segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22915: Notas de leitura (1410): “África Dentro”, por Maria João Avillez; Texto Editores, 2010 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
A cooperação da Fundação Calouste Gulbenkian com a Guiné vem desde o Estado Novo, assenta em dois eixos principais: educação e saúde. A Gulbenkian ajuda a capacitar bibliotecários arquivistas, profissionais de comunicação social, dá bolsas a professores e na saúde promove um vasto leque de programas que vão desde o hospital ao ambulatório. Rui Vilar convidou a jornalistas Maria João Avillez a fazer o périplo das antigas colónias portuguesas de África, é uma reportagem onde se dá conta de que a Gulbenkian aposta numa cooperação que visa preparação de gente autónoma, também na prevenção da doença e na promoção da saúde. A guerra civil de 1998-1999 destruiu equipamentos e infraestruturas que a Gulbenkian contribuiu para reabilitar, caso do INEP, e ajuda a melhorar as instalações de um dos mais lindos projetos, o da Cumura, com o objetivo de tratar quem sofre da lepra.

Um abraço do
Mário



"África Dentro", por Maria João Avillez (1)

Beja Santos

África Dentro
, por Maria João Avillez, Texto Editores, 2010, é uma avaliação em jeito de reportagem da intervenção da Fundação Calouste Gulbenkian nas cinco ex-colónias portuguesas de África. A Gulbenkian pretendia uma reportagem captada pelo olhar de uma jornalista. Foi isso que aconteceu. Vamos falar da Guiné-Bissau, onde a Gulbenkian privilegia dois polos de cooperação, na educação e na saúde.

A jornalista não pisava aquele solo há quarenta anos, solo de desamparos, como escreve, onde há um povo que os deuses parecem ter esquecido e onde tudo parece apontar para que o viandante se sinta desencorajado. Mas há o feitiço florestal, algo de genesíaco a prender-nos, e quem observa todas as dificuldades rende-se à beleza: “É certo que há as mais belas mangueiras de África, agora despontando em exuberantes cachos de flores rosadas, e os cajueiros incessantemente debruando estradas e caminhos, à beira dos braços de mar que molham o solo; há a pedra dos edifícios em estilo ‘colonial’, arruinadas memórias de um tempo que não voltará, mas encontrei aqui quem gostava que ele voltasse. Há uma cidade capital de geometria amável, feita de avenidas longas e de alguns cantos e recantos que conservam um visto de harmonia, há os hibiscos e as acácias que tentam, em vão, redimir Bissau da decadência que a vai afogando. E há ao longe, à beira-mar – desse mar que da cidade estranhamente quase nunca se avista –, o que resta hoje da fortaleza de São José da Amura e seus baluartes, fortificação tantas vezes feita e desfeita ao longo dos tempos”.

A visita começa no INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, era ao tempo seu diretor Mamadou Jau. Apresenta o INEP e os seus setores de investigação, biblioteca e arquivos. O INEP ainda não estava recomposto do vandalismo da guerra civil, tinha recebido, no ato fundador, todo o acervo do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e o espólio do Museu da Guiné. Esse acervo foi consumido entre 60 a 70% no conflito militar de 1998-1999. A Gulbenkian deu apoio estratégico, concedeu fundos para aquisição de materiais, ofereceu livros, financiou formação a nível de bibliotecários, arquivistas, secretariado. E passa-se para o projeto da Faculdade de Direito de Bissau, tudo se iniciara na década de 1990, assinara-se um protocolo de cooperação entre Portugal e a República da Guiné-Bissau na área jurídica, assim surgiu a Faculdade de Direito de Bissau. A Fundação Gulbenkian é uma associada, estabeleceu uma parceria de atuação, apoio à realização de ações de formação/especialização para professores guineenses em Portugal, estágios de investigação na Faculdade de Direito de Lisboa. Registou números do corpo docente e discente, constatou o empenho da Faculdade de Direito de Lisboa, tomou nota das publicações, não havia nenhuma edição do Código Civil antes da existência da Faculdade de Direito, a Fundação Gulbenkian ajudou a publicar um conjunto de compilações e ficamos a saber que ao nível de 2010 uma parte muito significativa do Direito que rege a Guiné-Bissau (entre 50 a 60%), continua a ser o Direito português.

