quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24853: As nossas geografias emocionais (16): O novo rosto da "nossa" Bissau Velha: fotogramas de vídeo recente de @PauloCacela, ciceroneado por Tita Pipoka e Liliana Correia


Fotograma nº 1   > Bissau > Praça Heróis da Pátria (antiga Praça do Império) (é cruzada na vertical pela Av. Amílcar Cabral e na horizontal pela Av. Francisco Mendes)


Fotograma nº 2 > Bissau > Av. Amílcar Cabral (antiga Av. da República)... Ao fundo, o palácio presidencial (há uns anos reconstruído pelos chineses)... Do lado direito, a catedral de Bissau, do tempo colonial.


Fotograma nº 3 > Bissau > Forte da Amura (fortificação do séc. XVIII, hoje Panteão Nacional onde repousam os restos mortais de alguns heróis da liberdade da Pátria, como o Amílcar Cabral, o Domingos Ramos, o Osvaldo Vieira, etc.) (Sobre a nova toponímia de Bissau, a partir de 1975, vd. poste P20340 (*)


Fotograma nº 4 > Bissau >  Casa N'té, uma gelataria tradicional. Na foto o Paulo Cacela e a Tita Pipoka. A Casa N'té tem página no Facebook. Fica na Rua de Angola, frente à RTP.


Fotograma nº 5 > Bissau >  O novo Mercado Central de Bissau, recém construído no mesmo sítio do velho mercado do tempo colonial, em plena Bissau Velha, perto da  Amura. Foi inaugurado em 26/12/2023, é um edifício de três pisos contando com 360 lugares para venda e com capacidade para albergar 480 comerciantes. Na foto o Paulo Cacela comendo uma saborosa manga com casca.


Fotograma nº 6 >Bissau > Mais um artéria da cidade, em obras  


Fotograma nº 7 > Bissau > o novo Mercado Central de Bissau: entrada. O antigo mercado construido na época colonial, ficou fechado durante 16 anos devido aos bombardeamentos de que foi alvo durante a guerra de 7 de Junho 1998, tendo sido reabilitado um ano depois, mas, em 2006, um incêndio voltou a destruí-lo por completo. Os feirantes acabaram por montar o seu negócio ao longo das ruas adjacentes (Fonte: FAAPA, 27 dez 2022).

Guiné - Bissau > Bissau > 2023 > O "novo" rosto da cidade... Fotogramas do vídeo de Paulo Cacela na sua canal no You Tube, reproduzidos aqui e editados por nós, com a devida vénia>  

Fotogramas (e legendas): © Paulo Cacela (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. O vídeo tem pelo menos três meses, foi c0locado em 21/7/2023. O  nosso já conhecido Paulo Cacela, "youtuber", português a viver em Cabo Verde, desde 2010 (**), faz um visita de carro pela "nova" Bissau Velho, sendo guiado por dois conhecias "influencers", a Tita Pipoka e a Liliana Correia. A época ainda é a da estação seca, a avaliar pela ausência de poças de água nas ruas. (Surpreendeu-me a frota automóvel de Bissau: há ali dinheiro a correr...)

O vídeo, colocado no You Tube,  tem já mais  de 32 mil visualizações.

Sinopse

(...) "Junta-te a nós para acompanhar as mudanças urbanas que estão acontecer na capital Bissau. Ninguem melhor que Tita Pipoka e Liliana Correia que dispensam qualquer tipo de apresentaçãoes na comunidade da lingua portuguesa, para nos mostrar um pouco sobre as ruas da capital, vamos perceber o que est+a a ser feito em prol da melhoria urbana. Podem seguir no Facebook: Tita Pipoka e Mrs Correia no Facebook e no Youtube onde iráo certamente encontrar excelentes videos sobre a Guine Bissau. (...)

Não se esqueçam também de dar o respectivo like e subscrever também".(,,,)

O Paulo Cacela é conduzido por ruas da  "nova" Bissau Velha, umas já remodeladas e alcatroadas, outras ainda em obras (como é o caso da Av Amílcar Cabral, que vem  da antiga Praça do Império ao porto do Pijiguiti). 

Nesta avenida realizam-se as cerimónias da comemoração dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau (24 de setembro de 1973) (Vd foto abaixo, enviada há dias pelo nosso colaborador Patrício Ribeiro) (***).


2. O Paulo Cacela é já um nosso conhecido: jovem engenheiro civil português (formou-se em 2006, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto), mudou-se para Cabo Verde em 2010.

Até 2019 trabalhou na área da construção civil. E formou lá família. Com a pandemia de Covida-19 , decidiu viajar e mostrar as ilhas do arquipélago de Cabo Verde (vencendo a fobia de viajar de avião). Tornou-se "youtuber", criador de vídeos.

Mais recentemente, em meados de 2023, esteve na Guiné-Bissau, país de que se tornou rapidamente um apaixonado, Os seus vídeos (sobre Bissau, Bubaque, Bafatá, Bambadinca, Saltinho...) merecem ser vistos,

Como forma de o ajudar a tornar este projeto sustentável, sugerimos que subscrevam o seu canal. Tem já cerca de 23 mil subscritores, cerca de 190 vídeos de viagens. O número de visualizações atinge já os 3,5 milhões. Aderiu ao You Tube em 2013 (@PauloCacela). Tem também página no Instagram e no Facebook (aqui com 13 mil seguidores).

Há dias divulgámos um dos seus recentes vídeos, justamente sobre Bambadinca, a que ele chamou "a maior tabanca da Guiné-Bissau" (**).
 
