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quinta-feira, 16 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20861: (De)Caras (153): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte II (Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)


Guiné > Região de Gabu > Pirada > 1973 > "Foto tirada por mim, é de Pirada, mostra a distância entre o aquartelamento e o marco da fronteira [, com o Senegal]".

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Pirada > 2018 >  Antiga casa do comerciante Mário Soares


Guiné-Bissau  > Região de Gabu > Pirada > 2018 > Rua principal:  à esquerda, a antiga casa do comerciante Mário Soares (que viveu na Guiné até novembro de 1975).


Guiné - Bissau > Região de Gabu > Pirada >   2018 > Antiga delegação local da PIDE/DGS, e hoje esquadra local da polícia de segurança pública.


Guiné - Bissau > Região de Gabu > Pirada >   2018 > Ruínas da casa do Sr. Palha, um antigo comerciante que ficou na memória local como um homem "muito bondoso". Do outro lado da rua, em frente, ficava a casa do Mário Soares.


Guiné - Bissau > Região de Gabu > Pirada >   2018 > Sem legenda


Guiné - Bissau > Região de Gabu > Pirada >   2018 > Sem legenda: parece ser a rua principal

Fotos: cortesia da página do Facebook Pirada Guiné-Bissau (2018). Editadas pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.


Mário Soares > Pirada > 14/2/1974.

Foto: António Rodrigues (2015)
1. Quem foi  Mário Soares, o  comerciante de Pirada,  de seu nome completo Mário  Rodrigues Soares, que muitos de nós, que passsaram pelo leste da Guiné,  conheceram, ou ouviram falar ele, ao longo da guerra ?  (*)

Conviveu com vários camaradas nossos,  a começar pelos veteranos, o alf mil António [de Figueiredo] Pinto (BCAÇ 506 e 512, 1963/1965), o alf mil médico Luiz Goes (BCAÇ 506, Bafatá, 1963/65) (**), e Carlos Geraldes, em (CART 674, 1964/66), os dois últimos já falecidos. (O António Pinto vive em Vila do Conde.)

Dizia-se que o Mário Rodrigues Soares (, mais conhecido por Mário Soares,)  tinha "relações privilegiadas" com os dois lados do conflito, as NT e o PAIGC. Dizia-se inclusive quer era um "agente duplo", trabalhando tanto para a PIDE/DGS como para o PAIGC.

Ora, não temos provas disso. Está em causa a sua honra (ou a sua memória, no caso de já ter morrido, como será muito provável).

Temos que ser cautelosos, não fazer juízos apressados (ou nem seqiuer fazer juizos, como mandam as boas regras do nosso blogue!)  sobre o comportamento dos comerciantes portugueses e outros (libaneses, cabo-verdianos...) que ficaram no mato, apesar da guerra. Afinal, a guerra foi também uma oportunidade de negócio(s). O exército passou a ser o maior empregador no mato, para a população civil, das lavadeiras aos milícias, dos camionistas aos jovens em idade militar...

Em boa verdade, a tropa tinha tendência para pôr em causa a "lealdade" dos comerciantes, colocados numa posição difícil no interior da Guiné. O alf mil Carlos Geraldes que conviveu estreitamente com ele (e com a sua família), em Pirada, nos anos de 1964/66, escreveu que ele era era um "velha raposa" que, na situação em que se estava, sabia "estar de bem com Deus e o Diabo".

O seu nome  é referido, de facto,  com muita frequência nas cartas que o Carlos [Adrião] Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Bissau, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66) mandava para casa, e de que foi publicada uma seleção no nosso blogue, em 2009.

O Carlos Geraldes conheceu o Mário Rodrigues Soares quando a sua companhia, a CART 676, chegou a Pirada, em 15 de outubro de 1964, vinda de Bissau (via Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego). Tornar-se-iam amigos. O Carlos passa a ser visita frequente da sua casa. E descreve-o logo nestes termos:

 "É uma excelente pessoa. Muito gordo, de bigodinho à brasileiro, mas sempre de boa disposição, irradiando simpatia na forma franca e directa com que trata toda a gente branca ou preta." (Pirada, 15/10/1964).

 E defendo-o das suspeitas de colaborar com o IN:

(...) "É o nosso Anjo da Guarda. Todos os dias manda cá o criado dele, o Demba, com uma garrafa de água filtrada e um termos com cubos de gelo, para que nunca nos falte água fresca no quarto. É um indivíduo que, mesmo aqui, longe da nossa civilização, não descura todos os pormenores de conforto para criar à sua volta um ambiente requintado e de um bom gosto que se julgaria inacreditável encontrar por estas paragens. (Pirada, 15 de outubro de 1964).

(...) "O M. Santos, como sempre, faz questão em receber-me para jantar, o que eu nem me atrevo a recusar, tão maravilhosos são os jantares em casa dele." (Pirada, 8 de fevereiro de 1965)

(...) O ataque  [, a Pirada, em 28 de maio de 1965,] já era esperado, pois o M. Santos, como sempre, tinha sabido da coisa com alguma antecedência e correu a informar o Capitão (...). (Pirada, 13 de junho de 1965)

O Mário Soares era um "lisboeta de gema, recém incluído nestas guerras por ter tido dificuldades financeiras na Metrópole, segundo se consta" (Pirada, 8 de fevereiro de 1965). O Carlos também era lisboeta, se bem que levado, aos 4 anos, para Viana do Castelo onde pai trabalhou, como desenhador técnico, nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

Do Mário Soares sabe-se que tinha bons contactos no Senegal. E que desempenhou o seu papel na história da indepência da Guiné-Bissau. Foi através dele que o gabinete do Governador António Spínola consegiu chegar ao Leopoldo Senghor (como se depreende de um histórico depoimento do embaixador Nunes Barata, ex-alf mil, na altura, chefe de  gabinete, a partir de maio de 1971,  do general  Spínola; certamente por lapso, chama-lhe António Mário Soares. (*).

Não sei o que é feito dele, o cometrciante de Pirada, é provável que já não esteja entre o número dos vivos. Em 1974 já teria cerca de 40 e tal anos, a avaliar pelas poucas fotos que temos com ele (*).

Sabemos, pelo Carlos Geraldes, que em 1964/65, era casado, tinha duas filhas e um filho e era natural de Lisboa. Luísa era o nome da esposa. A filha mais velha chamava-se Rosa, o filho do meio era José (e estudava em Lisboa) e a mais nova, Eva Lúcia, tinha nascido em 11/9/1957.

Segundo a historiadora Maria José Tístar ("A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Coilibri, 2017), o comerciante Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal, seria  um "agente duplo": informador da PIDE/DGS, e ao mesmo tempo informador do PAIGC.

Contrariamente ao Rodrigo Rendeiro, comerciante de Bambadinca (, também "grande amigo" da tropa local), que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o Mário Soares decidiu ficar  na Guiné independente... Mas rapidamente terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, no tempo do Luís Cabral, um ano e picos depois, em novembro de 1975. (*)

Quanto à  CART 676,  foi mobilizada pelo RAP 2, partiu para o CTIG em 8/5/1964 e regressou a 27/4/1966. Esteve em Bissau, Pirada e Bissau. Comandante: cap art Álvaro Santos Carvalho Seco (, comandante da EPA - Escola Prática de Artilharia, enre 1978 e 1980).

