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segunda-feira, 5 de junho de 2023

Guiné 61/74 – P24367: (Ex)citações (427): Retratos de existências em tempos de conflito armado. O existencialismo humano (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Retratos de existências em tempos de conflito armado

O existencialismo humano

Comecemos pelo princípio do existencialismo humano, ou seja, pela existência de um qualquer ser vivo, mesmo mínimo que ele seja, numa esfera chamada Terra. Exploro, ainda que sinteticamente, que nós, indivíduos pensantes, sentimos e agimos de acordo com os momentos vividos, uma vez que esta transversal veracidade cujas linhas, embora oblíquas, se mantêm análogas ao longo das nossas vidas.

Numa visão ampla de compassivas existências, interpreta-se, filosoficamente, que na espécie humana subsistem, em certas ocasiões, sensações de pavor e ansiedade perante um mundo aparentemente absurdo que o rodeia, mas que, entretanto, se vai moldando ao longo da sua formal viagem terrena.

Esta cosmopolita e pressuposta tese filosófica, onde, por vezes, se vinculam presumíveis interrogações, eleva-nos para uma dissertação de ideias que nos transportam para o princípio da humanidade, onde o “homo erectus” foi paulatinamente transformando-se, ganhando novas formas de vida, novos pensamentos, novas estruturas físicas, envolvendo-se em lutas guerreiras, lutas que visavam superiorizar-se ante o adversário, conquistou novos terrenos, criou as suas pátrias, os seus credos, religiões e cores, bem como o seu próprio idioma, sendo nós uma consequência lógica de uma transformação humana de todo imparável.

Aliás, numa pesquisa persistente sobre a espécie humana, julga-se que ela terá cerca de 6 milhões de anos, sendo os seus primatas oriundos do noroeste de África, onde o seu habitat natural terá tido lugar numa floresta tropical. Relativamente ao termo “humano”, no contexto da evolução humana, alude-se ao género “homo”.

Após este pequeno introito, o qual se prende com o nosso crescimento, físico e intelectual, ao longo dos anos que levamos de existência, puxo a fita cinéfila atrás e revejo-me na Guiné, onde os galões amarelos e as divisas estabeleciam ordem hierárquica. E eis que, num impulso previamente controlado, reencontro-me com o inesquecível momento aquando ousei, uma tarde, dar banhos na piscina destinada aos oficiais do QG, instalações estas situadas por detrás dos nossos alojamentos alcunhados então como o “Biafra”, mas cuja piscina era também franqueada à classe de sargentos, julgo eu.

A banal filosofia de vida que na altura perfilhei, assimilava-se a uma espécie de “infiltração num trilho armadilhado”, porém, joguei com o facto de que em Nova Lamego, Gabu, não existir tal benesse, por isso a minha atrevida ida ao local foi tipo de uma enlouquecedora emboscada que surtiu efeito. Não houve “assalto à mão armada”, tão-pouco “mortos e feridos”, mas puros instantes de entretinimento.

Resumindo: todos éramos singelos militares que cumpríamos uma comissão militar obrigatória numa terra distante que nos fora literalmente imposta, uma vez que éramos, afinal, numa liturgia considerada sem fronteiras, originários de antigos guerrilheiros de um tal “homo erectus” e que o tempo transformou. Segue-se mais um pequeno texto, onde as aventuras em solo guineense proliferavam.

Ida à piscina do QG, em Bissau

O dia, como sempre, estava divinal. Sol e calor q.b. prometia uma ida a banhos para refrescar ideias de um corpo que se deparava com uma sufocante temperatura que não dava tréguas a um furriel miliciano que, ocasionalmente, se encontrava na capital. A visita a Bissau, embora curta, apresentava-se oportuna para uma escapadela à piscina dos oficiais que, por acaso, estava também franqueada à classe de sargentos.

Lembro que a piscina ficava por detrás das instalações de sargentos no Quartel General (QG). Sei que a minha presença em Bissau ficou a dever-se ao facto de me encontrar de férias e esperando pelo dia da viagem que me trouxesse, por 30 dias, à então metrópole. Tudo isto se passou nos primeiros dias do mês abril de 1974.

Não sei de quem terá partido a ideia de uma tarde a banhos em águas calmas e sobretudo refrescantes. Um camarada, certamente, propôs o desafio e a malta não rejeitou a experiência que contou para o enriquecimento factual das minhas aventuras guineenses.

A piscina, na sua estrutura física propriamente dita, continha bons espaços de lazer e de desporto. Recordo, com saudade, o campo de voleibol, por exemplo. Ressalta-me à mente os improvisados jogos entre camaradas. Os despiques exacerbados protagonizados por militares que pertenciam, quiçá, a especialidades ou a secções diferentes em horas de pleno ócio.

Anoto que esses jogos poderiam ser jogados por equipas de piriquitos organizados que casualmente por lá terão passado. Porém, a minha conceção nessa visita à piscina do QG, encaminhou-me para uma visão mais ampla, isto é, depreendi que toda aquela rapaziada, essencialmente alferes, cheiro-me a gente que se conhecia mutuamente para além de outros oficiais com patentes mais elevadas que olhavam o novo visitante como um mero intruso. Olhares enviusados, alguns de esguelha, que espelhavam reinar num trono meramente sonhado. Deixai-os em paz, senhor! Teremos, eu e o camarada que me acompanhava, comentado.

Perante a benesse não me fiz rogado e eis-me a saltar para a água da piscina. Depois veio o salto do meu camarada. Nadámos, apanhámos um pouco de sol e retirámo-nos, ficando a dúvida para os graduados superiores quem seriam os dois marmanjos que invadiram aquele espaço porventura “armadilhado” e se retiraram rumo ao “Biafra” dos sargentos!

Nas minhas memórias conservo histórias hilariantes de uma Guiné onde os contrastes de patentes militares traçavam irreverentes poderes e, simultaneamente, desusados princípios, onde a pressuposta guerra dos galões se sobrepunha, e de que maneira, ao contingente das divisas.

Mas tudo isto são narrativas passadas, porque também sei que o pessoal da cidade era portador de uma conduta diferente daquela que constatávamos no mato. Existiam, e é verdade, hierarquias militares que marcavam posições diferenciadas e quanto a isso nada a dizer, melhor, a contradizer. Era a lei do mais forte que imperava.

Recordo de uma ocasião passar por Gabu um amigo meu, tínhamos sido companheiros de futebol no Sporting, o Luís Guerreiro, era soldado, e levá-lo à messe de sargentos, sendo que a sua presença foi bem acolhida. Disse de quem se tratava e não houve o menor problema, não obstante o Luís, a princípio, duvidar da fartura que lhe coloquei à sua disposição.

Numa outra ocasião, na cidade de Bissau, encontrei um velho amigo que era da PM que fingiu não me conhecer. Pomposo, tipo mandão, tentou entrar num trilho pressupostamente desconhecido e fazendo jus à braçadeira que ostentava no braço procurou amedrontar-me com uma pergunta tipicamente baixa e sem algum nexo aparente. Se a memória não me falha o gozo da brincadeira era o crachá de Operações Especiais/Ranger colocado no meu ombro esquerdo. Respeitosamente olhei-o de frente, olhos nos olhos e disse-lhe: “primeiro bate-me a respetiva continência e depois falamos”. O rapaz viu que meteu água e a conversa enveredou por um outro tipo de palavreado.

Contrastes... o mato era mato, a cidade era a cidade!