Os fotogramas que reproduzimos, retirados do vídeo (com a devida vénia...) remetem-nos para lugares que pertencem às nossas geografias emocionais (****)


Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 12 de novembro de 2023 > A tribuna VIP que irá receber as entidades oficiais (incluindo representantes do Estado Português), presesntes nas próximas celebrações dos 50 anos da independència do país (que se realizam hoje, 16 de novembro de 2023, com a presença. entre outros do nosso presidente da República e o nosso primeiro ministro). Por detrás da tribuna, o nosso velho conhecido cinema UDIB, ainda da época colonial.


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20340: Memória dos lugares (400): Roteiro de Bissau, antes e depois de 1975: principais artérias e pontos de referência


(*** ) Vd. poste de 13 de novembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24844: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (28): A av Amílcar Cabral, a antiga av República, toda remodelada e engalanada para receber as entidades oficiais (incluindo representantes do Estado Português) que vão participar nas comemorações dos 50 anos da independência do país

Vd.  também poste de 28 de dezembro de  2022 > Guiné 61/74 - P23924: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (33): Fotos de Bissau Velho e Amura, na véspera de Natal

(****) Último poste da série : 4 de novembro de  2023 > Guiné 61/74 - P24821: As nossas geografias emocionais (15): o reordenamento de Nhabijões (ou Nha Bidjon), 300 casas de zinco que terão custado mais de 2700 contos (c. 700 mil euros a preços de hoje), fora a mão-de-obra, civil e militar, e ainda os custos indiretos e ocultos

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24852: Historiografia da presença portuguesa em África (394): "Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878)"; Obra de referência para a História de Cabo Verde e da Guiné, Porventura a investigação de maior envergadura de António Carreira (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
O seu a seu dono, António Carreira continua a ser de leitura obrigatória para quem estuda Cabo Verde e Guiné. Obviamente que as fontes se têm vindo a diversificar e surpresas não faltam. O nosso mais notável geógrafo do século XX, Orlando Ribeiro, encontrou no Arquivo Histórico Ultramarino memórias de António Pusich, alguém natura de Ragusa (Dubrovnik), que conheceu em Turim o nosso ministro, o conde de Linhares, veio para Lisboa, e fez vida em Cabo Verde, onde foi governador, acabou por sofrer as consequências das lutas políticas do seu tempo. Temos nas suas memórias dados importantes sobre o povoamento, caso das ilhas de S. Vicente e do Sal, uma exposição sobre a qualidade do terreno e do clima, a proveniência dos seus habitantes, a divisão dos terrenos e o modo de os cultivar, tem mesmo pormenores bastante curiosos, cinjo-me a uma citação: "A cultura do milho, feijão e abóbora merece o primeiro cuidado destes insulares. A qualidade este fruto não é igual em todas as ilhas, pois o milho das ilhas do Fogo e da Brava é superior ao das outras ilhas, por ser miúdo, mais pesado e mais farinhoso. O feijão de Santiago e de Santo Antão é também melhor que o das outras ilhas e não se corrompe com tanta facilidade. A abóbora é quase igual em todas elas, e é abundante e mui boa." Temos aqui um retrato altamente impressivo para melhor entender os grandes acontecimentos da História de Cabo Verde do século XIX. O país tem uma história de literatura riquíssima, merecia que a conhecêssemos melhor, é nela que se vê despontar a riqueza do sentimento euroafricano.

Um abraço do
Mário



Obra de referência para a História de Cabo Verde e da Guiné,
Porventura a investigação de maior envergadura de António Carreira (2)


Mário Beja Santos

A primeira edição de Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878), por António Carreira, data de 1972, é uma investigação de arromba que começa nos contratos de arrendamento, os regastes nos Rios da Guiné, referencia lançados, cristãos-novos, como se obtinham os escravos e quais os seus preços, as mercadorias envolvidas, as companhias monopolistas, o povoamento de Cabo Verde e a formação do crioulo, a abolição da escravatura. Trabalho solitário (obviamente com sugestões preciosas de peritos à altura), que o investigador, sempre tão modesto, apresenta como a pequena história de Cabo Verde. E não se esquece de explicar a capa, utilizou um desenho de “Casa Grande, situada em S. Martinho Grande, nos arredores da Praia, a única sobrevivente da época escravocrata”.

Já se falou um tanto dos primeiros séculos depois do descobrimento (há ainda incertezas de quem chegou primeiro), dos contratos de arrendamento, o tráfico de escravos, as companhias monopolistas, as fomes e secas. É tempo de introduzir o crioulo, tema que merece a António Carreira uma posição um tanto controversa, outros contestam a sua tese.

O povoamento era feito com brancos, nobres e plebeus, degredados e escravos. Ainda no século XV vieram casais do Algarve em companhia de António de Nola. As áreas foram divididas em donatarias e começou o povoamento de Santiago e Fogo, a mestiçagem ia-se processando e dando frutos. O número de brancos nunca foi grande. Carreira observa que a imigração branca (forçada) tomou maior vulto no século XIX. “De 1802 a 1882 (nem em todos os anos) foram mandados para as ilhas 2433 degredados, uma média de 38 indivíduos por ano. O comportamento destes delinquentes, alguns autênticos facínoras, mostrou-se pernicioso e influiu bastante no dos escravos e no dos homens livres – pretos e mestiços. De modo geral, os degredados foram distribuídos pelas várias ilhas, embora em Santiago tivesse ficado o maior número. Adaptaram-se com facilidade e as relações com pretos e pardos seguiram o seu curso.”