2. Pergunta-se: alguém mais se lembra dele, do Mário Rodrigues Soares ? Alguém mais tem fotos e histórias dele ?

Estamos a reler as cartas do Carlos Geraldes, que nos ajudam a perceber melhor a personalidade e o comportamento deste comerciante português, "bon vivant", hospitaleiro, insinuante, amável, generoso, prestável, com um vasto capital de relações sociais, a nível interno e até externo (com as autoridades e os comerciantes do outro lado da fronteira, no Senegal).

Nesta II parte, continuamos a publicar excertos, selecionados,  das cartas remetidas para a família, no período de abril a setembro de 1965, e em que o Carlos faz referências ao seu "amigo M. Santos [leia-se: Soares]"


3. Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos [Adrião] Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Bissau, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66), que se tornou amigo do comerciante de Pirada, Mário Soares e visita frequente da sua casa...

Reprodução de excertos das suas cartas com referência explícitas ao Mário Soares [, ou M. Santos]:


Parte II (abril de 1965 - setembro de 1965) (*****)


Pirada, 11  de abril de 1965


O M. Santos [Mário Soares] zangou-se com a tropa!

É o caso mais falado por estas bandas e a história foi a seguinte: como precisávamos de um frigorífico para a cantina que estamos a fazer, o 1.º Sargento falou nisso ao M. Santos e este prontificou-se logo a mandar vir um do Senegal, onde conhecia uma pessoa que tinha um e o queria vender. Adiantou, no entanto, que custaria 12 contos [se fossem escudos da metrópole equivaeriam hoje a 4.717,50 €, mas é preciso ter em conta os 10% de cambial: 100 "pesos" da Guiné valiam 90 escudos na metrópole.]  O 1.º Sargento respondeu que o mandasse vir, para se ver e, depois, discutir o preço.

Resultado: veio o frigorífico e verificou-se que nem 6 contos de réis, valia. Ao fim de uma semana não tinha sequer conseguido fabricar uma única pedra de gelo.

O 1.º sargento falou no caso ao Capitão e decidiram dizer ao M. Santos que não queriam o frigorífico.
Aí é que este ficou que nem uma barata, alegando que já se tinha comprometido com o vendedor a ficar com o referido aparelho, etc., etc.

Desde então (e já se passaram 3 ou 4 dias), todas as noites a porta do quintal da casa do M. Santos que dá para a esplanada, onde habitualmente íamos, eu e o doutor, depois do jantar, tomar o nosso cafezinho e conversar um bocado, encontra-se fechada. Ultimamente, alguns sargentos também se faziam de convidados e creio que foi também por isso que o nosso amigo fechou a porta em sinal de desagrado.

Pessoalmente comigo não existe nada e, tanto ele como a família continuam a tratar-me bem. Eu, que já conheço o feitio dele, finjo que não sei de nada.

Anda um bocado amuado mas aquilo passa-lhe.


Pirada, 18 de abril de 1965

Hoje foi dia de Páscoa. Dia que não tem grande significado para mim mas que serviu de pretexto para nos reunirmos e fazermos uma pequena festa.

O M. Santos já esqueceu a zanga com a tropa e ontem à noite estivemos em casa dele a comer e a beber.

O [alferes] Castro esteve cá, assim como o Gabriel, aquele meu companheiro de Bajocunda, que ficou também para o jantar.

Os soldados divertiram-se à maneira deles, vestindo-se à Fula e a Páscoa aqui em Pirada redundou num autêntico Carnaval.

Até eu me mascarei de Fula!

(O interregno entre esta carta e a seguinte explica-se por em Maio ter vindo à Metrópole, gozar um mês de férias e efectuar o meu primeiro casamento)


Pirada, 13 de junho de 1965


(..) Assim que aparecemos em Pirada [, de regresso de férias], nem queiram saber a festa que me fizeram!

Ainda o jeep não tinha estacionado já toda a gente me vinha cumprimentar. Depois fui apresentar-me ao Capitão que estava bastante doente com disenteria. Em rápidas palavras contei-lhe como tinha passado as férias. (Afinal, sempre receberam os meus postais!).

Em seguida tive de ir visitar, é claro, o M. Santos para lhe entregar as lembranças que trouxe. A D. Luísa ficou contentíssima com a toalha regional, e o galo de Barcelos conseguiu chegar intacto. 

Agora têm cá mais um filho que estava a estudar em Lisboa e que, pelos vistos, não se portou lá muito bem este ano. Chama-se José e tem mais idade que a Eva Lúcia, a mais nova (que ainda não vi; está em Bafatá) e menos que a Rosa, a filha mais velha.

À noite jantei em casa deles e foi uma longa conversa sobre o mundo maravilhoso da metrópole. (...)

Mas cá por Pirada, entretanto, também aconteceram muitas outras coisas durante o mês de Maio (...)

O Capitão quer agora que a tabanca de Velingará Pinto Silva, a tal aldeia estratégica, passe a ser um novo destacamento e tinha mandado para lá o Alferes Carvalho passar 15 dias. Seguidamente calhava a vez ao alferes Cardoso (pois eu estava ainda de férias), mas como havia notícias de um possível ataque do IN àquela zona, este encheu-se tanto de medo que fez todos os possíveis para adiar a ida para lá, esperando que eu, quando chegasse, o substituísse. A cobardia evidenciada por ele foi de tal maneira irresponsável que o Capitão decidiu mesmo obrigá-lo a ir à força.

Sem mais hipóteses de fuga, acabou por ir suplicar ao M. Santos, quase de joelhos, para que o informasse com a máxima prioridade, sempre que soubesse de qualquer novidade sobre as intenções do IN que dissessem respeito àquela tabanca, por mais insignificantes que lhe pudessem parecer. Assim poderia precaver-se o melhor possível.

[Nota do editor: Os nomes dos camaradas europeus são fíctícios, por razões de privacidade, segundo o autor das cartas que foram publicadas no blogue...]

Até hoje e já lá está há 12 dias, só 5 é que os passou completamente com os soldados no próprio destacamento. No resto do tempo, [, o alferes Cardoso]  vai sempre para Paunca almoçar e jantar (pois fica perto) e já adoeceu várias vezes para poder vir para Pirada ao médico. Tem procedido de maneira tão escandalosa que todos o ridicularizam.

Mas ainda fez mais! Na passada segunda-feira foi a Bafatá sem dar conhecimento a ninguém, falar com o Coronel, Comandante-Chefe desta zona,  e, entre outras coisas, como para justificar o inusitado da visita, caluniou o M. Santos, acusando-o de ser um agente duplo. (...)

Estupidamente, no dia seguinte, ao almoçar em Paúnca, gabou-se do facto e, não tardou nada que isso não chegasse aos ouvidos do visado.

M. Santos, indignadíssimo, exigiu um imediato pedido de desculpas e um completo desmentido desta situação. Queria mesmo ir a Bafatá falar com o Coronel.

O Capitão mandou logo chamar o Cardoso para esclarecer tamanha borrada e justificar aquela ida a Bafatá sem a devida autorização.

Quando o Cardoso chegou fez-se de mil cores, ficando a tremer como varas verdes. Começando por negar tudo, acabou por confessar. Por ordem do Capitão foi de imediato pedir desculpas ao M. Santos.

Este disse-me que de facto ele tinha ido a sua casa, a chorar, pedindo-lhe que o perdoasse e que não dissesse nada para Bafatá, pois decerto acabaria por ser castigado e talvez impedido de ir de férias em Julho próximo. O M. Santos, coração de manteiga, lá se comoveu, mas não deixou de lhe pregar uma valente descompostura.

