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segunda-feira, 18 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19599: Notas de leitura (1160): “Bijagós, Património Arquitetónico", por Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade, Fotografia de Francisco Nogueira (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2016:

Queridos amigos,

O livro é irresistível, pelo rigor do conteúdo e pela preciosidade das imagens. Os Bijagós sempre provocaram um grande fascínio tanto pelos dons naturais, pela cultura, pela identidade do povo que durante séculos viveu em contenda com o continente, nomeadamente com os Beafadas, os vizinhos mais próximos.

Não se pode ficar indiferente com estes cadastros do legado colonial, impressiona o que se construiu e o que ainda está a tempo de ser conservado. Felizmente que alguma cooperação garante restauros e trava o aniquilamento de edifícios emblemáticos do que fora concebido com capital com contornos imperais.

Quem perdura o seu amor pela Guiné não pode deixar de olhar esta obra primorosa sem orgulho e indignação.

Um abraço
do Mário



Bijagós e o seu património arquitetónico: que beleza de livro!

Beja Santos

O património arquitetónico dos Bijagós é uma edição da Tinta-da-China, tem por autores Duarte Pape e Rodrigo Rebelo de Andrade e fotografias de altíssima qualidade de Francisco Nogueira. Tem história, enquadramento urbanístico, análise do espaço tradicional Bijagó e do espaço colonial e desvela os mais significativos edifícios coloniais. 

Na base do empreendimento está o projeto “Bijagós, Bemba di Vida! Ação cívica para o resgate e valorização de um património da humanidade”, uma parceria do Instituto Marquês de Valle Flôr e da organização não-governamental Tiniguena. Trata-se de um estudo que se insere no projeto de conservação dos recursos naturais e de desenvolvimento socioeconómico numa das zonas centrais da Reserva da Biosfera do Arquipélago de Bolama-Bijagós: as ilhas Urok.

Os autores preparam-se bem e o resultado está à vista, nesta edição cuidada, edição para guardar pelo cuidado posto no grafismo e na riqueza das imagens, fala-se dos Bijagós e de um património colonial que ameaça ruína, as imagens são tão impressivas que ninguém pode deixar de indignar-se com o descalabro que por ali vai.

A herança arquitetónica bijagó compreende o passado, através da compreensão dos textos, dos enquadramentos e das suas influências em comparação com outros patrimónios guineenses e coloniais; está o registo fotográfico do património existente e indaga-se o futuro, alguém tem que responder pela salvaguarda de um património comum de uma região com 88 ilhas e ilhéus, num total de 10 mil quilómetros quadrados. 

Há menção dos Bijagós em documentos dos descobridores a partir de 1457, são da maior importância as narrativas do navegador veneziano Luís de Cadamosto e do navegador genovês Uso de Mare. Os primeiros registos cartográficos surgiram em 1468 quando o navegador alemão Valentim Fernandes terá chegado às imediações de Canhabaque.

O processo de crescimento de Bolama está relacionado com a história e a cultural mercantil na região de Quínara e no rio Grande de Buba. O povo Bijagó vivia em permanente tensão com os Beafadas que se espraiavam entre Tombali e Fulacunda. A presença portuguesa era episódica e a hostilidade Bijagó indisfarçável aos colonos. Bolama foi fundada em 1752, muito depois de outras vilas e cidades da Guiné, quando o governo português ordenou ao Coronel Francisco Roque de Sotto-Mayor, Governador de Bissau, que tomasse posse da ilha, erguendo um padrão esculpido com as armas dos reis de Portugal. Recorde-se que a ilha de Bolama só pertenceu oficialmente a Portugal em 1870, após a arbitragem pelo presidente norte-americano Ulysses Grant do conflito luso-britânico.

A estrutura urbana baseia-se em modelos europeus: grelha ortogonal, reticulada, implantada a nordeste da ilha, e em contracto direto com o mar. Impuseram-se inicialmente os edifícios da Alfândega, o Palácio do Governador e Casa Comercial Gouveia. Surgiram depois outros edifícios-chave: o Banco Nacional Ultramarino, a Escola, o Arsenal e o Hospital, a Câmara Municipal e os Paços de Concelho. A escala da cidade de Bolama, observam os autores, é definida por um grande número de edificações térreas, pontualmente marcada por construções com dois ou mais pisos. Nos anos 20 do século XX, surgem planos da autoria do engenheiro Guedes Quinhones inspirados nos modelos humanos ingleses do final do século XIX, da Garden City, de Sir Ebenezer Howard e dos ideais norte-americanos da City Beatiful Movement.

Quando Bolama deixou de ser capital, em 1941, tentou-se torná-la um destino turístico muito apetecível, daí as piscinas municipais, o cineteatro e o complexo balnear da praia de Ofir. Hoje, os seus largos e praças perderam grande parte do caráter, em virtude do abandono dos serviços públicos. Era tal a beleza e a graciosidade da cidade que muitos a tratavam por Nova Mindelo e nos meios intelectuais dizia-se que aqui se tinha radicado o berço do crioulo.

Folheia-se o álbum fotográfico e sentimos o coração pequenino com as ruínas do antigo Palácio do Governador, as ruínas de Bubaque, estão entregues às ervas a casa de férias de Luís Cabral e as casas inacabadas para generais. De premeio, os autores mostram-nos a organização das tabancas Bijagós, construídas em clareiras, têm um ar delicado na envolvente paisagística.

Uma imagem muito bela pode potenciar no leitor um cruel sofrimento, ele tem que perguntar porquê a decomposição daquele edifício da central elétrica, como ainda guarda majestade a Câmara Municipal em ruínas, como é grotesco o belo exótico das ruínas do Hospital Militar e Civil, e como ainda resiste o Palácio do Governador e o Quartel Militar. Há uma Bolama que nasce e renasce. Por exemplo, o edifício da Alfândega foi totalmente recuperado pela cooperação espanhola, AICCID. O cineteatro de Bolama resiste, é um assombro de Arte Deco já tardio. A Escola Superior de Educação é um dos equipamentos de maior interesse da Bolama atual. Ficamos sem fôlego a ver a notável Imprensa Nacional, os autores advertem para o seu enorme potencial turístico e museológico.

A análise patrimonial não se circunscreve à ilha de Bolama, já se falou de Bubaque, Canhabaque tem património em decadência, aqui se mantém de pé o monumento comemorativo das operações de pacificação de 1935-1936.

Os autores concluem que é muito grande a qualidade patrimonial deste arquipélago e que é iniludível a importância do legado patrimonial do colonialismo português, ainda há muita recuperação, conservação e restauro que podiam tornar esta região muitíssimo apetecível pelos dons que a natureza que lhe ofereceu.

Enquanto lia com sentimentos contraditórios este álbum de indiscutível interesse, procurando conhecer as linhas da presença colonial, tanto na fase de consolidação de Bolama como capital da província da Guiné e o período posterior, até ao momento da independência, sempre de coração contrito com o património em ruínas, lembrava da visita que aqui fiz em 1991, a embarcação a chegar ao cais de onde se avista aquele espantoso monumento em pedra que Mussolini ofereceu à cidade de Bolama em homenagem aos aviadores italianos mortos, procurava as placas esmaltadas com os nomes insignes dos políticos da I República que aqui ficaram consagrados, passeara-me neste mar de ruínas perplexo como era possível dois povos espezinharem esta esplendorosa memória de uma vida em comum.

Pescadores bijagós
Imagem retirada do blogue LusONDA, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19588: Notas de leitura (1159): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (77) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19152: Historiografia da presença portuguesa em África (135): Relatório anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1932 (Mário Beja Santos)

Antiga casa comercial António Silva Gouveia, posteriormente utilizada para instalações militares do quartel de Bolama

Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
O mínimo que se pode dizer é que este relatório não pode ser escamoteado nos estudos historiográficos da colónia, exatamente naquele tempo em que começara a submissão de Canhabaque, última etapa das chamadas Guerras da Pacificação. O administrador Manuel Luiz Silva é pouco dado a floreados e explica o que se passa com o imposto de palhota, com as roubalheiras dos grumetes, como os Bijagós desconfiam de tudo e todos e eram na verdade uma sociedade horizontal, há muito que tinham desistido de fazer guerra aos Beafadas, preferiam o seu isolamento. Atenda-se ao que o administrador diz sobre o quadro sanitário do arquipélago e à carência de meios para garantir a soberania portuguesa.