Mas há mais, releve-se a importância da Fundação Evangelização e Culturas (FEC) e a Escola António José de Sousa, uma escola com maiúscula. A FEC é uma plataforma informal de entidades de voluntariado missionário, dá apoio à educação e à comunicação social, é um trabalho disseminado por todo o país, a partir de 2001, começou em Mansoa, apareceram depois as escolas solidárias, os centros de desenvolvimento educativo, estes visam o acesso a recursos pedagógicos, literários e de informação e informática para as povoações locais, há mesmo o programa ‘Andorinha’, uma aposta radiofónica do ensino da língua portuguesa através da rádio.

E o roteiro da educação a que se associa a Fundação Gulbenkian na Guiné-Bissau termina numa escola dirigida por franciscanos, tem à sua frente Frei Paulo. No ano letivo de 2007-08 a Escola António José de Sousa estava no top do ranking do Ministério da Educação, é a escola mais conceituada do país, é popularmente conhecida como a escola dos padres. A Gulbenkian ofereceu cadeiras, carteiras, quadros, a jornalista visita a biblioteca, as instalações da escola e comenta: “Ensina-se aqui o ciclo primário, com aulas da 1.ª à 4.ª classes, num universo de quase 500 alunos, rapazes e raparigas, distribuídos por 16 turmas. Dentro das classes, silêncio, ordem, disciplina. Do desenho do giz na lousa vão nascendo algarismos destinados a ilustrar somas e subtrações, seguidas por dezenas de pares de olhos redondos de atenção”. E daqui parte-se para os projetos ligados à saúde, são variados e, sem exagero, emocionantes.

(continua)


Biblioteca Pública do INEP.
Escola António José de Sousa, Bissau.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22906: Notas de leitura (1409): Diário da Companhia da Loira & Zorba, por Manuel Neves Fonseca; Projecto Foco, 2020 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22914: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte X: Conto - O camaleão ganha a corrida ao lobo (hiena)


Ilustração do mestre Augusto Trigo (pág.  63)





O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amiga




1. T
ranscrição das págs. 63-64 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)



J. Carlos M. Fortunato >
Lendas e contos da Guiné-Bissau




Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5



Conto - O camaleão ganha a corrida ao lobo 
(pp.  63/64) 


Um dia o camaleão e o lobo (hiena) conversavam, sobre quem eram os animais mais rápidos. 
– Qual é o animal mais rápido a voar? – perguntou o camaleão. 
– Eu sou o mais rápido a voar – respondeu o lobo. 
–  O quê? Você não sabe voar! – exclamou o camaleão. 
 Eu sei voar muito bem – retorquiu o lobo. 
– Quem é o mais rápido a nadar? – perguntou o camaleão. 
– Eu sou o melhor nadador. Nado mais rápido do que qualquer peixe – respondeu o lobo. 
– Como pode dizer isso, se você nem sabe nadar… – disse o camaleão, incrédulo com as respostas do lobo. 
– Eu nado muito bem – replicou o lobo com vaidade. - Quem é o corredor mais rápido de todos os animais? – perguntou o camaleão, já aborrecido com as mentiras do lobo.
– Eu sou o melhor corredor, ninguém corre mais rápido do que eu – respondeu logo o lobo. 

Irritado com tanta mentira, vaidade e presunção, o camaleão já não conseguiu ouvir mais o lobo e resolveu dar-lhe uma lição. 
– Eu corro melhor que você! – exclamou o camaleão. 
– Você  não sabe correr –  disse o lobo e começou a rir. 
 – Ah! Ah! Ah! –  ria o lobo apontando para o camaleão. 
Eu corro muito bem. Eu corro melhor que você. Vamos fazer uma corridadesafiou o camaleão. 
–  Você quer fazer uma corrida comigo? – perguntou o lobo admirado. 
– Sim! E eu vou vencer essa corrida! Vamos fazer a corrida já! Eu vou darlhe uma lição! – respondeu o camaleão – Meninos  batam as palmas para dar a partida – pediu o camaleão às crianças que estavam a assistir à conversa. 

