Guerra Colonial - Angola - Guiné - Moçambique", fui em busca da famosa foto da capa do livro do TCor Marquês mas só encontrei a que o Bastos me enviou, que está na página 400 e que não é a mesma, embora tudo leve a crer que se trate de momentos temporalmente muito próximos, minutos talvez.
Podemos comparar e verificar que os militares em progressão são os "mesmos", a autometralhadora e os dois militares que a ocupam, idem, e que até a vegetação é a mesma.

Pormenor da imagem, reduzida a preto e branco, da capa do livro de Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra de África: Angola, Guiné, Moçambique; mortos, feridos, armas e combates, custos, desertores". Lisboa: Guerra e Paz Editores, 2021, 384 pp.). (Com a devida vénia ao autor e editora...) Foto (editada) da capa do livro "Os Números da Guerra de África".
Foto (editada) retirada, com a devida vénia, da pág. 400 de "Guerra Colonial", publicação em fascículos do Diário de Notícias, da autoria de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, e que tem a seguinte legenda: Exemplo típico de abertura de itinerário. Em primeiro plano, o "picador" - com a vara de detectar minas, protegido por uma secção à sua retaguarda e por outra no seu flanco. Atrás uma autometralhadora "Fox".
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Notas do editor:

[*] - Vd. poste de 19 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22468: Fotos à procura de... uma legenda (154): A imagem da capa do livro de Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra de África" (Guerra e Paz Editores, 2021)

Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22530: (Ex)citações (390): o ouri (ou uril) de Madina Xaquili, um jogo de estratégia (Fernando Gouveia / António J. Pereira da Costa / Cherno Baldé)

Guiné 61/74 - P22537: Blogpoesia (747): "Sou um chorão..."; "Meu lar" e "Sei dum rio - Camané", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Publicação de poesia da autoria do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66):


Sou um chorão...

Choro com muita facilidade.
Me comovo fácilmente.
Um violino que toca.
O timbre duma voz vibrante.
A pose dum actor brilhante.
O cantar do pintassilgo
Que vem cada manhã,
Cantar à minha janela,
Até me acordar.
A despedida dumas férias grandes
Em que fomos mesmo felizes
Com todos os filhos...


Ericeira, 29 de Agosto de 2021
15h38m
Jlmg


********************

Meu lar

É bom chegar.
Aquele cantinho, com tudo ao pé.
As nossas coisas,
Que a vida deu
Se juntaram todas.
A companhia de cada hora.
As nossas escolhas.
Que o sonho modela.
Um espaço único.
À nossa medida e gosto.
Parecido a nós...


Berlim, 10 De Setembro,
8h46m
Jlmg


********************

Sei dum rio - Camané

Rua seca com pedras presas,
Sobe e desce neste bairro.
Rua negra em noite escura.
Rua branca no dealbar de cada dia.
Alinhadas tantas casas,
Tantos destinos vivos,
Bons vizinhos,
Testemunhando as vidas.
Com alegrias e tristezas certas.
Cada um as suas.
É fatal.
Ligações eternas.
Ficam para sempre...


Berlim, 11 de Setembro de 2021
ouvindo Camané
8h46m
Jlmg

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Nota do editor

Último poste da série de 29 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22496: Blogpoesia (746): "Larachas..."; "Dar a volta ao texto" e "As virtudes do silêncio", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P22536: Álbum fotográfico de António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494 e CART 3567 (5): O meu tabuleiro de ouri (ou "worri", em fula) "

 



O meu ouri

Fotos (e legenda): © António J. Pereira da Costa  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, de  do nosso camarada António J. Pereira da Costa cor art ref (ex-alf art, na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmd das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74); tem mais de 170 referências no nosso blogue, para o qual entrou em 13/12/2007; é autor da série "A minha guerra a petróleo"(, depois transformada em livro, editado pela Chiado Books, Lisboa, 2019, 192 pp.) tem um belíssima e valiosa colecão de arte e artesanato guineenses (fula, mandinda, bijagó...) e tem-na partilhado connosco (*): base para copos, bases para copos, pratos e terrina, cachimbos, "cirans", "cafalas", chapéu fula, cinto fula, garrafas forradas a couro, tabuinha com caracteres árabes...

Faltava esse tabuleiro de ouri ou uril (em fula, "worri", segundo o nosso assessor para as questões etnolinguísticas, Cherno Baldé). 

Trata-se de um jogo estratégia, de que há muitas variantes em África (e também na Ásia), equivalente ao nossos jogos de xadrez e damas. A essa família de jogos dá-se o nome genérico de mancala, palavra de origem árabe. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa grafou os vocábulos ouri e uril, ambos de origem duvidosa. (**)

sábado, 11 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22535: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (89): No quadro dos 60 anos do início da Guerra Colonial, o RC 6 (Braga), em parceria com o Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, está a organizar um Colóquio e uma Exposição com enfoque no património histórico do RC6 como unidade mobilizadora, entre 1964 e 1974, de Pelotões de Reconhecimento Daimler



C O N V I T E

PELOTÕES DE RECONHECIMENTO DAIMLER / RC6

No quadro dos 60 anos do início da Guerra Colonial, o Regimento de Cavalaria Nº6 (Braga), em parceria com o Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, está a organizar, para novembro do corrente ano, um Colóquio e uma Exposição com particular enfoque no património histórico do Regimento como unidade mobilizadora, entre 1964 e 1974, de Pelotões de Reconhecimento Daimler.

Se é um antigo “combatente Daimler” mobilizado pelo RC6, ou um seu familiar, convidámo-lo a contactar-nos, para podermos ver, ouvir e registar os seus testemunhos.

Por email: rc6.sois@exercito.pt

Por telefone: 916 502 474

Por correio: Regimento de Cavalaria 6, Rua do Regimento de Infantaria Nº8, 4710-303 Braga
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22531: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (88): O Regimento de Cavalaria n.º 6 de Braga, juntamente com a Universidade do Minho, está a organizar um colóquio e uma exposição (a acontecer em 18NOV21) sobre o esforço de mobilização do RC6 em PelRec Daimler para os três Teatros de Operações. Procura-se antigos CMDTs Pel Rec Daimler para possível colaboração no evento

Guiné 61/74 - P22534: Os nossos seres, saberes e lazeres (467): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (15) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Setembro de 2021:

Queridos amigos,
Depois da Lourinhã e de Sines, andei por aí, o mês de agosto em Lisboa é sempre aprazível, pouco ruidoso e dando facilidades a participar em eventos sem o risco das enchentes. Lá fui para a Ajuda, queria ver as transformações operadas no fechamento do palácio e ver ainda a distância onde vai ficar o Museu do Tesouro Real. E daqui parti para esta riquíssima exposição que tem o dom de bem comunicar o que foi o reinado da Senhora Dona Maria da Glória, fadada para ser uma princesa do Brasil, o destino trocou-lhe as voltas, D. Pedro reivindicou o trono de Portugal, seguiu-se uma terrível guerra civil, D.ª Maria II ascendeu ao trono e bem confrontada foi com ultimatos, ameaças, revoltas, levantamentos, período bem acidentado que culminou com o fim do Cabralismo e o advento da Regeneração. Todas estas peripécias aqui aparecem plasmadas e bem retratados os atores principais, desvelam-se objetos e documentos, o sucesso da exposição é permitir ao visitante captar em grande angular o reinado desta mulher que bem gostava de ser dona de casa e estar muito tempo ao pé dos filhos. Uma exposição que vale ouro, até pelo ouro que vamos ver, riquezas é coisa que ali não falta...