É evidente que havia discriminação baseada na chamada “diferença de sangue” (cristãos e judeus). No decurso do tempo, Carreira anota três fases distintas da composição da sociedade cabo-verdiana: diminuto número de europeus e apreciável quantidade de escravos da costa da Guiné; poucos europeus e um pequeno número de estrangeiros, brancos naturais das ilhas, mulatos, escravos nascidos nas ilhas ou trazidos dos Rios de Guiné; reduzido número de europeus, brancos nascidos nas ilhas, um número crescente de mulatos e pretos nascidos e de libertos, uns e outros já nados aqui. De onde vieram esses escravos? Fundamentalmente, da Senegâmbia, os estudiosos, a própria literatura de viagens põe ênfase na Gâmbia, nos Jalofos, nos Rios da Guiné, mas também no rio Senegal e por extensão até à Serra Leoa. A questão é mais importante do que se pensa, chega em entroncar no dado ideológico da unidade Guiné-Cabo Verde, seriam povos irmãos, os contestatários da argumentação de Amílcar Cabral negam que a História seja comum, quer pela formação da sociedade escravocrata e proveniência dos escravos, quer pela língua e o substrato cultural. Nem tudo ficou resolvido com a separação efetiva dos dois países, a discussão ideológica subsiste, mas perdeu o calor que teve nos anos 1980. Agora o crioulo.

“Só as relações mantidas nas ilhas de forma contínua, assídua, pacífica e prolongada dos brancos com os escravos, nas casas-grandes e nas plantações, podia levar à formação de um meio eficiente de comunicação pela palavra falada. Contrariamente, a permanência do branco nos portos fluviais da costa africana foi durante largo tempo precária, sem estabilidade nem continuidade que pudesse permitir relações suscetíveis de dar lugar à formação de uma língua. Em nosso entender, o crioulo foi criado nas ilhas de Cabo Verde e, posteriormente, levado para os portos fluviais do continente, da chamada costa da Guiné, pelos mulatos e pretos-forros, quando os brancos os utilizaram como elo de ligação com os negros não aculturados, e com a finalidade de assegurar as relações comerciais. Mulatos e pretos-forros, todos eles crioulos na língua, com robustez física para suportar os rigores do clima, viraram lançados e, desse modo, tornaram-se os grandes agentes da propagação do crioulo naquele setor da costa.”

E Carreira socorre-se da opinião de Baltasar Lopes: “Suponho que o crioulo falado na Guiné é, não uma criação resultante diretamente do contacto do indígena com o português, mas sim o crioulo cabo-verdiano de Sotavento levado pelos colonos idos do arquipélago.” E Carreira também observa: “O crioulo falado na área Senegal-Gâmbia-Rio Nuno é um tanto diferente de o das ilhas. Não se deve estranhar que assim seja. Mesmo em Cabo Verde o crioulo de Santiago, mais aproximado do do Maio, é foneticamente diferente do do Fogo.” Fiquemos por aqui, a tese é polémica e contestada, basta pensar nos trabalhos de Benjamim Pinto Bull sobre o crioulo da Guiné-Bissau.

A obra de Carreira muda de rumo, fala-nos dos assaltos dos corsários, na situação social na época que antecedeu a abolição da escravatura, como esta ocorreu, e a importância que tiveram os tratados assinados entre Portugal e Inglaterra. Procurando sintetizar o que de mais essencial há neste trabalho de indiscutível envergadura, destaca-se: o período de formação da sociedade cabo-verdiana nas ilhas de Santiago e Fogo (séculos XV e XVI); período de transição para o aparecimento de uma pequena burguesia local (século XVII); o tempo de uma sociedade semilivre e decorrente da abolição da escravatura (inicia-se com a emergência de grupos multirraciais, marcados por estatuto social até ao virar do século XIX, em que se consolidou um classe dominante composta por reinóis, brancos da terra e alguns pretos – é este grupo que possui as melhores terras e controla o sistema económico, tem perto de si a classe intermédia que possuiu uma grande amplitude em Barlavento e reduzido número em Sotavento, na base da pirâmide o campesinato, trabalhadores indiferenciados e escravos ainda não completamente libertos.

O trabalho de Carreira não esquece a emigração, mas também o regresso à terra de origem, pautado pela vontade de quem triunfou lá fora se colocar ao lado dos brancos da terra. Deram-se profundos arranjos e disposições no edifício social, ao longo do século XIX, foi o tempo de um povoamento como jamais acontecera. Carreira também enfatiza a importância do papel do clero. Importa não esquecer que a difusão do ensino nas ilhas ocorreu logo nos primórdios do povoamento, o bispado de Cabo Verde surgiu em 1532 e é tido como primeiro do género em toda a África. Em meados do século, os dignatários desse cabido eram já cerca de três dezenas, abrangiam mestres-escola e mestres de gramática. Moldou-se, assim, um substrato cultural, a par do enraizamento de valores e crenças tradicionais, e o cristianismo conseguiu cobrir o vazio espiritual de populações arrancadas do continente. Este clero contribuiu para uma postura multirracial, que gerou uma dimensão ímpar na identidade cabo-verdiana (e diga-se sem hesitação até hoje).

Igreja da Nossa Senhora do Rosário, Cidade Velha, Cabo Verde, Património Mundial
Ruínas da antiga Sé Catedral da Cidade Velha, retirado do blogue Alma do Viajante, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24831: Historiografia da presença portuguesa em África (393): "Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878)"; Obra de referência para a História de Cabo Verde e da Guiné, Porventura a investigação de maior envergadura de António Carreira (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24851: S(c)em comentários (17): "Por ti, Portugal, eu juro!": Memórias e testemunhos dos comandos africanos da Guiné (1971-1974), tese de doutoramento, de Sofia da Palma Rodrigues (2022), UC/CES: Resumo



Guião do Batalhão de Comandos da Guiné (1972/74)

Batalhão de Comandos da Guiné (BCmds)
Cmdt: Maj Cav Cmd João de Almeida Bruno | Maj Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folgues | Maj Inf Cmd Florindo Eugénio Batista Morais
2º Crndt: Cap Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folques | Cap Inf Cmd João Batista Serra | Cap Cav Cmd Carlos Manuel Serpa de Matos Gomes | Cap Art Cmd José Castelo Glória Alves
Início: 2nov72 | Extinção: 7set74 


Guiné > s/l > s/ d > O tenente graduado 'comando'  João Bacar Djaló,  ao centro, rodeado de pessoal da 1ª CCmds Africanos. Entre outros, é possível identificar o furriel “Dico” Andrade, o 1º da esquerda, o furriel Orlando da Silva, ajoelhado, no meio e o 1º da direita, em cima, o soldado Francisco Gomes Nanque, que esteve preso na Libéria após a operação a Conacri. 

