Mostrar mensagens com a etiqueta BART 6520/72. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta BART 6520/72. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23379: Tabanca Grande (535): Ramiro Alves de Carvalho Figueira, ex-Alf Mil Op Esp da 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74). Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar n.º 863

O médico Ramiro Alves de Carvalho Figueira


1. Mensagem do nosso camarada e novo tertuliano Ramiro Alves de Carvalho Figueira, médico na situação de reforma, ex-Alf Mil Op Especiais da 2.ª CART/BART 6520/72 (Nova Sintra, 1972/74), com data de 21 de Junho de 2022:

Boa tarde. Chamo-me Ramiro Alves de Carvalho Figueira, fui alferes de Operações Especiais na 2.ª CART do BART 6520/72 em Nova Sintra entre Julho de 72 e Julho de 74.

Sou médico já reformado, embora continue com alguma actividade, um médico reformar-se totalmente não é muito fácil…

Chegámos a Bissau em 23.06.1972, partimos para Bolama onde fizemos a IAO. Nesta altura, com duas semanas de Guiné, no batalhão aconteceu logo a morte de dois camaradas na carreira de tiro, o oficial de tiro (Alferes Carlos Figueiredo, também de Operações Especiais) e um soldado de que não me recordo o nome que pertencia a uma companhia independente que foi depois para Mampatá, ambos vitimados pelo manuseamento de um dilagrama em circunstâncias que não foram muito esclarecidas e também pouco importa agora.[1]

O comandante do batalhão “ofereceu-me” a prenda de ser eu a substituir o Figueiredo na carreira de tiro, onde estive durante toda a IAO. O Carlos Figueiredo era um companheiro desde os tempos de Lamego, fomos depois os dois colocados em Penafiel para formar batalhão e embarcámos para a Guiné, era um bom amigo e a morte dele foi duramente sentida, quer por mim quer por todos, especialmente os outros alferes que vieram de Lamego. O Carlos Barros se não me engano tem uma das histórias dele dedicadas a este triste episódio.[2]
O Alf Mil Op Esp Ramiro Figueira durante as filmagens das mensagens de Natal em 1973

Partimos depois para Nova Sintra, um aquartelamento meio perdido nos confins do sector de Tite, na ponta sul do Quínara que mais não era que um pequeno quadrado de arame farpado com cerca de 100m de lado rodeado de mato. Fomos recebidos pelos “velhinhos” com as habituais praxadelas (mas muito bem recebidos) e quinze dias depois a companhia assumiu o sector. Iniciámos a actividade operacional com patrulhamentos e logo, creio que em Setembro, num desses patrulhamentos um mina vitimou um dos alferes da companhia, o João Neves, natural de Avis, e feriu o guia Bunca Turé. Para início de comissão começávamos bem…
Vista aérea de Nova Sintra

A actividade operacional prosseguiu, com o ânimo que todos por aqui bem conhecem, e no mês de Outubro tive o meu primeiro contacto com o PAIGC. Durante um patrulhamento a uma tabanca abandonada, Aldeia Nova, o homem da bazuca, de seu nome Ribeiro pisou uma “viúva negra” e ficou de imediato sem uma perna. Seguiu-se a confusão e o medo, que todos também bem conhecem, socorremos o homem o melhor que foi possível e veio o helicóptero ali à bolanha fazer a evacuação. Logo que o heli descolou rumo a Bissau, começámos a levar pancada, trocaram-se tiros e morteirada que felizmente não maltratou ninguém do nosso lado e regressámos ao quartel sem mais percalços, já não era pouco…

A saga de Nova Sintra prosseguiu e no final de 1972 (cerca de Novembro) novo encontro com o PAIGC. Desta vez saíamos na direcção do local onde habitualmente nos bombardeavam, um local ligeiramente mais alto chamado Serra Leoa, e percorridos cerca de 100 a 200 metro do quartel demos de caras com um pequeno grupo que, aparentemente, se preparava para montar uma base de fogos para atacar o quartel. Armou-se uma enorme confusão e comunicando ao capitão o acontecido este decidiu chamar a Força Aérea e de repente vimo-nos sobrevoados por dois FIAT que lançavam foguetes e metralhavam por todo o lado a que se seguiu o helicanhão (o celebre Lobo Mau) que parecia perseguir alguma coisa capim fora aos tiros. Um espectáculo magnífico e terrivelmente assustador. O regresso ao quartel fez-se sem qualquer problema. Tínhamos ainda não seis meses e a coisa parecia compor-se…

Pouco depois vim de férias à Metrópole e voltei a Bissau penso que no dia 6 de Dezembro de 1972 e mal chego à messe a primeira coisa que me dizem foi “Então o teu aquartelamento levou porrada séria esta noite”, andei às voltas a tentar saber o que se tinha passado e fiquei a saber que três furriéis tinham ficado gravemente feridos num ataque ao quartel e tinha havido um morto. Fui logo para o HMBIS na tentativa de saber notícias, mas só consegui ver um dos furriéis e mesmo assim tinha sido operado e estava sedado pelo que só o pude ver, mas não falar. Os outros ainda estavam no bloco operatório. De regresso a Nova Sintra fiquei então a saber que tinham os três sido feridos quando fugiam da cantina, ao perceber-se do ataque, e o morto era um soldado do 4.º Grupo de que só conhecia a alcunha, o “Russo”. O moral no aquartelamento era deplorável. As descrições que me fizeram daquela noite eram simplesmente aterradoras, incluído a visita de uma alta patente do Comando-Chefe (cujo nome não recordo) logo no dia seguinte ao malfadado ataque, em que reuniu as tropas para arengar às massas com apelos ao patriotismo e grandes promessas (que nunca se cumpriram) da vinda de material de construção e arcas frigoríficas e mais não sei o quê…

O ano de 1973 trouxe-nos a ausência temporária (e depois permanente) do nosso capitão, o Armando Cirne, que acabou por ficar em Bissau. Só estávamos dois alferes na companhia, eu e o meu bom amigo Garcia, o alferes do 4.º Grupo, o Neves, tinha morrido logo no início e o 3.º Grupo estava destacado em GãPará, sendo eu o mais antigo fiquei a comandar, aguardando a chegada de um novo capitão. Foi um período relativamente calmo, continuou a actividade operacional e fomos sofrendo alguns ataques que, estranhamente, começavam a tornar-se uma rotina doentia. Ao fim de alguns meses lá chegou o novo capitão. Homem do quadro permanente de seu nome Campante de Carvalho, capitão de artilharia. Teve uma estadia curta em Nova Sintra, penso que cerca de dois ou três meses e acabou transferido para o QG em Bissau. Mesmo assim não se livrou de pelo menos um ataque violento em que caiu uma granada em cima de um poste de sustentação da caserna do 2.º Grupo de combate sem consequências. Novamente fico a comandar a companhia a aguardar novo capitão. Chegou um novo alferes para o 4.º Grupo e quase logo a seguir o Garcia é destacado para as companhias africanas e colocado em S. João, junto a Bolama, foi depois enviado para Guidaje onde passou pelas chamas do inferno que ali se viveu, voltando nós a ficar só com dois alferes. Passaram alguns meses e novo capitão chega a Nova Sintra, desta vez um capitão miliciano de seu nome Machado, homem do Porto.

Os dias iam passando de patrulha em patrulha que iam entremeando com alguns ataques e uma actividade que se repetia, penso que de dois em dois meses, que era o reabastecimento no, pomposamente chamado, porto de Lala. Ficava a cerca de 5 – 6 quilómetros de Nova Sintra e a descarga das caixas, sacos, bidons e mais sei lá o quê era feita à mão com água pelo peito. O reabastecimento implicava picagem da estrada, segurança e com o tempo contado. Se não se fizesse durante a maré cheia as LDM e as canoas iam embora ou então teríamos de ficar a fazer segurança toda a noite até que apanhassem calado para zarpar, apesar de tudo eram umas horas de descompressão e sempre dava para tomar uma banhoca.