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (15)

Mário Beja Santos

Há muito que sentia a curiosidade de “acompanhar mais de perto” o reinado da Senhora Dona Maria da Glória, sobre a qual há a dita de profusos trabalhos de historiografia. Saber algo mais, e sequenciado, através da imagem, dos documentos e dos objetos desta princesa nascida no Brasil e catapultada para o trono de Portugal. Vida atribulada, o pai imperador do Brasil e a fazer dela a rainha do trono dos avós. Casa com um príncipe alemão em plena mocidade, logo viúva, e com a mão destinada ao tio, El-Rei D. Miguel, o das touradas e o filho mais querido de D.ª Carlota Joaquina, rei absolutista, que repudiou a mão da sobrinha e se envolveu numa tremenda guerra civil que terminou na Convenção de Évoramonte, e partiu para o exílio. A escolha de novo marido recaiu em novo mancebo alemão, de nome Fernando, vindo da família Saxe-Coburgo-Gota, do ramo católico, ter-se-ão amado profundamente, tiveram uma filharada.
Ora a exposição patente na Galeria do Rei D. Luís, no Palácio Nacional da Ajuda, até fins deste mês, é um verdadeiro acontecimento cultural, um evento museográfico e museológico de grande qualidade, recomenda-se que não se perca a oportunidade de acompanhar o itinerário desta princesa do Brasil até ao falecimento quando deu à luz o seu 11º filho. O cartaz do evento é belo, vejam-se as imagens da Coroa, do estandarte real e o quadro do príncipe-consorte, a quem tanto o país ficou a dever, alcandorou os padrões culturais, preservou património, concedeu bolsas, devemos-lhe o Palácio Nacional da Pena e muitíssimo mais.


A escolha de objetos ajuda-nos a compreender certos acontecimentos históricos, será o caso destas porcelanas comemorativas de viagens de D. Miguel. A jovem rainha e o seu marido vão ser de imediato confrontados com acesas disputas entre as linhas liberais, cartistas e vintistas, introduzem-se reformas de vulto, lembremos Mouzinho da Silveira e Passos Manuel, é uma linha de atuações ou promessas de tirar o país da letargia do Antigo Regime, do clericalismo fanático, lançar bases de progresso na indústria, no comércio e na agricultura. Irão confrontar-se líderes de diferentes matizes, Saldanha, Costa Cabral, Palmela, aparecem retratos expressivos na exposição, coincidem com todo este tremendo e avassalador período de revoltas como a da Maria da Fonte, levantamentos como a Patuleia ou a Setembrada. Na Câmara dos Pares os adversários insultavam-se, de todos eles Costa Cabral foi o bombo de festa, o mínimo que lhe chamavam era ladrão, era constantemente desafiado a explicar como da pobreza disparara para a vida opulenta, até uma boa parte do Convento de Cristo comprou, para assinalar que era Conde e depois Marquês de Tomar. No tomo do regime constitucional, D.ª Maria II e o futuro rei D. Fernando II procuravam aplacar as ondas, mas todo este período turbulento se prolongará até à Regeneração e ao Fontismo, já com novas lideranças régias
Esta senhora, a infanta Isabel Maria, não aparece por acaso. No meio das convulsões, das insubordinações de D. Miguel, do seu exílio, do seu regresso e aclamação como rei absolutista, esta infanta teve um especial papel moderador, procurou dignificar pela regência o que devia ser o real cumprimento pela exemplaridade, buscou consensos, e daí a bonita imagem que deixou, mereceu por direito próprio ter aparecido nesta exposição.
Aqui estão alguns dos protagonistas, D. Miguel, Saldanha, Palmela ou Costa Cabral, por exemplo, têm todo o direito a estar no palco, para o melhor ou para o pior mas em parte do reinado desta monarca que adorava a vida familiar, educar os filhos e andar com aquela ranchada entre Lisboa e Sintra, vendo o desvelo com que o marido preparava o príncipe real para futuras funções, como veio a suceder. D. Pedro V foi um monarca profundamente dedicado à busca da modernidade do país, uma tifoide levou-o precocemente, deixando uma admiração sem limites.
Uma exposição que cumpra literalmente o que promete tem sucesso assegurado. É o caso desta, veja-se aqui a jovem princesa, o seu pai imperador e a sua madrasta, quem diria as voltas do destino, os vendavais que iria encontrar como monarca constitucional; a leitura permanente que a exposição permite da vida do seu reinado e os símbolos artísticos que falam desta realeza, de uma rainha que aceitou o peso das suas funções sem nunca perder o gosto de acompanhar a educação dos filhos e viver todos os momentos disponíveis na companhia do seu amado marido. E parto desta exposição bem agradado, agora vou visitar o palácio onde viveu um dos seus filhos, D. Luís, depois os netos e os bisnetos, aqui findou a monarquia, a 3 de outubro de 1910 houve um jantar precipitado em honra do presidente do Brasil, D. Manuel partiu para Sintra e depois para Mafra, e da Ericeira para o exílio.
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22511: Os nossos seres, saberes e lazeres (466): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22533: Notas de leitura (1380): "Um caminho de quatro passos": temos um novo escritor, o António Carvalho passa o teste, e espero que seja com louvor por unanimidade e aclamação dos seus leitores (Luís Graça)


Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Foto nº 1 > CART 6250/72. os "Unidos de Mampatá",  em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).


Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Foto nº 2 > Os "Unidos de Mampatá", CART 6250, em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).


Comentário do António Carvalho (ex-fur mil enf da CART 6250) (poste P2694) (*)

"Primeiramente devo manifestar a minha gratidão ao Murta, por ter guardado e nos ter proporcionado esta vista do regresso da nossa companhia a Bissau, via Nhala e Buba. As fotografias são muito interessantes, sob o ponto de vista da história da guerra do ultramar porque mostram a alegria transbordante pelo fim da comissão e a anarquia reinante com ausência de armamento, agora já imprestável naquele irrepetível tempo, posterior ao 25 de Abril. 

Para trás ficava Mampatá e a memória dos nossos dois mortos - o Mata e o Albuquerque. Eu já não me lembrava daquela paragem em Nhala que não terá sido só para atazanar os periquitos mas para retemperar energias com mais umas cervejas. Aquela viajem foi gloriosa também porque estávamos a inaugurar a estrada nova Aldeia Formosa- Buba, agora percorrida em menos de uma hora." 

Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Quem lê "Um Caminho de Quatro Passos", não precisa de chegar ao fim, ao posfácio nem à última página, a 218, a do "glossário", para poder concluir, sem margem para dúvidas, que... "temos escritor"!