Um abraço, camaradas 

José Saúde

Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

___________ 

Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

17 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24228: (Ex)citações (426): Recordações dos Comandos Africanos em Paunca, em setembro de 1970 (Valdemar Queiroz e Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 11, 1969/70)

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24228: (Ex)citações (426): Recordações dos Comandos Africanos em Paunca, em setembro de 1970 (Valdemar Queiroz e Abílio Duarte, ex-fur mil, CART 11, 1969/70)


 
Guiné > Zona Leste > Regiãod e Gabu > Paunca > CART 11 (1969/70) > Rua principal e quartel, com o Valdemar Queiroz numa das portas de armas, na primeira foto.

Fotos (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P24224 (*), da parte de dois "Lacraus", ex-fur mil, Valdemar Queiroz e Abílio Duarte, da CART 2479 (que em janeiro de 1970 deu origem à CART 11, "Os Lacraus", que por sua vez em junho de 1972 passou a designar-se CCAÇ 11);  os dois passaram por  Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, e outros sítios do Leste, 1969/70; sabemos que o Abílio Duarte estava em Paunca na altura do Ramadão de 1970, que nesse ano começou a 31 de outubro e terminou a 30 de novembro; sobre Paunca temos mais de 7 dezenas de referências.


(i) Valdemar Queiroz:

Em Setembro de 1970, eu a minha CART 11 estávamos em Paunca e no destacamento de Guiro Iero Bocari.

Eu não me recordo da Companhia de Comandos Africanos estar no nosso Quartel em Paunca [sem setembro de 1970], talvez por andar numa segurança à vacinação que se efetuou na população das tabancas da zona.

Dentro do triângulo Sara Bacar-Paunca / Sonaco-Pirada havia várias tabancas sem tropa (não sei se em autodefesa) e fazíamos visitas com frequência. Também, com a chegada da nossa CART 11, de soldados fulas, ou com falta de efetivos a partir do Senegal, deixou de haver incursões do IN naquela zona

Calhando, o Abílio Duarte se lembre dessa visita.

Valdemar Queiroz | 15 de abril de 2023 às 16:45 

(ii) Abilio Duarte:

Com certeza... Amigo e camarada Valdemar, como se fosse ontem.

Estava em Paunca, na altura em que a Companhia de Comados do cap Bacar Jaló foi fazer uma operação ao Senegal.

Sem mais nem menos, ninguém sabia de nada, e entra aquela malta toda no nosso aquartelamento em Paunca, e eu digo para mim: "Porra, estes gajos vêm a fugir de onde?!...

Passada a surpresa, vim a saber o que se tinha passado, e o capitão Aniceto  Pinto chamou a nossa malta, e fez um breve briefing: era necessário pôr a malta nas valas e abrigos, pois os comandos tinham a sensação que vinham a ser seguidos pelo PAIGC.

Em seguida , o cap Jaló deu umas coordenadas, e fez-se fogo do obus 140 mm, e de morteiro 80 mm.

Ainda nesse fim de tarde, apareceu uma coluna de Unimogs, que vieram buscar os Comados Africanos, e zarparam, não sei para onde.

Estava tudo combinado, e nem o Aniceto sabia  de alguma coisa. O segredo é a alma do negócio.

Só ouvi falar novamente desta gente, na operação em Conacri, em que o pelotão do ten Januário foi apanhado, e fuzilado.

Recordando a Operação Mar Verde,  eu dormia numa tabanca, e numa manhã, veio o dono da dita, me acordando: "Furiel , tuga está em Conacri !!!"...

Fui ouvir a rádio que ele estava a sintonizar e...tudo de boca aberta, apesar do meu mau francês, lá percebi o que se estava a passar.

Ligando para o PIFAS, e Emissora Nacional, era tudo mentira.

Abraço Valdemar e as tuas melhoras.

Abílio Duarte | 15 de abril de 2023 às 17:25 

(iii) Valdemar Queiroz:

Duarte, ainda bem que te lembras do que aconteceu. Não me lembro de nada, nem sequer de ouvir falar do que tu agora contaste. Até o História da Unidade não refere esse acontecimento.

Devia estar em Guiro Iero Bocari ou com um grande bioxene que limpou o disco rijo.

Abraço e saúde da boa


Último poste da série (Ex)citações: P24227 (**)




Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Carta  de Paunca (1957) (Escala 1/50 mil) > Detalhes: posição relativa de Paunca, Paiama, Sinchã Abdulai e Guiro Iero Bocari, junto à fronteira com o Senegal.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)

___________

Notas do editor:

(*) vd. poste de 15 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24224: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIV: As previsões agoirentas do adivinho Mamadu Candé que nos via, a mim e ao João Bacar Jaló, a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e aí a sofrer muitas baixas (... só não nos disse o nome da cidade: Conacri...)

(**) Último poste da série > 16 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24227: (Ex)citações (425): o recurso ao pensamento mágico, à superstição, aos amuletos e às artes adivinhatórias, etc., na guerra, de um lado e do outro (Luís Graça)

domingo, 16 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24227: (Ex)citações (425): o recurso ao pensamento mágico, à superstição, aos amuletos e às artes adivinhatórias, etc., na guerra, de um lado e do outro (Luís Graça)

(...) " Quando eu e o capitão João Bacar, em fevereiro [de 1970] , tínhamos vindo de Bissau para Fá Mandinga, para formarmos a CCmds da Guiné, o capitão Barbosa Henriques  [o instrutor]   deixou-nos em Bambadinca para tratarmos da situação das nossas famílias. E foi nessa ocasião que, em casa de um companheiro de João Bacar, encontrei esse tal homem, o Mamadu Candé, um Homem Grande e adivinho muito respeitado.

Pois, então, em Paunca, quando o encontrei, Mamadu Candé disse-me, solenemente, para eu avisar o capitão João Bacar que fizesse tudo por tudo para que a nossa companhia não fosse deslocada para ocidente de Fá Mandinga. Que nos ajudava a tratar de nos mantermos no leste, que a nossa fama já era grande e que, assim, o leste não seria conquistado. E disse mais: que nas suas previsões nos tinha visto a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e que nessa cidade íamos começar a sofrer muitas baixas.

Quando lhe perguntei que cidade era essa, se ficava na Europa ou em África, ele respondeu que não sabia. Eu acho que ele sabia muito bem qual era a cidade, não queria era dizer-nos. (...) (*)

(...) "Disseram-me que estávamos entre Bubaque e a Ilha de Soga, no arquipélago dos Bijagós. Que estamos a fazer neste sítio? Era uma pergunta que todos faziam, resposta ninguém tinha. O que vimos foi um grande movimento na ilha que me disseram chamar-se Soga.

Nesta altura veio-me à lembrança que, em Fá Mandinga tínhamos recebido instrução de combate dentro de cidades [ministrada pelo cap art Morais da Silva, hoje cor ref, membro da nossa Tabanca Grande... LG]. E também recordei o que tinha ouvido do adivinho de Paunca [Mamadu Candé, pág. 166 ]. Que íamos para uma grande cidade e que íamos sofrer muitas baixas. Eu nunca falei nesta conversa a ninguém, a não ser ao João Bacar. Fiquei com estes pensamentos na cabeça".(...) (**)


1. Comentário de LG ao poste P24224 (*):

Tal como os seus patrícios guineenses, muçulmanos, animistas ou cristãos, o Amadu Djaló era supersticioso. Veja-se a importância que ele dá, no seu livro de memórias, às revelações dos adivinhos. 