Fonte: Amadu Bailo Djaló - "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974". Lisboa, Associação de Comandos, 2010, pág. 190.
 


Sofia da Palma Rodrigues

Universidade de Coimbra > Centro de Estudos Sociais (UC/CES > 
Teses de doutoramento  > Teses Defendidas > Resumo


Data de defesa > 30 de maio de 2022

Programento de doutoramento > Pós-Colonialismos e Cidadania Global

Orientação > Maria Paula Meneses e Mustafah Dhada

Resumo:

Enquanto foi governador da Guiné (1968-1973), António de Spínola fundou o Batalhão de Comandos Africanos, a única tropa de elite das Forças Armadas Portuguesas integralmente composta por africanos negros. 

A estes homens, fez promessas de uma vida melhor, garantindo-lhes que seriam eles quem comandaria os destinos do território quando Portugal vencesse a guerra (1961-1974). Que seriam eles quem, na Guiné, ficaria à frente do novo projeto de Estado que planeava implementar: um Estado pluricontinental, composto por províncias autónomas que, no seu todo, formariam o Portugal do futuro. 

O desfecho deste projeto político, que se opunha aos ventos da História que sopravam na metrópole, está no centro da análise desta tese. Ao perseguir as narrativas de homens que, depois da conquista das independências, deixaram de caber no sonho português e perderam a nacionalidade portuguesa, este trabalho questiona e aprofunda os dilemas da descolonização a partir do processo guineense. 

Tendo como base uma pesquisa multidisciplinar e multissituada (Marcus, 1995), assente nos questionamentos, reivindicações e metodologias propostas pela História Oral (Spear, 1981; Mazrui, 1985; Vansina, 1985) e pelas Epistemologias do Sul (Santos & Meneses, 2013), traz para o debate da História os testemunhos dos homens que formaram o Batalhão de Comandos Africanos da Guiné e propõe-se discutir o absolutismo da narrativa contada pelo Estado-nação (Ranger, 1971, 2004).

Palavras-chave > Colonialismo; Pós-colonialismo; Forças Armadas Portuguesas; Guiné-Bissau; História Oral

(Fixação de texto para efeitos de publicação deste poste:  LG. Com a devida vénia)
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P24850: Efemérides (410): Há 56 anos: onze mortos (além de dezenas de feridos), da CART 1661, na estrada Porto Gole-Bissá, em duas minas A/C (uma incendiária), em 5 e 6 de outubro de 1967... Ainda hoje recordo os soldados queimados, alguns com o terço ao pescoço, rezando para os salvarmos! (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68)


Guiné> Região do Oio > Porto Gole > CART 1661 > O estado em que ficou umas das viaturas que acionou uma mina A/C, em 5 ou 6 de outubro de 1967, na estrada Porto Gole-Bissá

Foto (e legenda): © José Manuel Viegas (2023). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José António Viegas, ex-fur mil do Pel Caç Nat 54 (Enxalé, Missirá, Porto Gole e Ilha das Galinhas, 1966/68), um dos animadores da Tabanca do Algarve:

Data: quinta, 5/10/2023 à(s) 10:47

Assunto: 56 anos passados

Faz hoje 56 anos do pior dia para a Cart 1661 e Pel Caç Nat 54, uma segunda mina na estrada Portogole - Bissá, com vários mortos, a maioria queimados. (*)

Ainda hoje recordo os soldados queimados, alguns com o terço ao pescoço rezando para os salvar. Dia difícil. Paz às suas almas. José Viegas.

2. Excerto do poste P20283, do nosso coeditor Jorge Araújo (**):

(...) A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Arménio Moutinho da Costa, natural de Gondim, Maia, em 7 de Outubro de 1967, sábado, no Hospital Militar 241, em Bissau, ocorreu um dia depois da viatura que conduzia ter accionado uma mina anticarro, incendiária, na estrada entre Porto Gole e Bissá.

Pertencia à CART 1661 (02Fev67-19Nov68) que, no espaço de três semanas, ficara sem dois condutores auto rodas, o primeiro - o soldado Manuel Pinto de Castro, em 16Set67 - caso abordado no poste anterior [P20217, ponto 3.8], e três viaturas, para além de outras baixas, entre feridos e mortos.

Para a descrição deste doloroso acontecimento, recorremos, de novo, à análise de conteúdo do livro (...) do camarada Abel de Jesus Carreira Rei «Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968», edição de autor. Lousa. 2002 (...).

Refere que Setembro e Outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661, onde o primeiro morto da companhia ocorre ao oitavo mês de comissão, em 16Set67, por efeito da explosão de uma mina anticarro, no cruzamento da estrada para Mansoa, quando uma coluna auto, saída de Porto Gole, ia ao encontro de forças de Bissá com o objectivo de lhes fazer a entrega de géneros alimentícios.

Depois, a 5 de Outubro de 1967, 5.ª feira, uma outra viatura, na estrada Porto Gole - Bissá, faz accionar outra mina anticarro, originando mais uma baixa mortal e duas dezenas de feridos.