O que é um escritor ? É quem sabe, em prosa (mas também em verso),  contar histórias, construir personagens, desenhar cenários, arquitetar contextos, criar emoções… Não importa o género, conto, novela, romance, biografia, diário, poesia…

O António Carvalho passa o teste, e espero que seja com louvor por unanimidade e aclamação dos seus leitores.  E ficamos todos a ganhar, com este novo escritor: fica a ganhar Medas, a sua comunidade de nascença e de pertença, a sua família, os seus amigos, mas também todos nós, a Tabanca Grande, a que  ele está  associado desde 13 de setembro de 2008

Obrigado, António,  pelo teu livro, pelo exemplar do livro que me mandaste pelo correio  com a dedicatória, singela mas sincera, que diz: "Ao meu prezado amigo e camarada, Luís Graça, que calcorreou, como eu, caminhos espinhosos, por terras da Guiné, a quem devo a benfazeja criação  da Tabanca Grande, ofereço este modesto presente - o meu livro. Medas, 2021 - agosto - 10". Assina: A. S. Carvalho.

Parabéns, pelo teu livro, pela coragem, pela determinação, pelo empenho, pela motivação, por tudo o que significa escrever e editar um livro... Não é um parto fácil. Exige disciplina, talento, resiliência.  Não esquecendo o apoio daqueles que nos estão mais próximos, no teu caso, a tua mulher, as tuas filhas, o teu neto.

Com este livro reafirmas o teu/nosso direito e dever de memória como antigos combatentes nós que nascemos no auge do Estado Novo, ou seja, em ditadura.  Com ele não escamoteias ou branqueias as nossas memórias doridas, as da Guiné, as dores que sofremos e as dores que infligimos aos outros.  Reafirmas, por fim, uma ideia que me é cara, a mim e a ti, e que perpassa pelo teu livro, e que a nossa geração tem de saber interiorizar e assumir: não somos os vencidos nem os vencedores de uma guerra, fizemos a guerra e a paz, com coragem e honra, na expetativa de o poder político de então encontrar uma solução política, ou seja negociada, para um conflito que nunca poderia ter uma solução militar. 

E obrigado, António,  pelo convite para estar aqui hoje, na Tabanca dos Melros, na tua festa, a festa a que tens direito Devo, porém, fazer uma prévia declaração de interesses: faço-o com algum sacrifício pessoal mas com todo o gosto. Acontece estar aqui, pelo Norte, esta semana. Segunda feira já volto para o pequeno calvário da minha fisioterapia, na Lourinhã. E faço-o com gosto porque é já o "enésimo" livro que sai da Tabanca Grande. Sem a chancela da Tabanca Grande (, não somos editora...) , mas sob a inspiração do magnífico, simbólico, protetor, mágico poilão da Tabanca Grande, onde nos sentamos, os vivos e os mortos. E já somos 840, dois batalhões.

Amigos e camaradas: o António Carvalho é um grande contador de histórias, e mais do que uma autobiografia faz aqui o retrato socioantropológico de sucessivas gerações de medenses, onde se cruza e entrecruza a sua família. Teve o privilégio raro de conviver com avós, pais, tia, irmãos e "moços de lavoura" (criados), numa família extensa, numa grande casa de lavoura, duas juntas de bois, trinta ou mais pipas de vinho, os campeões da batata... E que ele evoca com ternura e humor, quando descreve a sua primeira noite, de insónias e saudade, à chegada à sua nova casa, a do prior do Casal Comba e novo diretor do Colégio da Mealhada, e ainda seu parente. Estávamos em outubro de 1962:

"Verdadeiramente o que me impedia de dormir eram as recordações daquele bulício de uma família numerosa onde pontificava uma avó que julgava santa, uam mãe que providenciava tudo, um pai cuja primeira prioridade era o trabalho, um avô vaidoso, uma tia materna sempe disponível para atender às solicitações da família e os irmãos de dias sim dias não" (p. 158). 

Uma família de lavradores que se enquadrava, sociologicamente falando, no grupo do médio campesinato, em que a família é uma unidade económico e o chefe e pai e patrão. E em que saída da casa paterna, o "home leaving", era retardado ao máximo por razões económicas. Um homem a menos não era uma boca a menos, eram dois braços a menos...

Da terceira parte ("Contra os canhões marchar marchar", pp. 175-204) já publicámos 8 excertos, sob a forma de outros tantos postes (**). Mas o livro vale como um todo, é uma história de vida contada na primeira pessoa... E que tem esta coisa original: não ques e ler de fio a pavio, do princípio ao fim, pode ler-se um pouco ao acaso, folheando esta ou aquela página, de frente para trás, de trás para a frente.

Por modéstia, o autor recusa-se a chamar, ao seu livro, "obra literária"  e mesmo em relação ao género tem relutância em usar o termo "autobiografia". Justifica-se:

(...) Não pretendi relatar a minha vida integralmente, apenas tentei narrar casos e episódios enquadrados por determinadas circunstâncias, ao longo do meu trajeto, que me marcaram imperecivelmente" (pág. 8).

O autor podia ter escrito uma biografia ficcionada, ou ter arranjado um "alter ego". Preferiu mesmo assim dar a cara, e falar na primeira pessoa do singular: o livro vai ser lido por familiares, vizinhos, conterrâneos, amigos, antigos condiscípulos do Colégio da Mealhada, antigos camaradas de armas, etc. 

E, como tal, fica sujeito também ao escrutínio público. Para mais, foi um dedicado autarca na sua terra natal, durante quase três décadas, experiência de intervenção política e cívica que lhe trouxe alegrias (como a criação da escola secundária de Medas em 1988) mas também alguns dissabores, inevitáveis quando há conflitos, ou seja, quando há direitos e valores a defender acima dos interesses particulares ou grupais. 

É um livro, também, de "geografias emocionais", que, irradiando de Medas, na margem direita do rio Douro. justamente no ponto mais a sul do seu percurso (e a escassos 20 km de distância, em linha recta, da foz), passam pelo Porto, o porto de Leixões, o Brasil, a Mealhada, a Guiné (Bolama, Buba, Mampatá, Nhala, Nhacobá...), com regresso de novo às origens. 

"Nasci aqui, neste pedaço de terra, circunscrito por uma curva muito apertada do rio Douro, e pela serra dos Açores" (, hoje, serra das Flores) (...), como aqui nasceram também, pelo menos alguns dos meus octvós e muitos dos seus descendentes dos quais eu provenho" (p. 212).

Se consideramos um intervalo de 25 anos entre cada geração, oito gerações de avós, são dois séculos, o que faz remontar a sua narrativa, ou algumas das histórias,  a meados do Séc. XVIII, ainda no reinado do Dom João V, quando regressa a Portugal um padre, nascido em Penafiel, em 1699, que se irá instala na Quinta do Paço,  em Medas. Vindo do Brasil, trazia no porão do veleiro, não apenas um farto baú  mas também três jovens escravos, negros, um rapaz e duas raparigas,  Beneficiariam, entretanto, das primeiras medidas pombalinas (a partir de 1761), em prol da abolição da escravatura no Portugal Continental. Agora livres, são criados de servir, mas dois deles (ou elas) irão casar e gerar descendência.  

Conclui o António Carvalho, no seu posfácio:

(...) "Um neto da Ana, chamado José Ferreira, é, segundo afirmação de Albino dos Santos, na sua obra “Monografia da Freguesia das Medas”, um antepassado dos Ferreiras de Pombal. Ora, o meu avô paterno, José Ferreira de Carvalho, nasceu nessa casa dos Ferreiras de Pombal." 