Neste caso, em Paunca, ele recebe uma mensagem misteriosa que deve transmitir ao seu comandante, João Bacar Jaló, ambos fulas e muçulmanos. A CCmds Africanos deve ficar no Leste e nunca sair de lá.  O adivinho Mamadu Candé, homem grande e respeitado na suas artes adivinhatórias, que ele já conhecia de Bambadinca, diz que a CCmds Africanos  vai ser confrontada com um cenário de tragédia. O adivinho vê o Amadu Djaló e o João Bacar metidos num barco a caminho de uma grande cidade, aonde desembarcam e onde sofrerão muitas baixas. 

Trata-se de uma premonição da Operação Mar Verde, o desembarque anfíbio em Conacri em 22/11/1970... Ou será antes uma reconstituição feita  "a posteriori", na sequênciua da operação ou muitos anos depois, pelo Amadu ? "Afinal, o que adivinho me revelou, batia certo!", terá concluído...

 O adivinho não lhe revelava ormenores, de qualquer modo,  uma cidade grande, junto ao mar, alvo da ação dos comandos africanos,  por via de um desembarque anfíbio, ó podia ser nos países limítrofes, Dakar (Senegal) ou Conacri (República da Guiné). 

O recurso a adivinhos, para saber o futuro e aliviar a angústia da incerteza, devia ajudar os combatentes de um lado e do outro a exorcizar o medo, enfim  é um ato de securização, tal como uso de amuletos (ou mesinhos) que protegem o corpo contra as balas do inimigo, era muito frequente, nesse tempo,  entre os guineenses, quer do PAIGC, quer das nossas tropas.

Amílcar Cabral sempre lutou contra estes aspetos "menos racionais" do comportamento dos seus militantes, e em particular dos seus  combatentes. O 'Nino' Vieira, por exemplo, não se deslocava no mato em situações de combate sem o seu arsenal de amuletos, e de ajudantes que os carregavam.... Quem o diz é o comandante Bobo Keita (ou Queita) ( In: Norberto Tavares de Carvalho, De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes. p. 197). (***)

Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > O "alfero Cabral", "completamente apanhado do clima"... O nosso saudoso alf mil at art Jorge Cabral (1944-2021) ostentando, ao peito, um amuleto de origem fula ou mandinga, e mais dois, um à cintura e outro no direito ...  

A função dos amuletos de guerra era "fechar (blindar) o corpo" contra as balas do inimigo... Todos os combatentes, em todas as guerras, são "supersticiosos", sejam cristãos, mulçulmanos, judeus, crentes ou não crentes... E mal deles se não desenvolvem uma "idelogia defensiva" que os proteja contra o medo e o azar: veja-.se a conhecida divisa dos comandos, "A sorte protege os audazes"...  Todas as profissões de risco (dos médicos aos pilotos de aviação, dos futebolistas aos toureiros, dos mineiros às tropas especiais) têm estratégias de "racionalização" para lidar com os "riscos"...

Foto (e legenda): © Jorge Cabral (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor

(*) Vd. poste de 15 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24224: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIV: As previsões agoirentas do adivinho Mamadu Candé que nos via, a mim e ao João Bacar Jaló, a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e aí a sofrer muitas baixas (... só não nos disse o nome da cidade: Conacri...)

(**) Vd. poste de 22 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23804: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte X: Op Mar Verde, há 52 anos, em 22/11/1970: para Conacri, rapidamente e em força.

(***) Último poste da série > 4 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24194: (Ex)citações (424): Adeus, até ao meu regresso !... Mas em que ainda se fala de esquizofrenias galopantes, de Diniz de Almeida e do velho... do Restelo da Revolução (José Belo, Suécia)

terça-feira, 4 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24194: (Ex)citações (424): Adeus, até ao meu regresso !... Mas em que ainda se fala de esquizofrenias galopantes, de Diniz de Almeida e do velho... do Restelo da Revolução (José Belo, Suécia)

1. Mensagem de Joseph Belo:

Data - quinta, 23/03/2023, 18:23 

Caro Luís

Sempre na busca de reviver diálogos com alguns Camaradas que aparentemente (e infelizmente) tem vindo a diminuir as suas interessantes participações activas (!), enviei, em 22/02/2023, um despretensioso texto intitulado “O caminho marítimo para um certo socialismo“.

Quanto a mim, a conclusão final do velhote protagonista engloba de forma genial, na sua simplicidade realista, o interessante tipo de dialética (não existente no período) entre alguns dos actuantes na “Revolução” e grandes massas de pseudo receptores.

A minha comparticipação nestes diálogos sempre procurados será improvável por regressar dentro de dias para os States onde me espera um período muito activo a nível pessoal e empresarial.

Abraço do JBelo

2. Resposta do editor LG:

 Data - sexta, 24/03/12023, 10:55

José, não está esquecido. Mas primeiro tenho que enterrar uma pessoa que me é muito querida, a irmã da Alice e minha "mana"... Acaba de morrer... Sabes como é, quando morre alguém que muito amamos, morremos também um pouco. Ab, Luis

3. Mensagem de Joseph Belo:

Data - 24/03/2023/2023, 11:56 

Meu Caro Luís: Sinceros Sentimentos. Eu infelizmente sei bem demais o que são tais situações e o que elas nos trazem quanto a sentimentos. Um grande abraco, JBelo.

4. Resposta de Luís Graça:

Data - 24/03/2023, 12:10 

Obrigado, Zé. Foram 4 anos de sofrimento. Mas a minha mulher acompanhou-a nestes últimos dias, o que ajuda a fazer o luto. Eram "almas gémeas". E eu já lhe escrevi a oração fúnebre. Abraço fraterno. Luís

5. Texto emviado pelo Zé Belo:


Data - Sexta, 17/03/2023, 20:08

Assunto - Um texto já... fora de tempo.

 Caro Luís

O pequeno texto que te enviei no qual, muito de passagem, referia Diniz de Almeida, tinha por intenção estabelecer um diálogo à volta deste importante membro do MFA em data próxima do 11 de Março de 1975.

Apodado de tudo e mais alguma coisa pela direita então frustrada e, não menos, por pseudo políticos militares de então que, desde os seus confortáveis gabinetes em Belém, com alcatifas, interessantes mui simpáticas secretárias, e bonitas “vistas” das suas janelas sobre o Tejo, trabalhavam para o seu futuro pessoal.

Ele e um punhado de outros ingénuos que julgavam defender o espírito de Abril junto dos Soldados nos respectivos Quartéis. A contribuição de Diniz de Almeida para o êxito militar da movimentação de tropas em Abril merece leitura atenta antes de se cair nas críticas fáceis do tipo…. ”Fitipaldi das Chaimites“!

E alguns dos militares-politicos que, após o ataque ao RALIS  em 11 de Março,   “flutuaram“ até Novembro de 75, e não menos no período imediato posterior, não teriam continuado nos seus resguardados “postos” se Diniz de Almeida não tivesse “aguentado” o RALIS naquela data.

Para os que se consolam com a “inventora” possível à volta destes acontecimentos, recordo-lhes que além do cerco das tropas pára-quedistas, o RALIS  foi metralhado desde o ar com resultado em mortos e feridos.

Não me contaram a “história “.