Acabada essa cena, o Cardoso regressou novamente à Messe, onde eu, o Carvalho o alferes médico Cláudio, que está cá para substituir o nosso que foi de férias, aguardávamos o desenrolar dos acontecimentos.

Sem querer dar o braço a torcer continuou a disparatar em todas as direcções, acusando inclusivamente, o nosso próprio médico (o ausente) de o ter denunciado ao M. Santos o que de facto até era uma tremenda mentira. Gerou-se logo ali uma acesa discussão e o Cláudio que, não é nada macio, queria mesmo obrigá-lo a ir novamente à presença do M. Santos para esclarecer definitivamente o assunto. E tanto insistiu que o Cardoso, atarantado, fez menção de se levantar e puxar pela pistola Parabelum que traz sempre à cinta, num arremedo ridículo de autoridade. Deu-se logo ali uma caricata cena de pancadaria. Eu, na confusão, consegui desarmar o Cardoso que se atirou para o chão, inanimado como um saco de batatas.

Quando o fizemos vir a si, deixou-se ficar, sentado no chão, a chorar como um bebé. Ao fim e ao cabo, ficámos todos com pena dele, pois ele apenas tinha conseguido demonstrar que não passava de um pobre diabo desorientado sem saber o que fazer para sobreviver a esta vida. Cláudio, o médico, acabou por lhe administrar uma injecção calmante que o fez ficar a dormir o resto do dia na cama do capitão.

Mais tarde veio pedir desculpas a todos, especialmente a mim, dizendo-me que eu era o seu primeiro e único amigo, que eu era a pessoa que melhor o compreendia, etc.

Jantámos em sossego e esquecemos completamente o caso. Hoje de manhã lá partiu novamente para o destacamento de Velingará Pinto Silva todo encolhido no assento do jeep.

Em parte, talvez seja eu, de facto, quem melhor o compreende e quem tenha a coragem de lhe dizer as coisas mais duras. Mas foi tudo causado pela sua infame e nevrótica cobardia que mexe com os nervos de todos nós.

Parece que, para se reabilitar, decidiu ficar no destacamento até às vésperas de embarcar para férias. Depois calha-me a mim ir para lá que, vai ser um consolo. (...)

No passado dia 28 de maio [de 1965], um numeroso grupo de guerrilheiros invadiu Pirada e atacou o quartel, sem no entanto causar qualquer baixa e causar danos de maior. Apenas queimou algumas palhotas da periferia, num acto intimidatório.

O ataque já era esperado, pois o M. Santos, como sempre, tinha sabido da coisa com alguma antecedência e correu a informar o Capitão que, prontamente se barricou no quartel e aguardou os acontecimentos, enviando, no entanto, um Pelotão (o do Carvalho) para os lados da bolanha com o intuito de montar uma emboscada ao grupo que viria fazer o ataque, mas como já era de noite, o sonso do Carvalho fez-se de mula e preferiu entrincheirar-se o melhor possível e deixar correr o marfim.

Nem chegou a ver o IN, que andou pela povoação completamente à vontade a fazer fogo para o quartel, abrigado até debaixo do alpendre da casa do M. Santos.

No entanto, não tocaram em qualquer das casas comerciais, respeitando um hipotético e provável acordo de cavalheiros, pois quando necessitam, também sabem recorrer, secretamente, a estas fontes irregulares de abastecimentos, e o M. Santos, como velha raposa que é, sabe que na actual situação é sempre útil estar de bem com Deus e o Diabo.

Foi por isso que achou que aquela tola tentativa do Cardoso de o intrigar junto do governo militar foi uma palermice de todo o tamanho que, além de ser perigosa para ele próprio, era também prejudicial para os interesses de todos nós, pois assim poderíamos vir a perder uma importante fonte de informação sobre os movimentos do IN na região. Mas como, com esta malta da tropa, nunca se sabe, achou que evidentemente o melhor seria mostrar bem alto a sua indignação para que ficasse devidamente registada.

Voltando à vaca fria, nesta guerra, como se pode ver mais uma vez, tive sorte. Pois foram logo escolher o dia do ataque para quando estava de férias. Parece que eles ainda pensaram em voltar, mas viemos a saber depois que tinham resolvido ir atacar outra zona que, se calhar, lhes seria mais favorável. Entretanto a população regressou e tudo voltou à normalidade.

O Presidente do Senegal (Senghor) enviou para esta região membros da guarda republicana senegalesa para correr com todos os grupos armados que circulam por aqui e que já o estavam a inquietar, de maneira que hoje de manhã tivemos a inevitável confraternização, mesmo sobre a linha de fronteira.

Confraternização essa que levámos a efeito em regime estritamente confidencial, pois mais ninguém deveria saber, para não se armarem as habituais confusões junto do poder central. De um lado, eu, o Capitão, o alferes Carvalho, e o alferes médico representando a tropa. O M. Santos representando os civis. Do outro lado, três guardas senegaleses.

O ambiente foi bastante cordial e prometeram-nos nunca mais autorizar a permanência, nesta zona, de grupos de guerrilheiros armados que, pelos vistos, também já os estariam a preocupar e incomodar. (...)


Paunca, 27  de junho de 1965

(...) No meu aniversário ainda estava no destacamento de Velingará, mas o [alferes] Castro, numa atitude que dificilmente virei a esquecer, convidou-me para jantar em Paunca, nesse dia. Foi um jantar maravilhoso com o quartel todo enfeitado com ramos de palmeira. Comemos juntamente com os soldados e pelo menos nisso, para eles houve rancho melhorado pois comeram o mesmo que nós, sopa, leitão assado, ananás e até cigarros para finalizar. Depois sentámo-nos todos numa roda e serviu-se Cinzano e whisky para toda a gente.

Mesmo assim senti-me um bocado triste, mas não dei parte de fraco. Nessa mesma noite regressei ao acampamento de Pinto da Silva. Nem o M. Santos, nem o Capitão se lembraram do meu aniversário, embora fosse até este último quem mais teria a obrigação de o fazer já que foi ele que, no ano passado, determinou que este dia passaria a ser o dia da nossa Companhia. (...)


Paunca, 10 de julho de 1965


(...) Esta gente daqui é mais rica que a de Pirada, pois enquanto lá, os quatro comerciantes existentes, vivem principalmente do comércio que fazem com o Senegal, estes aqui (e são cinco!) vivem do comércio que fazem apenas com os indígenas desta região e com os que vêm do interior para se abastecerem. 

Estamos agora na época em que se lavra a mancarra e o trigo e é precisamente nesta altura que os agricultores estão sem dinheiro. Mesmo assim ainda conseguem fazer algum negócio, vendendo arroz e tabaco para poderem comprar o que necessitam. É agora que nós aproveitamos também para lhes comprar os ovos e as galinhas que quisermos, pois deixam tudo muito mais barato. (...)