(...) No meu caso, a crer na qualidade daquela obra monográfica sobre a minha freguesia, eu tenho, na minha ascendência, uma costela de um ser humano aprisionado na costa ocidental africana e vendido, como escravo, no Brasil, de quem provieram aqueles três criados que o padre do Paço trouxe das terras de Santa Cruz, e o meu fenótipo traduzirá exatamente um produto compósito." (p. 215).

Muito antes desta recente revelação do seu possível passado genealógico, já o António Carvalho  tinha dado provas da recusa do etnocentrismo, atitude a que não será alheia a sua experiência como homem e militar no território da Guiné, durante a guerra colonial (1972/74). Veja-se por exemplo episódios como "A vaca" (pp. 191/193) ou "Dormir com o inimigo" (pp. 193/195). E esse enternecedor conto "A cor das lágrimas e a laranjeira azeda" (pp. 125/132), um verdadeiro libelo conta o racismo e a xenofobia.

As geografias emocionais também passam por Lisboa, ainda na infância, em 1959. A Lisboa ia-se poucas vezes na vida, os "magníficos" da terra para mendigar pequenos favores aos senhores do poder, ou a canalha da escola, a mais afortunada, embarcada na camioneta de excursão (4 dias, um ó para lá e outro ó para cá, com dois dias úteis para arregalar aos olhos às coisas e gentes que só existiam na "cidade grande", dormindo o pessoal no carro)...

As páginas (cerca de 140), mais portentosas, escritas em estilo oral, com parágrafos extensos, são, no meu entender as da primeira parte, a do primeiro passo, a do capítulo I, a Meda da infância do autor, nascido em 1950, antes da ida, aos doze anos para o Colégio da Mealhada (2º passo) (16 pp.) e, depois, no início de 1971, a chamada para a tropa e a mobilização para a Guiné (3º passo, "Contra os canhões. marchar, marchar) (c. 30 pp.). 

O último, o 4º passo, com uma escassa dúzia de páginas, tem por título "A revolução e o reencontro", o 25 de Abril (vivido na Guiné) e o regresso a casa.  Dois valores que marcam o percurso do vida do António são afinal a justiça e a liberdade, sem as quais não pode haver verdadeira democracia nem um país com futuro ou povo com feliz e com esperança.

É pena que o livro não tenha um índice, já que é constituído por cerca de 8 dezenas de histórias, episódios ou microcontos, alguns dos quais são verdadeiros "contos morais". Alguns deles têm, explicitamente,  duas linhas com um conclusão ou consideração de natureza ética ou filosófica. Como por exemplo, o excerto que publicamos abaixo, "Topadas", ou o já citado conto,  "A cor das lágrimas... ", uma pequena obra-prima.

Muitos de nós, antigos combatentes, que nasceram em aldeias ou pequenas vilas, do interior do país, vão-se reconhecer neste retrato da infância e adolescência do autor. Em boa verdade, é  retrato da nossa geração...

Muitos de nós, para não dizer a grande maioria, 

(i) nascemos de parto com dor, em casa, sem assistência médica;

(ii) fomos batizados segundo os cânones da Santa Madre Igreja Católica, Apostólica, Romana;

(iii)  fomos  alimentados a caldo e broa, e alguns provaram pela primeira vez o leite, ainda não pasteurizado, da vaquinha;

(iv) assistimos ao espetáculo, hoje cruel, da matança do porco (, fabulosa a sua reconstituição, em "O festim", pp. 20/22):

(v) aprendemos as primeiras letras à luz do candeeiro a petróleo e, muitas vezes, íamos descalços até à escola da vila, com os sapatos de ir à missa atados ao ombro;

(vi) viviamos em casas sem saneamento básico, sem eletricidade, muito menos rádio, telefone e televisão;

(vii) fomos a 1ª geração de portugueses a ser vacinada contra algumas das mais temíveis doenças infetocontagiosas que no passado causaram elevada morbimortalidade;

(viii) passou a dispor, a partir de 1945, da bala mágica, a penicilina;

(ix)  só conhecemos a capital do país, quando embarcámos para a guerra da Guiné, que a mobilidade espacial (ainda era um luxo)...

(x) mas começámos também a perceber a importância da educação como forma de mobilidade social, ou seja, para se poder  sair do círculo vicioso da pobreza;

(xi) num tempo em que a democratização do ensino (e a universalização da proteção social) só começaria a chegar no final do consulado de Marcelo Caetano;

(xii) é também a geração que sai, das suas casas da aldeia e das vilas, para fazer a última guerra do Império, ou para emigrar, a salto, para o Eldorado transpirenaico.

No meu caso, no caso do António, e de tantos de nós, foi uma guerra que começámos a viver por antecipação, aos 12, aos 13, aos 14 anos... Portanto, não foram apenas dois anos de vivência num teatro de operações, tramado como o da Guiné, mais um ano de tropa... Foram anos e anos pouco verdes, amargos, marcados de incerteza e angústia, entrecortados por algumas veleidades próprias da idade, a infundada esperança do fim da guerra, antes de chegar a nossa vez, e a tentação do "salto" para a redenção e  a liberdade, que tinha, na maior dos casos, um preço demasiado alto... A liberdade, individual e coletiva,  que, afinal, só chegaria com o 25 de Abril.  Mas na guerra, e nomeadamente, na Guiné aprendemos a dar o devido valor à camaradagem e à amizade. 

Termino esta nota de leitura (***), com um poema do nosso Josema, o Zé Manel Lopes, que eu, ainda sem o conhecer pessoalmente,  saudei em março de 2008 como "uma voz muito original, pessoal, uma surpreendente revelação da escrita poética sobre a guerra colonial na Guiné... Até agora guardada o baú do sótão"... É um dos poemas que mais gosto e nele está o António Carvalho, de corpo inteiro.


Calor, cansaço, suor
saudades de tudo
e de um rio...
mas podia ser pior
pois há ali o Corubal
com sombras e água boa
nem tudo é mau afinal
não é o Douro, eu sei
nem o Tejo de Lisboa
são outros os horizontes
falta o xisto e o granito
as encostas e os montes
mas diga-se na verdade
há o Carvalho, há o Rosa
há um hino à amizade
há o Gomes e o Vieira
a sonhar com a Madeira
há o Farinha e o Polónia
gestos e solidariedade
há o Esteves e o Pinheiro
amigos e sinceridade
há o Nina e até amor
também sofrimento e dor
há o desejo de voltar
e um apelo à liberdade.

Josema
Mampatá 1974


Como "apetite" para a leitura do livro do António Carvalho, aqui ficam dois trechos. Para efeitos de publicação no blogue, tomei a liberdade de "encurtar" os parágrafos, de modo a tornar a leitura mais fácil. O formato bloguístco é "inimigo" de parágrafos muito extensos. Perde-se algum "fôlego" e "oralidade", ganha-se em "legibilidade"... O autor, por certo, que nos perdoará esta "tropelia"... LG

AS TOPADAS (pp. 143-144)

Sapatos ou botas só ao domingo e tirados logo depois da Missa, para se não estragarem. Tínhamos ainda umas chancas, no inverno, calçado apropriado para os dias de chuva ou de geada. Mas para a maioria, socos ou tamancos eram, durante a semana, o calçado mais usado, no trabalho do campo e até, na falta de melhor, o que muitos usavam para ir à escola, fosse de verão ou de inverno, quase sempre sem meias. Mas à versão mais pobre de calçado chamávamos nós socas. A soca era constituída simplesmente por uma tábua serrada pelo formato do pé a que se pregava uma tira de cabedal aproveitada de qualquer ponta de uma apeaça ou de um cinto velho.