Eu e alguns Aspirantes a Oficial, do Esquadrão que então comandava, quando aguardávamos
embarque para Angola, no Regimento de Cavalaria 5, em Santa Margarida, estivemos de armas na mão nos muros do RALIS nas horas imediatas ao ataque.

E, para muitos dos “revolucionários” que tanto gostam de se abrigar à sombra do politicamente correcto, se Diniz de Almeida não tivesse “agarrado” o RALIS naquela data (e a escolha daquele Regimento não foi por acaso) não teria sido necessário a perda de tempo até…Novembro de 1975.

As opiniões hoje, e de ambos os lados das barricadas, são risíveis por… ultrapassadas!

Um abraço, JBelo



Da Lapónia à Florida... Fotos de JBelo (2023)


6. Mensagem de Joseph Belo:

Data - quarta, 1/03/2023, 18:49
Assunto - Esquizofrenias galopantes

As últimas semanas têm sido bem agitadas nas suas voltas e reviravoltas.
Demasiado agitadas para as nossas idades bíblicas.

Vou "descomputamizar-me" por uns tempos, o que desde há muito compreendi ser... terapêutico!

Termino os meus inocentes diálogos com o umbigo com o texto "O caminho marítimo para um certo socialismo" que te enviei.

Não sabendo se será editorialmente publicável é no entanto uma daquelas histórias que definem um certo tipo de sociedade vista desde pequenas "alturas".

Com o saudoso (???)... Adeus até ao meu regresso...

Um grande abraco,
E... as tais esquizofrenias... JBelo

7. Resposta do editor Luís Graça

Data - 04/03/2023, 23:17

José, vou publicar... mas promete-me que não "desertas"... LG


O caminho marítimo 
para um certo socialismo | Joseph Belo

(Enviado em 22/02/2023, 14:07)

Caro Luís

A caminho de novo período (mais um) da minha já longa vida, veio-me à memória importante e inesperada conversa tida com um “velhote” em inícios de 1975.

Em companhia do então major Diniz de Almeida, a quem me ligava forte amizade pessoal bem anterior a Abrir de 74, decidimos aproveitar a hora do almoço regimental para irmos comer uns famosos “coiratos” em restaurante humilde e discreto nos arredores de Sacavem.

Os “grelhados“ eram cozinhados num terraço onde estavam colocadas algumas mesas artesanais e cadeiras.

Um velho, sentado em banco próximo ia aproveitando o sol. Ao ver-nos fardados com os camuflados abanou pensativamente com a cabeça. Como estava só e sem nada na mesa à frente dele, convidei-o para beber um “copo” connosco.

Mudou-se para junto de nós. Falou-se de tudo um pouco como era normal naquele período. Depois de o tal “copo” se ter tornado o terceiro, olhou-me frontalmente e disse quase num lamento:

−  Os senhores Oficiais nada sabem quanto às realidades em que andam metidos. Eu, quando criança passei muita fome. Quando adolescente,  passei muita fome. Como adulto,  passei muita fome. Agora, já bem velho... habituei-me!

Tudo dito de forma sincera, directa, com poucas palavras.

A vida deu muitas voltas mas esta conversa tem estado sempre presente no meu espírito. Como alguém escreveu: “São histórias que ficam na história da gente“.

Um abraço do JBelo
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de abril de  2023 > Guiné 61/74 – P24187: (Ex)citações (423): Camaradas que se separaram na Guiné (José Saúde)

domingo, 2 de abril de 2023

Guiné 61/74 – P24187: (Ex)citações (423): Camaradas que se separaram na Guiné (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Camaradas que se separaram na Guiné

Camaradas,

Nesta fase da vida, que já vai longa, há momentos que nos enchem de saudade e, sobretudo, de uma amizade que persiste, não obstante o tempo passado.

No pretérito dia 18 de março, 2023, celebrámos o 50º Aniversário do 1º Curso de 1973 de Operações Especiais/Ranger, em Lamego, tal como havia antes anunciado, sendo que por lá revivemos instantes que jamais esqueceremos. Foi, no fundo, um “folclore” de emoções, tendo em linha de conta os laços que nos unem de uma especialidade que nos terá dado um outro traquejo para enfrentar a guerra Colonial, ou do Ultramar.

Neste encontro, marcado pela excelência entre camaradas e alguns dos seus familiares, revi o camarada Pedro Neves, almoçámos lado a lado, tal como demonstra a fotografia, sendo que o “peso da idade” mui dignamente transformou os nossos corpos.

Aqui vos deixo um texto do meu livro “UM RANGER NA GUERRA COLONIAL – GUINÉ-BISSAU 1973/1974 MEMÓRIAS DE GABU”, Editora Colibri, Lisboa, editor Fernando Mão de Ferro


Camaradas que se separaram na Guiné
Pedro Neves foi para Binta, eu para Gabu


No QG, em Bissau, com o Pedro Neves no dia em que chegámos à Guiné – 2 agosto de 1973

Atesta a lonjura do tempo que o rótulo de uma amizade que teima em permanecer imutável entre dois velhos camaradas de armas, atravessam géneses de uma eternizada amizade e predispõem-se de forma clara a tecer comentários vantajosos entre sexagenários que se conheceram nos verdes de uma juventude irreverente, onde a sua condição militar ditou uma estima que se mantém, e manterá, indestrutível.

Reconheço que durante a minha vida militar travei inúmeros conhecimentos com camaradas e desse rol de personagens com os quais mantive contactos pessoais, nesses velhos tempos, alguns deles existem que permanecem patentes na montra das nossas excêntricas recordações.

Agora, o meu memorial para um justo debate, recai num velho camarada de nome José Pedro Neves. Um amigo com o qual partilhei momentos inolvidáveis por terras de Lamego. Fomos instruendos do 1º curso de 1973 de Operações Especiais/Ranger e instrutores do 2º curso, sendo que ambos demos instrução ao 1º grupo de cadetes, onde tivemos como aspirante Daniel Pereira, um rapaz de Cabo Verde que, tal como eu, fizemos a recruta no CISME, em Tavira.

Ditou a bolinha mágica da fortuna, ou azar, que fossemos contemplados com uma comissão na Guiné. Uma mobilização que, como era suposto, se apresentava como cruel. Tratava-se do princípio de uma nova rota militar e que usurpava maquiavélicas coincidências para dois jovens que não conseguiram ludibriar a malvadez do futuro.

Aconteceu que a ida para terras de além-mar fosse plena de coincidências. Comparecemos ao embarque no aeroporto de Figo Maduro, só que o voo foi suspenso, sendo que a viagem se protelou por vários dias. “Desarmado” e boquiaberto com a situação deparada, o Pedro, um homem de coração enorme, prontificou-se a solucionar a condição de um camarada ranger, entretanto desapossado de um lar para pausadamente aguardar pela ordem de partida.

“É pá, não tenhas problemas, ficas na minha casa”. Uf, que alívio, pensei. E lá fomos a caminho do seu lar. Os pais do Pedro receberam-me com pompa e circunstância, dormi, comi e bebi, passeámos pela capital e nada me faltou nos dias antes do embarque. Obrigado pela hospitalidade e sobretudo sensibilidade!

Partimos então para a ex-província ultramarina no dia 2 de agosto de 1973, no mesmo avião que descolou de Figo Maduro, Lisboa, e partilhámos o mesmo banco da nave, saboreámos a refeição servida a bordo, bebemos o fresco líquido (whisky) de um copo e trocámos ideias sobre a sorte que nos esperava na guerra.