No dia seguinte, ou seja em 06Out67, 6.ª feira, uma nova mina anticarro, esta incendiária, é accionada perto do local da mina anterior, provocando alguns mortos e feridos, entre eles o soldado Arménio Moutinho da Costa que foi evacuado para o HM 241, juntamente com os seus camaradas com ferimentos graves, em particular queimaduras provocadas pela explosão.

Dos evacuados, seis acabariam por falecer em Bissau nos dias seguintes, enquanto dois pereceram no Hospital Militar Principal, em Lisboa, a 14 e 23 do mesmo mês.

Para que conste na historiografia desta ocorrência, elaborámos um quadro detalhado dos onze mortos provocados pelas duas minas anticarro, accionadas a 5 e 6 de Outubro de 1967, no cruzamento de Mansoa, no itinerário entre Porto Gole e Bissá, de que foram vítimas os seguintes militares da CART 1661. (...
)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 1 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24812: Efemérides (409): 1 de novembro, dia de lembrar e homenagear os nossos queridos mortos

(**) Vd. poste de 28 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20283: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte IV

Vd. também poste de 14 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)


 (...) A 5 de Outubro (de 1967), uma viatura saída de Porto Gole em direcção a Bissá fazaccionar outra mina A/C. Balanço: 1 morto e 26 feridos. 

A 6, uma nova mina (desta vez incendiária!) com emboscada (por um grupo calculado em 80 elementos), junto ao local do rebentamento da mina anterior, faz 10 mortos e mais de duas dezenas de feridos, “com queimaduras, todos evacuados para a Metrópole”…

Diz-nos o Abel, em nota de rodapé, que “para estas evacuações, foi preciso um avião especial de emergência que, ao chegar a Lisboa, fez correr a notícia de que Bissau tinha sido bombardeada, simultaneamente ‘boatado’ pelo inimigo)” (p. 114).

Nesse dia, Abel estava em Bissá, fazendo contas à vida de ‘cabo vagomestre’, sem comer para dar ao pessoal… mas no dia 8/10/67 fez o balanço desta “série negra” que fez de Bissá “o pior aquartelamento” (p. 166) da Guiné, nessa época.

“Tanto na mina como na emboscada, foi precisa imediata colaboração da aviação, que desta vez chegou de pronto, vindo dois bombardeiros que ajudaram os helicópteros a localizar o acidente” (8/10/67, Bissá, p. 115). (...)

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24849: Por onde andam os nossos fotógrafos? (15): João Martins, ex-alf mil art, BAC1 (Bissau, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/70) - II (e última) Parte: Em Bedanda, Gadamael e Guileje, com os obuses 14


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 127/199 > Invólucros de munições deixadas em anteriores ataques do IN ao aquartelamento. (A unidade de quadrícula de Bedanda era a CCAÇ 6).


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 135/199 > O temível obus 14... mais um elemento da guarnição africana do Pel Art, que dependia da BAC 1 (Bissau).
 

Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 158/199 > "O Matador, viatura de tracção dos obuses, já no cais pronta para o embarque". (O Matador era uma viatura que vinha da II Guerra Mundial, tal como o obus 14...)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 1969 > Álbum fotográfico do João Martins > Foto nº 162/199 > "Rumando a novas aventuras" [neste caso, Gadamael, onde passaria a sua melhor semana da Guiné... e depois Guileje, onde o João Martins esteve algum tempo, no 1º semestre de 1969; em agosto de 1969, foi de férias à metrópole] (A coluna deve ter vindo de Bedanda pelo rio Ungauriuol, afluente do rio Cumbijã, descido este e subido o rio Cacine, até Gadamael, e depois apanhado a estrada Cacine-Guileje; sem dúvida uma aventura; presumimos que tenham sido escoltados por uma força de infantaria; esta foto parece-nos ter sido tirada já no rio Cacine, mais largo que o Cumbijã.)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 170/199 > Na semana em que o nosso camarada esteve, de passagem, por Gadamael: "Fazendo turismo no Rio Cacine, no sul da Guiné, largo, muito belo e muito agradável".


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 179/199 > Dois obuses 14, prontos para a viagem até Guileje.


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 180/199 > Progressão da coluna até Guileje [aquartelamento onde o João Martins esteve algum tempo, antes de, em agosto de 1969, ter ido, pela segunda vez, de férias à metrópole].


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 181/199 > Progressão da coluna até Guileje, pela estrada (?) Cacine-Guileje  


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 190/199  > Obus 14, no seu espaldão, pormenor.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 180/199  > Obus 14, pormenor.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1969 > Foto do álbum do João Martins, nº 191/199  > Obus 14, pormenor.

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]. 



João Martins


1. O João Martins é o nosso tabanqueiro nº 540. Entrou em 16/2/2012. Foi alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Guileje, 1967/70). Tem cerca de 70 referências no nosso blogue. Tem página no Facebook (João José Alves Martins). É lisboeta e vive em Lisboa. Continua a fazer fotografia, de eventos sociais e familiares, além de viagens. 
 
Temos dele alguns das melhores fotos da nossa artilharia no CTIG (de um total de cerca de 200).  A sua comissão no CTIG está excecionalmente bem documentada em imagem e texto, tendo passado, com o seu Pel Art e os obuses, por diversos aquartelamentos, nomeadamente fronteiriços: Bissum-Naga, Piche. Bedanda, Gadamael, Guileje, Bigene e Ingoré, além de Bissau (onde estava aquartelado o BAC 1).

É autor da série "Memórias da Minha Comissão", que publicámos em 10 postes, de abril a junho de 2012. (*)

 Já publicámos também outra série, "Álbum fotográfico do João Martins"... Vamos agora selecionar "o melhor do melhor"... para a nova série "Por onde andam os nossos fotógrafos" (**).