Também cheguei a usar este calçado muito rudimentar, o verdadeiro calçado dos mais pobres, mais propriamente para me identificar com a maioria dos meus companheiros de escola do que por necessidade. Quando crianças, mais do que em adultos, tendemos a adotar os comportamentos, a indumentária e adereços dos que nos rodeiam. Por isso eu andava algumas vezes de socas, nos dias de calor, confecionadas por mim, com a ajuda de algum amigo mais velho. Mas depressa as atirava para um canto, porque, no verão e no outono, o que eu queria mesmo era andar descalço, correr pelos caminhos de terra traçados pelo meio dos campos, na companhia dos da minha idade. E a única forma de não ficar para trás era libertar-me daqueles espartilhos que me empecilhavam os movimentos.

Algumas vezes espetava-me num pico de alguma silva seca, mas não podia dar parte de fraco, tinha que ser como o Neca Pinto, que conseguia andar descalço sobre chão áspero de estrepes, como eram aqueles onde se tinha acabado de cortar o mato. Ele, de tanto calcorrear, nesses inamistosos pisos, com feixes de carqueja às costas, que sua mãe talhava a golpes esforçados de fouce, tinha uma camada calosa na planta dos pés que nem um arame se lhe espetava. Calos era coisa que lhe não faltava, nos pés como nas mãos, talvez até os tivesse na alma, impedido de ser menino, para compensar com o seu labor forçado a incapacidade precoce de seu pai, sobrevinda por uma topada da vida. Mais tarde a vida ensinou-me que os pobres levam sempre mais topadas dos que os ricos e têm sempre muito mais dificuldade em fazê-las sarar.

A topada, no sentido literal do termo, era um acidente muito frequente para quem estivesse pouco afeito a andar descalço pelos caminhos. Acontecia sempre que não levantássemos bem os pés e batíamos então com as pontas dos dedos numa pedra mais saliente, normalmente era a falangeta do polegar que ficava coberta de sangue e com a unha levantada, o mais afetado por ser o da frente. Eu não gostava nada de topadas, não só por serem dolorosas , mas por ter ainda de as esconder do meu pai, que nunca me queria ver descalço.


UM LAVRADOR DE SAPATOS (pp. 79-83)

Irritava-se por o sobrinho não lha querer mostrar, como se tivesse algo a esconder-lhe. Ambos sabiam que ela estava magra, mas o Miguel, que vinha ali todos os domingos à tarde, à casa onde nascera, visitar a mãe, aproveitava para mandar o Manuel abrir a porta da vaca para a ver cá fora. Nas tardes soalheiras, ao domingo, era costume os lavradores soltarem os bois no quinteiro onde sempre havia uma pia de xisto ou granito com água para o gado beber. O Manuel aborrecia-se por o tio o culpar reiteradamente da magreza da vaca e foi por isso que, naquele domingo, se recusou, nos seus dezoito anos, a abrir a porta à leiteira, limitando-se a mostrar-lhe, orgulhosamente, as duas bem tratadas juntas de bois.

O Manuel habituara-se, desde muito cedo, com a perda do pai, quando tinha apenas oito anos e do avô aos quinze, a ser o único varão naquela casa onde vivia com a avó, a mãe, uma tia e duas irmãs. Desde os quinze anos já lhe vinham a desagradar os conselhos do outro tio, do António, que se imiscuía nas tarefas mais comezinhas do quotidiano, da casa até ao negócio das madeiras das sortes ou à compra de uns bois. O Manuel queria desenvencilhar-se da tutela do tio António e da de qualquer outro tio. Então não viam eles como crescera e sabia organizar o seu serviço?

Na década de vinte do século passado havia, em toda a minha freguesia, duzentas e vinte e cinco cabeças de gado bovino, nas quais se incluíam apenas quatro vacas leiteiras. Por esse tempo os lavradores interessavam-se só por bois para trabalho que eram vendidos, após alguns anos de jugo, depois de engordados. Curiosamente as quatro vacas leiteiras eram pertença de bem minguados lavradores, proprietários, apenas, de um ou dois pequenos campos, que vendiam o leite para alimentar pessoas idosas e doentes ou até uma ou outra criança que se agarrava mal ao caldo com broa.

O leite espremido do úbere da vaca da casa da Estivada de Cima que tinha sido comprada pelo Miguel, por ordem dos dois irmãos do Brasil, e ali propositadamente aquartelada, a cargo do novo homem da casa, destinava-se ao consumo da mãe dos “brasileiros”, embora todo o remanescente ficasse à disposição de quem dele quisesse fazer uso. Na verdade os dois irmãos “brasileiros” do Miguel eram já, por esta altura, dois emigrantes de sucesso no Rio de Janeiro. O primeiro, o Manuel, que tinha saído de casa, com catorze anos, em agosto de 1889, tinha o tio Francisco, no Rio de Janeiro, à sua espera, quando lá chegou, no dia 4 de setembro desse ano. Seguiram-se-lhe, na aventura, o Vicente, em 1892 e o malogrado Joaquim, dois ou três anos depois, tendo perecido de doença quando acabara de fazer dezanove anos.

O Miguel era o irmão predileto que os “brasileiros” tinham deixado em Portugal, quase um delegado ou procurador, sobretudo depois do falecimento do José, com trinta e nove anos, o irmão primogénito, pai do Manuel da Estivada..

A prosperidade daqueles dois irmãos no Rio de Janeiro tornou-se notória, sobretudo quando ambos resolveram construir um palacete de férias, luxuoso para a época, mesmo ao lado da casa onde tinham nascido e crescido, concluído em 1914, meses antes do falecimento do pai. As viagens, em navios a vapor, com escala em Leixões, eram cada vez mais confortáveis e, com a nova casa, era agora raro o ano em que não passavam férias nas Medas, em anos alternados, o Manuel só com a esposa e o Vicente com toda a sua prole. Sempre que chegavam eram visitados pelas pessoas do poder da freguesia, do Padre ao Presidente da Junta, não faltando pelo meio o Regedor. E não iam sem resposta animadora, prometendo e cumprindo, com donativos de vulto, para a aquisição de instrumentos em falta na orquestra da terra, para a construção da primeira estrada da freguesia, para a ereção da torre sineira, para além de muitos outros pequenos benefícios.

Mas sem o aval do irmão Miguel, nenhuma obra era comparticipada pelos “brasileiros” que tinham nele os seus olhos e os seus ouvidos.

A freguesia, muito montanhosa, exígua de solo arável, obrigou a um forte fluxo migratório para o Brasil, sobretudo depois da libertação das populações escravizadas e da implantação da República neste país irmão, em 1888 e 1889, respetivamente. Ao incremento desta onda migratória, neste período, não será estranha a imposição definitiva da navegação a vapor, cada vez com maior capacidade, mais segurança, conforto e previsibilidade no tempo de viagem. Já não se ia de barco à vela, em penosas viagens que podiam demorar dois meses, sujeitas a naufrágios. Num barco destes tinha emigrado para o Brasil o pai do Miguel e dos outros oito irmãos, João Gonçalves Viana, na década de cinquenta, tendo-se demorado por lá o tempo suficiente para se elevar ao patamar que lhe permitiu casar na casa da Estivada, falida mas com estatuto.