Um abraço do
Mário


Relatório anual da Circunscrição Civil dos Bijagós, 1932

Beja Santos

Quem o assina é Manuel Luiz Silva, o Administrador, andou por outras paragens guineenses, regressou aos Bijagós e revela-se hipercrítico do trabalho desenvolvido pelos antecessores. Dando cumprimento aos preceitos estabelecidos para o que deve ser um relatório anual, logo no capítulo I, referente ao solo e clima, lembra que o arquipélago possui 19 ilhas habitadas e 16 ilhas e ilhéus e diversas ilhotas desabitados. São tudo terrenos baixos, não há qualquer espécie de elevação. Ao tempo, existe o Comando Militar de Canhabaque, a ilha é insubmissa, constituído por uma ilha habitada, oito ilhas e ilhéus desabitados. Informa que não existe nenhum rio no arquipélago e que a constituição do solo não difere do do continente. Não lhe desagrada o recurso a imagens quase poéticas, como esta: “Nas marés baixas, desnudam-se grandes superfícies, na sua quase totalidade coberta de vaza lodacenta permitindo ao indígena poder deslocar-se de algumas ilhas para outras sem auxílio de embarcações. A água é mais ou menos potável. Os problemas de saúde são graves e endémicos: as ilhas de Bubaque, Canhabaque e Orangozinho foram visitadas pela febre-amarela; grassa o tracoma, com intensidade, nas ilhas de Caravela e Caraxe e com menos intensidade noutras ilhas.
Vejamos agora a fauna e flora. Todas as ilhas são verdadeiras matas. Quanto a plantas frutíferas, apenas se veem em maior quantidade a laranjeira, a mangueira e frutos silvestres. Quanto a animais, avultam a gazela e a cabra ou fritambá em pequena quantidade na Ilha das Galinhas, Canhabaque, Orango e Caravela. A ave predominante é o papagaio cinzento".

E de seguida vai esmiuçar a situação política. Em 26 de abril seguiu para as cobranças do imposto de palhota de 1930-1931:  
“Pelas ilhas onde andei, verifiquei no indígena um estado de desânimo e desconfiança. Tendo-me demorado uns 10 dias por algumas ilhas, no meu regresso mandei ao Exm.º Sr. Director dos Serviços e Negócios Indígenas uma carta em 12 de Maio com um mapa indicando o número de palhotas arroladas e cobradas durante o decénio de 1922-1932, estando nele incluído, nos dois primeiros anos, a Ilha de Canhabaque. Por ele, pode V. Ex.ª verificar a alta em 1923-1924, baixando no ano seguinte para ser elevada ao máximo em 1925-1926, sem a ilha de Canhabaque, passando a decrescer até este ano”.
Considera que os habitantes do arquipélago precisam de contrair empréstimos para pagar o imposto de palhota e assinala o êxodo para outras regiões, há indígenas válidos da ilha de Bubaque que se fixaram em Catió, alegam não terem terrenos para cultivar, pois que a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné lhes tirou tudo, e o administrador diz que não é verdade, pois a Companhia deixa-os fazer sementeiras dentro da concessão desde que não extraiam vinho de palma, o que é inaceitável para qualquer Bijagó; dentro dessa linha do êxodo diz também que os da ilha de Soga vão assentar arraiais em Cubisseco onde têm as suas palhotas, eles dão as mesmas justificações que os de Bubaque. Comenta o administrador: 
“É uma desolação ver hoje algumas povoações, quem as viu em anos transactos, só se vêem velhos e mulheres e poucos homens novos. Sei que devido ao estado anormal em que a Circunscrição se encontra devido a enormes dificuldades em encontrar trabalho para todos, com o tempo, paciência e boa vontade, tudo se há de conseguir”.

Falando de hierarquia e poder, o relator diz que o Bijagó só reconhece como única autoridade indígena o balobeiro (padre), mas a sua obediência é só na vertente religiosa. O único régulo é o de Orango, o resto só existem para as autoridades terem a quem se dirigir.
Faz longos comentários à situação administrativa. O arquipélago dos Bijagós fez parte até 1913 da área do Concelho e da Circunscrição Civil de Bolama; em 1927 passou a ser Circunscrição Civil de Bubaque e em 1 de janeiro de 1929 ficou a fazer parte da Intendência de Bolama; em 1931 voltou de novo o arquipélago a estar sobre o regime da Circunscrição Civil e esta divide-se em quatro postos administrativos.
O relator enfronha-se agora na antropologia:
“O Bijagó, devido ao seu atraso de civilização, fugindo a esta tanto quanto pode, à sua indolência e resistência passiva, à contínua desconfiança de todos, tudo esconde”.
Falando da educação, menciona a existência da Escola Rural:
“Além de crianças de outra raça, frequentam a escola 12 indígenas que tendo vindo com as suas características saias e lopé tiveram que ser vestidos não fosse a máquina fotográfica de algum estrangeiro, auxiliado por certos portugueses, tirar alguns instantâneos, para lá fora nos deprimirem. O vestuário só o devem vestir na ocasião de irem e estarem na escola”.

Diz que o estado sanitário é precário, muitos indígenas estão atacados de bobas, bastante no estado terciário, o que leigos como ele chamam lepra; 50% da população de Caravela e Caraxe está atacada de tracoma. “Para o tratamento desta doença, o Sr. Dr. Eurico de Almeida, no seu relatório, creio que de Novembro, propunha a criação de uma ambulância sanitária em Caravela para ali os indígenas serem convenientemente tratados, mas para o bom êxito era necessário que o indígena constituísse palhotas para não dormirem na promiscuidade, para evitarem o contágio e para isso era preciso que o indígena deixasse de pagar o imposto por dois ou três anos, pois as casas não as constrói para não as pagar. Só obrigado”.

A varíola em 1930 fez grande desbaste na população. E pronuncia-se sobre a febre-amarela:  
“Todos os anos, de Outubro a Fevereiro, morrem bastantes indígenas sem se saber porquê. Dizia-se que é gripe e morrem de pneumonia. O Dr. Fritz Rennefeldt, encarregado do Hospital da Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, em 1927-1928, diagnosticou febre-amarela. Creio que é o centro e sul da ilha de Canhabaque o foco mais ou menos virulento do vómito negro”.

Refere-se depois ao imposto de palhota e faz uma minuciosa descrição da sua cobrança. É favorável a que o imposto indígena de capitação substitua o imposto de palhota.
Quanto ao comércio, diz que o único comércio estabelecido nas ilhas é o da permuta de arroz por coconote, e nas épocas mais intensas de cobrança do imposto de palhota, aumenta o número de negociantes que se dedicam também à permuta conjuntamente com a compra de produtos a dinheiro. Revela que o indígena se desloca para fora de Circunscrição por não simpatizar muito com a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné. A segunda empresa importante no arquipélago era a Empresa Agrícola e Comercial dos Bijagós.