Chegados ao aeroporto de Bissalanca fomos depois conduzidos para as instalações militares do QG, em Bissau. A receção foi cordial. Faltaram as passadeiras vermelhas para receber em apoteose os ilustres mancebos acabadinhos de aterrar em solo africano. Os barracões, como recordam aqueles que por lá passaram, estavam entolhados de camaradas, alguns já velhinhos na guerra e os recentes “piriquitos”. Notava-se, a olhos vistos, que os brilhos das divisas dos novos guerrilheiros impunham ordem numa hierarquia que a plebe muito bem conhecia.

As camaratas, com camas sobrepostas, sugeriam o sentimento de uma desolação profunda sobretudo para os recém-chegados. Procurámos o poiso, acomodámos a nossa bagagem e envidámos esforços no sentido de uma visita ao centro de Bissau. O objetivo era conhecer novas paragens, aliás, tal como sucedeu.

Entretanto fomos informados do horário das refeições que eram servidas no refeitório da messe de sargentos, defronte às nossas esplendidas “residências”, sendo que pelo meio das amenas cavaqueiras lá surgiam as brincadeiras do “piu-piu”. Sons jocosos emitidos pela velhada que parecia estar de partida para a metrópole depois de uma comissão que não lhes terá dado tréguas.

Lembrando essas famosas camaratas no QG, alcunhadas como o Biafra, recordo que eram uma espécie de tudo ao monte e fé em Deus. Algumas das camas eram pomposamente ornamentadas com redes mosquiteiras. A malta de passagem pelas instalações colocava as artimanhas e por lá ficavam. Serviam depois de abrigos para os novos hóspedes. O zumbido agudo noturno dos mosquitos era ensurdecedor. Ali deparamo-nos de pronto com o clamor da primeira batalha.

Chegou a hora da despedida. O Pedro lá partiu rumo a Binta e eu a Nova Lamego, Gabu. Nas minhas novas instalações reencontrei outros dois camaradas que tiraram o curso de Operações Especiais/Ranger comigo em Penude: o Rui Álvares e o Cardoso. Acontece que o Cardoso acabou por demandar para uma outra zona da Guiné, enquanto eu e o Rui permanecemos em Gabu.

Do Cardoso nunca mais tive informações. Perdi-lhe o rasto. Sei que era natural de Moimenta da Beira. Desejo que esta ausência poderá ter um fim em vista se porventura algum camarada que leia este pequeno texto nesta obra me dê alvíssaras desse meu velho amigo. O Cardoso tinha uma estatura baixa. Gostava de reencontrá-lo tal como aconteceu há uns anos com o Rui. Com cabelos brancos, ou com falta deles, como é o meu caso, reconhecer-nos-emos de imediato e lá acontecerá aquele fraterno e apertado abraço.

Interiorizando os contextos de as minhas memórias Gabu, realço a passagem pelas instalações do QG, em Bissau, afirmando convictamente que esse espaço foi visitado, e revisitado, por muitos camaradas que fizeram escala na capital guineense ao longo da sua comissão militar na guerrilha da Guiné.

Curioso era a arquitetura dessas instalações. Mas como a sua utilidade era simplesmente casual, a malta acomodava-se como podia e não refilava com o que lhe era colocado à disposição. Lembram-se, camaradas? Toca a desafiar essas recordações e sacar cá para fora essas velhas lembranças.

Dessas passagens breves pelo QG, recordo que numa das idas para o faustoso resort, encontrei dois amigos de Beja, um o furriel comando de nome Chico Dias, que me levou a provar um prato a que chamavam “ninho de andorinha”; outro o furriel Zé Felício, um rapaz com o qual mantenho uma indestrutível amizade.

Recordo o desafio proposto pelo Chico Dias na prova do ninho de andorinha, uma refeição cujo tempero era feito na base do muito piripiri africano. Escusado será dizer que o sacana do ninho de andorinha levou-nos a refrescar as gargantas com uma boa dose de cervejas. Não me lembro do fim, mas aquilo fez efeito, isso fez.

Experiências comestíveis guineenses que, à época, fazia mover montanhas de prazeres africanos! 
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

7 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 – P24125: (Ex)citações (422): Os combatentes, Vietname e Portugal (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)

terça-feira, 7 de março de 2023

Guiné 61/74 – P24125: (Ex)citações (422): Os combatentes, Vietname e Portugal (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)


1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 6 de Março de 2023, com um texto onde compara, tanto quanto é possível, a nossa participação na guerra da Guiné, enquanto combatentes, e os americanos na ainda mais sangrenta guerra do Vietname.


Os combatentes, Vietname e Portugal

O companheiro Valdemar Silva, num simpático comentário a um nosso escrito sobre o nome da Guiné, disse entre outras que “gostava de saber o que é que dizem os américas sobre os portugueses terem tido o "seu Vietname" durante mais de uma década nas suas colónias em África”.

É uma pergunta normal e que para muitos de nós antigos combatentes da guerra colonial Portuguesa em África até tem algum interesse em saber e…, é uma resposta que não é de um bilião de dólares. Porquê? Porque ignorando as peliculas de Hollywood e os livros publicados sobre a guerra do Vietname, talvez a maior parte desses combatentes não soubessem porque é que foram combater ao Vietname, porque é que se envolveram naquela maldita guerra e, talvez também não soubessem que existia um país na Europa chamado Portugal, que também andava envolvido numa guerra colonial em África.

Posto isto, e para explicar a nossa experiência na convivência com alguns desses combatentes, teremos que nos posicionar no tempo, na geografia, na dimensão dos continentes e no modelo e área de combate, ou seja, América/Ásia e Europa/África, nas partes e no sentimento da causa envolvida que, vejam lá companheiros, em alguns pontos era quase a mesma.

Por exemplo: Portugal, país Europeu mas colonialista, tinha colónias em África onde começaram a aparecer grupos armados nacionalistas africanos que iniciaram a luta pela libertação do seu território, motivados e auxiliados principalmente por um regime comunista modelado pela União Soviétia e pela China.

E…, a América, país que tinha sido colonizado e se libertou, não tinha colónias para defender na Ásia, no entanto a razão foi quase a mesma, que foi única e simplesmente colocar-se ao lado do Vietname do Sul, lutando contra o Vietname do Norte que pretendia unificar o país sob um regime comunista modelado também pela União Soviética e pela China.

Assim, quando o Congresso Americano aprovou a Resolução do Golfo de Tonkin, autorizando uma ação militar em resposta a um suposto ataque a navios da Marinha dos USA pelas forças norte-vietnamitas, os combatentes americanos desembarcaram em Saigon sem a menor ideia para o que iam nem quando e como regressariam a território americano de novo.

E…, eram quase todas pessoas que se tinham alistado nas forças armadas para terem um emprego e um futuro, porque não viam qualquer futuro nas aldeias e vilas do interior dos Estados de Montana, nas Dakotas do Norte e do Sul, no Wyoming e até em Arizona, Novo México ou no Nebraska. Ali, trabalhavam nas quintas, criando vacas e outros animais, onde o quarto de banho era uma cabana fora da casa onde habitavam, quase junto ao poço que tinha uma roldada que puxava uma corda com um balde amarrado na ponta, onde as galinhas andavam por ali à solta, ou então estavam envolvidos em pequenos negócios familiares, onde alguns nasciam e morriam sem nunca ver o oceano.