Reabastecimento em Lala

Neste ano de 1973 chegou ao aquartelamento um novo alferes para comandar o 2.º Grupo substituindo do Garcia, o Felício, homem de Castro Daire que já tinha cumprido parte da comissão no Ingoré, bom amigo. Foi nesse ano que surgiu a necessidade de abrir novo poço para o abastecimento de água potável. Para isso foi necessário abrir a estrada Nova Sintra - S. João para transportar o material e pessoal que ia tratar do dito poço o que significou dias e noites de segurança, de ficar de emboscada de caminhadas sem fim. Ao mesmo tempo o novo comandante do batalhão em Tite, o Tenente-Coronel Almeida Mira, decidiu que se deveria abrir a estrada Tite – Nova Sintra o que duplicou os trabalhos do pessoal. Entretanto nova evolução nos alferes. O Felício terminou a comissão e vem novo alferes para o seu lugar, bem como um outro para o 3.º Grupo, o Domingues. O 3.º Grupo que tinha estado destacado em GãPará regressou a Nova Sintra, era furriel deste grupo o Carlos Barros que tem escrito algumas histórias no blog. A abertura da estrada para Tite trouxe ainda mais riscos e, como seria de esperar, começaram a acontecer mortos e feridos. No meu grupo um dos picadores, o Guedes, fez rebentar uma mina antipessoal e foi atingido na cara tendo ficado parcialmente cego. Foi um tempo terrível o que levou a abertura desta estrada onde para além do Guedes não houve mais nenhuma baixa na nossa companhia felizmente.

Muita coisa aconteceu durante esse ano de 1973 e seria fastidioso enumerar tudo, no entanto não poderia deixar de referir o período a partir de Março em que começamos a deixar de ter apoio da Força Aérea, os Strela tinham entrado na Guiné e o PAIGC fazia bom uso deles.

Depois disto passou o tempo e chegámos a Abril de 1974. As coisas acalmaram e depois pararam. A guerra tinha acabado assim de repente, até custava a acreditar. Em Julho de 74 recebemos um grupo grande de guerrilheiros, comandados pelo major (pelo menos dizia que era…) Quinto Cabi, todos armados até aos dentes. Dormimos uma noite em Nova Sintra com os guerrilheiros e partimos para Tite, depois no mesmo dia Enxudé, Bissau, Cumeré e finalmente o voo Bissalanca – Lisboa.

E fica alinhavada a minha passagem pela Guiné, com o andar das coisas escreverei mais alguma coisa.

Abraço
Ramiro Figueir
a

Fotos: © Ex-Alf Mil Op Esp Ramiro Figueira - Todos os direitos reservados


********************
2. Comentário do coeditor

Caro Ramiro Figueira, sê bem-vindo à tertúlia do nosso Blogue.

Muito obrigado pela tua apresentação, que nos trouxe uma panorâmica muito precisa, embora resumida, da actividade da tua Companhia. Na verdade não foi fácil para a maioria de nós cumprir a sua comissão de serviço e no vosso caso foi um osso duro de roer. Referes as habituais e sempre inoportunas substituições de capitães e alferes. Na minha Companhia, um alferes, falecido em combate, teve dois substitutos; capitães, comandantes de Companhia, tivemos 6. Em todas as Unidades, enquanto isso, os alferes assumiam o Comando das Companhias e os furriéis comandavam Pelotões. No teu tempo já quase não se encontrava um capitão do QP no comando das Companhias, eram os milicianos, feitos capitães à pressa, a assumir a responsabilidade de comandar mais de 150 homens, tivessem ou não jeito para a guerra. Estou convencido que a maioria não tinha.


Voltando a ti, vens juntar-te ao grupo de Médicos existente na tertúlia, alguns mesmo antigos Alferes Médicos. Se não esquecer de nenhum, serão: o ex-Alf Mil Médico Adão Cruz, o ex-Alf Mil Médico Amaral Bernardo, o ex-Alf Mil Art C. Martins, o ex-Alf Mil Cav Ernestino Caniço, o ex-Alf Mil At Francisco Silva, o ex-Alf Mil Médico Mário Bravo e o ex-Alf Mil At Vítor Junqueira.

Lembro que estamos disponíveis para receber e publicar o que tiveres para nos contar da tua vivência na Guiné, incluindo fotos, que assim ficarão a fazer parte do nosso espólio. Será o nosso testemunho enquanto antigos combatentes.

Só por uma questão estatística, és o 863.º elemento da nossa tertúlia, que inclui 120 companheiros e amigos, que nos tendo já deixado, continuam cada dia mais presentes.

Deixo-te o habitual abraço de boas-vindas em nome do editor e fundador do Blogue, Luís Graça, dos coeditores, dos colaboradores permanentes e da tertúlia em geral.

Abraço
CV

____________

Notas do editor:

- [1] - A outra vítima mortal do acidente com o dilagrama, em 10 de Julho de 1972, foi o Soldado Atirador José António Mata da CART 6250/72

- [2] - Vd. poste de 5 DE NOVEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21517: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (10): Relembrando a morte, por acidente com um dilagrama, no CIM de Bolama, em 10/7/1972, do alf mil Carlos Figueiredo


- Mensagem de 20 de Junho de 2022 do nosso camarada Ramiro Figueira, enviada ao Blogue através do Formulário de Contacto do Blogger:

Boa tarde
Chamo-me Ramiro Figueira. Fui alferes miliciano de Operações Especiais na 2.ª CART do BART 6520/72 e sempre em Nova Sintra, sector do Quínara, com oa comando do batalhão em Tite.
Tenho seguido o blog há anos e lendo os testemunhos que lá vão colocando, mas até agora não aderi.
E é por isso que aqui venho contactar convosco.
Um grande abraço
Ramiro Figueira


- Mensagem de resposta com data de 21 de Junho:

Caro camarada de armas Ramiro Figueira
Permite-me o tratamento por tu, usual no nosso Blogue pelo facto de sermos irmãos de armas e termos pisado a mesma terra vermelha da Guiné.
Muito obrigado pelo teu contacto e pela tua vontade de aderires à nossa tertúlia.

Do teu Batalhão temos alguns camaradas, e da tua Companhia, particularmente, o ex-Fur Mil Carlos Barros, com vários textos publicados. Podes ver aqui:

 https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/Carlos%20Barros 
A fim de seres recebido formalmente na tertúlia, manda-nos uma foto actual e outra, fardado, do teu tempo de combatente. Podes, a título de apresentação, falar de ti, julgo teres sido atirador, contares-nos alguma história vivida na Guiné e enviar-nos algumas fotos alusivas, acompanhadas das respectivas legendas.

Sendo tu nosso leitor habitual, saberás que o blogue tem como fim o registo de memórias escritas e fotográficas dos antigos combatentes da Guiné, no entanto confere aqui "O ESSENCIAL SOBRE O BLOGUE LUÍS GRAÇA & CAMARADAS DA GUINÉ": (https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/p/o-essencial-sobre-o-blogue-luis-graca.html).

Fico ao teu dispor para alguma dúvida suscitada.

A tua correspondência deverá ser enviada simultaneamente para luis.graca.prof@gmail.com e para carlos.vinhal@gmail.com para teres a certeza de ser lida pelo Luís e por mim.
Recebe um abraço e os votos de boa saúde.
Carlos


- Último poste da série de 9 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23249: Tabanca Grande (534): António Sebastião Figuinha, ex-Fur Mil Enfermeiro da CCS/BCAÇ 2884 (Bissau, Bula e Pelundo, 1969/71). Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar n.º 861

Vd. também poste de 18 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23275: (In)citações (206): Maria Ivone Reis (1940-2022), a primeira enfermeira paraquedista que eu conheci, em 1967, no Porto (Rosa Serra)

(...) Este depoimento (poste P5971) é um bom retrato do perfil humano e psicoprofissional da nossa saudosa Maria Ivone Reis. Aproveitamos, entretanto, para suprir um lamentável lapso nosso: o seu nome já há muito, desde 2009, deveria figurar na lista alfabatética dos membros da Tabanca Grande. E estávamos convencidos que sim, que lá figurava. Entra agora, a título póstumo, sob o nº 862. Saibamos honrar a sua memória. (...)