Prestes a terminar o seu relatório, entende o administrador que é indispensável falar dos transportes:
“As Circunscrições do continente, todas elas, estão fornecidas de automóveis, esta é a única que não tem esse transporte nem aquele que mais precisa e bastante falta está sentindo – um barco – motor ou a vapor.
A falta de transportes com que se luta na Circunscrição, faz que em toda ela, especialmente nas ilhas onde não está autoridade que, clandestinamente se exerce o comércio com embarcações e tais comerciantes, grumetes sem dinheiro, levam os indígenas enganados para as ‘pontas’, de onde poucos voltam; induzindo os Bijagós a entregar-lhe os seus produtos e gado para irem vender em Bissau ou em Bolama por mais dinheiro do que lhe pagam os negociantes nas suas ilhas, no regresso desses indivíduos os indígenas não recebem um centavo, desculpando-se que a canoa se virou, perdendo-se tudo, só ele se salvou. Os Bijagós jamais se queixam quando lhes dizem que os produtos e gado ficaram no fundo do mar e também não são capazes de denunciar os traficantes.
Por falta de embarcações, os chefes de posto limitam a sua acção somente à ilha onde o posto está instalado. Os quatro postos precisam, cada um, de uma baleeira, embarcação que não têm, servindo-se às vezes, com o risco da própria vida, de canoas dos indígenas, assim como o signatário também já se tem servido desses dongos, uma ou outra vez de embarcações dos fiscalizados”.

Queixa-se e reclama, a autoridade portuguesa só se poderá verdadeiramente sentir quando houver meios minimamente suficientes.

Este importante relatório está na secção dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa.


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Nota do editor

Último poste da série de 24 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19134: Historiografia da presença portuguesa em África (133): Relatório referente ao uso e costumes dos indígenas da Região de Farim (Mário Beja Santos)

terça-feira, 26 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18782: Historiografia da presença portuguesa em África (121): O primeiro voo, ligando Lisboa a Bolama, em 1925, e a primeira tentativa de usar a aviação com fins militares naquele território (Armando Tavares da Silva) (Parte II)


Foto nº 1 > Da esquerda para a direita, Tenente Sérgio da Silva, Capitão Pinheiro Correia e 1.º Sargento António Manuel, antes da segunda partida, no campo de aviação da Amadora, em 1925


Foto nº 2 >  A tripulação do Santa Filomena: tenente Sérgio da Silva, capitão Pinheiro Correia e 1.º sargento António Manuel.


Foto nº 3 > Bolama > 2 de abril de 1925 > de Chegada dos aviadores a Bolama , onde aterraram no Campo de Aviação Sacadura Cabral


Foto nº 4 >  Vista aérea de Bolama, tirada  a partir do “Santa Filomena”


 Foto nº 5 > Vôos realizados na Guiné pelo Breguet n.º 15: Bisssau_Bor, Bissau - Bolama, Bolama - ILha das Galinhas - Ilha de Canhanbaque...                          



Página dedicada ao coronel Pinheiro Corrêa (1892-1973), um dos nossos "gloriosos malucos das máquinas voadoras".  O editor, ATR, deve um dos seus descendentes.

Referência: “Lisboa-Bolama- A primeira viagem aérea a uma colónia de África”, 1Sar. Pedro Manuel Ferreira, Mais Alto, pg 4-15, Mar/Abr 2005.

Texto de: 1Sar Pedro Manuel Ferreira

Fotos: AHFA - Arquivo Histórico da Força Aérea (Textos amavelmente cedidos pela Revista “Mais Alto” )


Fotos (de 1 a 5): retiradas, com a devida vénia, da página acima,  foram também publicadas na Revista “Mais Alto”, de mar / abr 2005.



Raide Lisboa-Bolama (1925)
Armando Tavares da Silva


por Armando Tavares da Silva, 
historiador (*)


(i) As tentativas de aquisição de hidroaviões para a Guiné

Passados cerca de ano e meio desde que Portugal entrara na Primeira Grande-Guerra, conflito em que hidroaviões desempenharam papel importante na luta anti-submarina, em meados de 1917, o governador interino da Guiné, major Carlos Ivo de Sá Ferreira, enquanto decorriam as perturbações na ilha de Canhanbaque, e face à dificuldade de se poder dispor de espingardas e cartuchame, lembra ao ministro a compra de um hidroavião ou monoplano, despesa com que a Província “bem pod[ia]”, a ser utilizado para pôr fim à “má situação” que lá se vivia.

 Em Outubro de 1917 Ivo Ferreira volta a esta questão, entendendo que a existência na Guiné de um hidroavião, “máquina de guerra”, acabaria com as revoltas de “certos elementos maus em extremo” e diminuiria os custos com a guarnição militar que mais proveito teriam se fossem para obras de fomento “de que se caresse (sic) por completo”.

Face a este pedido de Ivo Ferreira são consultados o chefe da Aviação Marítima, Artur de Sacadura Cabral, e o tenente Pedro Ferreira Rosado, que tinha o brevet de hidroaviões e conhecia a província, tendo estes concluído que os hidroaviões podiam prestar serviço na Guiné. Porém, a impossibilidade de despender 200.000 francos para a aquisição de dois aparelhos, leva a que seja apenas considerada o emprego transitório “mais tarde” de um dos aparelhos a adquirir para Angola.

Em Janeiro de 1918, Ivo Ferreira insiste na compra do hidroavião, pedindo autorização para a província o adquirir directamente. Contudo esta solicitação não terá sido concedida.

(ii) O primeiro voo para a Guiné 

Vai ser apenas em 1925 que, pela primeira vez, e por uma coincidência, a aviação é utilizada na Guiné com fins militares.

Sucedeu que neste ano se realizou o primeiro raide Lisboa-Bolama, e a presença na Guiné de um avião foi aproveitada pelo governador Vellez Caroço para efectuar algumas acções ofensivas igualmente em Canhanbaque, a mesma ilha dos Bijagós em que decorriam confrontos com os povos locais.

A realização deste voo resultou de uma proposta de Outubro de 1924 do capitão José Pedro Pinheiro Correia e do tenente Joaquim Sérgio da Silva, tendo o avião escolhido sido um Berguet XVI com o n.º 15. Este, depois de sofrer várias reparações e revisão do motor, é baptizado de “Santa Filomena”, ostentando na fuselagem uma Cruz de Ourique da antiga Ordem dos Templários.

A viagem era considerada fácil, pois se dispunha em rota de um elevado número de campos de aterragem para as necessárias escalas técnicas e eventuais emergências. Quanto aos propósitos da viagem “apenas” se pretendia “demonstrar, que a aviação portuguesa tem uma compreensão nítida da sua missão, acompanhando todos os progressos dessa arma dentro e fora do país, e podendo, pois, ser aproveitado com fins absolutamente utilitários e práticos.”

A ideia inicial de implantar flutuadores no avião foi abandonada, não só pelo custo que isso representava, como, sobretudo, por se temer que o avião mal se aguentasse em mar revolto.

Uma primeira partida tem lugar no dia 7 de Fevereiro de 1925, mas que é mal sucedida por o avião ter sido forçado a aterrar de emergência em Quarteira, devido a mau tempo e ter ficado danificado. Após as necessárias reparações, a 27 de Março o Berguet parte novamente para o projectado raide, seguindo a bordo o chefe da missão, capitão José Pedro Pinheiro Correia, nas funções de observador, o tenente Joaquim Sérgio da Silva como piloto e como mecânico o primeiro-sargento Manuel António.

A viagem até Bolama vai ser acompanhada de várias contrariedades e dificuldades que foi preciso vencer, tendo o Breguet aterrado em Bolama a 2 de Abril, num campo que entretanto fora aí improvisado.

Para facilitar a aterragem fora pedido que, logo que se avistasse o avião fossem acendidas quatro fogueiras produzindo bastante fumo nos extremos do campo. Haviam sido gastas 31 horas e 31 minutos de voo, e percorrida a distância de 4.070 km.

Esta viagem vem extensamente relatada em Coronel Pinheiro Corrêa (1892-1973) > Aviador >  Viagem Lisboa-Bolama (de 27 de março a 2 de abril de 1925), relato que nos dá conta de todas aquelas contrariedades e que o raide decorreu em 7 etapas: Amadora – Casablanca; Casablanca – Agadir; Agadir – Cabo Juby; Cabo Juby – Vila Cisneros; Vila Cisneros – S. Luís do Senegal; S. Luís do Senegal – Dakar e, finalmente, Dakar – Bolama.