[Revisão e fixação de texto para efeitos de publicação neste blogue: LG]

(Continua)
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 15 de abril de 2020  > Guiné 61/74 - P20858: (De)Caras (125): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal ? Um "agente duplo" ? - Parte I (Depoimentos do embaixador Nunes Barata, e do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)

(**) Vd. poste de 18 de setembro de 2012 > Guine 63/74 - P10404: In Memoriam (127): Luiz Goes (1933-2012), figura incontornável da canção de Coimbra, foi ten mil médico, BCAÇ 506 (Bafatá, 1963/65), e conviveu com o nosso camarada António Pinto

(**) 23 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4997: Cartas (Carlos Geraldes) (10): 2.ª Fase - Abril de 1966 - Epílogo - O Regresso

(***) Vd. postes de

10 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4933: Cartas (Carlos Geraldes) (7): 2.ª Fase - Julho a Setembro de 1965

7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4916: Cartas (Carlos Geraldes) (6): 2.ª Fase - Abril a Junho de 1965

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20858: (De)Caras (152): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte I (Depoimentos do embaixador Nunes Barata, e do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: (i) o alf mil António Pinto; (ii) o  Mário [Rodrigues]  Soares, comerciante de Pirada e "agente duplo", segundo era voz corrente; (iii) o alf méd médico (e grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes (1933-2012( ; e (iv) e o alf mil Spencer.

Foto (e legenda): © António Pinto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Gabu >  Setor L6 > Pirada > c. 1973/74 > 14 de Fevereiro de 1974, ten cor cav, cmdt do batalhão e o célebre comerciante  Mário Soares (este em primeiro plano: dizia-se que tinham contactos privilegiados com os "dois lados da guerra", as NT e o PAIGC, ou pelo menos, as autoridades senegalesas).

O ten cor cav Jorge [Eduardo Rodrigues y Tenório Correia] Matias, cmdt do BCAV 8323/73, que estava sediado em Pirada (, o comando, a CCS e a 3ª C/BCAV 8323/73) faz aqui uma homenagem, emocionada aos bravos de Copá, o 4º pelotão, da 1ª C/BCAV 8323/73, comandado pelo alf mil at cav Manuel Joaquim Brás, e a que pertencia o António Rodrigues, e reforçada por mais uma secção, do 1º pelotão, comandada pelo fur mil Carlos Eugénio A. P. Silva.

Foto (e legenda): © António Rodrigues. (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


I. O célebre comerciante de Pirada, Mário [Rodrigues]  Soares era uma figura "intrigante"... Conviveu com vários camaradas nossos, ao longo da guerra, como o António Pinto (*) ou o Carlos Geraldes(**)... Dizia-se que tinha relações privilegiadas com os dois lados do conflito, as NT e o PAIGC. Dizia-se inclusive quer era um "agente duplo", trabalhando para a PIDE/DGS e para o PAIGC. Ora, não temos provas disso. Está em causa a sua honra. 

Temos que ser cautelosos, não fazer juízos apressados sobre o comportamento dos comerciantes portugueses e outros (libaneses, cabo-verdianos...) que ficaram no mato, apesar da guerra. Em boa verdade, a tropa tinha tendência para pôr em causa a "lealdade" dos comerciantes, colocados num posição difícil no interior da Guiné.

Do Mário Soares sabe-se que tinha bons contactos no Senegal. E que  desempenhou o seu papel na história da indepência da Guiné-Bissau.  Foi através dele que o gabinete do Governador António Spínola consegiu chegar ao Leopoldo Senghor (como se depreende de um histórico depoimento do embaixador Nunes Barata, ex-alf mil, na altura, colaborador íntimo de Spínola,  de que a seguir reproduzimos um excerto; por lapso, chama-lhe António Mário Soares)...

Não sei o que é feito  dele, é provável que já não esteja entre o número dos vivos. Em 1974 já teria cerca de 40 e tal  anos, a avaliar pelas fotos acima reproduzidas,  Li algures (, já não posso precisar onde...) que ficou na Guiné, depois da independência, mas terá saído do país ainda no tempo do Luís Cabral, em novembro de 1975.  Sabemos, pelo Carlos Geraldes, que em 1964/65, era casado, tinha duas filhas e um filho e era natural de Lisboa. Luísa era o nome da esposa. A filha mais chamava-se Rosa, o filho do meio era José (e estudava em Lisboa) e mais nova, Eva Lúcia, tinha nascido em 11/9/1957.

Alguém dos nossos leitores ainda se lembra dele, do  Mário Soares ? Tem fotos e histórias dele ?

O seu nome era referido com muita frequência nas cartas que o Carlos [Adrião] Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66) mandava para casa, e de que foi publicada uma seleção no nosso  blogue, em 2009 (**).

O Carlos Geraldes conheceu o Mário Rodrigues Soares quando a sua companhia, a CART 676, chegou a Pirada, em 15 de outubro de 1964, vinda de Bissau (via Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego). Vão tornar-se amigos. O Carlos passa a ser visita frequente da sua casa. E descreve-o logo nestes termos: "É uma excelente pessoa. Muito gordo, de bigodinho à brasileiro, mas sempre de boa disposição, irradiando simpatia na forma franca e directa com que trata toda a gente branca ou preta." (Pirada, 15/10/1964). E defendo-o das suspeitas de colaborar com o IN.

Estamos a reler as suas cartas, que nos ajudam a perceber melhor a personalidade e o comportamento deste comerciante português, "bon vivant", hospitaleiro, insinuante, amável, prestável, com um vasto capital de  relações sociais, a nível interno e até externo (com as autoridades e os comerciantes do outro lado da fronteira, no Senegal). Nesta I parte, selecionámos excertos das cartas para a família, do período de Outubro de 1964 a março de 1965, e em que o Carlos faz referências ao seu "amigo M. Santos", pseudónimo de Mário Soares.

Segundo a historiadora Maria José Tístar ("A PIDE no Xadrez Africano: Conversas com o Inspector Fragoso Allas", Lisboa, Edições Coilibri, 2017), o comervciamte  António Mário Soares, estabelecido em Pirada, na fronteira com o Senegal, seria  um "agente duplo":  informador da PIDE/DGS,  e ao mesmo tempo informador do PAIGC.

Contrariamente ao Rodrigo Rendeiro,  comerciante de Bambadinca,  que terá tido problemas logo a seguir ao 25 de Abril, pela sua ligação à PIDE/DGS, o Mário Soares terá ficado na Guiné independente mas terá "caído em desgraça" e sido expulso do país, um ano e tal depois, em novembro de 1975. (***)

A CART 676 foi mobilizada pelo RAP 2, partiu para o CTIG em 8/5/1964 e regressou a 27/4/1966. Esteve em Bissau, Pirada e Bissau. Comandante: cap art Álvaro Santos Carvalho Seco.


1. Depoimento do embaixador João Diogo  Munes Barata:

[Alferes miliciano na Guiné (1970); secretário e, posteriormente, chefe de gabinete do Governador da Guiné, general António de Spínola (a partir de Maio de 1971); adjunto diplomático da Casa Civil do Presidente da República, António de Spínola (Maio a Setembro de 1974),  tendo no desempenho deste cargo, colaborado no processo de descolonização; delegado do MNE na Junta de Salvação Nacional]

(...) Com essa ideia, portanto, com a ideia de avançar no processo de descolonização, o general tentou estabelecer contactos com o Governo senegalês e, através dele, com o PAIGC. Os primeiros contactos foram feitos através do chefe da delegação da PIDE/DGS [em Bissau], o inspector Fragoso Allas e por Mário Soares. Mário Soares, não o Dr. Mário Soares, mas [António] Mário Soares um comerciante de Pirada, um homem que se chamava Mário Soares, mas que era comerciante em Pirada, uma povoação fronteiriça da Guiné com o Senegal. Esse comerciante ….