Os meninos bateram as palmas, e o lobo começou a correr veloz, mas o camaleão segurou-se com força ao rabo do lobo e não o largou. O lobo correu o mais rápido que conseguiu, até à meta. Depois de passar a meta, o lobo cansado da corrida foi sentar-se, mas quando ia fazê-lo, ouviu uma voz dizer-lhe: 
– Não senta em cima de mim. Vai sentar noutro lado, que eu cheguei primeiro    era o camaleão! 

O lobo abriu os olhos de espanto, nem queria acreditar no que estava a ver, e só dizia: 
– Como foi possível o camaleão chegar primeiro? Como foi possível o camaleão chegar primeiro? 

E foi assim, que o camaleão ganhou a corrida.

(COntinua)

2. Como ajudar a "Ajuda Amiga"?

Caro/a leitor/a, podes ajudar a "Ajuda Amiga" (e mais concretamente o Projecto da Escola de Nhenque, que já foi inaugurada dia 8 deste mês, com pompa e circunstância), fazendo uma transferência, em dinheiro, para a Conta da Ajuda Amiga:

NIB 0036 0133 99100025138 26

IBAN PT50 0036 0133 99100025138 26

BIC MPIOPTP


Para saber mais, vê aqui o sítio da ONGD Ajuda Amiga:

http://www.ajudaamiga.com
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Nota do editor:

(*) Último poste da série >  9 de dezembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22791: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte IX: Conto - A lebre e o lobo no tempo da fome

Guiné 61/74 - P22913: Parabéns a você (2027): António José Marreiros, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 3544 e CCAÇ 3 (Buruntuma, Bigene e Guidage, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22908: Parabéns a você (2026): Manuel dos Santos Gonçalves, ex-Alf Mil Mec Auto da CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)

domingo, 16 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22912: Ocupação dos aquartelamentos das NT e povoações pelo PAIGC (jul-out 1974), de acordo com o Plano de Retração do Dispositivo: excertos do relatório da 2ª Rep/CC/FAG, datado de 28 de fevereiro de 1975


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART/BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Julho de 1974: visita de Bunca Dabó e do seu bigrupo, fortemente armado... Ao centro, o nosso amigo e camarada Jorge Pinto, então alf mil, em farda nº 2, desarmado, fazendo as "honras da casa" (*). O aquartelamento e a povoação foram ocupados pelo PAIGC apenas em 2 de setembro de 1974.  (Natural de Turquel, Alcobaça, o Jorge Pinto é professor do ensino secundário, reformado.)

Foto (e legenda): © Jorge Pinto  (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

Relatório 2ª Rep /Pág.  52


Relatório 2ª Rep /Pág.  53



Relatório 2ª Rep /Pág.  54

 

Luís Gonçalves Vaz


Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001)

Excertos do relatório da 2ª Rep/CC/FAG, sobre a situação político-militar em 1974 , publicado em 28 de fevereiro de 1975, e na altura classificado como "Secreto". É 
 assinado pelo chefe da 2ª Rep do CC/FAG [, Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné, comando unificado criado em 17 de Agosto de 1974], o maj inf Tito José Barroso Capela.

Este documento foi digitalizado pelo Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande [,foto acima], a partir de um exemplar pertencente ao arquivo pessoal de seu pai, cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (1922-2001), último Chefe do Estado-Maior do CTIG (1973/74) [, foto també, acima]. (**)

Índice do relatório [que tem 74 páginas] (***)

A. Período até 25Abr74

1. Situação em 25Abr74

a. Generalidades (pp.1/2)
b. Situação política externa:
(1) PAIGC e organizações internacionais (pp. 2/5)
(2) Países limítrofes (pp. 5/8)
(3) O reconhecimento internacional do “Estado da G/B em 25Abr74 (pp.8/9).

c. Situação interna:

1. Situação militar

(a) Actividade do PAIGC (pp. 10/12)
(b) Síntese da atividade do PAIGC e suas consequências (pp.13/15)
(c) Análise da actividade de guerrilha (pp. 16/18)
(d) Dispositivo geral do PAIGC e objetivos (pp. 18/19)
(e) Potencial de combate do PAIG (pp.19/20)
(f) Possibilidades do PAIGC e evolução provável da situação (p. 21)

2. Situação político-administrativa (pp. 22/24).

B. Período de 25Abr74 a 15Out74

2. Evolução da situação após 25Abr74

a. Generalidades (pp. 25/26)
b. Situação política externa (pp. 26/28)

(1) PAIGC (pp. 29/32)
(2) Organizações internacionais (pp. 32/34)
(3) Países africanos (pp. 34/35)
(4) Outros países (pp. 35/36)


c. Situação interna

(1) Situação militar

(a) Aspetos gerais (pp.37/46)

(b) Síntese da actividade de guerrilha

1. Ações de guerrilha realizadas pelo PAIGC após 25abr74 (pp. 47/52)
2. Ações de controlo às viaturas das NT (p. 52)
3. Ocupação dos aquartelamentos das NT e povoações pelo PAIG (pp. 52/54)

(2) Situação político-administrativa(a) PAIGC- Contactos e conversações no TO (pp. 55/64)

(b) Outros partidos políticos ou associações cívicas (pp. 64/66)
(c) Prisioneiros de guerra (pp. 66/68;
(d) Transferência dos serviços públicos sob administração portuguesa para a administração da República da Guiné-Bissau (pp. 68/70);
(e) Diversos (pp. 70/74)

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Notas do editor:



 (*** ) Vd. restantes postes da série:




4 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9443: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte V): pp. 10/21

31 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9424: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição, adaptação e digitalização de Luís Gonçalves Vaz (Parte IV): pp. 1/9

Guiné 61/74 - P22911: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXII: Os torneios de futebol e a Cilinha que não veio, e a notícia do 25 de Abril que só chegou a 26...



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã >  CCAV 8351 (1972/74), "Os Tigres do Cumbijã" > > 1974 > Festejando, condignamente, a conquista do último lugar do torneio de futebol inter pelotões bebendo uísque na minúscula taça. Da direita para a esquerda: Afonso, Belinha (o homem que ia sempre na dianteira do pelotão com a sua pica), Costa e mais camaradas do 2,º pelotão.

Foto (e legenda): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Nhala >  2ª CCaç / BCaç 4513 (1973/74) > Domingo, 10 de março de 1974 > Visita da Cilinha ao aquartelamento de Nhala, escoltada por um grupo de fuzileiros.  Após a visita, a Cilinha é acompanhada até às viaturas para o regresso.  Cortesia do António Murta.

Foto (e legenda): © António Murta  (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 






O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Já saiu o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que temos estado a editar  largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (*)


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXII (**)

 

Atividades lúdicas… e Grândola, Vila Morena! 



Os dias estavam a tornar-se cada vez mais enfadonhos, com muitos de nós a riscar pauzinhos na parede da caserna por cada dia que passava, tal qual um prisioneiro.

Bem se esforçava o Furriel Formosinho, acabado de chegar à companhia carregando às costas a sua G3 e o seu violão, em levantar o moral das tropas com as suas serenatas noturnas cantando canções do “reviralho” e outras fora da caixa. Foi marcante e muito importante para todos nós a sua chegada ao Cumbijã,  trazendo para além do violão,  a sua irreverência e alegria contagiantes.

Sentíamos aqui como nunca a falta do dia das lavadeiras. Era aqui, neste “buraco” no fim do mundo, que estes momentos seriam importantes para quebrar um pouco as rotinas diárias de: Patrulhas, flagelações, minas, cerveja durante o dia e whisky durante a noite.

Aqui não havia população e a roupa era enviada para as nossas lavadeiras de Aldeia Formosa na coluna diária do transporte de água.

Desde a chegada ao Cumbijã, embora me continuasse a lavar a roupa, nunca mais vi a minha simpática e eficiente lavadeira.

Aqui, a única alegria a que tínhamos direito era a chegada do correio.