 (iii) Os bombardeamentos de Canhanbaque 

Em apoio à acção do governador, que procurava submeter os indígenas que recusavam o pagamento do imposto de palhota, aqueles oficiais realizaram, em dois dias seguidos (21 e 22 de Abril), missões de bombardeamento sobre os rebeldes, lançando 65 granadas de artilharia, do tipo “Schneider”, que depois de adaptadas de forma rudimentar nas oficinas navais de Bolama, foram transformadas em bombas de avião. O seu lançamento, à mão, foi efectuado “por um oficial-bombardeiro cuja indumentária se limitava a um pijama…tal era o calor (…)”.

Para a primeira missão, com a duração de 1h40, o Breguet descolou às 6 horas e 55 minutos (locais) tendo sobrevoado a ilha das Galinhas e voado próximo da ilha de Bubaque até atingir o posto de Bine, na ponta sul da ilha de Canhanbaque. Aí foram largadas duas mensagens do governador, tendo a artilharia do posto saudado com alguns tiros.

O bombardeamento das tabancas foi feito a 300 metros com granadas de 7mm. Descendo a 100 metros, é atingida uma palhota, tendo sido lançadas algumas granadas dentro da povoação, e notando-se que uma tabanca fora incendiada. Na tabanca mais próxima do posto foi arvorada uma bandeira nacional, depois de lhe terem caído próximo algumas granadas.

Na segunda operação de bombardeamento os indígenas, “refeitos do susto da véspera, já encaravam com mais ousadia as evoluções do avião” e reagiram com alguns tiros de longa,  “felizmente sem resultado”.

Pinheiro Correia e Sérgio da Silva seriam louvados pelo Governo da Província pela sua actuação na Campanha de Canhanbaque, em virtude da sua “abnegação, dedicação patriótica e valentia (…), apesar de o avião sofrer de grave avaria no motor”.

Depois dos voos de Gago Coutinho e Sacadura Cabral de 1922, e de Brito Pais, Sarmento de Beires e Manuel Gouveia de 1924, ligando o continente com Macau, acabava de ser realizado o primeiro voo ligando Lisboa com uma colónia de África, neste caso a Guiné.




Amadora, concelho de Oeiras > 1928 > Campo de aviação. Foto, reproduzida com a devida vénia, da página do Facebook Amadora Antiga.


2. Comentário do editor LG:

O que  muitos "camaradas e amigos da Guiné" não sabem é que a Amadora  (a antiga Porcalhota, até 1907) foi durante  um quarto de século, entre 1913 e 1938 o "berço" dos "gloriosos malucos das máquinas voadores"...  Ou melhor, a "campo de aviação" que ficava no "campo do Borel", onde são hoje as instalações da Academia Militar...

Sabe-se, por exemplo, que a 18 de março de 1917, a “Liga dos Melhoramentos da Amadora” organiza um Festival Aéreo, nos terrenos onde está actualmente a Academia Militar, o campo do Borel, na Amadora, onde aterram o tenente António Caseiro e Sacadura Cabral. Pode imaginar-se a "loucura" que foi este evento, a avaliar pelo número dos que assistiram ao festival (50 mil pessoas), o que equivalia a doze vezes a população daquela povoação na época (c. 4 mil).

Terá sido o primeiro campo de aviação do país, ou a primeira unidade militar aérea: em 1919 o “Grupo de Esquadrilhas de Aviação República” (GEAR) instala-se nos terrenos junto ao campo de futebol dos “Recreios Desportivos da Amadora”,  ou seja, nos terrenos da futura Academia Militar.  A história da aviação portuguesa passa, pois, inevitavelmente por aqui. Foi da Amadora (freguesia em 916, vila em 1937...) que partiram algumas das mais importantes viagens da aviação nacional, nas décadas de 1920 e 1930:

(i) tentativa de ligação à ilha da Madeira, por Sarmento Beires e Brito Pais (1920);

(ii) raide Lisboa-Macau no «Pátria», com Brito Pais, Sarmento Beires e Manuel Gouveia (1924);

(iii) raide Lisboa - Bolama, capital da colónia portuguesa da Gyuiné, no «Santa Filomena» com Pinheiro Correia, Sérgio da Silva e Manuel António (1925);

(iv) voo a Goa, com Moreira Cardoso e Sarmento Pimentel (1930):

(v) voo de Carlos Bleck e Humberto da Cruz à Guiné e Angola (1931);

(vi) viagem de ida e volta, no «Dili», a Timor, com Humberto da Cruz e António Lobato (1934);

(vii) em 1938, é extinto o campo de aviação e transferido para Tancos...

Por fim, não esquecer é que na Amadora, e mais exatamente em Alfragide, que está sediado o Estado Maior da Força Aérea, E a Academia Militar tem também o seu campus, o Campus da Amadora, na freguesia da Reboleira.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17421: Historiografia da presença portuguesa em África (78): Erros, gralhas e imprecisões na notícia sobre a visita do Subsecretário de Estado das Colónias à Guiné em 1947 (Armando Tavares da Silva)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, 542 pp. [Disponível "on line" aqui]


[O Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, "órgão de Informação e Cultura da Colónia", foi criado em 21 de julho de 1945. pelo então governador Sarmento Rodrigues, 

O Centro de Estudos da Guiné Portuguesa publicou durante 28 anos, entre 1946 e 1973, 110 números normais do Boletim e um número especial [, este, em outubro de 1947].

Esta publicação periódica é de excecional interesse para o conhecimento  científico da presença histórica portuguesa na Guiné-Bissau, e portanto para a história do país antes da independência. Não tem paralelo em outras publicações nos outros territórios ultramarinos portugueses. 

Esta colecção de obras foi digitalizada e incorporada na Memória de África Digital com autorização do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) da Guiné-Bissau, entidade que sucede ao Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e, portanto, a actual detentora dos direitos sobre esta publicação. lê-se no portal das Memórias de África e do Oriente .

"O Portal das Memórias de África e do Oriente é um projecto da Fundação Portugal-África desenvolvido e mantido pela Universidade de Aveiro e pelo Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento desde 1997. É um instrumento fundamental e pioneiro na tentativa de potenciar a memória histórica dos laços que unem Portugal e a Lusofonia, sendo deste modo uma ponte com o nosso passado comum na construção de um identidade colectiva aos povos de todos esses países."



I. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro Armando Tavares da Silva, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.)


Caro Luís Graça,


Alguns comentários – já com algum atraso – ao Post 17377 de 19 de Maio (*):


1. O primeiro é que é preciso cuidado com o que aparece escrito nos jornais, pois é vulgar encontrar-se erros, gralhas e imprecisões.

2. A última campanha de Canhabaque é de 1935-36, aparentemente motivada por os indígenas se recusarem à limpeza e abertura de estradas. Possivelmente foi escusada e resultado de falta de tacto e diplomacia…

3. Porto Gole estaria perto do ponto que Diogo Gomes atingiria em 1456 quando percorreu a parte navegável do Geba; daí para a frente os bancos de areia presentes na baixa-mar terão impedido a passagem aos navios. No Geba,  Diogo Gomes observou bem o que era o macaréu!

4. Quanto aos “91 anos de penetração portuguesa” estamos em presença de outra gralha monumental! Em vez de 91 deveria estar escrito 491!

5. A ponte visitada por Sá Carneiro a 7 de Fevereiro, segundo a notícia, foi a “grande ponte do Corubal”,  construída em 1937.

Uma outra ponte em cimento armado sobre o rio Mansoa fora inaugurada em Maio de 1923, pelo governador Vellez Caroço, ponte esta que tomaria o seu nome. 


Nos planos deste governador esteve a construção de uma ponte sobre o Corubal, o que foi abandonado para que as verbas disponíveis permitissem terminar a construção da ponte sobre o Mansoa, e por estar a findar a época seca. 