Mesmo os maiores lavradores das Medas, trabalhando de sol a sol, só se davam ao luxo de calçar uns sapatos, para entrarem na Igreja, em dias festivos ou numa ida ao Porto. O Miguel Viana era o único lavrador das Medas que calçava sapatos à semana, e não precisava de se sujar no trabalho, porque tinha entregado toda a lavoura a três caseiros. Aceitou até a nomeação para Presidente da Junta no mandato de 1919 a 1922, na crença de que poderia assim acelerar a promoção da terra.

Aquilo só lhe trouxe chatices e depressa se apercebeu que lhe era mais de feição trabalhar por fora, instando os irmãos do Brasil a ajudarem a freguesia. Eles, depois que construíram o palacete de férias, vinham mais vezes a Portugal , mas viriam ainda com mais frequência se não tivessem que suportar aquele incómodo trajeto, pelo rio acima, num frágil valboeiro, desde a Ribeira do Porto até ao embarcadoiro do Carreiro. Depois era preciso ainda um carro de bois para os trazer, ao longo de um caminho pedregoso, do Carreiro até ao palacete.

Mas não era só para sua comodidade que os “brasileiros” da Estivada estavam dispostos a contribuir para a chegada da estrada às Medas, era também por quererem bem à terra que lhes tinha sido berço. Nas cartas que, do Brasil, escreviam ao seu irmão Miguel, não deixavam de lhe lembrar que não fazia sentido avançarem com o seu contributo enquanto os poderes públicos não dessem o primeiro passo, definindo o seu traçado e elaborando o respetivo projeto.

Por isso, aproveitando a ocorrência da festa do Senhor, na freguesia, no dia 21 de setembro de 1924, o Miguel da Mota deu, em sua casa, um grande jantar, em honra do deputado Correia Gomes, a quem empenhou em favor da estrada, junto do governo. O deputado, inebriado pelo lauto jantar, a que não faltaram as melhores carnes e os melhores vinhos, havia de lhe prometer que tudo faria, em Lisboa, para trazer tão útil e desejada obra a Medas. E foi isso que o Miguel da Mota transmitiu a seus irmãos, numa missiva que lhes mandou para o Rio de Janeiro, logo na semana seguinte.

Em 1925, o Miguel, amuado por o sobrinho não lhe ter mostrado a vaca, naquele domingo soalheiro, dele fez queixa ao irmão Vicente, enquanto seguiam naquele ronceiro e incómodo carro de bois, a caminho do barco que os esperava no Carreiro para os conduzir até ao Porto, de onde seguiriam para o vapor, de regresso ao Rio de Janeiro, depois de mais umas férias de três meses por cá. Não se sabe como decorreu a conversa, certo é que, no dia seguinte, o Miguel mudou a vaca, da Estivada para a sua casa, na Mota, incumbindo-se a partir dessa data, de mandar o leite à sua mãe, minha bisavó paterna. Mas a vaca, se mal comia na Estivada, mal continuou a comer, mesmo vendo-se num aido novo, e morreu passados poucos meses, de mal desconhecido.

Não era só a falta de uma estrada que aborrecia os irmãos do Miguel, quando por cá passavam férias, era o telefone que teimava em não chegar e a luz elétrica que se sabia estar ainda mais distante. Para eles , habituados a todas as comodidades, na Rua do Uruguai, no Rio de Janeiro, que estavam dispostos a despender significativas comparticipações para estas obras, este atraso era inaceitável. A estrada, impulsionada por um grande subsídio destes brasileiros da Estivada, chegou, em 1930, à Igreja das Medas, finalmente. Ao mesmo tempo eles mesmos, assumiram integralmente o custo total da construção da torre da Igreja.

Não admira que, em 1933, a freguesia lhes tivesse dispensado, na sua primeira viagem de automóvel, do Porto de Leixões às Medas, uma receção festiva, com a estrada engalanada no lugar de Canas, foguetório e a atuação da Banda de Música de Lever.

No centro daqueles festejos estava o tio materno do meu pai, o Miguel, eufórico e orgulhoso da prosperidade dos irmãos. Tinha razões para isso, ele que, no decurso da obra da estrada, não se cansava de trazer de casa um gigo com broa e garrafões de vinho que dava de merenda aos trabalhadores.

O telefone só havia de chegar em 1936, quanto à rede de energia elétrica, empancada pelos constrangimentos da 2ªGuerra Mundial só em 1947 se viram as primeiras lâmpadas acesas nos lugares principais da freguesia. Do Brasil, apagado o meu tio avô, o Vicente, por morte repentina, em 1937, foi-se extinguindo a chama que deu alento à freguesia, durante quase três dezenas de anos, embora o irmão Manuel, que faleceu em 1964, continuasse a ajudar a terra natal, mas com contributos bem mais modestos, porque tinha menos riqueza que seu falecido irmão. As obras da residência paroquial e a instalação da rede elétrica beneficiaram dos seus contributos. Era costume, sobretudo no período da Guerra Civil de Espanha e da 2.ª Guerra Mundial, todos os anos, ser distribuída, pelos mais pobres da freguesia, uma verba de um conto de reis ou mais, fruto da sua generosidade.

O Miguel Viana, o lavrador de sapatos, que morreu na sua casa do lugar da Mota, em 1953, depois de passar pela indizível desdita de assistir à morte dos seus dois filhos e de três netos, ainda encontrou energia para dirigir as obras da reabilitação da residência paroquial, em 1948.
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24 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21942: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (8): O valor da seringa

22 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21935: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (7): O milagre de Nhacobá

19 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21920: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (6): O soldado dos pés inchados

17 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21912: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (5): Dormir com o inimigo

15 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21905: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (4): A vaca

12 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21891: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (3): O canhangulo

10 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21880: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (2): Despejado na Guiné

12 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21762: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Manpatá, 1972/74) (1): Contra os canhões marchar, marchar...

(***) Último poste da série > 7 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22519: Notas de leitura (1379): Índice e contracapa da obra "Os Números da Guerra de África", de Pedro Marquês de Sousa (Guerra e Paz Editores, 2021, 384 pp.): "Vale a pena ler"! (A. Marques Lopes, cor art ref, DFA)

Guiné 61/74 - P22532: O nosso livro de visitas (213): Nuno Inácio, filho do nosso camarada Gil da Silva Inácio - "O Gringo" - que foi CMDT do Pel Caç Nat 67 em 1973

Guiné > Região de Tombali > Cufar > 1973 > A despedida do Pel Caç Nat 67 > Em primeiro plano, o comandante do Pelotão, Alf Mil Gil da Silva Inácio, o "Gringo".

Foto (editada): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem enviada ao Blogue por Nuno Inácio, filho do nosso camarada Gil da Silva Inácio, CMDT do Pel Caç Nat 67, através do Formulário de Contacto do Blogger, em 9 de Setembro de 2021:

Exmos. Srs.