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23151: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte V: Histórias pícaras: (viii) O brutibol e os treinadores de bancada

Guiné > Região do Cacheu > Bula > CCAÇ 2790 > A equipa de futebol... De pé, do lado direito, de camuflado, o cap inf  Gertrudes da Silva, que sucedeu ao cap José Pedro Sucena , no comando da CCAÇ 2790, entre fevereiro e setembro de 1972. Foto gentilmente cedida pelo José Câmara (que vive nos EUA) ao António Matos, ex-alf mil, MA, CCAÇ 2790 (Bula, 1970/72). 

Foto (e legenda): © José Câmara (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra >  2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) > Equipa de futebol dos graduados...

Foto (e legenda): © Carlos Barros (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > HM241 (1968/70) > A equipa de futebol do Hospital Militar

Fotos: © Manuel Freitas (2011).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A equipa de futebol de onze, aqui vestida a rigor, com o equipamento a condizer: simbolicamente, camisola preta e calção branco... Esta era a equipa principal...em que tinha lugar o fur mil Arlindo Teixeira Roda (, o primeiro da primeira fila, a contar da direita, o autor da foto). Mas, curiosamente, numa companhia em que as praças eram do recrutamento local (c. 100) e os restantes elementos (graduados e especialistas) de origem metropolitana (c. 50), não havia nenhum guineense...

Foto (e legenda) : © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Nâo temos nenhuma foto da equipa de futebol de Os Progressistas, mas sabemos que o futebol era acarinhado pelo cap cav Salgado Maio, comandante da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). 

E no "jornal de caserna" o futebol ocupava um importante lugar nas edições (não sabemos quantas...) que se fizeram, como se pode avaliar por dois recortes, com prosa bem humorada, que republicamos hoje. A seleção é do José Afonso.

Como em todos os lados havia alguns craques e "treinadores de bancada" que, não sabendo jogar, escreviam sobre o "brutibol" no "jornal de caserna"... O Salgueiro Maia devia ser um bocado  "sarrafeiro", à falta de jeito para a bola... É o que deduzo destas crónicas...

É verdade que, para além da bola  (e das jogatanas de cartas) não havia muito mais formas de ocupar o tempo, nas horas de lazer, no TO da Guiné... Alguns liam ou ouviam rádio, nalguns aquartelamentos havia um armário com algumas dezenas de livros, em geral oferta do Movimento Nacional Feminino.  Um ou outro militar recebia jornais e revistas da metrópole ("A Bola", mas também a "Vida Mundial", a "Seara Nova", o "Comércio do Funchal", o "Notícias da Amadora", o "Jornal do Fundão", etc.). 

Em 1971/73, o país vivia ainda, desde 1926,  sob a "mordaça da censura", e praticamemte todas as notícias sobre a "guerra colonial" eram filtradas... Aliás, eram escassas, praticamente não saíam notícias sobre a guerra na Guiné, por exemplo, a não ser os "comunicados" das Forças Armadas, noticiando mais uma ou mais mortes de militares, no período de tal a tal...

A maior parte escrevia, obsessivamente, cartas e aerogramas para a metrópole... às carradas. Para os pais, as mulheres, as noivas, as namoradas, as madrinhas de guerra, os amigos... Mas escondia-se a dura realidade da guerra, por medo, por autocensura,  etc. Em contrapartida, os militares  adoravam receber os "bate-estradas", que chegavam ao SPM. No caso da CCAV 3420, era o SPM 1898.  

Outra forma de "matar o tempo" era passear pelas tabancas em redor dos aquartelamentos. Pescar  podia-se nalguns sítios. Mas, em geral, o peixe era intragável, sabia a lodo.  Quanto à caça,  era um luxo só permitido, em geral, aos oficiais (ou aos  milícias autorizados a  caçar para abastecer a tropa e/ou a população civil).

Sessões de cinema ou espetáculos de música podiam acontecer uma vez por festa, num sítio ou noutro... Raras eram as povoações (em  geral, sedes de circunscrição ou concelho) que tinham cinema: Bissau, Bafatá, Teixeira Pinto, Nova Lamego...

 As saídas às povoações mais importantes (Bafatá, Nova Lamego, Bissau, Teixeira Pinto...) era condicionadas por motivos de segurança, tal como os torneios de futebol "interregionais"... A feitura do "jornal de caserna" podia dar trabalho a uma pequena equipa...Mas a verdade é que, para além do futebol (e do "jornal de caserna") não sabemos como os Progressistas de "divertiam"... em Bula e outros aquartelamentos e destacamentos por onde passaram como Capunga,  Pete, etc. Talvez o José Afonso nos possa dizer algo mais sobre isto.




Capa do "jornal de caserna" da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). Diretor: Cap cav Salgueiro Maia. 


Histórias pícaras > (viii) O brutibol e os treinadores de bancada


por José Afonso (*)



(i) COMENTÁRIO: O BRUTIBOL 

 Os Progressistas assistiram estupefactos aos acontecimentos no campo do Sporting Clube de Portugal num dos últimos domingos. Era visível em todos a consternação e incredulidade. Seria possível? Um árbitro a comer no toutiço,  ainda por cima daquela maneira? 

Fizeram-se mesas para comentar o caso e a opinião foi unânime, aqui no campo dos Progressistas nunca sucedeu nem pode suceder tal coisa. E, no entanto, todos nós somos profissionais e desejamos ganhar o nosso campeonato. Mas entre nós cada jogador para além do elevado grau de tecnicismo que possui, dispõe também de uma correcção impecável. 

 Mas concretizemos para ver que não falamos de cor: antes de entrarmos em campo, uma das equipes, formada por oficiais e sargentos do QP,  já vai a ganhar entre 3 a 5 bolas à outra, a dos furriéis. Ora desta maneira já não há aquela ansiedade que estraga e destrói o verdadeiro desporto. Uma equipe ganha e a outra já sabe que perde até porque quando por qualquer motivo imprevisto começa a reduzir a diferença, o nosso Capitão acaba logo com o jogo porque entretanto já se está a fazer noite e a qualidade dos jogadores perde-se. 

 E há exemplos admiráveis de jogadores natos de correcção estrema: é o Monteiro fazendo triangulações e pasodobles; é o Almeida, autêntica locomotiva em ataques furiosos e que terminam algumas vezes no chão por placagem sempre serena do nosso Capitão; é o 1.º Beliz, guarda-redes magnífico, que com alguns empurrões e muita ciência acaba por dominar a situação; o sargento Pascoal sempre à frente, à espera da bola e nunca consegue terminar nenhuma avançada e, sou eu, cuja importância é tão grande no desenrolar do jogo que noutro dia o nosso capitão até me disse: - Saia daí que você está a atrapalhar tudo! 

 Temos ainda o sargento Carreteiro muito bom em discussões futebolísticas mas, uma negação na defesa; o furriel Sancho, el ninho d’ouro”, o máximo que se pode exigir em técnica, pena que ande constantemente com os calções a cair-lhe, não fosse isso, o rapaz daria que falar; também o que nos vale é não haver por estes lados uma “liga dos costumes”. 

 Bem ainda não falamos do Seringa que quer que os golos dos furriéis sejam golos quando o nosso capitão considera que, como ninguém pediu autorização para marcar, o golo seja anulado! 

 Depois temos o alferes Mendonça,  “el Olívia Palito”,  que cada vez que entra no jogo, arranja um paludismo para os dias seguintes. Esclareço que cada falta ao prélio é paga com um garrafão de verde. 

 Pois é assim. Cá os Progressitas  não vão em agressões ao árbitro. E, para mostrarem bem que isso nunca sucedeu nem poderá suceder, continuarão a fazer como até aqui. Jogar com delicadeza e quanto a árbitro, “Cá Tem”. 

 Se quer praticar bom brutibol, se quer desenvolver as nódoas negras e os joelhos descascados, se enfim quer ser um homem, então frequente às terças, quintas e domingos, no extraordinário complexo desportivo do estádio “Erva” em Pete. 