Em Junho de 1947 seriam iniciados trabalhos para substituir a antiga ponte Vellez Caroço, inutilizada nos seus pilares e tabuleiro. A ponte do Saltinho no Corubal, projectada para permitir a ligação do Norte com o Sul da colónia durante 7 meses no ano, foi iniciada em fins do mesmo ano de 1947.

6. Sobre queda de pontes, lembremo-nos do que sucedeu em 2001 em Entre-os-Rios!

7. A condecoração dos “grandes chefes, companheiros de Teixeira Pinto” terá ocorrido na véspera, 6 de Fevereiro, no Gabú (e não em Bambadinca). Foram condecorados com a medalha de prata de Dedicação e Mérito os régulos Madiu Embaló, Saliu Embaló, Demba Só e Malam Embaló. Dois cipaios foram também condecorados: Uri Jaló e Babá Galé.

Seguem em anexos 3 imagens relativas à recepção dispensada ao subsecretário de estado das colónias por chefes fulas, e a condecoração de um deles.

Anexo ainda uma carta da Guiné (de Teixeira da Mota) com o itinerário percorrido pelo governante, com indicação das obras na altura existente no território e, a sublinhado, as que ele iniciou ou as que estavam em construção.[A publicar, com maior detalhe,  no próximo poste da série.]

Como estará tudo nesta altura?


PS - A fonte desta documentação é o número especial de Outubro de 1947 do "Boletim Cultural da Guiné Portuguesa" (BCGP).

As imagens foram tiradas de uma cópia pessoal do BCGP e digitalizadas por mim. Não as utilizei no meu livro.



A foto [nº 2] com os cavaleiros fulas está na p.359; a foto [nº 1] em que um régulo é condecorado está na p. 358; a foto [nº 3] em que o subsecretário de estado é levado em triunfo está na p.361. 
A carta da Guiné do Teixeira da Mota está entre as ps. 454 e 455.

O artigo do Boletim é do cmdte Avelino Teixeira da Mota (na altura 2ºtenente), dedicado colaborador de Sarmento Rodrigues. Já faleceu, e tanto quanto pude apurar, sem descendência. Tinha, pelo menos, um irmão, mas não creio que, não sendo descendente, tenha direitos sobre os trabalhos do irmão. Assim como não creio que o actual INEP disponha de idênticos direitos. Os guineenses devem simplesmente ter "tomado conta" das instalações e espólio. O Boletim terminara.

Penso que seria bonito publicar estes elementos como uma homenagem ao Teixeira da Mota. Os seus trabalhos são capitais no que respeita à Guiné.




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Nota do editor:

Vd. poste de 19 de maio de 2017 >  Guiné 61/74 - P17377: Historiografia da presença portuguesa em África (76): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte V: De regresso, de Bafatá a Bissau, sexta-feira. 7 de fevereiro, com passagem por Fá (Mandinga), Bambadinca, Xitole e Porto Gole

Último poste da série > 1 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17419: Historiografia da presença portuguesa em África (77): "Guiné, Alvorada do Império", 1952, um álbum de glórias do Governador Raimundo Serrão (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 19 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17377: Historiografia da presença portuguesa em África (76): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte V: De regresso, de Bafatá a Bissau, sexta-feira, 7 de fevereiro, com passagem por Fá (Mandinga), Bambadinca, Xitole e Porto Gole


Guiné > Região do Oio > Porto Gole > 2005 > O Rio Geba, junto a Porto Gole. Do outro lado, a margem esquerda. Mais à frente, para leste, o Rio Corubal vai desaguar no Rio Geba.

Foto: © Jorge Neto (2005)- Todos os direitos reservados {[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região do Oio > Porto Gole > 2005 > Marco comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné (1446-1946) > Porto Gole, na margem direita do Rio, na estrada Bissau - Nhacra - Mansoa - Porto Gole - Bafatá (interdita no meu tempo, 1969/71. L.G.). A fotografia é do Jorge Neto (pseudónimo,. Jorge Rosmaninho, autor do blogue "Africanidades (Vivências, imagens, e relatos sobre o grande continente - África vista pelos olhos de um branco") que não já está ativo).

Este monumento foi inaugurado em 8/2/1947 pelo subsecretário de Estado das Colónis, engº  Rui Sá Carneiro, sendo governador geral Sarmento Rodrigues

Foto: © Jorge Neto (2005)- Todos os direitos reservados {[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné-Bissau > Região do Oio > Porto Gole > Pel Caç Nat 52 (1966/68) > 1966 > Marco comemorativo do V Centenário da chegada do primeiro explorador da Guiné, em Porto Gole, fotografado em 1966. Este é o lado oposto à fotografia do Jorge Nero. Dizeres, gravados na pedra: "Aqui chegou Diogo Gomes, primeiro explorador da Guiné, no ano de 1456". Foto de  Henrique Matos, o primeiro comandante do Pel Caç Nat 52 (Enxalé e Porto Gole, 1966/68), açoriano de São Jorge, que vive hoje em Olhão.

Foto: © Henrique Matos (2009). Todos os dreitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]











Recorte da primeira página do "diário de Lisboa", nº 8693, ano: 26, edição de domingo, 9 de fevereiro de 1947 (Director: Joaquim Manso)

Cortesia de Casa Comum > Instituição: Fundação Mário Soares > Pasta: 05780.044.11044 > Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos

Citação:

(1947), "Diário de Lisboa", nº 8693, Ano 26, Domingo, 9 de Fevereiro de 1947, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_22338 (2017-5-19)


1. P
rossegue a viagem ("triunfal", segundo a imprensa da época) à Guiné, do subsecretário de Estado das 
 (Colónias, Engº Rui Sá Carneiro, pelo interior Norte, Centro e Leste (regiões do Cacheu, Oio, Gabú e Bafatá), uma década depois da última "campanha de pacificação" (Canhabaque, arquipélago dos Bijagós, 1936/37)(*). 

Recorde-se que era então, em 1947, governador-geral o comandante da Marinha, Manuel Sarmento Rodrigues,
futuro ministro das Colónias e depois do Ultramar.

O representante do Governo de Salazar tinha chegado ao território no dia 27 de janeiro de 1947, tendo por missão encerrar as comemorações do V Centenário do Descobrimento da Guiné (em 1446).



2. Da leitura da curta notícia da agência "Lusitânia", publicada no "Diário de Lisboa", na sua edição de 9/2/1947 (pp. 1), fizemos um resumo para ajudar os nossos leitores a perceber melhor o seu enquadramento:


(i) no dia 7 de fevereiro de 1947, sexta-feira,  ao fim da tarde, o subsecretário de Estado das Colónias, engº Rui Sá Carneiro,   chega à Praça do Império, em Bissau, depois de um périplo pelo interior da Guiné, que incluiu as regiões de Gabu e de Bafatá;


(ii) às 8h30 desse dia despede-se de Bafatá e segue em cortejo automóvel até Fá (Mandinga) onde visita a serração mecânica do português, o "madeireiro" Fausto Teixeira ou Fausto da Silva Teixeira, radicado na colónia há 20 anos; (no nosso tempo, meu e do "alfero Cabral", em 1969/71, já não havia vestígios desta serração mecânica, e muito menos do Fausto da Silva Teixeira);


(iii) entretanto, em Bambadinca (e não Sambadinca, grosseira gralha tipográfica), e sob a aclamação de "milhares de fulas" (sic), o representante do governo da metrópole procede à condecoração de "três grandes chefes, companheiros de Teixeira Pinto" (sic), durante as campanhas de pacificação (1913-15); é pena o jornalista não citar os seus nomes;


(iv) ainda em Bambadinca, uma centena de crianças das escolas católicas e da escola oficial,  cantam, por seu turno, o hino nacional;




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Setor de Xitole > 10 de março de 2009 > A antiga ponte Marechal Carmona, sobre o Rio Corubal, de há muito em ruínas... Já não era usada no tempo da guerra colonial... O primeiro camarada nosso a falar dela foi o David Guimarães que a revisitou em 2001. Sabemos agora que foi construída em 1937, e que colapsou logo a seguir... Quem terá sido o "engenheiro"  ?