Chamo-me Nuno Inácio e sou filho de um Comandante do Pelotão de Caçadores Nativos 67, Alf. Mil. Gil da Silva Inácio, conhecido como "O GRINGO" - Cufar - Guiné 1973.[*]

Tomei conhecimento deste website através de um grande amigo que viu um artigo onde mencionava um Alf. Mil. na Guiné conhecido como "o gringo" e como outrora lhe tinha referido essa alcunha do meu pai fui verificar e de facto é o meu pai.

Estimo informar que o meu pai é vivo, cheio de saúde e ainda pronto para as curvas.
Neste sentido gostaria de saber se alguns dos inúmeros heróis aqui presentes e representados conheceu o meu pai, gostaria de saber mais histórias desses tempos, porque o meu pai tem algumas reservas em partilhar essas histórias e se ainda existem encontros de ex-combatentes desses GE e, em caso afirmativo, pedia o favor a V. Exas. ser notificado para o efeito.

Grato pela atenção dispensada.
Atentamente,
Nuno Inácio
Cumprimentos,
Nuno Inácio | info@streetcustoms.pt


********************


2. Comentário de CV:

Caro Nuno Inácio
Permita-nos que o trate assim, já que entre a tertúlia, filho de um camarada, nosso "filho" é.

Muito obrigado pelo seu contacto e pelas notícias do estado de saúde de seu pai, o nosso camarada Gil Inácio, ainda um jovem como qualquer um de nós.
Infelizmente temos poucas referências no nosso Blogue sobre o Pel Caç Nat 67. Pelo que pude pesquisar, foi formado em 1968, permanecendo em Mejo até Janeiro de 1969, altura em que foi deslocado para Guileje. Em Dezembro do mesmo ano foi dali deslocado para Cufar, onde esteve até Junho de 1973, data em que foi deslocado para Farim, onde esteve até ao fim da guerra.

O seu pai deve ter feito estes últimos anos do Pel Caç Nat 67, rendendo o Alf Mil Cav Joaquim Esteves, depois confirmará com ele.
Se entretanto for conversando sobre a sua estadia na Guiné, pergunte-lhe se ele se lembra da data de ida e regresso. Normalmente não esquecemos, para o bem e para o mal, estas datas, assim como outras que lembram os momentos menos bons por lá vividos.

Se ele quiser, poderá partilhar connosco algumas fotos que tenha aí por casa. Se para tal não tiver arte ou engenho, contamos com o Nuno Inácio para o ajudar.
Pode ser que apareça alguém do seu tempo, furriéis, por exemplo. Ele lembra-se de algum deles? Saberá onde vivem actualmente?

Como sabé, os convívios dos antigos combatentes foram suspensos devido ao COVID mas retomados que sejam, e se soubermos algo que interesse ao pai, daremos conta.

Ficamos ao dispor do camarada Gil Inácio, desejando-lhe a melhor saúde.

Para pai e filho, um abraço em nome da tertúlia
Carlos Vinhal

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Notas do editor:

[*] - Vd. poste de 27 DE ABRIL DE 2017 > Guiné 61/74 - P17291: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (16): o Pel Caç Nat 67,em Cufar, 1973

Último poste da série de 13 DE JULHO DE 2021 >
Guiné 61/74 - P22370: O nosso livro de visitas (212): Ildeberto Medeiros, ex-1º cabo condutor auto, CCAÇ 2753, "Os Barões" (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim/K3 e Mansabá, 1970/72)... Açoriano, vive nos EUA e quer integrar a Tabanca Grande

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22531: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (88): O Regimento de Cavalaria n.º 6 de Braga, juntamente com a Universidade do Minho, está a organizar um colóquio e uma exposição (a acontecer em 18NOV21) sobre o esforço de mobilização do RC6 em PelRec Daimler para os três Teatros de Operações. Procura-se antigos CMDTs Pel Rec Daimler para possível colaboração no evento

1. No passado dia 1 de Setembro de 2021, recebemos do Exmo. Senhor Comandante do Regimento de Cavalaria nº 6 a seguinte mensagem:

Exmos Senhores Luís Graça e Carlos Vinhal,

Chamo-me Miguel Freire e presentemente sou o Coronel Comandante do Regimento de Cavalaria Nº 6 (RC6), em Braga. O RC6, juntamente com a Universidade do Minho, está a organizar um colóquio e uma exposição (a acontecer em 18NOV21) sobre o esforço de mobilização do RC6 em PelRec Daimler para os três Teatros de Operações. Temos vindo a fazer um trabalho de pesquisa quer no Arquivo Geral do Exército, quer no Arquivo Histórico-militar. Mas temos tido alguma dificuldade a chegar ao contacto de antigos combatentes pertencentes a estes pelotões. O blog que têm é uma ferramenta extraordinária. Tomei a liberdade de vos contactar por mail e não pelo blog para saber se seria possível contar com o vosso apoio para divulgar este evento fazendo um convite para os antigos combatentes que tenham servido nestes pelotões para nos contactarem. Gostaríamos de poder contar com os seus testemunhos não só na preparação da exposição como na preparação e participação de comunicações. Se aceitarem dar-nos este apoio eu envio um pequeno texto para ser difundido no blog a convidar antigos combatentes dos Pel Rec Daimler a quem possamos entrevistar/conversar sobre o emprego destes pelotões. Assim que tivermos o cartaz oficial do evento também usaríamos o vosso blog para difundir o evento, para que o maior numero de antigos combatentes ou os seus familiares pudessem estar presentes ou assistir pela internet. Claro que isto é extensível a militares de outras unidades (BCav, BArt ou BCaç) nas quais os Pel Rec tenham sido integrados.

Disponibilizo o meu contacto pessoal caso queiram falar sobre este projeto. Tinha muito gosto em fazê-lo.

Obrigado pela atenção e fico a aguardar uma resposta.
Um abraço


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2. No dia 3 enviámos ao Comandante do RC6 a seguinte mensagem:

Exmo. Senhor Comandante do RC 6

Estamos a acusar a mensagem de V. Ex.ª e a disponibilizar o nosso Blogue para divulgação desta e de outras iniciativas que ache convenientes.

Numa primeira pesquisa no Blogue achámos 4 ex-Alferes Milicianos que comandaram os Pel Rec Daimler: 2046; 2206; 2208 e 3089. Tenho ainda um amigo/camarada que não fazendo parte da nossa tertúlia também comandou um Pel Rec Daimler na Guiné (2209).
Se o senhor Comandante nos disponibilizar um texto para conhecimento e sensibilização para participação destes nossos camaradas no referido evento, endereçá-lo-emos com todo o gosto aos 5 camaradas, assim como daremos o devido destaque no Blogue.
Numa primeira fase, ficámos na dúvida se a mensagem que nos enviou é publicável ou até passível de envio para conhecimento aos nossos 5 camaradas comandantes dos Pel Rec Daimler.