BIGODES, jornal Os Progressistas, 9 de novembro de 1972


  (ii) O TEMA É CRITICA 

 Antes de mais quero dizer a quantos lêem o Jornal dos Progressiats  que não sou crítico de rádio ou televisão. Sou crítico em exclusivo deste jornal, de que é propriedade a CCav 3420, comandada pelo Capitão de Cavalaria, Fernando José Salgueiro Maia 

 A crítica que vou fazer é sobre a nossa equipa de futebol, já que no último jornal se falou muito de futebol, mas ao que parece o autor do artigo não falou daquilo que devia falar. 

 Falando no valor individual de cada elemento, começo já pelo guarda-redes, o nosso sargento Carreteiro, sem dúvida, bem constituído e com grande poder de elevação mas, pareceu-me que é altura de ser substituído e, o melhor substituto é o Bártolo do depósito de género ou o Paulo, o cozinheiro. A defesa central tem um elemento com longa experiência adquirida ao longo de 4 comissões que já fez no ultramar. 

Trata-se do 1.º sargento Beliz que, quanto a mim,  parece ter uns quilos a mais mas, como o campeonato está ainda em princípio parece-me ter possibilidades de recuperação. 

Quanto ao sargento Pascoal, é pedra base na equipe, porque consegue estar os 90 minutos no mesmo sítio à espera que a bola lhe venha ter aos pés. Dos furriéis, Sancho e Moreira, prefiro nem falar. 

Quanto ao furriel Gomes consegue ser superior em todos, mas em bigode; temos ainda os furriéis Monteiro, Almeida e Marques. O primeiro em vez de pensar no futebol anda mas é a pensar como pode acontecer faltar o frango aos domingos. 

Estou mesmo a ver que qualquer dia o Santos cozinheiro fica sem os seus frangos que parecem andar a mais cá no destacamento. O segundo é um elemento também muito habilidoso mas muito rafeiro, entrando sempre em falta, mas suponho eu, que um jogador com a sua classe não precisa de fazer tantas faltas sobre o adversário. 

 Temos ainda o Marques, o jogador mais disciplinado que entra em campo, é bom também em técnicas Resta apenas falar no trio da avançada que é composto pelos jogadores: Alferes Simões, Alferes Mendonça e Capitão Maia e, ao que me parece ser este ultimo, o capitão da equipe porque,  para além de dar ordem para terminar o jogo quando está a perder, está constantemente a dizer aos espectadores para que saiam para fora do arame farpado. 

 Quanto ao alferes Mendonça que nem mesmo a tomar leite em pó com flocos de cereais, não consegue dar um pontapé certeiro. O alferes Simões, é um jogador de cabeça e que joga sempre à vontade, talvez por daqui a uns meses ir no “gosse” para a Metrópole. O capitão Salgueiro Maia parece-me ter medo da disputa de bolas de cabeça. Talvez seja derivado, a trazer sempre o cabelo curto, não deixa, no entanto de ser um bom extremo esquerdo e cheio de dinamismo e iniciativas que, por vezes são perigosas para o guarda-redes. 

 Resumindo e fazendo um balanço colectivo, parece-me que toda a equipa precisa de preparação física adequada e, essa preparação podia ser dada da seguinte maneira: Juntar todos os jogadores em grupos de 4 e fazerem talvez uns blocos de cimento pelo menos, sempre contribuíam para o bem estar de todos e, ainda para uma “Guiné Melhor” 

 Eu peço desculpa quanto à crítica. Não foi feita para prejudicar ninguém mas sim, para que o jornal em vez de 4 folhas comece a ter 6, se possível. Para isso, precisamos de mais colaboradores. 

Soldado João Ribeiro, jornal "Os Progressistas", setembro de 1972


[ Revisão / fixação de textos e títulos / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]

___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23145: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte IV: Histórias pícaras: (vii) Os Mais dos... Progressistas (divisa da companhia e também título do jornal de caserna)

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22565: Notas de leitura (1383): "Um caminho de quatro passos", de António Carvalho (2021, 219 pp.): apontamentos etnográficos para o retrato da nossa geração, de antigos combatentes - Parte I (Luís Graça)


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz >  2011 > O velho carro de bois, centenário, típico da região de Entre Douro e Minho. Não existe mais, hoje, a não ser as rodas...Símbolo de um mundo que desapareceu... E com ele,  uma certa ruralidade e rusticidade do homem português, características socioantropológicas sem as quais muito possivelmente não teria sido possível manter a nossa longa guerra colonial / guerra do ultramar (1961/74).

 Foto (e imagem): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Para além das pequenas histórias relacionadas com a sua experiência como furriel miliciano enfermeiro na Guiné, durante dois anos (BART 6520/72, Mampatá,1972/74), o que me encanta, no livro do António Carvalho (, foto atual à esquerda), são algumas das suas memórias da infância, passada em Medas, Gondomar, num ambiente rural que não era muito diferente daquele que muitos de nós conheceram, de norte a sul do país. (*)


São apontamentos, observações, registos, relatos, pequenos retratos e histórias de pessoas da família e vizinhos. etc., que considero de interesse etnográfico ou documental para se poder conhecer um pouco melhor a infância e a adolescência da nossa geração, aquela que, nascida ao longo dos anos 40 e ainda no início dos anos 50 (,como é o caso do autor), iria depois fazer a guerra colonial / guerra do ultramar, de 1961 a 1974.

A maioria de nós nascemos em aldeias ou pequenas vilas, e temos em comum muitas dessas vivências ou experiências, a começar pelo trabalho no campo ainda em tenra idade. Em 1950, quando o António Carvalho nasceu, a nossa população activa era de  3.2 milhões, distribuindo-se pelo sector primário (ou seja, agricultura, silvicultura e pescas) (50%), sector secundário (24%) e sector terciário (26%). 

Aqueles de nós cujos pais (ou tios, avós, etc.) eram agricultores, sabiam pelo menos o que era a segada (ou ceifa), a vindima, a apanha da batata, a rega do milho, a apanha da azeitona, etc. Enfim, sabiam donde vinha o trigo, o centeio, o milho, os legumes, o leite, o toucinho, o salpicão… Sabiam distinguir um carvalho, um castanheiro... Sabiam como se fazia o pão. Participavam da matança do porco. Iam ao “monte” ou às “sortes” apanhar carqueja, pinhas, caruma… Alguns inclusive sabiam conduzir os bois... E a sua vida era pautada pelo ritmo circadiano das estações do ano e sobretudo dos solstícios (o do verão e do inverno). (**)

E, mesmo depois da escola, aos 7 anos, não havia “férias grandes” (privilégio de alguns dos “meninos da cidade”), que, no campo, o trabalho do menino era pouco mas quem o desperdiçava era louco…Menino que  só tardiamente descobriria a cidade, a praia, o mar... (***)

2. O próprio topónimo Medas poderá estar relacionado com as “medas de palha” (pág. 13), embora na terra do António Carvalho fosse mais comum chamar-lhes “rolheiros”.

De resto, o léxico usado pelo autor também já não é frequente ouvir-se (nem ler-se( e os nossos filhos e netos têm seguramente que recorrer ao dicionário para entender, termos e expressões tais como “paveias”, “vencilho”, “broa”, “restivada”, “malhada”, “chadeiro”, “tarara”, “colmeiros”, “canastro”, “juntas de bois”, "soga", "carros de milho", etc.

(…) "O trigo e o centeio, semeados entre dezembro e janeiro, em junho eram segados e transportados para a eira onde o grão acabava de secar. A segada era um trabalho árduo que decorria sempre sob muito calor, normalmente feito por mulheres, levando cada uma o seu eito e deixando para trás as paveias que outra mulher ou homem se incumbia de amarrar, uma a uma , com um vencilho feito de meia dúzia de caules do mesmo cereal.

"Ao meio da manhã e pela meia tarde algum rapazinho da casa havia de chegar com uma cesta onde raramente havia mais do que broa , vinho e azeitonas, e era esta a hora de reparação de energias e de alguma consolação." (…) (pág. 12).