Até a "Cilinha" (Presidente do Movimento Nacional Feminino), não obstante a sua coragem, não teve a suficiente para visitar o Cumbijã, preferindo o aquartelamento vizinho de Nhala, dias antes do 25 de Abril de 74.  Obviamente era um hotel de 5 estrelas em comparação ao nosso parque de campismo selvagem!!! 

Teria sido um momento memorável ver a “Cilinha” tomar banho nos nossos chuveiros, com água a saber a gasóleo e com vistas privilegiadas para a horta do Zé Carlos e para todo o destacamento. Acredito que era mulher para o fazer sem nenhum constrangimento!

A própria RTP nunca ousou visitar-nos para gravar as históricas mensagens dos soldados transmitidas religiosamente no dia de Natal. Ainda chegaram a sugerir irmos a Aldeia Formosa fazer as gravações. Declinámos o convite, com o argumento que só fazíamos as gravações na nossa casa (Cumbijã).

Até os Capelães desconheciam este buraco tendo-nos honrado uma única vez com a sua presença com a celebração de uma missa. Dia histórico no Cumbijã, apesar da pouca audiência. Situação que o Capelão aproveitou para não mais aparecer (não quero ser injusto já que há relatos que confirmam a importância destes “homens de Deus” em diferentes locais do território da Guiné demonstrando grande humanismo e coragem).

Contudo, havia escola com alguns graduados a prepararem um grupo de soldados para realizarem o exame da 4ª classe. Exame esse que se realizou no Cumbijã com a deslocação de um professor primário, creio que de Bissau.

Reza a história que a coisa não estava a correr nada bem aos examinandos pelo que foi necessário simular um ataque ao destacamento, fazendo dois disparos de obus com o professor a fugir em pânico, deixando tranquilamente acontecer a ajuda aos nossos bravos soldados e acabando todos, obviamente, por passar.

Durante este período até deu para fazermos um torneio de futebol, onde a minha equipa (o meu pelotão) ficou num honroso 5.º lugar, ou seja, o último! Contudo, não deixamos de protestar o último jogo já que fomos claramente “roubados”. 

Sendo este o último jogo do dia, estava próxima a hora em que aconteciam as flagelações de canhão sem recuo do IN. Faltavam uns 3 minutos para acabar o jogo quando ouvimos uma grande explosão que fez levantar uma grande nuvem de pó, fazendo supor que estávamos na presença de uma nova flagelação, seguida da debandada de todos os jogadores para as valas. Situação aproveitada por um “cacimbado” da equipa adversária, retendo a fuga por uns segundos. introduzindo a bola na nossa baliza deserta antes de fugir. Como a equipa adversária equipava de vermelho o árbitro validou o golo averbando nós mais uma derrota.

A explosão não foi mais um ataque do IN mas sim o rebentamento de granadas antigas, já sem espoleta, que tinham sido colocadas, num buraco, fora do arama farpado para serem destruídas por simpatia com o lançamento de uma granada (???) para o monte de toda aquela sucata. Um pequeno incêndio junto às mesmas acabou por antecipar a sua destruição. Sendo evidente alguma negligência, felizmente, tudo não passou de um grande susto, sem consequências de maior… a não ser as desportivas!

Não obstante estas rotinas sentia-se no ar que o PAIGC estava a preparar novas incursões estilo Guileje, Gadamael e Guidage, com o apoio dos países amigos. Especulava-se que o PAIGC tinha já garantida a utilização de carros de combate e eventualmente aviação.

Foi neste clima de tensão que, um belo dia,  tivemos conhecimento pela “Maria Turra” (uma emissão de rádio do PAIGC, sediada na Guiné-Conacri e que nós muitas vezes ouvíamos), de um golpe de estado em Lisboa. 

Como sempre acontece nos conflitos militares, da propaganda à realidade vai a distância do céu ao inferno pelo que demos a importância de sempre às notícias difundidas por esta emissora - algum fumo de um pequeno incêndio!

Contudo, na tarde do dia 26, vinha eu com a minha cerveja e o meu "Norte Desportivo" na mão, quando o Martins se vira para mim e me diz, de forma perentória:
- Costa! Há mesmo “merda” em Lisboa.