O nosso camarada Carlos Silva, na sua última viagem à Guiné, andou no encalce desta "jóia arquitectónica", a antiga "Ponte Carmona"... Com um guia local, de catana na mão, a abrir caminho, num antiga picada que ia do Xitole até à ponte (assinalada, de resto, no mapa do Xitole)... O Carlos ficou fascinado com a beleza desta obra de engenharia...

Foto: © Carlos Silva (2009). Todos os direitos reservados..[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



(v) durante o trajeto de regresso a Bissau, o engº Sá Carneiro ainda terá tempo de visitar "a grande ponte do Rio Corubal, de 210 de comprimento, construída em 1937", e que entretanto ruíra, num troço de 21 metros, durante a época das chuvas; ora esta ponte só pode ser a do Xitole,a ponte marechal Carmona,  sendo substituída mais tarde (1956) pela ponte general Craveiro Lopes, no Saltinho (**);

(vi) às 13 horas dessa sexta-feira, dia 7 de fevereiro de 1947,  o nosso homem está em Porto Gole, depois de cambar o rio Geba, em Bambadinca;


(vii) mas, antes disso, ainda teve tempo de condecorar "dois régulos" (provavelmente do Cuor e do Enxalé), pelos "relevantes serviços prestados a Portugal";  


(viii) no caso de Porto Gole, ficamos a saber, segundo a notícia dada pela agência "Lusitânia", publicada no "Diário de Lisboa", que se trata de uma povoação recentíssima, "com poucos meses de existência", ou seja, construída em 1946;


(ix) o jornalista da "Lusitânia" assinala que Porto Gole foi o primeiro ponto de penetração portuguesa no interior da Guiné, "há 91 anos" [gralha, deve ser 491 anos];


(x) aqui, os mandingas, em maioria, e também aos "milhares" (sic), assistem à inauguração do monumento a Diogo Gomes, o primeiro explorador do continente africano: reza a história que subiu o estuário do Geba com três caravelas (!); (estranha-se a ausência dos balantas do Óio);


(xi) antes do descerramemto do  monumento, foi proferido um discurso sobre o feito histórico, discurso esse que esteve a cargo do  2º tenente da marinha Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador geral Sarmento Rodrigues; e foi brilhante, ou melhor "notável", como não podia deixar de ser, proferido pela maior autoridade da época em matéria de história da Guiné;


(xii) oferecido pelo administrador de Mansoa, sede de circunscrição, foi servido o almoço, à sombra dos mangueiros, em Porto Gole;


(xiii) o eng Sá Carneiro seguirá depois para Bissau, ainda a tempo de chegar e ser "vivamente aclamado", na Praça do Império, por: (i) funcionalismo; (ii)comerciantes; (iii) colonos; e (iv) indígenas;


(xiv) no  domingo, dia 9, partirá movamente para o interior, incluindo as "pitorescas ilhas dos Bijagós": irá visitar as ilhas de Bolama e Bubaque;





Guiné > Zona Leste > Circunscrição de Bafatá > Rio Geba > 1931 > Cambança do rio Geba, antes das pontes de cimento armado... "Jangada no Rio Geba. Passagem entre Bafatá e Contuboel"... Imagem reproduzida em "O Missionário Católico", Boletim mensal dos Colégios das Missões Religiosas Ultramarinas dos Padres Seculares Portugueses, Ano VIII, nº 81, Abril de 1931, p. 169 (Exemplar oferecido ao nosso blogue pelo camarada Mário Beja Santos).

Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 4 de maio de  2017 > Guiné 61/74 - P17318: Historiografia da presença portuguesa em África (75): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte IV: No chão fula, Bafatá e Gabu, 6 de fevereiro de 1947...

(**) Vd. poste de 8 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5237: Memória dos lugares (53): Rio Corubal: As três pontes... (C. Silva / P. Santiago / M. Dias / Luís Graça)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16321: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (51): Os portugueses tiveram tendência para menosprezar o PAIGC, antes e depois da guerra... Recordando uma cilada dos "homens do mato" aos homens grandes de Sancorlã/Cambaju, ao tempo da CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Regulado de Sancorlã > Cambaju > A família reunida em Cambaju, ano de 1965/66 > Em cima: Mãe (Cadi Candé), pai (Aliu Tamba Baldé) e Aua (prima irmã). Em baixo: Tulai (minha irmã), Eu (de boina verde), Carlos (hoje médico) e Aissatu (irmã da Aua). Esta foto foi tirada por um soldado português amigo da família. (*)




Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > 1991 > Festa de Ramadão  > El-Hadj Aliu Baldé (Tamba), o pai do Cherno > Em 1937 fez parte do grupo de jovens que saiu de Canhamina para Contuboel para receber e homenagear os combatentes de Sancorlã que participaram na última guerra de Canhabaque (Ilhas Bijagós)... 

[Em rigor, foi uma expedição punitiva, contra os bijagós que se recusavm a pagar o "imposto de palhota", também conhecida por "quarta e última campanha de Canhabaque", decorrendo de 10 de novembro de 1935 a 20 de fevereiro de 1936... O pai do Cherno faleceu  em Bissau em setembro de 1999, porvavelmente com 80 anos.  Recorde-se aqui que El Hadj  é um título honorífico reservado ao crente muçulmano que, em vida, consegue ter a felidadade de fazer, com sucesso, pelo menos uma  peregrinação anual,  Hajj,  a Meca (LG)



Guiné-Bissau > Bissau > Maio de 1977 > Eu e a minha mãe (*) [Em 2011 ainda viva, embora já cega... O Chern fala dela com uma imensa ternura... Teria 80 anos de idade: disse ao filho que, por volta de 1936/37, quando o pai voltou de Canhabaque, a última batalha da "campanha de pacificação",  ela teria aproximadamente 9/10 anos de idade. (LG)]


Fotos (e legendas): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P16317 (**):


Caros amigos JDinis e MLLomba,

Aproveito esta abertura para apresentar um exemplo típico de acontecimentos que foram reais, mas que, na altura devida, não mereceram a atenção devida dos portugueses e foi assim:

Em meados de 1964/5, salvo erro, como nos contaram (***), os elementos da guerrilha que actuavam na zona Norte (eixo Cuntima-Sitato-Cambaju), confrontados com a forte resistência do regulado de Sancorlã,  apoiado por um pelotão de metropolitanos de uma companhia sediada em Bafatá (penso que a companhia do Alcídio Marinho, CCAC 412,  Bafatá, 1963/65), contactaram os grandes de Cambaju e solicitaram um encontro para conversações "entre irmãos", longe dos olhares dos brancos.  Na realidade era uma cilada.

No dia combinado, os grandes de Sancorlã desconfiados, no lugar dos homens grandes e dos régulos, resolveram enviar os filhos mais velhos para negociar, divididos em dois grupos. O primeiro grupo ia preparado para as conversações, mas na retaguarda ia um segundo grupo discretamente armado para o que desse e viesse.

Antes de chegar ao local combinado,  o primeiro grupo caiu numa emboscada dos homens do mato que sem pré-aviso abriram fogo, matando duas pessoas e ferindo outras. Nao fosse a pronta intervenção dos homens da retaguarda, provavelmente, seriam todos chacinados.

Todavia, os portugueses não tiraram as devidas ilações deste acontecimento macabro, na primeira fase da guerra,  talvez porque os mortos eram civis armados e nativos guineenses ou por outras razões que nunca saberemos,  e não se tomaram as medidas que se impunham para que não viesse a repetir-se.