Por exemplo, o caso de um companheiro de trabalho oriundo de Ponce, uma região no sul da ilha de Porto Rico, que andava sempre revoltado dizendo mal do presidente Nixon, que o desmobilizou das forças armadas a seguir ao acordo de paz da guerra no Vietname, e agora, tinha de procurar trabalho, trabalhar e cumprir horários, quando o que ele queria era seguir a carreira militar, onde tinha tudo o queria para viver com algum conforto.

Tudo isto, sem se poder ignorar as aldeias e vilas dos estados do Mississippi, Alabama ou mesmo Louisiana, onde existem milhares de comunidades afro-americanas que sempre viram no alistamento nas forças armadas um meio de elevação perante a sociedade e, se tivessem a sorte de fazer um ou dois “tours” ao Vietname e regressassem vivos e não afectados psicológicamente, iriam usar as insígnas de combate no Vietname, que lhe dariam prestígio e a possibilidade de promoção mais rápida no ranking militar.

E também havia o fenómeno dos combatentes de origem hispânica, ou seja aqueles cujos pais viviam perto da fronteira sul ou aí tinham residência e trabalhavam por épocas nos USA, pelo menos na altura das plantações e depois na das colheitas, regressando à sua residência ao sul para lá da fronteira, onde viam uma grande oportunidade de os seus filhos se tornarem cidadãos americanos com todos os benefícios e deveres, depois de se alistarem nas forças armadas e cumprirem com mérito um ou dois “tours” no Vietname.

Adiante que se faz noite, como dizia a nossa saudosa avó…, depois, já decorria o ano de 1969 e os níveis de tropas dos EUA atingiam o pico de mais de 543.000, havendo até aquele momento mais de 33.000 americanos mortos, um total maior do que a Guerra da Coreia. Nesta altura começaram contactos secretos para negociações para a paz, no entanto, houve traições de ambos os lados e o conflito agravou-se. Entretanto, o New York Times dá a notícia dum bombardeio secreto do Camboja. A revista Life exibe fotos das quase duas centenas e meia de americanos mortos no Vietname durante a semana anterior, as fotos têm um impacto impressionante nos americanos em todo o país ao verem os rostos jovens e sorridentes dos mortos.

As manifestações de paz atraiem cerca de 250.000 pessoas em Washington para o maior protesto antiguerra da história dos Estados Unidos. Uma pesquisa de opinião indicam que 71% dos americanos querem a paz. Felizmente não nos atingiu a nós que aqui chegámos no início da década de setenta do século passado, mas tivémos que ir dar o nome e local de residência à sede local das forças armadas, para uma eventual convocação, no entanto, a primeira mobilização geral desde a Segunda Guerra Mundial aconteceu um ano antes da nossa chegada a este continente e é realizada na cidade de Nova York, onde cada dia do ano recebeu aleatoriamente um número de 1 a 365 e, aqueles com aniversários em dias que terminavam com um número baixo provavelmente iriam ser convocados.

No ano seguinte na Kent State University, em Ohio, guardas nacionais atiram e matam quatro manifestantes estudantis e ferem nove. Em resposta a estes assassinatos, mais de 400 faculdades e universidades em toda a América fecharam. Em Washington, cerca de 100.000 manifestantes cercam vários prédios do governo, incluindo a Casa Branca e monumentos históricos. Num impulso, o presidente Nixon sai da Casa Branca e faz uma visita surpresa tarde da noite ao Lincoln Memorial e conversa com jovens manifestantes, possivelmente dizendo-lhes que as conversações para a paz se reiniciaram.

Eram os protestos do povo americano que queriam a paz e…, podíamos continuar com a história do conflito que já é demais conhecido onde mais de 3 milhões de pessoas, incluindo 58.000 americanos, foram mortos e que durou mais de uma década, quando a guerra terminou em 30 de abril de 1975, quando Saigon, a capital da República do Vietname, caiu nas mãos do exército norte-vietnamita, marcando assim o fim do envolvimento americano.

Este é um muito breve resumo do envolvimento dos combatentes americanos na guerra do Vietname. E…, o envolvimento de nós combatentes na guerra colonial também todos sabemos e é demais conhecido, que era também a luta contra o comunismo, defesa da Bandeira, da Pátria Mãe, da honra, do dever de cidadão honrado e honesto, do marchar, marchar, heróis do mar nação valente e… ir prá guerra já e em força e…, matar o inimigo, porque Portugal era só um e não podia ser repartido.

E…, o regime de então não permitia manifestações de protesto. Era cumprir comer e calar, ou seja, dar o corpo às balas e morrer, porque se vivia num ambiente de desconfiança e medo, onde aquele acolá nos estava a espiar e ia avisar a polícia do estado que batia, torturava, matava ou mandava para o degrêdo do campo prisional do Tarrafal e…, onde tudo isto só terminou quando as próprias forças armadas se revoltaram, ocupando quase pacíficamente a “capital do Império”, acabando de vez com esse governo colonial que dava sinais de já não ter controle no país e de já não governar.

Agora sim, depois de todo este resumo que já vai longo e ocupa demasiado do precioso espaço deste blogue, falamos na resposta ao companheiro Valdemar Silva e à sua inofensiva pergunta.

Claro, falamos daquilo que connosco se passava, ou seja daquilo que sabemos, onde a verdade era simples e é mais ou menos esta quando explicávamos aos nossos companheiros combatentes na guerra do Vietname a maneira como fomos mobilizados, treinados à pressa e equipados com aquelas armas obsoletas, enviados no porão de um navio de carga, navegando rumo ao sul para desembarcar em África, onde se combatia.

Éramos jovens, com uma educação que vinha de pais para filhos à séculos, deixando na Europa a família, as namoradas, noivas e esposas, alguns com filhos, íamos frágeis, desmotivados e com uma alimentação muito fraca e desapropriada, não se podia ter uma higiene primária, não havia uma assistência médica responsável e respectivos medicamentos, passado uns meses o camuflado já estava roto em algumas partes e as botas gastas e…, se um companheiro tinha a infeliz sorte de ser ferido ou morto vitima de uma emboscada na lama perigosa dos pântanos e canais, onde a corrente da água e lama com a subida da maré era forte e sem a possibilidade de ser evacuado, por lá ficava, e eles…, ou ficavam sérios e pasmados ao ouvir-nos, ou então riam-se e alguns respondiam: “Fuck you…, deviam matar o vosso presidente, ele que fosse lutar para lá mais a família dele…, Shit”.

Cremos que não precisam que se traduzam as primeiras e última palavras. No entanto, estas eram algumas das palavras que os tais “américas” nos diziam, isto porque havia muita confiança entre nós, e claro, era uma conversa aberta, sem preconceitos, pois as passagens na guerra fazia parte das nossas conversas quase todos os dias, comparando pequenos casos do dia e às vezes olhávam-nos e diziam, “hó Guinéu…., mas eras tu?. Ainda estás vivo ou és um fantasma”. Éramos um pequeno grupo de três antigos combatentes e todos tínhamos o típico apelido entre nós. Chamavam-me o “Portuguese Guinea”, um afro-americano nascido e criado junto ao rio Mississippi, que sempre dizia que não tinha medo das cobras nem dos alligatores porque em pequeno os caçava e comia, cujo apelido era o “Mississippi” e o outro era um típico américa cowboy, cujo apelido era “Texas Boy”, oriundo de uma pequena povoação fronteiriça no Texas, que também falava um pouco espanhol e durante os muitos anos em que convivemos sempre usou roupa igual, ou seja as botas gastavam-se, comprava outras iguais, o mesmo com as t-shirts, calças ou camisa e chapéu e, além de companheiros de trabalho éramos colegas de universidade, pois juntos e à noite, frequentámos a mesma escola por anos.