Eu lembro-me de um dia estar no meu gabinete no Palácio e de o senhor Mário Soares ir lá comunicar que já tinha estabelecido o contacto com o lado de lá e que, portanto, se podiam iniciar as negociações para uma ida, para um encontro do Governador com o presidente Senghor. Houve previamente um encontro. O general Spínola foi duas vezes ao Senegal (acompanhei-o em ambas as visitas).

A primeira, para um encontro com o ministro senegalês dos Assuntos Parlamentares, porque evidentemente o presidente Senghor, na altura, ainda não sabia bem quais eram as ideias do general Spínola e não quis, evidentemente, romper as exigências protocolares e, como chefe de Estado encontrar-se com o governador de uma província, de uma colónia. E mandou um ministro. (...) (****)


2. Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos [Adrião] Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), que se tornou amigo do Mário Soares e visita frequente da sua casa... Reprodução de excertos das suas cartas com referência explícitas ao Mário Soares:


Parte I (outubro de 1964 - março de 1965) (*****)

Pirada, 15 de outubro de 1964


(...) Segunda-feira de manhã partimos para Pirada. (...)

Começámos logo por ser apresentados ao comerciante mais importante cá da terra, o Sr. Mário Soares, um grande amigalhaço de toda a tropa que por aqui tem permanecido. Acompanhado de um empregado que segurava um enorme cesto cheio de pão fresco acabado de sair do forno. Ali mesmo no meio da estrada, começou a distribui-lo pelos soldados que o recebiam boquiabertos de espanto. Não poderia haver melhor recepção de boas vindas. Um verdadeiro luxo.

(Daqui em diante, sempre que mencionar esta personagem, designá-lo-ei pelo pseudónimo, M. Santos, para não suscitar quaisquer parecenças, com a figura pública actual que todos conhecem) (...)

(...) Quanto à nossa casa é esplêndida. Tem um grande quintal, com um poço no meio e uma larga extensão cimentada debaixo de um enorme alpendre, encostado à casa, sob o qual tomaremos as nossas refeições, quando tivermos aqui a nossa Messe. A casa é fresquíssima e dorme-se aqui muito bem, pois não tem mosquitos! Faltam apenas os móveis, mas temos cá um carpinteiro indígena muito habilidoso que já nos está a fornecer mesas e cadeiras. Camas temos duas de casal, uma em madeira, outra em ferro, emprestadas pelo M. Santos. Os sargentos estão a dormir em camas de ferro militares, que trouxemos. (...)

(...) Quanto à luz eléctrica, por enquanto não está montada, embora tenhamos um gerador trifásico de 220 Volts, movido por um motor a diesel. Só estamos à espera de arranjar fio para fazer a instalação por toda a aldeia. Contamos que lá para Janeiro se possam pôr de lado os Petromax e se pense até na possibilidade de sessões de cinema com uma máquina de projectar do Sr. M. Santos.

É uma excelente pessoa. Muito gordo, de bigodinho à brasileiro, mas sempre de boa disposição, irradiando simpatia na forma franca e directa com que trata toda a gente branca ou preta.


É o nosso Anjo da Guarda. Todos os dias manda cá o criado dele, o Demba, com uma garrafa de água filtrada e um termos com cubos de gelo, para que nunca nos falte água fresca no quarto. É um indivíduo que, mesmo aqui, longe da nossa civilização, não descura todos os pormenores de conforto para criar à sua volta um ambiente requintado e de um bom gosto que se julgaria inacreditável encontrar por estas paragens. 

Vive como um nababo indiano rodeado por uma família tranquila (a esposa e duas filhas) e que, pelo menos, aparenta a mais completa felicidade. Um verdadeiro achado que vim encontrar aqui neste fim do mundo mas, estou bem em crer, quase princípio do Paraíso.

Já começou a afluir gente vinda de todo o lado, até do Senegal, para se tratar no nosso posto clínico, pois a novidade de termos um médico na Companhia, depressa se espalhou. Aliás, a dois passos daqui, estão os nossos principais informadores, nas pessoas do chefe da polícia e outros funcionários administrativos da aldeia senegalesa nossa vizinha, com quem o nosso amigo M. Santos mantém fortes relações de interesses mútuos. São eles os primeiros a comunicar a presença de grupos armados que habitualmente passam por esta zona a caminho da região centro da Guiné, o Oio. Está até combinada uma jantarada em que eles serão nossos convidados. (...)

Pirada, 1 de dezembro de 1964


(...) Bafatá é uma vilória bastante razoável. Tem um clube que até dá cinema todos os dias. A energia eléctrica é fornecida por um gerador a diesel, um bocado velho e a luz está constantemente a ir abaixo. Mas é melhor que nada. Fui lá este fim-de-semana com o M. Santos e a família, e não deixei escapar a oportunidade de farejar um pouco de civilização.

Hoje também posso dizer:

- Olhem, sabem? No sábado fui ao cinema! Agora não são só vocês que me dizem isso em todas as cartas que me escrevem.

Por acaso até era um filme do Jerry Lewis, que já tinha visto, “Jerry, Primeiro Turista do Espaço”.

Jantámos em casa de um comerciante amigo do M. Santos e, no domingo, almoçámos em casa do Secretário da Administração, outro amigo dele e que, conforme vim a descobrir, depois, é de Viana! Falámos sobre a nossa terra, recordando os tempos em que andou no Liceu, que nessa altura seria ainda, evidentemente, o Liceu Velho.

Bajocunda, 8 de fevereiro de 1965

(...) Ontem, domingo, fui até Pirada, resolver alguns assuntos pendentes e aproveitei para rever os amigos que lá deixei, o M. Santos e a família, (...)

(...) O M. Santos, como sempre, faz questão em receber-me para jantar, o que eu nem me atrevo a recusar, tão maravilhosos são os jantares em casa dele.

Quando finalmente regressei a Bajocunda já passavam das 23h00, hora propícia para eles andarem por aí a preparar alguma emboscada… mas felizmente, por enquanto ainda não se resolveram.
Na noite anterior tinha também visitado, de jeep, algumas tabancas por aqui perto, para dar uma impressão de que estamos sempre vigilantes a qualquer hora do dia e que podem confiar na tropa para os proteger, caso venham a ser atacados por algum grupo armado que, vindo do Senegal, resolva fazer política de terra queimada para assustar as populações e levá-las a abandonar este território, que é o que esta gente mais teme.

Quem me sugeriu a ideia para esse passeio nocturno, e até me serviu de guia, foi um comerciante de Bajocunda, o Sr. António Costa. Muito alto e muito gordo, este indivíduo de raça negra é também um grande bonacheirão que gosta imenso de beber e de receber visitas mas que no entanto não chega aos calcanhares do M. Santos, lisboeta de gema, recém incluído nestas guerras por ter tido dificuldades financeiras na Metrópole, segundo se consta.  (...)

Bajocunda, 22 de fevereiro de  1965


(...) O M. Santos, por várias vezes já me mandou recado para ir lá [, a Pirada,]  comer uns camarões ou umas sardinhas assadas mas, obviamente, nem tenho podido. (...)


Bajocunda  1 de março de 1965


(...) Ontem à noite, antes de jantar, estivemos em Pirada, eu o Gabriel e o Inácio (outro alferes da mesmo Companhia de Cavalaria, que gradualmente se está a juntar a nós em Bajocunda). 

O M. Santos recebeu-nos com a habitual cortesia mas não conseguimos ficar lá muito tempo, pois o capitão começou a resmungar pelo facto de terem vindo todos os oficiais de Bajocunda, de maneira que, a contragosto, tivemos de vir embora. Aliás, desde que apanhou aquele susto na estrada Bajocunda-Canquelifá, o capitão nunca mais foi o mesmo. (...)