[Sempre fui alvo de “chacota” por ler o "Norte Desportivo" (já que “gente fina” lia  "A Bola" – um dos muitos órgãos... oficiosos do Benfica), que o meu irmão Manuel esporadicamente me enviava. Este jornal, o único que falava do FCP, fazia o impensável (dado os meios da altura) de. aos domingos, quando ainda o pessoal estava a sair dos campos de futebol, já o ardina o está a vender à saída, com os resultados finais, com a constituição das equipas e respetivos comentários aos jogos. Os comentários eram feitos de véspera, e os resultados colocados muitas das vezes à mão. 90% dos comentários acabavam por bater certo, o que convenhamos, era uma boa média…]


Consolidado o 25 de Abril,  e estando nós já no fim da comissão, não obstante a alegria esfuziante que reinava, preocupava-nos a possibilidade de alguma anarquia bem como a nossa retenção na Guiné (já com a comissão no fim), já que as palavras de ordem nas ruas de Lisboa eram: "Nem mais um soldado para as colónias!"...

Com todos estes desenvolvimentos só tomei conhecimento que havia feito anos (27 de Abril), na segunda quinzena de Maio ao ler um aerograma vindo de casa, acompanhado do "Jornal de Notícias" com imagens das grandiosas manifestação do 1º de Maio.

Felizmente, ao contrário de outros teatros de guerra, de a ferro e fogo passámos para uma paz quase total.

As hostilidades cessaram, sem que nenhuma instituição, organização ou hierarquia (de um lado ou do outro) o decretasse. Em alguns locais houve mesmo encontros entre a nossa tropa e grupos armados do PAIGC, com abraços e festa conjunta.

Dá que pensar !...dá que pensar !…

Nota: Vai-se lá saber porquê, e para quê, fui eleito pelos meus pares como delegado do MFA, em representação da companhia. Manga de ronco! Ainda estou a pensar se hei-de colocar este cargo (que nunca exerci) no meu currículo!

(Continua)



Capa  do livro do Joaquim Costa, "Memórias de Guerra de um Tigre Azul: O Furriel Pequenina, Guiné: 1972/74". Rio Tinto, Gondomar, Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp.(*)

O livro, saído neste último Natal de 2021, aguarda a melhor oportunidade para a sua apresentação ao público. Mas podem desde já serem feitos pedidos ao autor: valor 10 € (livro + custas de envio), a transferir para o seu NIB que será enviado juntamente com o livro. 

Guiné 61/74 - P22910: O nosso blogue em números (78): Os vinte postes com maior nº de visualizações ao longo dos 12 meses do ano de 2021...






1. Por curiosidade, fomos ver quais os postes "mais visualizados" nos últimos doze meses, ou seja, ao longo do ano de 2021 (*)... Mas a expressão  "mais visualizados" não quere dizer os "mais comentados"... Muito menos quer dizer que foram sequer "lidos"... O poste pode ter sido, num dado dia, clicado "n" vezes, sem nunca ter sido lido...

Estes resultados têm, pois,  que ser vistos com muitas reservas e cautelas... Não significam necessariamente "maior popularidade" ... Por exemplo, não temos meios para distinguir o interesse dos leitores e as pesquisas feitas por robôs... 

Por outro lado,  há "picos" nas visualizações (, um determinado dia, de um dado mês)... E há postes mais antigos, cujo nº excecional de visualizações fica por explicar: por exemplo, o poste P2352 é de 2007 e aparece, em 2021, com mais de 1,7 mil visualizações... (Está na lista dos 10 postes mais visualizados de sempre, em 6º lugar, tendo apenas 8 comentários, muito valiosos, mas de diferentes anos: 2007, 2008, 2012...)

Aqui vão, em todo o caso, os "dez mais" do ano de 2021 (, o 1º, em destaque, vem em cima, e é da série "Da Suécia com saudade" e teve mais de 12 mil visualizações e 32 comentários)... 