Depois de Piche (*), veio para a região de Tombali: Bedanda e Guileje (passando por Gadamael). Acabou a sua comissão no final de 1969, tendo ainda conhecido a região do Cacheu: Bigene e Ingoré (depois de regressar de férias)... Esta a II (e última) parte da seleção das suas fotosd (**)


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > Carta 1/50 mil (1956) > Posição relativa de Bedanda. Cobumba e rio Cumbijã.


Guiné > Região de Tombali > Mapa de Cacoca > 1960 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gadamael Porto, rio Cacine. Sangonhá, estrada para Guileje, a norte de Guileje e fronteira com a Guiné-Conacri.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)
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Notas do editor:

(*) Vd. postes da série >


3 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9844: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte II - Batismo de fogo em Bissum-Naga até às férias..

5 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9857: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte III - BIssau e férias em São Martinho do Porto, em agosto de 1968

10 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9879: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte IV : Em Piche, com um Pel Art com 3 peças de 11.4

18 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9919: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte V : Depois de Piche: de novo em Bissau e Mansoa, a dar instrução a artilheiros, antes de ir para o sul (Bedanda, Gadamael e Guileje)

26 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9947: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VI: Bedanda, com o obus 14: um dos locais que me deixou mais saudades...

4 de junho de 2012 > Guiné 63/74 - P9994: Memórias da minha comissão (João Martins, ex-alf mil art, BAC 1, Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69): Parte VII: Despedida de Bedanda, a caminho de Gadamael e Guileje, aos 18 meses

Guiné 61/74 - P24848: Parabéns a você (2223): César Dias, ex-Fur Mil Sapador Inf da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883 (Piche e Camajabá, 1972/74) e Enf.ª Maria Arminda Santos, ex-Ten Enf.ª Paraquedista (Angola, Guiné e Moçambique, 1961/1970)



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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24846: Parabéns a você (2222): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24847: Notas de leitura (1633): “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, por Elidérico Viegas; Arandis Editora, Outubro de 2023 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Novembro de 2023:

Queridos amigos,
Colaborador desde o n.º 0 do jornal tavirense de nome Postal, li em número recente a publicação de um livro de um camarada nosso que fez comissão entre 1971 e 1973 em Empada e Bissau. Pedi-lhe o livro, foi célere a responder, fiz a recensão para Tavira e considero que esta tem todos os condimentos para chegar aos meus confrades. Elidérico Viegas é uma personalidade algarvia com o nome ligado à vida turística. Entendeu agora passar a escrito as suas memórias, elas seguem o curso que qualquer um de nós seguiu: assentou praça nas Caldas da Rainha, especialidade em Tavira, cabo miliciano colocado no RI3, em Beja, ingressa na Amadora na formação da CCAÇ 3373; viagem no Niassa, instrução de aperfeiçoamento operacional em Bolama, ida para Empada, quartel isolado só com saída para Bolama entre os rios Buba e Tombali. Registou 36 flagelações em Empada, sem consequências maiores. Certamente focado num público de não ex-combatentes, tece considerações sobre a população, descreve o quartel, as dependências administrativas, um quotidiano com lavadeiras, viaturas e mecânicos, a horta, ação psicológica, enfim, todos os serviços próprios de qualquer unidade, dá-nos conta dos patrulhamentos e da vida operacional em geral. Referencia os diferentes oficiais e sargentos, continua a guardar um ódio de estimação ao capitão. E depois a vida mais serena no Comando de Defesa de Bissau. Deplora a indiferença com que o sistema político trata os ex-combatentes. É este, em suma, o testemunho que nos entrega.

Um abraço do
Mário



Os equívocos e os paradoxos em torno da guerra colonial, uma História adventícia

Mário Beja Santos

Colaborador desde o n.º 0 do Postal, um jornal tavirense que tem décadas, fundado pelo meu amigo Henrique Dias Freire, tomei nota da publicação por um antigo combatente da Guiné de um seu livro relativo à sua comissão na Guiné, isto na edição de 3 de novembro passado. Teço agora comentários ao livro que ele amavelmente me enviou. Elidérico Viegas foi furriel-miliciano da CCAÇ 3373, Os Catedráticos, companhia independente, desembarcaram em Bissau em 7 de abril de 1971, foram diretos a Empada, no sul da colónia, entre os rios de Tombali e Buba.

Procede à apresentação do seu livro um artigo publicado no Postal com as suas reflexões. Confesso que não partilho uma boa parte das suas opiniões e explico porquê. Escreve que “O facto de não haver muita coisa escrita sobre esse período difícil da nossa história recente, e das obras conhecidas serem geralmente ficcionadas, incentivou-me a escrever este livro”

O que não corresponde à verdade, há centenas e centenas de livros sobre a guerra colonial, abarcando investigação histórica, ensaio, romance, novela, poesia, diários e memórias; os antigos combatentes movimentam-se ainda hoje à volta de reuniões anuais, são encontros por todo o país, aparecem antigos combatentes, filhos e netos; há blogues, entre os dedicado à Guiné, porventura o mais influente de todos os blogues de antigos combatentes, chama-se Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde irei informar os leitores desta narrativa do Elidérico Viegas; além disso, a imprensa periódica e não periódica é atraída por depoimentos dos antigos combatentes, há mesmo publicações de delegações da Liga dos Combatentes onde eles conversam entre si, eu colaboro numa delas, O Combatente da Estrela, obviamente gente da Serra e arredores. E lembro que a guerra colonial é objeto de estudos universitários, e não só em Portugal.

Diz mais adiante no seu artigo que “É preciso que aqueles que combateram na guerra colonial escrevam as verdades sobre uma guerra que o poder político teima em ignorar, sobretudo os milicianos, aqueles que verdadeiramente estiveram na linha da frente dos combates na Guiné, Angola e Moçambique. Portugal não pode esquecer nem ver apagados 13 anos da nossa história.”