Pirada, 15 de março de 1965


Estou de novo em Pirada, onde me sinto como em casa. Foi um verdadeiro alívio deixar Bajocunda pois não consegui afeiçoar-me aquilo de maneira nenhuma. 

Isto aqui, em Pirada, é muito mais airoso, há muito mais população, a Messe é fora do quartel e tenho o meu amigo M. Santos que continua a ser uma excelente pessoa.

Bajocunda ficou entregue a uma Companhia de Cavalaria e nós ficámos apenas com Pirada e Paúnca. É muito menos trabalhoso. (...)


Pirada, 21 de março de 1965



Mais uma vez aqui estou a colocar, à pressa, a escrita em dia, à luz do Petromax, pois desta vez adiantaram o dia do Correio. Tenho de fazer serão para poder chegar a tempo. Mas não faz mal, amanhã só me levantarei lá para as dez da manhã.

Aqui dorme-se muito. Depois do almoço, dorme-se a sesta, quase sempre até às 4 da tarde. Depois quando há serviço para fazer, vamos até ao quartel. Quando não há, toma-se banho, jogamos o Ôri ou vamos a casa do M. Santos beber uns whiskies.

Autêntica vida de malandro! Quero dizer… de guerreiro! Porque de vez em quando também se vai para o mato a qualquer hora do dia ou da noite e fica-se por lá não importa quanto tempo, a dormir em que cama houver, ou mesmo até sem dormir!

E quando o Manel Jaquim [, o homem do cinema ambulante,]por cá aparece, lá tenho de pagar os bilhetes a uma data de gente muito simpática que me enche de mimos, interesseiros, claro!
-“Alfero Gérardis, bonito, boniiito… dimais!!!” – são os elogios que estou sempre a ouvir, por esta acção psico-social, actividade a que agora me dedico no intervalo das guerras. (...)

[Seleção, fixação, revisão de texto, e realces a negrito e a amarelo: LG]

(Continua)

 ______________

28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4875: Cartas (Carlos Geraldes) (4): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1964

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20673: Fotos à procura de... uma legenda (124): o meu pai era um homem que cumpria a lei que proibia armas de guerra a civis... A tal pistola metralhadora FBP deve ter-lhe sido emprestada por alguém para a pose fotográfica (Lucinda Aranha, escritora)




Guiné > s/l > s/d  > c. 1950/60 > O empresário de cinema Manuel Joaquim dos Prazeres, também caçador... Usava carabinas de caça, mas não armas de guerra... 

Fotos (e legenda): © Lucinda Aranha (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legemdagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagens (duas) da nossa amiga e grã-tabanqueira, escritora, filha do Manuel Joaquim dos Prazeres, o homem do cinema ambulante no nosso tempo, na Guiné, Lucinda Aranha, autora de uma biografia ficcionada do pai,  a que chamou "romance" ( "O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim"-Alcochete: Alfarroba, 2018, 165 pp.)


Sexta, 31/01/2020, 20:39:
Luís,

(i) Relativamente a armas de guerra, quer o Faxina quer o Daniel Levy nunca ouviram falar em tal, só lhe conhecem [, ao meu pai,] as armas descritas no meu livro. Ambos vão falar com grandes amigos do meu pai para confirmarem se alguma vez o viram com tais armas. Envio 2 fotos com a célebre carabina [, reproduzidas acima];

(ii) Envio a carta do Carlos Geraldes,  escrita a um cunhado meu antes de eu ser aceite como tabanqueira e o conto "O Dia de S. Cinema": naa altura abandonei a ideia deste meu último livro , tendo escrito então "No Reino das Orelhas de Burro" [, será publicado um poste aparte com esta carta e este conto do nosso saudoso Carlos Geraldes (1941-2012), de Viana do Castelo;

(iii) Envio a notícia do "Eco de Cabo Verde",  de 9 de Setembro de 1934, sobre a paragem do zepellin sobre Santiago, em 2 de Setembro , ou seja, no domingo anterior à saída deste número do jornal [, também a publicar em poste aparte];

(iv) Envio 3 fotos que penso serem de uma sessão de endoutrinação levada a cabo pelo exército e autoridades locais [, presunivelmente em "chão fula", talvez região de Gabu ou região de Bafatá]. Não consegui que ninguém soubesse exactamente do que se trata, mas como aparecem militares talvez no blogue descubram [, igualmente a publicar mais tarde].

Beijos, Lucinda

Sexta, 21 de fevereiro de 2020, 10:50
Luís,

A propósito da arma com que o meu pai aparece na fotografia do poste P20601 (*), consultei vários amigos. Falei com o Carlos Freitas que confirma ser uma G3 BP [, ou melhor, pistola  metralhadora FBP,  portuguesa, da Fábrica Braço de Prata]  mas nunca viu o meu pai com uma arma de guerra nem nunca ouviu falar em tal.  É sua opinião que lhe fora emprestada para a fltografia. 

O Pereira pensa o mesmo, acrescenta que tinha 2 carabinas de caça, uma com mira telescópica, uma delas italiana e Flaubert.

Diz ainda que o meu pai era um homem que cumpria a lei que proibia armas de guerra a civis. O Daniel Levy, o Faxina, o Peralta subscrevem a opinião de que a arma foi emprestada psra a fotografia. 

Quanto à máquina de projectar, o Pereira, que foi um dinamizador e membro da admnistração da UDIB, embora não ligado ao cinema, pensa que seria igual à da UDIB porque tinham um acordo, trocando filmes. 

Como te disse, o Carlos Geraldes fala nela e até ao momento é fonte única. Não sei se há algum espólio , embora duvide,

Sobre o clube mas já agora vou perguntar ao Tony Tckeca.

Já conseguiram alguma pista sobre as fotografias dos militares [, em sessão de "psico"]?

Saudades, Lucinda

2. Resposta do editor Luís Graça:

Lucinda, obrigado pelo teu empenho, dedicação e honestidade intelectual na tentativa de esclarecer a questão da arma de guerra que o teu empunha numa das fotos que publicaste no teu livro (*)...

Mss não se trata de uma G3, espingarda automática com que fizemos a guerra colonial, e equipou o exército português até há meses...Trata-se, sim, em princípio,  de uma pistola metralhadora FBP [, Fábrica Braço de Prata]. 

O que dizes sobre o assunto, recolhendo testemunhos de amigos dele, pode bater certo: seria um arma de algum administrador ou chefe de posto, emprestada ao teu pai para a fotografia... O exército usou pouco esta arma, a FBP (, a não ser logo no início em Angola...). Estava distribuída às forças militarizadas (PSP, etc.), incluindo possivelmente a polícia administrativa da Guiné (, uma hipótese a confirmar)...

Vou publicar os teus esclarecimentos, começando pela questão da arma de guerra... Em casa, em Lisboa, quando vinha de férias no tempo da chuva, o teu pai nunca vos falou de armas de guerra... Já tinhas confirmado isso. Então, a arma em questão podia bem ser de algum algum amigo, e ele tinha muitos entre os  administradores e chefes de posto, espalhados pelo mato... (**)

Quanto ao Carlos Geraldes, terá  um tratamento à parte, bem como as fotos dos militares que mandaste há 3 semanas atrás...  Por outro lado, gostava de saber se  tens alguma informação adicional sobre o comerciante Mário Soares [M. Santos, para o Carlos Geraldes), que vivia em Pirada ?... Ele era amigo do teu pai... Era um homem influente, com boas relações com o Senegal (e também com  os dois lados da guerra, as NT e o PAIGC)... Já li algures, que ele ficou inclusive mais um ou ano  dois na Guiné, após a independência... Vou fazer uns postes sobre ele, a partir do material (incluindo fotografias), de que dispomos...
______________


quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20606: Fotos à procura de... uma legenda (117): ainda a marca e o modelo da pistola-metralhadora do "Manel Djoquim", o homem do cinema ambulante que, mesmo em plena guerra, tinha fama de ir a todos os sítios...