E já agora, leia-se mais um bocado da descrição das operações associadas à segada (ceifa) do trigo e do centeio:

(…) "Nesse dia ou no seguinte as paveias eram levadas, no carro de bois, para a eira onde se enrolheiravam e assim esperavam mais alguns dias de sol até serem malhadas, quando já o grão se separava facilmente da palha. Nesses campos de cereal de inverno ainda se conseguia semear , em julho, feijão fradinho a que chamávamos a restivada

Na minha freguesia, às medas de palha era mais comum chamar-se-lhes rolheiros, pese embora haver autores que consideram o topónimo Medas derivado precisamente de medas de palha. Nas malhadas cada pessoa batia com os molhos ou paveias sobre o chadeiro do carro de bois, tantas vezes quantas as necessárias para que nem um daqueles preciosos grãos ficasse preso. Depois, o cereal era limpo numa tarara e levado para casa onde se guardava em grandes caixas de madeira com três metros de comprimento por um de largura e altura da cintura de um adulto."(…) (pág. 12).

O trigo, o centeio e o milho eram fundamentais na alimentação dos portugueses. No Norte predominava a broa de milho com mistura de centeio, cozida semanalmente em forno a lenha. No Sul usava-se mais a farinha de trigo.

Capa do livro
(…) “Numa ou duas caixas ficava o centeio, numa outra ficava o trigo, o cereal mais nobre, panificado só em ocasiões mais festivas. A farinha de centeio era sempre consociada com a de milho, numa proporção de uma para três partes, respetivamente, nas cozeduras da broa, aquelas que se faziam na maior parte do ano. Mas nada se perdia nas casas de lavoura.” (…)(pág. 14).


De facto, aqui nada se perdia: nesse tempo, com a palha de centeio faziam-se os colchões das camas das famílias, palha que era substituída, todos os anos, antes da chegada do inverno.

(…) “Os molhos da palha de centeio, depois de malhados, eram desenvencilhados e passados por uma forquilha que se espetava no chão pelo cabo a fim de serem limpos da parte folear e de novo atados em molhos do tamanho de uma braçada a que chamávamos colmeiros. Eram depois estes colmeiros utilizados na renovação da palha de todos os colchões da nossa casa e os restantes vendidos a quem não semeava centeio e deles precisava.” (…) (pág. 14)

Havia “a meda grande, feita da palha de trigo e de centeio”, que servia para pensar o gado em estábulo, no inverno, 
quando não havia erva no campo; e ainda “outras medas 
mais pequenas, a que chamávamos rolheiros de palha de milho, 
que eram feitas nos campos, depois de se removerem as espigas 
dos caules”, igualmente importantes na alimentação do gado.

Ora “essas medas, as de palha de milho disseminadas pelos campos e a meda mestra, de palha de trigo e centeio, erigida altaneira junto à eira e ao canastro, eram formações de uma arquitetura móvel demonstrativa, pelo sua quantidade e volume, do tamanho de cada casa de lavoura.” (pág. 14).

3. Muito interessante a história da origem do cemitério de Medas (“O sítio das quatro casas", pp. 33/34), que só muito tardiamente, em finais de 1890, foi construído, graças a uma comissão de seis medenses onde estava representadas as figuras gradas da terra, incluindo o pároco, o professor, o regedor e o presidente da Junta de Paróquia. E logo ali foram construídos os primeiros quatro jazigos funerários… 

Ficavam, assim, representadas na nova necrópole as quatro classes sociais da freguesia: “as que tinham três juntas de bois, as de duas juntas e as que possuíam só uma ou nenhuma” (pág. 34).

Na realidade, a estratificação social daquela comunidade camponesa tinha a ver com a riqueza de cada família, sendo esta “aferida pelo número de juntas de bois que possuía e pelo número de carros de milho e, nessa altura, nas Medas, não havia ninguém mais rico que o lavrador mais abastado”. 

De acordo com dados recolhidos pelo autor, e relativos ao ano de 1922, “em Medas, havia cinquenta lavradores com uma junta de bois, vinte com duas e apenas cinco com três.(…) (pág. 69).

Tirando o período de 1890 a 1930 (correspondente à emigração para o Brasil, a I Grande Guerra, a pandemia de "gripe espanhola" e a crise económica dos finais dos anos 20), a população de Medas tem vindo a crescer, desde  o segundo triénio do séc. XX: 990 (em 1920) e 2433 (em 1991). Tem vindo, naturalmente, a decrescer (e a envelhecer) no séc. XXI: 2129 (em 2011), dos quais 16,7% com 65 ou mais anos. O concelho, Gondomar, faz parte da Área Metropolitana do Porto.

(Continua)

PS - Selecção de excertos, itálicos e negritos, da responsabilidade do editor LG.
____________

Fonte: António Carvalho - Um Caminho de Quatro Passos. Rio Tinto: Lugar da Palavra Editora, 218 pp., ISBN: 978-989-731-187-1.

O livro pode ser adquirido, ao preço de 15,00 Euros (portes incluídos, no território nacional ou estrangeiro) Contactos do autor, António Carvalho, Medas, Gondomar

Email: ascarvalho7274@gmail.com | Telemóvel: 919 401 036
__________

Notas do autor:

(**) Vd. poste de 11 de setembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22533: Notas de leitura (1380): "Um caminho de quatro passos": temos um novo escritor, o António Carvalho passa o teste, e espero que seja com louvor por unanimidade e aclamação dos seus leitores (Luís Graça)

(...) Muitos de nós, antigos combatentes, que nasceram em aldeias ou pequenas vilas, do interior do país, vão-se reconhecer neste retrato da infância e adolescência do autor. Em boa verdade, é o retrato da nossa geração... Muitos de nós, para não dizer a grande maioria, que nasceu, cresceu e viveu no campo até à idade de ir para a tropa. Uma geração que: 

(i) nasceu de parto com dor, em casa, sem assistência médica;

(ii) foi batizada segundo os cânones da Santa Madre Igreja Católica, Apostólica, Romana;

(iii) foi alimentada a caldo e broa, e alguns provaram pela primeira vez o leite, ainda não pasteurizado, da vaquinha;

(iv) assistiu ao espetáculo, hoje cruel, da matança do porco (, fabulosa a sua reconstituição, em "O festim", pp. 20/22):

(v) aprendeu as primeiras letras à luz do candeeiro a petróleo e, muitas vezes, ia descalço até à escola da vila, com os sapatos de ir à missa atados ao ombro;

(vi) vivia em casas sem saneamento básico, sem eletricidade, muito menos rádio, telefone e televisão;

(vii) foi a 1ª geração de portugueses a ser vacinada contra algumas das mais temíveis doenças infetocontagiosas que no passado causaram elevada morbimortalidade;

(viii) passou a dispor, a partir de 1945, da bala mágica, a penicilina;

(ix) só conheceu a capital do país, quando embarcou para a guerra da Guiné, que a mobilidade espacial (ainda era um luxo)...

(x) mas começou também a perceber a importância da educação como forma de mobilidade social, ou seja, para se poder sair do círculo vicioso da pobreza;

(xi) num tempo em que a democratização do ensino (e a universalização da proteção social) só começaria a chegar no final do consulado de Marcelo Caetano;

(xii) é também a geração que sai, das suas casas da aldeia e das vilas, para fazer a última guerra do Império, ou para emigrar, a salto, para o Eldorado transpirenaico. (...)

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22528: Lembrete (35): Apresentação, no sábado, dia 11, na Tabanca dos Melros, do livro autobiográfico do António Carvalho, "Um caminho de quatro passos". Intervenientes: além do autor, José Manuel Lopes, Ana Carvalho e Luís Graça. (Inscrição prévia, para o almoço de convívio, "vinte morteiradas", na "messe de Mampatá": 'vagomestre' Gil Moutinho, telef / telem 224890622 / 919677859)

1. Recorde-se (*) que será apresentado sábado, dia 11 de setembro de 2021, às 11h00, na Tabanca dos Melros, Fânzeres Gondomar, o livro "Uma caminhada de quatro passos" do nosso querido amigo, camarada e grã-tabanqueiro António Carvalho, o "Carvalho de Mampatá". (**)


Haverá um momento musical, e intervenções de: autor, José Manuel Lopes, Ana Carvalho e Luís Graça (editor do blogue). Segue-se uma sessão de autógrafos. 