Nfão estão apagados estes 13 anos, estão profusamente documentados, obviamente que a questão ideológica da colonização/descolonização ainda separa muita gente quanto à profundidade das motivações do fim da guerra, o êxodo que se seguiu e o quadro horrível de execuções praticadas em novos países independentes.

Concordo com Elidérico Viegas que é nossa obrigação contribuir com o dever de memória, e ainda bem que ele se acometeu a escrever numa literatura memorial singela, tocante e afetiva, o que viveu na Guiné entre 1971 e 1973. Oxalá o seu relato “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, Arandis Editora (arandiseditora@gmail.com), outubro de 2023, passe por muitas mãos, seja alvo de muitos encontros com antigos combatentes e até conversas em estabelecimentos de ensino. Porque a sua narrativa possui um chamamento universal, é um registo que qualquer um de nós, antigo combatente, pode gizar e adaptar à experiência vivida. No seu caso: recruta nas Caldas da Rainha, no curso de sargentos-milicianos, a descoberta de novos relacionamentos, a aspereza de tais aprendizagens, o juramento de bandeira, segue-se a instrução em Tavira, intercalam-se muitas lembranças da juventude, a promoção a cabo-miliciano, a colocação no quartel de Beja, a formação da CCAÇ 3373 no Regimento de Infantaria 1 na Amadora, o batismo da Companhia como “Os Catedráticos”, mais tardes Os Catedráticos de Empada, a viagem para a Guiné; ele conta que precedia a viagem a compra dos uniformes (“Comprei, em segunda mão, por pouco mais de 500 escudos, os uniformes que me haviam sido fornecidos aquando da minha incorporação nas Caldas da Rainha”), ala que se faz tarde, já está a bordo do Niassa, seguem-se as surpresas que reservam Bissau, os bafos quentes e tropicais; no dia seguinte, aparece o general Spínola e depois a viagem da Companhia para ir substituir os Leões de Empada. 

Sente-se tudo quanto vai escrever se destina fundamentalmente a um público não combatente, já que a generalidade das observações que faz sobre a Guiné são, de um modo geral, conhecidas pelos antigos combatentes.

Dentro deste contexto que tem um discurso universalizante, vê-se que o autor tem o afã em nos transmitir usos e costumes, um pouco da história da colónia, pretende que o leitor se sinta inserido naquele ambiente e conheça a gente do local onde ele penou, e por isso vai falar das bolanhas que rodeiam Empada, do Rio Grande de Buba, da fauna, das duas estações do ano, a caracterização do quartel de Empada, do posto administrativo e da escola primária, da companhia de Milícia ali existente, ficamos a saber que Empada se encontrava isolada e sem acesso a outros aquartelamentos, podia-se ir até Bolama de barco. 

Entramos na esfera do quotidiano, a importância da lavadeira (“As lavadeiras eram verdadeiros entrepostos comerciais, comercializavam de tudo um pouco – galinhas e ovos, entre outros produtos, que trocavam por conservas e Coca-Cola”), o abastecimento de água, a fonte Frondosa que tinha sido renovada em 1946, exercia esse papel vital; e havia o hastear e o arrear da bandeira, os cães, a horta, a enfermaria, o departamento de ação psicológica, o papel da Força Aérea, quem era quem dentro do quartel de Empada, desde o vague-metre, as transmissões, a secretaria, o capelão.

E para que o leitor não se esqueça que havia guerra, Empada conhecia muitas flagelações, o autor comenta: 

“Parece impossível não ter havido baixas nas mais de três dúzias de ataques que o inimigo levou a cabo durante o ano em que permanecemos em Empada. Pura sorte, digo eu.” 

Descreve a vida operacional e a organização dos pelotões, ficamos a saber dos seus ódios de estimação, sobretudo com o comandante da Companhia, hoje é comportamento raro, no início da literatura da guerra havia uso e costume de proceder a assassinatos de caráter, o tempo ensina-nos a desvalorizar estas nódoas negras do passado, e até se dá a circunstância de que estes homens não estimados têm família.

O grande cometimento militar em que estiveram envolvidos foi a Grande Emboscada, a força de centenas de guerrilheiros foi dizimada, entre os mortos encontrava-se o comissário político Quintino Gomes. Volta-se ao quotidiano, a vida da messe de sargentos, aos petiscos, as madrinhas de guerra. E de Empada vem-se para Bissau para o COMBIS (Comando de Defesa de Bissau), uma vida muito mais amena, com patrulhamentos guarda ao palácio, descreve-se a vida de Bissau e o regresso no Uíge. 

No final da sua narrativa observa que Portugal precisa de reconciliar-se com o passado mais recente da sua História, fala na sorte dos antigos combatentes e no imperativo de os dignificar.

Questiono-me muitas vezes se existe algum propósito deliberado em esquecer a guerra colonial e acabo sempre por concluir que o facto de ela estar associada ao fim do império e à criação de novos Estados independentes, todas as decisões políticas deliberadas em torno do seu reconhecimento, os conflitos violentíssimos que ocorreram em Angola e Moçambique e que levaram ao êxodo das populações, por exemplo, precisam da cura da História, a serenidade da interpretação dos factos. 