E, pasmem-se, esta mesma estratégia seria utilizada alguns anos mais tarde (1970) no chão manjaco, no que ficou conhecido como a tragédia dos 3 Majores, talvez o crime que mais abalou os portugueses e a sua cúpula dirigente na Guerra da Guiné e a retaliação não se faria esperar com a invasão de Conakri, em Novembro do mesmo ano.

Para terminar, acho que, muitas vezes houve tendência de menosprezar o PAIGC e as suas forças, antes e depois da Guerra, quando, na minha opinião, devia de ser tudo ao contrário.

Um abraço amigo,

Cherno AB

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Notas do editor:



(***) 31 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15556: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (50): Na minha língua materna, o fula, não existe a expressão "Feliz Natal"... Mas felizmente que a Guiné-Bissau é um país de tolerância religiosa, em que as duas religiões monoteístas, Islamismo e Cristianismo, coexistem bem com o animismo

sábado, 23 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7164: Meu pai, meu velho, meu camarada (24): Bijagós, memórias de menino e moço (Manuel Amante)



Guiné-Bissau > Bolama > s/d > Cais > Uma canoa nhominca, para transporte de passageiros 

 Foto: © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados.


1. Eis um belo texto sobre uma das mais belas regiões da Guiné, os Bijagós, que  a maior parte de nós, antigos combatentes, não conhece, não conheceu nem nunca  terá, infelizmente, oportunidade de conhecer... 

O embaixador Manuel Amante da Rosa, que foi nosso camarada de armas em 1973/74, e que tem hoje funções de responsabilidade na CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, autorizou-me em tempos a reproduzir esse texto, que ele escreveu para a sua filha, Carla,  autora do blogue Amante da Rosa, e que vive (ou vivia na altura) em Cabo Verde... É um blogue que eu visitava regularmente mas que infelizmente fechou, entretanto (embora continua a ser pesquisável na Net). Apresenta(va)-se nestes termos: "Meu Cabo Verde. História e Estórias. Minhas raízes, família e recordações. A Guiné. Pensamentos e Imagens. Sem ordem cronológica"...

Com a devida vénia, e como homenagem à Carla, ao pai Manuel Amante e ao avô paterno, em cujo barco, o Bubaque, muitos nós, malta da zona leste da Guiné, deve ter viajado entre Bissau e Bambadinca, entre 1961 e 1974, permito-me transcrever este texto de antologia, que o Manuel Amante escreveu para a sua filha Carla, em memória do seu velho... (Julgo que as ilustrações são da responsabilidade da autora do blogue).

Uma resslava: apesar de termos na nossa posse, digitalizadas, todas as cartas do arquipélago dos Bijagós - oferta do nosso camarada Humberto Reis, em 2005 - , nunca as chegámos a pôr  "on line", por razões de segurança... Ficam, no entanto, à disposição dos amigos e camaradas que precisaram delas, por razões de turismo, solidariedade, investigação ou outras razões a avaliar, caso a caso e mediante pedido pessoal ao editor Luís Graça. (LG).

Fonte: Blogue Amante da Rosa > Setembro 10, 2007 > Bijagós, memórias de um pai


2. Meu pai, meu velho, meu camarada > Bijagós, memórias de menino e moço
por Manuel Amante (**)


Após a separação dos meus pais, aí por volta dos meus dez anos, passei a fazer parte do espólio do meu velho. Ele, aos 33 anos, com o fim do casamento, reinventara-se marinheiro errante e pescador, desventurado que estava com o início da guerra que o impedia de circular pelas estradas da Guiné. Já lhe estava na matriz de ilhéu o destino de ser um deambulante incansável e, na altura, a pretexto de uma fuga imaginária, transferiu a sua sanha de aventuras para a descoberta um arquipélago desconhecido, onde poderia livremente saltar de uma ilha para outra. Um lugar onde as lágrimas que foi vertendo, certamente a olhar para lá das ilhas de Caravela e de Unhocomo, se foram diluindo na mistura baça resultante do encontro das águas do Rio Geba e do Atlântico.

O horizonte longínquo que em algumas ocasiões pairava no seu olhar perdido foi-me decifrado numa manhã solarenga, de mar prateado, com vento de través, no canal entre as ilhas de Uno e Orango, quando murmurou, agarrado à cana do leme que aquela canoa, a sua Ave do Paraíso como carinhosamente a apelidava, certamente que aguentaria ir até à ilha de Santiago,  em Cabo Verde. Mal sabíamos os dois que, quase 40 anos depois, milhares de africanos, a fugir da miséria e instabilidade, desafiariam o destino e as intempéries nessas frágeis embarcações para chegarem tanto às ilhas de Canárias como às ilhas creolas.

O desterro voluntário do velho, por longos períodos, tinha sido a encantadora ilha de Sogá,  no arquipélago dos Bijagós. E eu, orgulhosamente só,  em Bissau. Os meus outros dois irmãos mais novos, o Rui e o Djoi, tinham acabado por regressar à protecção e segurança do lar materno. Lá ia aguentando menos mal a casa da madrasta onde nunca me integrei.

Tornei-me também, junto de outros companheiros de mais idade do Bissau Velho, um aventureiro incorrigível de caça, dos banhos e pesca de bentaninhas e bagres nas bolanhas próximas da segunda ponte, lá para os lados de Bulola. Nadávamos em grande algazarra e descontraidamente junto de grandes saltões, de sapos, de lagartixas, de garças, de raras linguanas e de cobras que por vezes se entremeavam, de cabeça erguida, no nosso meio à procura de sossego ou da outra margem, sem contar com os crocodilos que, sempre que alguém gritava lagarto,  saltávamos em debandada para fora da água. Apesar de alguns terem dito que lhes viam, ali na segunda ponte, nunca os vi. Inventávamos os saltos mais arrojados para a água,  em especial o arratchacoco, que repetíamos vezes sem conta em cima dos mais incautos.

[bjg2.bmp]Outras vezes, num grupo mais pequeno embarcávamos na lancha Barreiro ou no pequeno Gouveia 16 e íamos para o ilhéu do Rei com os operários da fábrica de óleo de amendoim. Esta aventura era somente para os mais destemidos e que aguentavam fome. Ali não havia árvores de fruto ou quem se condoesse connosco. Voltávamos cedo e durante dias sentíamos o odor do óleo de mancarra para onde fossemos.

Por vezes, caminhávamos bem mais longe. Até vermos Cumeré do outro lado de um pequeno rio lodoso, o Impernal. Outras vezes ainda caminhávamos alegres, nus ou semi nus, com a roupa enrodilhada na cabeça, cana de pesca no ombro e a indispensável fisga ao pescoço, sempre em bicha de pirilau, através dos diques das bolanhas e canaviais, através de grandes extensões de terra alagada, até sairmos atrás do quartel de Santa Luzia e entrarmos na Granja do Pessubé (***). Aqui, num jogo de esconde-esconde com os guardas, surripiávamos fruta e nos banhávamos, se possível, no tanque que apelidávamos de piscina. Depois, ao anoitecer, era o regresso ao Bissau Velho sem sapatos ou algumas peças de roupa, arrependidos e com promessas repetidas de que nunca mais faríamos a pirraça de faltar às aulas. A entrada no Bissau Velho despertava em todos o receio das cintadas ou da palmatória de cinco buracos. Dividíamos no Zé da Amura para não dar nas vistas.

Pai fora e madrasta ocupada com afazeres profissionais. Vida boa. O que mais poderia almejar naquela idade? A vontade de continuar livre foi tanta que, após um bom final de exame do segundo grau,  disse orgulhoso a uma vizinha da minha Mãe, perante um olhar dela de comiseração e surpresa, que não tencionava mais voltar à escola porque o meu Pai tinha dito que para ser pescador não era preciso mais que a quarta classe. Ainda acabei, por alguns meses, como aprendiz de mecânico, nas oficinas navais.