O título da série e os marcadores, descritores ou "tags", ou o próprio título do poste, também podem influenciar a pesquisa... Neste caso, o poste P21145 dirige-se a um público-alvo, o "macho ibério", muito mais vasto do que os antigos combatentes da Guiné...(**)





20 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14640: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (31): Em busca das minhas raízes nalus / In search of my Nalu family origins (Nigel Davies, historiador britânico, originário da Serra Leoa / British historian, specialising in the study of Sierra Leone Creole people)

5,22 mil visualizações | 5 comentários





10 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22191: Casos: a verdade sobre ...(22): A deflagração de um engenho explosivo no Café Ronda, em Bissau, em 26 de fevereiro de 1974 (Carlos Filipe Gonçalves, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde)

4,88 mil visualizações | 38 comentários





6 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21522: FAP (124): A batalha das Colinas de Boé, ou a tentativa (frustrada) dos cubanos de fazerem de Madina do Boé o seu pequeno Dien Bien Phu (Abril-julho de 1968) - III (e última) Parte (José Nico, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1968/70)


3,94 mil visualizações | 25 comentários





9 de junho de 2021 > Guiné 61/74 - P22267: (Ex)citações (386): Valeu a pena andarmos todos à porrada, nós, e os ingleses, e os bóeres, e os alemães, e os cuanhamas, e os hereros, naquele Cu de Judas que era o sul de Angola e o Sudoeste Africano? (António Rosinha / Valdemar Queiroz)

3,74 mil visualizações | 11 comentários


10 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21531: Casos: a verdade sobre... (14): as razões da retirada de Madina do Boé em 6 de fevereiro de 1969... Já oito meses antes, em 8 de junho de 1968, havia saído uma Directiva do Comando-Chefe da Guiné para a transferência da unidade ali estacionada, a CCAÇ 1790, comandada pelo cap inf José Aparício

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5 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

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2. Na 11ª posição  (550 visualizações) até
 20ª (305 visualiações), ainda temos mais a seguinte lista:




3. Também por curiosidade liste-se, por ordem descrecescente e em números absolutos, as visualizações do nosso blogue em 2021 (cerca de 900 mil), por país (com a Suécia, surpreendentemente,  em 3º lugar e a Guiné-Bissau em 9º lugar, antecedida pelo Brasil):


Portugal > 264 mil
Estados Unidos > 237 mil
Suécia > 115 mil
França > 58,6 mil
Itália > 18 mil
Indonésia > 16,8 mil
Alemanha > 15,3 mil
Brasil > 9,34 mil
Guiné-Bissau > 7 mil
Outros > 142 mil


Vd. também poste de 8 de janeiro de2022 > Guiné 61/74 - P22888: (Ex)citações (397): Surpreendido com o aumento do nº de leitores do blogue, a partir da Suécia (José Belo, Key West, Florida, EUA)

sábado, 15 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22909: Os nossos seres, saberes e lazeres (487): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (33): A Arte Religiosa também conta neste portentoso Museu Nacional do Azulejo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Prossegue a viagem no interior do Museu Nacional do Azulejo, houve a preocupação de voltar um pouco atrás e ver conjuntos azulejares de um maior interesse, visitar o Panorama de Jerusalém, uma pintura flamenga que comporta a narrativa visual das 76 passagens da Paixão de Cristo e onde aparece a Rainha D. Leonor, pelo Coro Baixo visita-se a admirável igreja do convento, os tetos, o altar-mor, o púlpito, a riquíssima azulejaria holandesa, para quem entra aqui pela primeira vez é quase um atordoamento. Mas vamos continuar, o andar superior reserva-nos grandes surpresas e temos toda a história da azulejaria por contar, espera-nos um espectáculo fora de série que é o silhar de azulejos Grande Vista de Lisboa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (33):
A Arte Religiosa também conta neste portentoso Museu Nacional do Azulejo