Em meio universitário, consegue-se chegar à proeza de se aprovar uma tese de doutoramento, num fenómeno que dá pelo nome de pós-colonialismo, de uma senhora expender apreciações grosseiras sobre o que se passou com a perseguição e execução de Comandos guineenses sem ter tido o mínimo de cuidado em basear-se nos documentos sobre o comportamento dos políticos e dos militares na sequência dos Acordos de Argel. Isto só para sublinhar que ainda há muita manipulação no tratamento dos factos históricos, inevitavelmente envenena as consciências. Procuro assim também responder às preocupações de Elidérico Viegas.
Fonte Frondosa, Empada, a dar água desde 1946
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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24839: Notas de leitura (1632): "No Limiar da Guerra", por José Manuel Barroca da Cunha; RARO, Tomar, 2021 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24846: Parabéns a você (2222): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil da CART 6250/72 (Mampatá e Colibuia, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24837: Parabéns a você (2221): Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/74)

Guiné 61/74 - P24845: S(c)em Comentários (16): "Furriel, se 'turra' apanha nós (e fez um gesto com o dedo indicador no pescoço, como quem diz: "corta-nos nos o pescoço ou mata-nos"), mas se apanhar pessoal branco trata-o bem" (João Moreira, ex-fur mil at cav MA, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72)


Guiné > Região do Oio > Olossato > 5 de julho de 1970 > O João Moreira, ex-fur mil at cav MA, CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72) e o alferes de 2.ª Linha Suleimane

Foto (e legenda): © João Moreira (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário do João Moreira ao poste P24843 (*):

OP Jaguar Vermelho, 26 de maio de 1970, 09h00

(...) Às 09h00 o meu grupo de combate (4.º Gr Comb), reforçado com 15 milícias, saiu para a região de Bissancage, onde encontrou um trilho muito recente e batido, de Morés para Madina Mandinga e o alferes Silva decidiu emboscar neste local.

Enquanto o alferes Silva estava a instalar os primeiros elementos do 4.º Gr Comb, que eram milícias, surgiram 2 elementos inimigos armados. Deste contacto resultou o ferimento e captura de 1 elemento inimigo e a fuga do outro.

Do contacto também resultou a morte de um soldado milícia nosso, que foi morto pela rajada dum soldado nosso (F.R.) que, por precipitação ou por medo, fez fogo para o local onde estava o alferes e os milícias e só parou o fogo quando o alferes e os milícias gritaram para parar. Não sei se o alferes avisou do que se estava a passar, mas o soldado tinha obrigação de saber que estavam ali os nossos militares.

Quando a situação estava controlada e trouxeram o guerrilheiro para o local onde estava o resto do grupo de combate, os outros milícias queriam matá-lo à pancada. Tive que intervir para acabar com esta cena de vingança. Mas há uma frase dum soldado milícia nosso que não esqueci, nem esquecerei e que é a seguinte:

"Furriel, se 'turra'  apanha nós (e fez um gesto com o dedo indicador no pescoço, como quem diz: "corta-nos o pescoço ou mata-nos") mas se apanhar pessoal branco trata-o bem" (**)
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Guiné 61/74 - P24844: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (28): A av Amílcar Cabral, a antiga av República, toda remodelada e engalanada para receber as entidades oficiais (incluindo representantes do Estado Português) que vão participar nas comemorações dos 50 anos da independência do país



Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 12 de novembro de 2023 > A tribuna VIP que irá receber as entidades oficiais (incluindo representantes do Estado Português), presesntes nas próximas celebrações dos 50 anos da independència do país. Por detrás da tribuna, o nosso velho conhecido cinema UDIB, ainda da época colonial.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné-Bissau > Bissau > 3/11/2015 > O edifício da UDIB -União Desportiva Internacional de Bissau, na atual av Amílcar Cabral. Foto do álbum de Adelaide Barata Carrêlo, filha do tenente SGE Barata, da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71), que esteve com a família (pai, mãe, irmã gémea e e irmão mais velho) em Nova Lamego na altura da segunda parte da comissão de serviço do pai (1970/71), entretanto falecido, em 1979, com o posto de capitão.
 
Foto (e legenda): © Adelaide Barata Carrelo (20217). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > Sede da UDIB - União Desportiva Internacional de Bissau > c. 1962/64. Foto do nosso camarada açoriano Durval Faria (ex-fur mil da CCAÇ 274, Fulacunda,  jan 1962/ jan 64)

Foto (e legenda): © Durval Faria (2011). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

Guiné > Bissau > A pacata cidadezinha colonial do início dos anos 60.  A Av da República, ao fundo o Palácio do Governo. O UDIB ficava do lado direito. Hoje é a Av Amílcar Cabral. Recentemente sofreu profundas obras de remodelação. Todas as árvores foram derrubadas Postal da época. Cortesia de João Varanda, ex-fur mil, CCAÇ 2636  (que esteve em Có. Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70, e depois Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71).




1. Mensagem de ontem, às 13:23, do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em
Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue; autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau") (*)
 

Luís e restante rapaziada.

Junto foto, tirada esta manhã junto á UDIB, na av Amílcar Cabral, onde se pode ver a antiga  Praça do Império,  e o antigo palácio do Governador, ao  fundo.

Estão a instalar aqui uma tribuna, para receber diversas individualidades, esta semana. Entre os quais o presidente da república portuguesa,  Professor Marcelo Rebelo de Siousa, assim como o primeiro-ministro português António Costa e ainda o ministro dos negócios estrangeiros Gomes Cravinho.

Para as comemorações dos 50 anos de Independência, vão desfilar as forças armadas da Guiné, que vão ser homenageadas pela luta de libertação.  A festa do 24 de Setembro é feita agora.

Vai ser uma semana de festas.
Abraço, Patrício Ribeiro

impar_bissau@hotmail.com
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Nota do editor:

.(*) Último poste da série > 24 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24788: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (27): Em louvor do filme "Fogo no Lodo", de Catarina Laranjeira e Daniel Barroca, passado na tabanca de Unal, no antigo corredor de Guileje... Infelizmente a sessão de amanhã, no Doclisboa, na Culturgest, está esgotada