Mas antes, num certo dia, numa das inúmeras passagens pelo porto do Pidjiguiti, após as aulas, soube que a canoa a motor de cerca de nove metros a flutuar desajeitadamente a uns metros, para além da cabeça de ponte, era do meu velho e que se prestava a sair com a vazante, de regresso aos Bijagós. Não hesitei e arranjei forma de embarcar. Ninguém mais conseguiu de lá me tirar por mais argumentos que me fossem apresentados.

[bjg4.bmp]Época das chuvas, com uma brisa irregular do Sudoeste, horizonte escuro lá para os lados de Tite e de Enxudé a avisar da aproximação de um tornado e mar algo encapelado lá fomos, meia força avante, apontando, num fim de tarde triste, para a embocadura desse largo rio de onde por vezes não se via a outra margem.

Uma hora depois, resguardado, por uma manta fortuita do arrais Nhô André, compadre do meu velho, fascinou-me ver a água fosforescente a deslizar para trás, as luzes de Bissau a desaparecerem e um farol, o Pedro Álvares, muito ao longe pela proa, por vezes, a piscar. O bater compassado do esporão da canoa nhominca a cortar as ondas altas, as inclinações laterais e a chuva miudinha pouco me amedrontaram. Sentia-me o herói de uma aventura da banda desenhada do Príncipe Perfeito e do Simbad.

Mesmo assim, lá para as nove, já com a lua a iluminar o rastro deixado pela canoa, após ter tentado imitar os outros, mijei em equilíbrio precário para sotavento, mastiguei a custo um pão duro e bebi, por um dos orifícios, quase meia lata de leite condensado que me deram. Adormeci depois todo enrolado e a tiritar em cima de uma prancha, logo a seguir à arca de gelo.

Uma avaria inesperada no único motor, ao largo da ilhas das Galinhas, faria com que continuássemos, a custo por causa da enchente, à vela e a remos até ao nascer do sol. Lá pelas nove, já com a força da maré de vazante, desembarcamos, perante a fuga de mais de uma dezena de macacos e debandada ocasional dos habituais caqres, numa praia da lindíssima ilha de Rubane. O meu primeiro desembarque de muitas outras paragens pela maioria das mais de 60 ilhas e ilhotas. 

Achei que aquela paisagem deslumbrante seria a tradução do que deveria ser o paraíso. E nunca me arrependi desse juízo. A viagem continuou ainda para uma outra ilha (Canhabaque) algumas milhas adiante, para recolher o meu Pai, que um dia quase que se tornava um nobre desse pequeno reino dos Bijagós. Muito certamente o primeiro espaço da África negra a sofrer um bombardeamento aéreo na guerra dos Bijagós de Canhabaque contra os poderes coloniais por volta da década de 20 do século passado. Só seriam considerados completamente pacificados após sucessivas campanhas que terminaram em 1936.

[bjg1.bmp]Mas, depois contar-te-ei com mais detalhes e também do meu encontro com um pai assustado até dizer chega, por ver a loucura que eu tinha feito e naquelas condições de tempo. O meu receio de poder levar uma valente sova quando ele me visse e as ilhas que percorremos, numa breve semana, até retornar, a toque de caixa, a bordo do lento e estafado Ametite, à enfadonha turma da quarta classe da Escola Oliveira Salazar, em Bissau. Poucos dos colegas acreditaram que tinha feito tamanha proeza por ser dos mais novos, franzino e não passar de um brancucinho que, apesar de brigador e rápido, jogava desajeitadamente à bola e que até ia para a escola de tchacual. Ainda hoje, julgo que partilho da mesma praga que tombou sobre Cassandra.

Até aos meus 21 anos nunca mais lá deixei de ir sempre que podia. Aprendi com vários arrais, sem cartas e ou outros instrumentos, a não ser a bússola, a navegar no arquipélago, aproveitando as estrelas à noite e o pulsar regular das marés, por entre aquelas ilhas e canais, ao ponto de, aos 13 anos, levar o LP3 de Bissau a Bubaque e regresso, sem supervisão do arrais, sem encalhar e demorar mais tempo. Surpreendia-me sempre o Arrais Avião, cego de um olho, que me instruía assim:
- Segue paralelo à Sogá, passa o canal de Bubaque, até veres a ponta mais afastada de Rubane, aproas à ponta e deixas a popa na extremidade norte de Sogá até estares dentro do canal. Atenção ao descaimento provocado pela enchente e na vazante à malhadeira na ponta de Bubaque à entrada do canal. 

Um autêntico desafio seguir estas instruções na roda do leme. Umas vezes de canoa a remo ou à vela ou outras vezes no barco de pesca e navios de passageiros fui conhecendo o último paraíso desta costa africana que até há pouco tempo ainda detinha resquícios de uma sociedade matriarcal.

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O site dar-te-á o alumbramento do que pude ver pela primeira vez. O encanto das ilhas, suas gentes, flora e fauna nunca se perderam dos meus olhos apesar de ter percorrido mais de meio mundo e visitado lugares exóticos. Vê e diz-me se não é mesmo um paraíso o que descobri ainda na infância.

Manuel Amante da Rosa

[ Revisão / adaptação / fixação de texto: L.G.] (****)
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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de Manuel Amante publicados no nosso blogue:


28 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5555: A navegação no Rio Geba e as embarcações do meu tempo: Corubal, Formosa, BOR... (Manuel Amante da Rosa)


 12 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5455: Memória dos lugares (60): O Rio Geba e o navio Bubaque, do meu pai (Manuel Amante da Rosa)

27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...


 (**) Recorde-se que o nosso camarada Manuel Amante nasceu, em 19 de Dezembro de 1952,  na Guiné, de pais caboverdianos, tendo passado pelas fileiras do Exército Português,  em 1973/74. 

Depois da independência de Cabo Verde, exerceu, entre outros cargos e funções, os seguintes (de acordo com um currículo, desactualizado, de que dispomos: conselheiro do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo de Cabo Verde (2005), embaixador de Cabo Verde no Brasil (1992/2002) e em Angola (1995/99), observador internacional da OUA no processo de democratização da África do Sul (1993/94), diplomata em Moscovo, colocado na embaixada de Cabo Verde (1986/90) bem como na missão permanente de Cabo Verde nas Nações Unidas, em Nova Iorque... Entrou em 1980 para o Ministério dos Negócios Estrangeiros.


O Manuel Amante exerce actualmente o cargo de Secretário Geral Adjunto do Fórum para as Relações Económicas e Comerciais entre a China e os Países de Língua Portuguesa, com sede em Macau. No exercício desse cargo, passa uma larga temporada em Macau, lugar de onde acompanha o nosso blogue com assiduidade, atenção e carinho.

Como ele recorda, "também fui militar (73/74), de recrutamento local, no CIM de Bolama onde fiz a recruta e especialidade antes de ser colocado no QG (Chefia dos Serviços de Intendência) em Bissau. No momento de ser incorporado, tal como muitos da minha geração, estava relativamente familiarizado com as questões de foro castrenses. Não se podia viver na Guiné e ficar alheio ao que se passava e à inutilidade que essa guerra significava em termos de vidas humanas.

"Na minha infância e adolescência fiz muitas viagens pelo interior da Guiné-Bissau durante a luta de libertação. Mas o que mais me encantava (70/73), pelas paisagens e desafios, era subir o Rio Geba, nas férias ou mesmo nos fins de semana, num dos barcos de passageiros do meu Pai (o Bubaque, antiga traineira algarvia, adquirida pela Marinha portuguesa e transformada, nos inícios da guerra, em Lancha Patrulha nº 4, até ser comprada pelo meu Pai e transformada em navio de transporte, mais popularmente conhecido por Djanta Kú Cia)". (...)


(***) Granja de Pessubé, nos arredores de Bissau: estação agronómica onde trabalhou o Engº Amílcar Cabral entre 1952 e 1955.

(****) Último poste desta série > 20 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6874: Meu pai, meu velho, meu camarada (21): Parabéns a vocês! Luís Henriques e Armando Lopes, 90 anos, uma vida! (Luís Graça)