E, depois, para quem quiser e puder, e mediante inscrição prévia, almoço de convívio no restaurante Quinta dos Choupos - Choupal dos Melros (Rua de Cabanas, 177, 4510-506 Fânzeres, Gondomar), transformado nesse dia na "messe de Mampatá". (Aplicáveis as normas sanitárias em vigor.)

Preço da refeição (tudo incluído): 20 morteiradas. 

Contactos: 'vagomestre' Gil Moutinho, telef / telem   224 890 622 / 919 677 859.


2. Sobre o autor, António dos Santos Carvalho:

(i) nasceu em 17 de fevereiro de 1950, no lugar de Carvalhos, freguesia de Medas (hoje, "desgraçadamente", União das Freguesias de Melres e Medas), concelho de Gondomar;

(ii) no seio de uma família extensa, de grandes lavradores (à escala local: eram os maiores produtores de bata, tinham duas juntas de bois, faziam mais de 30 pipas de vinho, tinham "moços de lavoura", etc.);

(iii) "moldado num ambiente rural", aprendeu, "desde muito cedo, a viver na ambivalência entre o trabalho e a oração";

(iv) furando-se, porém, "sempre que podia, a este ambiente espartano, em correrias transgressivas por caminhos e carreiros, espreitando ninhos, indagando sobre as mais saborosas primícias, arriscando-me nas águas do Douro e regalando-me em tudo o que fosse fresta ou festrola";

(v) em 1962, vai para o Colégio da Mealhada, que frequentou até ao 7º ano do liceu (, fundado pelo padre dr. António Antunes Breda, como Instituto Liceal e Técnico  Sant'Ana da Mealhada, e inaugurado em 1962, funcionava como externato e internato; passou em 1972 a ser a Escola Secundária da Mealhada):

(vi) "plantado na Mealhada durante sete anos (,,,), descobri outras páginas da vida, quer no convívio com os meus condiscípulos, quer nas aulas dos meus professores, alguns deles distintos, como o dr. Urbano Duarte" (, professor de filosofia);

(vii) "Da Mealhada até ao ingresso compulsivo na vida militar, em 11 de janeiro de 1971, foi um salto de pardal, seguindo-se a mobilização  para a guerra do Ultramar" (...),  no decurso de um 'longo«' período de 26 meses, entre 27 de junho de 1972 e  24 de agosto de 1974;

(viii) foi fur mil enf, BART 6520/72, Mampatá, "Os Unidos de Mampatá", 1972/74, e é membro da Tabanca Grande desde 13/9/2008;

(ix) dos seus irmãos do sexo masculino, houve mais dois mobilizados para o Ultramar, o "Necas" (Manuel Carvalho), para a Guiné (ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf, CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845, Jolmete, 1968/70) (foto à direita); e o Fernando, para Angola;

(x) trabalhou, em funções administrativas, na Segurança Social, no Serviço Nacional de Saúde, no Porto, mas também na Câmara Municipal de Gondomar e na Câmara Municipal de Gaia, estando aposentado da função pública desde 2013;

(xi) foi autarca durante quase três décadas:  presidente da junta de freguesia de Medas (1986/1993 e 2002/2013); de permeio desempenhou as funções de secretário e de tesoureiro na mesma junta, entre 1994/97 e 1998/2001, respetivamente;

(xii) faz parte, entre outras tertúlias de antigos combatentes, da Tabanca Grande, da Tabanca de Matosinhos, da Tabanca dos Melros  e de O Bando do Café Progresso;

(xiii) publicou em julho de 2021 o seu primeiro livro, "Um Caminho de Quatro Passos" (Rio Tinto, Lugar da Palavra Editora, 218 pp., ISBN: 978-989-731-187-1);

(xiv) é casado (com a Fátima Carneiro Carvalho, professora do ensino básico, reformada); o casal tem duas filhas;

(xv) mora em Medas, Gondomar.

O livro pode ser adquirido, ao preço de 15,00 Euros (portes incluídos, no território nacional ou estrangeiro)

Contactos do autor:
António Carvalho, Medas, Gondomar

Email: ascarvalho7274@gmail.com  | Telemóvel: 919 401 036
____________


sábado, 10 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22092: Em busca de... (313): Pessoal da 2ª C/BART 6520/72 e notícias da entrega de Bissássema, ao PAIGC, em 1974 (Leandro Guedes / Ricardo Sousa)


Guiné > Região de Quínara > Mapa de Tite (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bissássema


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)


1. Comentário de Leandro Guedes ao poste P21316 (*)

Meu caro Carlos Barros:

O meu nome é Leandro Guedes e fiz parte, como furriel, do BART 1914, que esteve em Tite de Abril de 67 a Março de 69.

Há meia dúzia de anos,  tive contacto com o Alf Fernando Teixeira que pertencia à sua 2ª. Companhia do BART 6520/72, a qual fez a entrega de Tite e Nova Sintra, à Guiné-Bissau. 

O relato dessa entrega faz parte do blog https://bart1914.blogspot.com e facebook do BART 1914

Posteriormente perdi o email ele. O motivo deste meu contacto é saber quando aconteceu, e de que maneira, a entrega de Bissássema. Não há registos, nem relatos, nada.

Se me poder dar uma ajuda agradeço. O nosso email é;

bart1914@gmail.com 
ou 
lg.tvedras@gmail.com

Muito obrigado. Um abraço com votos de boa saúde.
Leandro Guedes.



2. Comentário de Ricardo Sousa ao poste P21316 (*)

Boa tarde,

O meu pai, António Sousa,  foi 1º cabo no 2ª C/BART 6520/72, e muito tempo que procura notícias ou se existem encontros dos seus ex-combatentes da Guiné Bissau - Nova Sintra - Os Mais, desde que voltou nunca encontrou ou teve contacto com mais ninguém.

odem-me dizer de como ele se pode informar quando e onde ocorrem esses encontros ou algum contacto de para que ele possa ligar com alguém para se manter em contacto.

Agradeço desde já a vossa ajuda,
Cumprimentos,
Ricardo Sousa

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22055: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (23): Estorninhos e pardais, todos somos iguais

1. O Carlos Barros, ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", mandou-nos,  em 24 de fevereiro passado, mais uns pequenos textos para "reviver as nossas vivências na Guiné". com a seguinte nota de apreço  e amizade, que agradecemos  e retribuímos:  "Boa tarde, amigo. Um abraço grande de amizade do Barros. E parabéns pelo teu trabalho no seio do blogue".
A sinfonia dos estorninhos…

por Carlos Barros


Após um “lauto” jantar, na caserna do 3º grupo de combate, eu, o furriel Barros, estava a conversar com o soldado condutor Fernando de Almeida, natural de Oliveira de Azeméis, sobre as suas madrinhas de guerra que eram de Ovar, por sinal, irmãs…Falávamos dos amores e traições sofridas.

A Guiné dispunha de uma fauna apreciável e relativamente importante, com destaque especial para as aves: pelicano, gaivina, íbis, garça e flamingo, na costa marítima.

No mangal, zonas de água doce e húmidas, o corvo marinho, mergulhão-serpente, egreta –grande, pássaro-martelo, cegonha, singanga, maçarico, serpentário, águi , picanço-bárbaro, pica-peixe, jabiru, patos, gansos, pavão, grou, tarambola, pardal, poupa, andorinha, rola, gavião, águia, cuco, pavão, noitibó, mocho, calão-grande, abelharuco, papagaio, periquito, picanço pomba-verde, palrador, melros , estorninhos…

Era já noitinha, e deliciava-me a ouvir os cânticos dos melros, pousados nos ramos das palmeiras, bem lá no alto e dizia eu para o Almeida:

− Há dias matei um destes estorninhos, precisamente naquela palmeira e estou muito arrependido porque perdi o seu canto, que seria belo no seio daquele “bando coral”, lembrando-me do grupo do Canto Coral do meu tempo de estudo, primeiramente na Escola Primária, com a Professora D. Isolina como maestrina e, mais tarde, no Externato Colégio Infante Sagres, de Esposende , cujo maestro era o Padre Avelino…

Foram longos minutos a ouvir “obras musicais canoras” daquela “melrada” afinadinha, uma delícia para o meu ouvido, já destreinado da sua sensibilidade inicial, porque os estrondos das bombas dos bombardeamentos, dos RPG 2 e 7, e o matraquear das “costureirinhas e das Kalashese tinham-me ferido os tímpanos daí, minha actual perda parcial de audição, num dos meus ouvidos.