Mapa da Guiné > s/d > c. 1975 > Povoações, assinaladas com um retãngulo onde o Manuel Joaquim dos Prazeres teria ido, uma ou mais vezes, com o seu cinema ambulante, ao longo de 3 décadas (entre 1943 e 1970). 

Perguntei à autora qual o "signifiacado" deste mapa da Guiné (, pós.independência, pela toponímia: Cachungo, Quebo, Gabu...). As principais povoações estão assinaladas com um retãngulo... A minha hipótese era  seren sítios por onde o "Nequinhas" tinha passado com a sua carrinha... Mas será que ele chegou mesmo a ir a Cabuca e a Madina do Boé ? Esta última parecia-me de todo improvável, no tempo da guerra... Até porque só particamente tropa e meia dúzia civis... A tropa não o deixaria lá ir... A estrada era um cemitério de viaturas destruídas por minas e emboscadas... Até Nova Lamego e daí até à fronteira norte (, Pirada, por ex.) ainda vá, até meados de 60...


Fonte: Adapt de Lucinda Aranha - O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim. Alcochete: Alfarroba, 2018, pp. inumeradas [6-7].



Guiné > s/l > s/d > c. 1960 > Não há dúvida que se trata de uma "arma de guerra" e não de caça, uma pistola-metralhadora, talvez a portuguesa FBP m/948 ou m/963... Era uma arma para "defesa pessoal"...  Uma situação que a família desconhecia. De qualquer modo, as opiniões divergem sobre a marca e o modelo da arma:  a portuguesa FBP, as americanas M3 e Thompson, a belga Vigneron, a israelita Uzi... Já foram aventadas várias hipóteses... De qualquer modo, as fotos disponíveis, a cores, do arquivo da família não deixam ver a totalidade da arma e a sua resolução é fraca...

Foto (e legenda): © Lucinda Aranha (2014) . Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Portugal > Caldas da Rainha > RI 5 > Janeiro de 1969 > Visita do então Presidente da República, Américo Tomás: na foto, passando revista a um guarda de ronda... Em primeiro plano, ao centro, o 1º cabo miliciano César Dias, membro da nossa Tabanca Grande, ex-fur  mil sap inf, CCS/ BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71). Os cabos milicianos, Morais e Dias, empunham pistolas metralhadores Uzi, de fabrico israelita.

Foto (e legenda): © César Dias (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Comentários dos nossos leitores:

(i) Valdemar Queiroz (*):

(...) Tanto a FBP, a Uzi e a Vigneron com o percutor fixo na cabeça da culatra facilmente disparavam 'sozinhas'. Acontecia várias vezes, com um simples bater com a coronha numa mesa, haver rajadas descontroladas.

Na guerra da Guiné, julgo que não eram utilizadas em operações e apenas seriam utilizadas em desfiles militares.
´
Parece que estas armas, de pequeno porte e munições derrubantes,  de 9 mm, eram mais utilizadas por forças da polícia. (...)

(ii) César Dias (*):

Nas Caldas [, no RI 5,] os Cabos Milicianos usaram a UZI na guarda de honra ao Presidente da República [, Américo Tomás], em Janeiro de 69, mas não me lembro do modelo.


(iii) Luís Graça:

Aparentemente não há registo do mais pequeno "incidente", na estrada ou nas tabancas, com a velho Ford do Manel Djoquim nem com a sua pessoa... O Ford ostentava, nas portas, um dístico pintado, "Cine-Guiné" (, segundo o testemunho de Carlos Geraldes, carta de Pirada, 3/1/1965) (**).

Será que este "tuga" conseguiu passar incólume pela guerra ? Mas, é bom lembrar, as minas e as emboscadas não tinham "código postal"...

Há, naturalmente, algumas lendas e alguns mitos criados à sua volta... A verdade é que ele só baixou às "boxes" em 1971... Deve ter percebido que o seu tempo estava a chegar ao fim... Mas é um caso absolutamente notável de coragem física, de determinação, de resiliência, de amor à Guiné... Por isso lhe chamo o "último africanista".

Segundo os testemunhos dos amigos seu tempo e dos registos da família, em cerca de três décadas,  dos anos 40 a princípios de 70, o Manuel Joaquim dos Prazeres teria batido  toda a Guiné, de Norte a Sul e de Oeste a Leste... No mapa (adaptado) que a Lucinda Aranha publica, no seu livro, os sítios assinalados  (com um retângulo) vão de Varela a Campeane,  de Caió a Cabuca, de Pirada a Buba, de Bambadinca a Mansabá, de Farim  a Madina do Boé...

O nosso saudoso Carlos Geraldes (1941-2012), que conheceu em Pirada, na véspera do Natal de 1964, escreveu sobre ele:

(...) "Conhecia todos os trilhos da Guiné e tratava quase toda a gente por tu, completamente à vontade e com a maior franqueza. Numa época de guerra como esta que estamos agora a travar, cheia de emboscadas, minas e selvajaria, nada parece deter este velho descendente dos conquistadores de antanho. Não há recanto nenhum da Guiné que ele não conheça e vai a sítios onde a tropa até tem medo de passar ao lado." (...)

O Carlos Geraldes, alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), não fala em nenhuma pistola-metralhadora, que o Manuel Joaquim  deve ter adquirido (, mas não sabemos como...) na altura o início da guerra... (Enfim, uma questão que a Lucinda Aranha nos prometeu elucidar, recrrendo à memória de amigos do pai, do tempo da Guiné,  que ainda estão vivos...).

Mas pode perguntar-se: qual então o significado da exibição de uma arma de guerra, uma pistola-metralhadora, que não servia para caçar ?  Era também uma "insígnia" que podia  ter várias leituras: para a PIDE e a tropa e para o PAIGC... mas também para os amigos e até para a família em Lisboa..


2.Perguntei à autora qual o "signifiacado" deste mapa da Guiné (, pós-independência, pela toponímia: Cachungo, Quebo, Gabu, Boé...). 

As principais povoações estão assinaladas com um retãngulo... A minha hipótese era  serem sítios por onde o "Nequinhas"(, nomi ho ternurento pelo qual era tratado no seio da família em Lisboa...)  tinha passado com a sua carrinha...

Mas será que ele chegou mesmo a ir a Cabuca e a Madina do Boé ? Esta última parecia-me de todo improvável, no tempo da guerra... Até porque havia só particamente tropa e meia dúzia civis, até à sua retirada em 6/2/1969...

A tropa não o deixaria lá ir a sítios como Madina do Boé... A estrada era um cemitério de viaturas destruídas por minas e emboscadas... Até Nova Lamego e daí até à fronteira norte (, Pirada, por ex.) ainda vá lá, até meados de 60... A questão é que este mapa não aparece no livro com  uma legenda apropriada...