Porque estes eram aqueles que queriam usufruir dos benefícios que o governo dava, como escola, assistência médica e constituindo família poder adquirir residência a preço do custo do material de construção sem juros, em novos bairros de casas construídas e mobiladas nas perferias das cidades e outras benfeitorias para ajuda aos antigos combatentes, porque felizmente nos USA, ainda se respeita os antigos combatentes.

No entanto, também havia os outros, aqueles que regressavam traumatizados, onde o declínio no moral e na disciplina com o uso de drogas se tornava por vezes desenfreado, experimentando maconha, ópio ou heroína, que eram fáceis de obter nas ruas de Saigon, e que chegados aos USA, não queriam mais trabalhos com responsabildade e iam para as estações de serviço encher os tanques de gasolina ou para porteiros de bares, casas de alterne ilegais ou qualquer outro trabalho mais simples e que lhes proporcionasse algum dinheiro.

Ainda antes de terminar queriamos explicar que a guerra do Vietname era um conflito armado em que o território local mudava de mãos com frequência e, que ao contrário do que as peliculas de Hollywood mostram, foram os brancos de classe baixa ou as minorias que travaram a maior parte dos combates.

Companheiros, perdoem o longo espaço que ocupei e um grande abraço ao companheiro Valdemar Silva por dar origem a este escrito que talvez nos irá ajudar melhor a compreender a diferença entre a guerra do Vietname e a colonial Portuguesa, onde a legenda “a Guiné Portuguesa era o Vietname de Portugal”, se fosse ao contrário não deixaria de fazer sentido…, até talvez mais sentido, pelo menos no sofrimento e na condição de desigualdade em combate, isso nós sabemos.

Tony Borie

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Notas do editor:

Vd. poste de 28 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24108: (In)citações (232): "Olha o Guinéu português!!!" (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)

Último poste da série de 26 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 – P24101: (Ex)citações (421): Sim, estou velho! (José Saúde)

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 – P24101: (Ex)citações (421): Sim, estou velho! (José Saúde)



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Sim, estou velho!

A idade não perdoa. Que tínhamos todos a noção dessa inquestionável realidade. Fui, tal como todos os camaradas de armas, um jovem que conheceu momentos de alegria e também de horrores na guerra da Guiné. Todavia, sim estou velho. Conto, resumidamente, momentos de prazeres e de angústia pelo tempo que já passou.

Deixo os livros que já escrevi, 11, e da árdua labuta como jornalista ao longo de mais de trinta anos. Somos, agora, meros seres humanos que vagueamos pelos pingos da chuva e que paulatinamente nos deparamos com a estonteante viagem que já fizemos ao cimo deste imenso globo terrestre.

Na nossa cédula pessoal ficou registada a nossa presença por terras da Guiné, bem como os nossos tempos de meninos e moços.

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Condicionalidades de um tempo sem tempo: Sim, estou velho!

Sim, estou velho! Sim, o tempo, esse vadio, já voou. Dissipou-se. As gotas de orvalho diluem-se a uma velocidade impressionante. O meu rosto determina uma idade já avançada (72 anos). Sim, porque a saudade mata devagarinho os anos já consumidos pela essência das eras passadas. Sim, essa tal melancolia que parece previamente distante, perdeu-se pela fresta de uma porta que se foi definhando com o declinar das épocas. Vagueio pelo trilho “desarmadilhado” de uma vereda que inevitavelmente vai estreitando. Sim, esta é uma das inevitáveis realidades que o ser humano literalmente terá de compreender e sobretudo aceitar.

Curvo-me perante a transformação física do meu corpo. É verdade. Não o escondo. Mas atenção: ainda não me considero um trapo. Talvez um trapo de um fino fio de seda vindo das equidistantes arábias, mas impregnado com uma juventude já perdida. Ficaram os requintados cheiros que dantes me arregalaram as narinas. Ou, o toque em “matéria proibida” onde proliferavam memoráveis mistérios. Sim, esses frenéticos momentos continuam fixamente emoldurados na minha mente, mas com traços de um puro êxtase dantes ocorrido.

Recreio-me, agora, com a saudade. O que fiz e o que deixei de fazer. O meu corpo, outrora atlético, está velho. Cansado. De uma aldeia, a minha sempre querida Aldeia Nova de São Bento onde nasci, a metrópoles de maior dimensão, de tudo conheci. Conheci e fiz amizades. Tudo, porém, foi ontem. E foi ontem que brinquei com os meus amigos no Largo do Ferreira, lá para as bandas do Algés. Do João Luís, ao João Ferro, António, vulgo “Encherto”, António e Bento Charrinho, dois irmãos infelizmente já desaparecidos, Manel “Galha Galha”, Bento “Tomba Lobos”, Chico do Toril e o João Cheta, de entre muitos outros miúdos, foram companheiros no jogo de futebol com uma bola de trapos, ou com uma bexiga de porco regateada no mercado da aldeia. As leis, então impostas pela rapaziada, impunham que o jogo terminava aos 10, a mudança de campo aos 5 e as balizas eram delimitadas com duas pedras, sendo que o retângulo de jogo, desproporcionado, não tinha linhas que limitassem o espaço.

Mas, eis que numa elementar reciclagem feita à razão desta minha existência, revejo, com saudade, a mocidade perdida e uma vida preenchida de aventuras e desventuras. Ninguém é perfeito e eu também o não fui e nem tão-pouco o sou e, logicamente, jamais o serei.

Saí do meu recanto sagrado, ou seja, da minha sempre querida e adorada Aldeia Nova de São Bento, muito novo com destino a Beja, urbe onde concluí a instrução primária e fiz grande parte da minha vida. Todavia, jamais renunciei uma ida ao berço que me viu nascer e me consumirá para a eternidade. É lá, na minha aldeia, que um dia repousarei para a perpetuidade.

Existiu sempre no meu ego o espírito de aventura, ora quando a adrenalina me levava ao êxtase, ora quando o momento implicava uma maior concentração, tendo em conta o passo seguinte que, por força de uma razão maior, teria de ser dado. Mas nem sempre as coisas funcionaram da melhor maneira. É natural e aceito esses ímpetos momentâneos. Errei, tal como todo o ser humano. Ninguém é um exemplo imaculado e nem tão pouco um ser perfeito.

O mundo do futebol traçou-me um outro destino. Do Despertar ao Sporting, com uma passagem pelo Benfica, foi o desenho traçado e fundamentalmente concluído. Depois, veio o Desportivo de Beja, o FC Serpa e o Atlético Aldenovense.

Pelo meio ficou o cumprimento do serviço militar obrigatório. De Tavira aos Rangers, em Lamego, sendo o quartel em Penude, foi um estreitíssimo passo. Seguiu-se a Guiné, onde cruzei a guerra com a paz. Ali conheci uma outra realidade. Uma realidade onde os odores africanos se cruzaram com o “cantar” das armas. Regressei, felizmente, tal como parti. Apenas mais velho de idade. Fica, contudo, nas minhas mágoas de ver partir camaradas para a tal viagem sem regresso.