Esta sessão foi bruscamente interrompida porque fomos flagelados, mais uma vez, pelos canhões e morteiros dos guerrilheiros do PAIGC e, como defesa, encentámos uma fuga rápida para os nossos abrigos, valas e espaldões de morteiros para responder ao inimigo.

Foram momentos de angústia e de tremenda pressão porque a morte estava sempre a pairar no ar…

Os estorninhos, esses, antes das granadas explodirem e com o seu barulho ensurdecedor, partiram a grande velocidade para destinos incertos!

Ainda hoje, no quintal de Vila Cova, adoro ouvir os melros cantarem e até, como agradecimento, coloquei uma pia para eles beberem e refrescarem-se, com algum alimento-produto  a acompanhar!

São os remorsos da guerra,  contudo, as Associações Protectoras de Animais, e até o PAN - Partido das Pessoas, Animais e Natureza,  perdoar-me-ão estes atos e isso aconteceu porque estava eu “apanhado da guerra” e os nossos sentimentos e personalidade encontravam-se transtornados daí, a condescendência para estes comportamentos, nem sempre compreensíveis para os humanos que nunca viveram a guerra com quem convivemos, no meu caso e de outros camaradas   durante 25 meses e 18 dias no inferno da da Guiné (1972/74).

− Estou crente que os familiares do estorninho  falecido me perdoarão por ter abatido um deles! − pensei cá para comigo. − E, parafraseando o provérbio popular da nossa terra, também  eles concordarão comigo; "Estorninhos e pardais, todos somos iguais!"...

Um dos momentos mais felizes da minha vida foi o meu regresso à Metrópole, a Lisboa, deixando a guerra para trás, na altura um jovem, que era um homem de paz com profundo défcie de liberdade que o 25 de Abril me deu como prenda saborosa…

Usufruindo dessa liberdade, arduamente conquistada, quero deixar aqui um agradecimento especial ao nosso amigo editor, o professor Luís Graça  que,  com o seu / nosso Blog Tabanca Grande,  dá voz àqueles que nunca tiveram voz antes do dia 25 de Abril 1974.

Estamos,  com as nossas estórias reais, vividas na Guiné, a construir a História da Guerra Colonial, que nem sempre, é compreendida ou por ignorância, ou por má fé…

Dessa aterradora realidade da guerra apenas me restou a amizade entre os militares e, não é por acaso, que nos reunimos anualmente, há 45 anos consecutivos em convívios e essa “palavra aurífera”, em teoria e em atos, a amizade, continua reluzente, fresquinha,  ativa…

Carlos Manuel de Lima Barros

(Ex-furriel Miliciano,
Bissau, Bolama, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74)

Esposende 14 de fevereiro de 2021
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 10 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21991: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (22): minas, terríveis minas...

quarta-feira, 10 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21991: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (22): minas, terríveis minas...


Guiné > Região de Quínara > São João > CCAÇ 423 (1963/65) > Os efeitos devastadores das primeiras minas e fornilhos A/C no CTIG, na estrada Nova Sintra-Fulacunda.


Foto (e legenda): © Gonçalo Inocentes (2020) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; 

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem cerca de 3 dezenas referênciasmo nosso blogue.


Minas, terríveis minas...


O soldado Sousa, da 2ª CART / Bart 6520, de Nova Sintra  –Ramiro de Silva Sousa, natural de Quiaios, Figueira da Foz
 – estava no destacamento à espera do correio que vinha numa avioneta, DO-27,  e, nesse dia, não tinha recebido correspondência, o que o entristeceu, um sentimento semelhante ao de todos nós, quando não recebíamos correio.

Estava junto à sua caserna e um seu amigo encontrava-se a ler um jornal da sua região onde noticiava que tinha havido um acidente na zona Quiaios, terra do Sousa,  e, por infelicidade, esse acidente foi grave e trágico...  Tratava-se de  familiares do soldado Sousa que, compreensivelmente,  ficou num estado psicológico desesperado.

Pela tardinha, furtivamente, o Sousa desertou do destacamento de Nova Sintra e foi ao aquartelamento de S. João, onde se encontrava o seu amigo Alferes Garcia, do qual esperava um apoio para a sua situação .

O Alferes Garcia (já falecido) era um grande amigo dos militares, homem simples, colaborador, alegre, simpático e com um elevado sentido de humor e quando se juntava ao alferes Figueira, e aos furriéis Elias e Mendonça, era um ambiente de alegria transbordante e grandes “palhaçadas” no bom sentido do termo.

O soldado Sousa seguiu pelo caminho ou trilho em direção a S. João e pisou uma mina anti-pessoal e deu-se a tragédia! Essa mina tinha sido colocada pelos sapadores de S. João, como “armadilha” de defesa do destacamento.

Um milícia, chamado Atilo, que andava à caça, ouviu essa explosão e aproximou-se do local onde tinha deflagrado a mina e encontrou o Sousa, o “Meio Quilo”, estendido no solo poeirento e com ferimentos extremamente graves.

O milícia Atilo foi, de imediato, avisar o alferes Garcia,  comandante do destacamento que mandou uma Berliet buscar o ferido, sendo, posteriormente, evacuado de helicóptero, pela tardinha, de S. João para o Hospital Militar de Bissau.

O Sousa recuperou, regressou à Metrópole, casou e constituiu família e foi a todos os Encontros – Convívios Anuais organizados pelos “Os Mais de Nova Sintra”. Como um dos organizadores, desses convívios, eu posso afirmar e justificar que o Sousa esteve presente com a sua esposa, pelo menos, nos últimos 41 anos consecutivos.

Infelizmente, há 4 anos faleceu, deixando-nos imensas saudades.

Fisicamente perdemos o Sousa mas, espiritualmente, está sempre presente entre nós.

Testemunho do ex-furriel Barros, 2ª Cart / BART 6520, sendo apoiado neste testemunho, pelo amigo Joaquim Manuel Rodrigues Cunha (que estava em São João).

Carlos Manuel de Lima Barros,

domingo, 7 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21979: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (21): O "velhinho, fanfarrão" que levou uma abada de 2-12, do "pira" que era bom no jogo das damas e tinha "fair play"


Guiné  Região de Quínara > Nova Sintra > CART 2711, "Os Duros de Nova Sintar, 1970/72 > Pista de aviação, heliporto e aquartelamento.


Foto (e legenda): © Carlos Barros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:


(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; (ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem mais de 2 dezenas e meia de referências


O Jogo das damas: 
campeões e fanfarrões


A 2ª Cart , “Os Mais de Nova Sintra“, após a IAO em Bolama, chegou, em 1972 numa LGD a Nova Sintra e, depois de apanharem um “baile militar”, a praxe, todos os militares se instalaram nas diversas casernas do aquartelamento.

O 3º grupo de combate ficou na sede do Batalhão, em Tite e, passados alguns meses, “navegaram” para Gampará, uma zona onde a ação dos guerrilheiros do PAIGC era persistente, com constantes emboscadas, minas e flagelações ao destacamento.

“Os Mais de Nova Sintra” substituiram “Os Duros”, em 1972, precisamente em Nova Sintra, setor do Quínra, um destacamento desterrado do” mundo civilizado” , como mostra a imagem com a sua poeirenta pista de aviação e um quadradinho irregular, que servia de campo de futebol, onde descarregávamos as nossas mágoas e sofrimentos, na bola ou nas canelas dos nossos companheiros!

Em Tite, alguns militares bebiam as suas “bazucas” ou "fantas" e conversavam sobre as suas "madrinhas de guerra”. O furriel Barros mostrava o seu orgulho já que a sua “madrinha de Guerra”, a Isabelinha de Guimarães, escrevia-lhe muito, com uma caligrafia perfeita, que fazia inveja a muita gente…

No meio de um pequeno grupo, em pleno convívio, soou uma voz a gritar

− Quem é o corajoso que quer jogar às damas comigo, é à grade de cerveja?!...Há algum periquito para me defrontar?