Mário Beja Santos

Já se recordou ao leitor que este Museu nos revela Portugal com uma potência mundial do azulejo, depois de muita vicissitude aqui chegou ao Convento de Madre Deus este formidável acervo que é uma das manifestações artísticas identitárias da arte Portuguesa. Só que o convento, por si só, é um dos monumentos chave do barroco nacional. Se já visitou o restaurante-cafetaria com um conjunto representativo de azulejos da “cozinha de fumeiro”, ou espaireceu na estufa, pode agora contemplar o claustro, altamente depurado, obra de Diogo de Torralva (cerca de 1551), pode voltar de novo ao percurso didático da evolução do azulejo, só tem a ganhar em contemplar de novo o retábulo de Nossa Senhora da Vida, os padrões de enxaquetado, brações, panos de frontal de altar, percorrer o Coro Baixo, há tudo a ganhar em ver o azulejo da esfera armilar, divisa de D. Manuel I, executado em técnica hispano-mourisca. Pode agora contemplar uma obra extraordinária chamada Panorama de Jerusalém, veio da Flandres e data 1517. Foi oferta do Imperador Maximiano de Áustria à Rainha D. Leonor, é uma bela síntese do espírito de religiosidade mística do seu tempo. Ao fundo e à esquerda temos a imagem da Rainha D. Leonor, reza a tradição que a obra chegou a Portugal estando por pintar uma pequena área. Trata-se de uma narrativa visual de 76 passagens da Paixão de Cristo, que decorrem numa paisagem cujo eixo fundamental é o templo de Salomão. Para as freiras clarissas da Madre de Deus, esta pintura funcionaria como um substituto da peregrinação à Terra Santa, elas participariam de forma mística na Sua Paixão.
Claustro de Diogo de Torralva
Panorama de Jerusalém, Flandres 1517
Exemplos de belos conjuntos azulejares
Talvez o mais expressivo Cristo na cruz que faz parte deste precioso acervo

Estamos agora na Igreja do Convento da Madre de Deus, construída no reinado de D. João III e de D. Catarina de Áustria, substituiu a igreja primitiva. O seu esplendor deve-se às campanhas de obras empreendidas nos sucessivos reinados de D. Pedro II, D. João V e D. José, vejam-se os revestimentos azulejares encomendados à Holanda. Nos painéis, da autoria de Jan van Oort, completados por Willelm van der Kloet, há representação de palácios e jardins, um ermitério onde diversos religiosos se ocupam a orar. Era esta a moralidade: recordava-se aos fiéis as duas escolhas possíveis na época, um caminho de prazer e frivolidade ou um percurso de despojamento e virado para o Divino. O conjunto provoca-nos uma sensação de serenidade e harmonia, fruto do equilíbrio das proporções da arquitetura maneirista do século XVI. Acede-se pelo Coro Baixo através de uma imponente escadaria aqui colocada no século XIX. É igualmente impressionante a talha dourada, e olhando a toda à volta até se ganha quando se tem uma visita guiada, pois há complexos programas simbólicos barrocos nestes espaços à volta do teto e no altar-mor. Visite-se com tempo, e se necessário regresse-se a esta igreja antes de sair do museu
O púlpito espetacular com bela moldura azulejar
Aspeto do altar-mor
Pormenor de um conjunto azulejar alusivo a orações religiosas
Pormenor do teto da igreja do Convento de Madre de Deus
O lanternim da cúpula
Aspeto de um claustro interior
Azulejos representativos de Carlos II e Catarina de Bragança, sua mulher
Panorama da igreja vista do Coro Alto

Avisa-se o leitor que há muitíssimo mais para ver, há os painéis extravagantes, com aves e macacos, silhares para escadarias, a capela de Santo António com o fabuloso presépio, há as figuras de convite, a história do chapeleiro António Joaquim Carneiro, iremos até ao século XX e depois sobe-se a outro andar para termos a apoteose, o extraordinário conjunto chamado Grande Vista de Lisboa que veio da sala do Palácio dos Condes de Tentúgal, um autêntico diaporama com uma visão de 360º. Por tudo isso vamos prosseguir a visita.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22889: Os nossos seres, saberes e lazeres (486): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (25): O Museu que mostra como nos transformámos na potência mundial do azulejo (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22908: Parabéns a você (2026): Manuel dos Santos Gonçalves, ex-Alf Mil Mec Auto da CCS/BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73)

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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22901: Parabéns a você (2025): Maria Ivone Reis, Major Enfermeira Paraquedista Reformada (1961/74)