Ficamos ao inteiro dispor do senhor Comandante
Cordiais saudações
Carlos Vinhal
Coeditor


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3. Neste mesmo dia endereçámos aos nossos camaradas:
Jaime Machado, CMDT do Pel Rec Daimler 2046; J. L. Vacas de Carvalho, CMDT do Pel Rec Daimler 2206; Ernestino Caniço, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 e Francisco Cardia Taveira, CMDT do Pel Rec Daimler 2209, a mensagem que se segue:


Estimados camaradas de armas, nobres Cavaleiros

Atendendo à vossa qualidade de ex-Comandantes de Pelotão de Reconhecimento Daimler, estou a encaminhar uma mensagem enviada ao nosso Blogue pelo senhor Comandante do actual RC6, agora sediado em Braga.
Peço a vossa melhor atenção e, se para tal tiverem disponibilidade, prestem a colaboração que o senhor Coronel Miguel Freire solicita.
Somos, neste caso sois, a memória viva de um passado que querem estudar. Falemos agora antes que outros comecem a falar por nós.
Têm os contactos do senhor Coronel para o caso de quererem comunicar com ele. O vosso camarada Francisco Gamelas já está em contacto com o senhor CMDT do RC6.
Digam-me qualquer coisa.

Aquele abraço enorme, especialmente para o Jaime Machado e Vacas de Carvalho que há muito não dão "sinal de vida".
Sempre ao vosso dispor
Carlos


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4. Sabemos já que o Camarada Jaime Machado contactou o senhor Coronel Miguel Freire por esta mensagem que ele nos enviou para conhecimento:

Caro Senhor Coronel Miguel Freire
Fui comandante do Pel. de Reconhecimento Daimler 2046.
Prestei serviço militar na Guiné-Bissau entre maio de 1968 e abril de 1970.
Resido em Matosinhos.
Estou ao seu dispor para o que achar útil.

Os meus melhores cumprimentos
Jaime Machado


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5. Nota de CV:

Se entre os nossos leitores houver alguém que tenha comandado um Pel Rec Daimler  em qualquer dos três TO ou conheça algum antigo Comandante dessas Unidades de Cavalaria, por favor entrem em contacto com o senhor Comandante do RC6 de Braga através dos endereços e telefones fornecidos.

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22269: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (87): senhoras de Bolama mandam celebrar missa do 7º dia por alma dos aviadores italianos, mortos no acidente aéreo de 6/1/1931

Guiné 61/74 - P22530: (Ex)citações (390): o ouri (ou uril) de Madina Xaquili, um jogo de estratégia (Fernando Gouveia / António J. Pereira da Costa / Cherno Baldé)

O ouri de Madina Xaquili, em forma de canoa, feito em pau sangue, e trazido pelo Fernando Gouveia para a sua coleção de arte guineense. As pedras são sementes de coconote. O tabuleiro tem seis buracos de cada lado.


Foto (e legenda): © Fernando Gouveia (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Comentários dos nossos leitores ao poste P22526 (*):

(i) Fernando Gouveia:

(...) Em Bafatá joguei várias vezes uril (em francês, "iuri", como então lhe chamávamos), com o ator Carlos Miguel, o "Fininho". De Madina Xaquili, onde cheguei a estar,  trouxe de lá um uril (ou ouri)  em forma de canoa. (...) Ver foto no poste P4585 e toda a história à volta dele. (**)


(ii) António J. Pereira da Costa:

(...) Tenho um jogo do ouri, mas faltam-me algumas peças. São sementes pretas de uma planta que não conheço. Deviam ser 48, mas não tenho tantas, Haverá alguém que me arranje as que me faltam? Pelas minhas contas faltam-me 7 sementes. No meu livro "A Minha Guerra a Petróleo" conto a história das derrotas que o "Balantazinho" me aplicava. O pagamento era feito em Sumol de Laranja ou Ananás... Uma garrafa por cada vitória. 

(...) O meu ouri é em forma de canoa e tem duas "caixas" nas proas para guardar as sementes, antes de começar o jogo. Ja´enviei para o blog fotos das minhas peças de arte guineense. Para esclarecimento é só lá ir(...) (*)

 (iii) Cherno Baldé:

Na minha explanação, disse erradamente que eram 5 buracos de cada lado, na verdade são 6 buracos ou casas de cada lado, onde no início da partida se colocam 4 pedras/sementes em cada uma das casas. O sentido do jogo é sempre de esquerda para a direita, no sentido contrário aos ponteiros do relógio. O jogo faz-se distribuindo a totalidade das pedras/sementes de uma das casas de cada vez.  seguido do adversário que também procede da mesma forma, tentando capturar ou comer (como se diz nas línguas africanas). 

Para a captura usa-se a estratégia do lobo, ou seja,  de atacar o lado mais fraco do adversário. Quando a distribuição das pedras/sementes termina numa casa ou numa série de casas com menos de 4 sementes (2 ou 3),  estas encontradas em situaçao de fragilidade, consideram-se capturadas/comidas e são retiradas e guardadas na ponta do lado direito de cada um dos jogadores. E quando não houver mais sementes, ganha o jogo aquele que tiver mais pedras ou sementes capturadas.

(iv) Fernando Gouveia:

(...) Ainda bem que o Cherno fez a correção dos seis buracos,  e não cinco. Porém no meu tempo, em Madina Xaquili aprendi que só se comia quando nas últimas casas se encontravam ou uma ou duas pedras e só no lado do adversário. (...)
 
(v) Cherno Baldé:

Caro Fernando Gouveia, está certo o que dizes, todavia, para capturar (comer) tens que juntar (distribuindo) mais uma pedra a outra (quando é 1) ou as outras (quando são 2). 

Quando a distribuição das pedras de uma casa termina numa casa vazia (sem pedras) ou numa casa totalizando 4 ou mais pedras, não se pode capturar porque 4 é um número neutro (de segurança mínima), razão porque designo este jogo por estratégia do Lobo que só ataca o lado mais fraco das suas vítimas. 

Neste jogo as casas em risco de ser capturadas são as que tem 1 ou 2 pedras pois que quando se junta mais uma pedra do adversário são capturadas. Cada um dos adversários vai tentar atrair para o seu lado o máximo de pedras e construir casas fortes de ataque ao adversário, acumulando um número significativo de pedras (artilharia) as quais serão redistribuidas no momento oportuno, de modo a poder capturar/matar (comer) o maior número de inimigos/pedras do seu adversário. (...) )***)

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(**) 26 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4585: A Guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (7): Um alferes desterrado em Madina Xaquili, com um cano de morteiro (VI Parte)

(...) Relato do 12.º dia – 23JUN69

Essa pureza que referi iria ser quebrada. Em determinada altura ouço, perfeitamente fora do contexto, um gargalhar de dois milícias. O que se passava? À porta de uma palhota um militar metropolitano mostrava a esses dois camaradas africanos um baralho de cartas, daqueles com cenas pornográficas. Interrompi a sessão, chamei o metropolitano e expliquei-lhe, em pormenor, a poluição do seu acto, etc., etc.

À tarde aproveitei para tirar algumas fotos e ir falar com o Braima para saber se ele me vendia a guitarrinha, daquelas típicas, feitas com meia cabacinha, pele de macaco e cordas de fio de pesca. Não o consegui mas falando-se também do seu iuri que ele próprio escavou em pau sangue, com forma de canoa, aqui sim, consegui convencê-lo, considerando essa a peça mais significativa que trouxe da Guiné. (...) 

(***) Último poste de 19 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22386: (Ex)citações (389): Caminheiro, peregrino, pagador de promessas...(Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil prqd, BCP 21, Angola, 1970/72)