O furriel Barros era um daqueles jovens que jogava bem às damas, porque teve inúmeros treinos, durante anos, no salão dos Bombeiros de Esposende, jogando contra grandes mestres locais como o sr. José Praia, Carvalho, Edgar, Mário, estes os mais credenciados e outros de menor valia , como Tarrio, João Carlos, Miquelinos, isto como mera curiosidade-

Passados minutos e de uma forma insistente, veio novo desafio provocador:

− Quem quer levar no pêlo às damas, é à grade de cerveja ?!

O Barros, farto de ouvir aquele “galifão damístico”, abeirou-se dele e aceitou o desafio. Sentou-se e começou a jogar às damas com o “gabarolas”, num partida onde se juntaram muitos militares a assistir ao prélio.

Em 8 jogos, o Barros ganhou 6-2 perante o desespero do seu opositor que estava um pouco cabisbaixo, com a crista abaixada…

−  Furriel, teve sorte, amanhã vamos à desforra e vai levar poucas…

No dia seguinte, outro desafio, com maior assistência ainda , e começaram os dois a jogar. Em 6 partidas, o “galifão” perdeu 6-0 e, completamente rendido à evidência, levantou-se, foi pagar as cervejas prometidas, embora o Barros tivesse perdoado muitas…

Alguns amigos do pelotão do Barros beberam umas “bazucas”, marca” pato-galifão” e, a partir desse momento, nunca mais o Barros foi desafiado, limitava-se apenas a jogar, desportivamente, com o Santos, o "Paços Ferreira”, condutor de Nova Sintra, um bom companheiro e com elevado espírito de “fair play”…

A tradição do jogo de damas manteve-se em Tite e Nova Sintra, durante toda a Comissão com o furriel Barros, sempre no ativo, jogando, sem as “fanfarronices” do outro pavão…

Na vida , a humildade normalmente vence sempre, perante a vaidade e a arrogância que, neste caso, foram as duas copiosamente derrotadas e despromovidas para a divisão inferior…

Tite, 26 de outubro de 1972

Carlos Barros
Esposende, 18 de Fevereiro de 2021
___________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21962: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (20): a entrega do nosso destacamento aos guerrilheiros do PAIGC, em 17 de julho de 1974

terça-feira, 2 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21962: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (20): a entrega do nosso destacamento aos guerrilheiros do PAIGC, em 17 de julho de 1974


Foto nº 1 > Guiné > Região de Quínara  > Nova Sintra > 2ª C / BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 >  Uma data histórica > Menos de dois meses depois Portugal reconhecia a independência da República da Guiné-Bissau, hoje um país irmão, lusófono, integrado na CPLP.


Foto nº 1A> Guiné > Região de Quínara  > Nova Sintra > 2ª C / BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 > Representantes do PAIGC e das NT


Foto nº 1B > Guiné > Região de Quínara  > Nova Sintra > 2ª C / BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 > Os representantes do PAIGC vieram armados, como aconteceu em todos ou quase todos os sítios: afinal, o terreno não era neutro... O Comandante do Setor do PAIGC, Quinto Cabi, aqui de perfil, à direita, mostra-se confiante, mas não larga a Kalash.



Foto nº 1 C > Guiné > Região de Quínara  > Nova Sintra > 2ª C / BART 6520/72 (1972/74) > 17 de julho de 1974 > O comandante do pelotão de milícia, de camisola branca, parece estar de semblante carregado, tal como os seus homens.

Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 17 de julho de 1974 > Entrega do destacamento de Nova Sintra aos guerrilheiros do PAIGC.

Foto (e legenda): © Ramiro Figueira / Carlos Barros (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; (ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem mais de 2 dezenas e meia de referências


Quando os guerrilheiros entraram no destacamento de Nova Sintra, o Comandante, Capitão Machado e outros graduados, devidamente fardados com os seus camuflados de combate, receberam com dignidade os combatentes do PAIGC acompanhados com uma população civil que lhe era afeta.

Numa fase inicial, depois de contactos prévios com os Comandantes do PAIGC, foram autorizados a entrarem no aquartelamento e, por mera coincidência, os furriéis Barros (eu próprio) e o Ferreira tomaram a iniciativa de irem ao encontro dos guerrilheiro, abrindo-lhes o " portão" junto às bananeiras.

E não houve qualquer problema nessa convivência, embora numa fase inicial, existia um certa "receio", natural, porque algo poderia acontecer de menos bom, como aconteceu em Angola e Moçambique.

Estes são os factos para a história, entre muitos, da Guerra Colonial.

Legenda das fotos:

O primeiro com boina e óculos [1], é o Tenente-Coronel Fernando José de Almeida Mira (falecido). Era o comandante do BART 6520/72 (Tite).

De costas,  o Capitão Mil Inf João Barbosa Machado,  de Nova Sintra [, 2ª C / BART 6520/72] [2]. (Antes dele, a companhia teve dois comandantes: cap mil inf Armando da Fonseca Cirne e cap art José Manuel Campante de Carvalho.)

Boné azul,, o Comandante do Setor do PAIGC, Quinto Cabi (apresentou-se como tal...) [3].

À direita de barrete na cabeça e camisa branca, o Comandante de Milícias que tinham sido
colocados em Nova Sintra. [4]

De camisola verde, junto ao Ten Coronel Almeida Mira, outro comanante do PAIGC, o responsável  da artilharia da zona de Tite, de seu no
me Tchambu Mané [5]. Não se lhe vê o rosto, apenas o peito. Enverga uma camisola com a efíge do Amílcar Cabral.

Fotografia [nº 1] cedida pelo ex-Alferes Miliciano Ramiro Figueira, de Nova Sintra, 2ª CART / Bart 6520/72 (1972/74).


2. Comentário do editor LG:

O Jorge Pinto, ex-alf mil, da 3ª C/BART 6520/72, que estava em Fulacunda, já aqui contou como se processou lá a visita dos homens do PAIGC, a primeira depois da assinatura da paz [, foto à esquerda, desarmado, num grupo de guerrilheiros, na margem esquerda do Rio Geba] (**):


Tentando esclarecer algumas dúvidas e para melhor compreensão do "acontecimento" retratado pelas fotos, importa saber:

1º Em 1972/74, Fulacunda é uma tabanca totalmente isolada. A única picada transitada era a que servia de acesso ao porto de reabastecimento e que distava uns 4/5 km

2º O referido grupo Bunca Dabó, pelo que sei, patrulhava/circulava a zona entre Fulacunda e os rios Corubal e Geba e por isso flagelava/atacava Fulacunda de vez em quando.

3º A visita deste grupo, composto por cerca de 50 elementos a Fulacunda, durante 1 dia, foi programada e preparada, mas desconheço pormenores. Sei, apenas que o mesmo já tinha acontecido noutras localidades da Guiné.

4º  Naturalmente que a população de Fulacunda recebeu estes guerrilheiros, que vinham fortemente armados, em grande tensão. As fotos 3,4 e 4B, demonstram isso.

5º A "exigência" da ida ao porto de Fulacunda, no mesmo dia da visita, considerei-a inútil, pois não fomos fazer nem ver nada de novo. Nesta viagem de 4/5 Km iam cerca de 15 (guerrilheiros), bem armados, conforme fotos demonstram. Da parte das NT ia eu, um furriel e o cabo condutor, totalmente desarmados. Nenhum elemento da população nos acompanhou. Esta ficou dentro do recinto que era cercado por arame farpado conversando com os restantes elementos do PAIGC. As fotos 5 e 5A retratam a saída da Tabanca para o Porto. As outras são tiradas no próprio porto.

Sei que foram colocadas outras questões, mas para essas não possuo respostas com o "rigor cientifico" que a "delicadeza" da situação histórica vivida nessa época exige. O "devir histórico" se encarregará de as desnudar...

 ______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 21 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21930: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (19): o nosso macaquinho de estimação, o Piquete

(**)Vd. comentário ao poste de 3 de março de 2016 > Guiné 63/74 - P15818: (De)caras (32): Visita a Fulacunda, em julho de 1974, de Bunca Dabó e do seu bigrupo, "armado até aos dentes"... (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, 1972/74)