No retorno de África um emprego em Lisboa assinalou a minha volta à capital do Império. Regressei, depois e mais velho em idade, à velha Pax Júlia em 1978 e onde dei os primeiros passos no maravilhoso universo do jornalismo com o meu saudoso amigo Delmiro Palma, no jornal “O ÁS”, um semanário que adquiri no ano de 2000, sendo, para além de proprietário, o seu Diretor.

Trabalhei, em simultâneo, para vários órgãos de comunicação social desportiva, quer regionais quer nacionais, ficando a certeza que o jornal “A BOLA” terá levado o meu nome e a nossa região baixo alentejana além-fronteiras, para além do JN (Jornal de Notícias). O jornalismo preenchia a minha profícua mente. 12 anos na Rádio Voz da Planície, como coordenador da área desportiva, levou-me a possuir nos três programas na RVP: O “Estádio”, aos sábados; “Planície Desportiva” aos domingos com relatos de futebol incluídos; e diariamente o “Livre Direto”, com dois apontamentos, um logo pela manhã, um outro à tarde. Em 2005 assumi dar a cara pela TV Beja, televisão por Internet.

Um dia, em finais de 1990, lancei o primeiro livro, “Glórias do Passado”, seguindo-se uma segunda obra, ou seja, o II volume sobre a mesma matéria. Em 2006, com 55 anos de idade, fui “contemplado” com um AVC que me deixou entre a vida e morte. Sobrevivi e lutei, incansavelmente, pela minha liberdade. Recuperei o possível.

Limitado a uma cadeira de rodas tracei cenários quiçá inimagináveis. A mente, porém, comandava felizmente o corpo, logo a minha luta titânica passava pelo regresso ao mundo da escrita e ao seio de uma sociedade que me fora sempre cordial. Aliás, a mente, essa fascinante ferramenta de que todos somos possuidores, estava limpa, não obstante a afasia entretanto manifestada. As palavras não saíam com a fluidez que dantes me era comum. Gaguejava e os movimentos físicos estavam ausentes, todavia, esses pequenos/grandes pormenores foram por mim ultrapassado, dado que nunca atirei a toalha ao chão. Segui em frente e de cabeça levantada.

Mas, eis que comecei a vislumbrar a prosperidade do caminho do futuro. Recuperei o que esteve ao meu alcance e regressei ao mundo real e ao computador, principiando-me a elaborar textos para os leitores contemplarem. Em 2008 surgiu o convite do Diário do Alentejo. Aceitei e não mais parei. Paralelamente ressurgiu a veia de escritor e toca a lançar livros, sendo o antepenúltimo, tal como o anterior, com a chancela da Editora Colibri, “Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes”. Para trás ficaram, para além daquele que atrás citei: Glórias do Passado, volumes I e II; O Trilho; AVC Na Primeira Pessoa; Guiné-Bissau As Minhas Memórias de Gabu; Associação de Futebol de Beja 90 Anos de Memórias e Relatos; AVC O Guerreiro da Liberdade; Aldenovense Foot-Ball Club ao Clube Atlético Aldenovense; Um Ranger na Guerra Colonial Guiné-Bissau 1973/1974 e Bola de Trapos - Crónicas Desportivas do Baixo Alentejo 1904 a 2022.

Este apurado texto, sendo na minha opinião bastante exígua, reconheço, no entanto, que reproduz retalhos de uma vida de um ser humano nascido numa aldeia que vive de paredes-meias com a vizinha Espanha, província de Andaluzia, que leva 72 anos contabilizados e que assumindo um raciocínio lógico me leva a concluir: Estou velho! Sim, estou velho, mas ainda pronto para continuar hirto ao cimo deste globo terrestre, embora reconheça que as minhas limitações físicas já pesam no meu corpo, hospedando a certeza que as curtas viagens aventureiras se vão diluindo com o evoluir dos tempos. Presentemente o meu carro são as minhas pernas e é com ele, o carro, que me desloco para qualquer ponto deste solo lusitano. Mas, estando velho, e residente neste pequeno “invólucro” terreno, sinto-me ainda capaz em continuar a senda da escrita.

Para trás ficam imagens de anteontem, de ontem e de hoje. Somos, afinal, pequenas gotas de orvalho que se diluem em pequeníssimos ciclos de vida. Aqui ficam imagens dos livros por mim já publicados.

Abraços e beijos
Zé Saúde (Fur Mil OpEsp/RANGER da CCS do BART 6523)
Jornalista/escritor

Observação: Os três últimos livros publicados, Um Ranger na Guerra Colonial – Guiné-Bissau 1973/1974, Aldeia Nova de São Bento – Memórias, Estórias e Gentes e Bola de Trapos Crónicas Desportivas do Baixo Alentejo 1904 a 2022, foram editados pela Editora Colibri, Lisboa. Deixo, para já a minha obra feita como escritor, onde enalteço o meu ilustre "torrão sagrado".













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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

6 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24042: (Ex)citações (420): As caçadas por meios aéreos só ao alcance de alguns (Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pil)

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24042: (Ex)citações (420): As caçadas por meios aéreos só ao alcance de alguns (Gil Moutinho, ex-Fur Mil Pil)

1. Comentário do nosso camarada Gil Moutinho (ex-Fur Mil Pil, BA 12, Bissalanca, 1972/73) deixado no Poste 24030(*), que aqui publicamos, acompanhado de fotos enviadas posteriormente ao blogue:

Francisco Batista,
Fizeste-me recordar a minha infância em que tudo que descreves é tal e qual o que se fazia aqui na casa. Ainda tenho a dita faca "porqueira", 30 a 40 centímetros com duplo gume, também um funil zincado com um entalhe no bordo para a minha mãe empurrar a carne com o polegar dentro da tripa.

Na Guiné havia fama que em Binta (ou será Barro?) havia um local que preparava um leitão assado de truz. Numa missão (chamada de sector) de transporte geral de DO que me calhou, de periodicidade semanal, calhou ir a esse sítio e tendo encomendado o petisco, na volta perto do almoço, trouxe para a base e convidei dois outros comanditas e papamos o dito.
Apanhei uma gastroenterite que me pôs off durante uma semana. Aqui, só ao fim de bastantes anos recomecei a comer esse petisco.

Também, quando queríamos fazer alguma tainada, íamos à caça com um helicanhão e alvejávamos com muito cuidado para só estragar meia carcaça. O atirador tinha que tentar acertar a cerca de 2 metros de distância, pois eram balas explosivas, e daquele lado era para deitar fora cheio de estilhaços.

Durante a instrução em Tancos, também tínhamos um método eficaz para caçar perdizes. Íamos para os lados da Chamusca, Arripiado, onde as perseguíamos com o helicóptero e, quando já estavam exaustas de tantos voos rasantes fazerem, descíamos do aparelho e apanhávamo-las à mão. Era um método infalível e sem gasto de munições.

Recém chegado à Guiné, numa das famosas tainadas
Nova Lamego > Chegados de uma operação de caça à gazela
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Notas do editor:

(*) - Vd. poste de 2 de Fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24030: (In)citações (229): A matança do porco... do nosso contentamento (Francisco Baptista / Alberto Branquinho / Joaquim Costa / José Belo / Luís Graça / Valdemar Queiroz)

Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23749: (Ex)citações (419): O termo "Brassa" como os Balantas se auto-denominam, na verdade, trata-se da denominação histórica de uma grande área geográfica que correspondia à província mandinga de Braço, B'raço ou Brassu (Cherno Baldé)