Resposta da Lucinda Aranha (15/1/2020):

(...) Luís, não sei se o meu pai ia, durante a guerra colonial , às localidades que mencionas mas várias testemunhas me disseram que ele até dava cinema aos guerrilheiros e, sobretudo, tenho o testemunho dele próprio segundo o qual podia andar por toda a Guiné que ninguém lhe fazia mal. Inclusivamente enfurecia-se com as diculdades que o governo da Guiné, militares, até a Pide, lhe punham no sentido de parar a sua actividade.

Quanto ao mapa, reconheço que é bastante impreciso até porque, por lapso da editora, saiu sem a legenda e confesso que não me apercebi atempadamente. Por outro lado, tive muita dificuldade em encontrar um mapa mais consentâneo com a época. Desconhecia então que a Tabanca Grande tem um bom acervo de mapas,  como me disse o Carlos Vinhal.


Efectivamente, os rectângulos assinalam os lugares por onde o meu pai andou, embora vários amigos pessoais- o próprio genro do Esteves, o sr Pereira - me tenham afiançado que praticamente eu devia assinalar todas as localidades do mapa. Optei por assinalar apenas as que me apercebi, pelos vários testemunhos, que eram fiáveis. (...).



terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20602: Manuscrito(s) (Luís Graça) (178): Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o último africanista - Parte III

1. Notas de leitura:


Lucinda Aranha - O homem do cinema: a la Manel Djoquim i na bim. Alcochete: Alfarroba, 2018, 165 pp.


 Continuando a nossa leitura do "romance" ou "biografia ficcionada" do homem dos sete ofícios que foi o Manuel Joaquim dos Prazeres, que nasceu (1901) e morreu (1977) em Lisboa, mas cuja decorreu, em grande parte, em África, em Cabo Verde e na Guiné.(*)

A autora chama "romance" ao seu livro, em parte para contornar as dificuldades que é escrever sobre alguém que nos é tão próximo: o pai, a mãe, a ama, as irmãs, os amigos de casa... É mais simples dizer-se que é um conjunto de histórias de vida, que giram à  volta da figura do "africanista" Manel Djoquim, e das "matriarcas" da família, a Julinha, sua segunda esposa, e a "vovó Nené", a ama das filhas e depois cozinheira, vinda da Praia, Santiago, para Bolama e depois, já a seguir à II Guerra Mundial, para  a casa de Lisboa.

Nomes de figuras mais íntimas (irmãs, cunhados, amigos e seus descendentes...) foram em parte trocados, para evitar suscetibilidades. Mas a nós, aqui, o que nos interessa são as andanças, por terras da Guiné,  do "Manel Djoquim" (, como era conhecido o "homem do cinema", lembrou à autora nosso irmãozinho Cherno Baldé....).

Não vou dizer que é um "livro escrito a quatro mãos". mas tem, sem favor, algumas "dedadas" dos nossos amigos e camaradas da Guiné, do Valdemar Queiroz ao Carlos Geraldes, do Cherno Baldé ao Vital Suane (nomes, de resto, que são citados no livro, pelos seus contributos).

2. Um dos nossos camaradas que conheceu o "velho" Manel Djoquim foi o saudoso Carlos [Adrião]  Geraldes (1941-2012), ex-alf mil da CART 676 (Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66).  A Lucinda Aranha tentou contactá-lo quando estava a escrever o livro mas ele já tinha tendo morrido, em Viana do Castelo,  em 5 de janeiro de 2012, vítima de ataque cardíaco, aos 70 anos, conforme foi noticiado no nosso blogue (**).

O Carlos Geraldes é citado no livro,  a pp. 85, mas eu não encontrei essa crónica a que ele teria chamado "O dia de S. Cinema",  alegadamente publicada no nosso blogue e também em "O Aurora do Lima". Não encontrei essa, mas encontrou outra, que, espero, tenha sido do conhecimento prévio da Lucinda Aranha. Vamos aqui republicar a parte que nos interessa, em que o Geraldes conheceu, em carne e osso, o "Manel Jaquim", em Pirada, sempre ansiosamente esperado no mato, e de que lhe falavam tanto o chefe de posto coomo o comerciante "M. Santos" (, ou seja, o célebre Mário Soares, de Pirada, por muitos considerado um "agente duplo").  Trata-se de uma das suas cartas, datada de Pirada, 3 de janeiro de 1965, e que é um verdadeiro regalo literário:


Pirada, 03 Jan. 1965

(...) 
Mas, ah! É verdade! Também tivemos cinema por cá! Foi no dia antes da véspera de Natal.

De repente, precedido por uma multidão de miúdos em grande chinfrineira, apareceu na entrada da aldeia, uma grande carripana, um daqueles Ford-T, quase pré-histórico que, ostentava um pomposo dístico, pintado nas portas: “Cine-Guiné”. Ao volante, um velhote de chapéu à colonial na cabeça acompanhado por um negro.

Num abrir e fechar de olhos juntou-se uma pequena multidão que o saudava entusiasticamente enquanto ele estacionava aquela estranha traquitana mesmo no centro da aldeia. Imperturbável saiu e logo se dirigiu para uma das lojas comerciais onde parecia já ser esperado.

Era o Manel Jaquim, o famoso homem do cinema ambulante, de quem o M. Santos e o Chefe de Posto já tanto nos tinham falado que quase o considerávamos como uma personagem lendária.

Convidado a instalar-se em nossa casa, não se fez rogado, erguendo um leito de campanha, com o respectivo mosquiteiro, mesmo no meio do nosso quintal. Ao jantar, revelou-se um indivíduo muito patusco, conversador e filósofo. Apesar de já ter uma idade avançada [, 64 anos...], parecia irradiar uma impressionante força anímica.

Fiel ao velho estilo colonial, de largos calções de caqui azul-escuro, chapéu de cortiça, olhar felino, revelando uma sabedoria de velha raposa, o Manel Jaquim é um sobrevivente de outras eras e aventuras, ao estilo dos filmes de Tarzan e da macaca Cheeta, da nossa meninice.

Conhecia todos os trilhos da Guiné e tratava quase toda a gente por tu, completamente à vontade e com a maior franqueza. Numa época de guerra como esta que estamos agora a travar, cheia de emboscadas, minas e selvajaria, nada parece deter este velho descendente dos conquistadores de antanho. Não há recanto nenhum da Guiné que ele não conheça e vai a sítios onde a tropa até tem medo de passar ao lado.

Rápida e metodicamente montou a velha máquina de projectar de 16 mm, completamente portátil, relíquia que afirmou ter comprado aos americanos, como salvado da guerra do Pacífico e à qual dedica toda a atenção e carinho.  Aproveitando a largueza do nosso quintal, montou ali mesmo a sala de espectáculo, com um enorme lençol branco a fazer de ecrã (que chega para o formato Cinemascópio). 

A toda a volta do recinto colocou uma série de fios com lâmpadas eléctricas. A energia para tudo aquilo é fornecida por um pequeno, mas potente, gerador a gasóleo que também trazia com ele. Na entrada, pendurou meia dúzia de cartazes a anunciar a sessão de cinema para hoje, do Cine-Guiné. À noite o nosso quintal até parecia a Feira Popular.

Empoleirado em cima de uma enorme caixa que, também lhe servia de cofre, mestre Manel Jaquim, com uma impressionante carabina de caçar elefantes, pousada nos joelhos, começou a cobrar os bilhetes aos clientes que acorriam em massa.

Preços: 4$00 para os pretos; 10$00 para os soldados; 25$00 para os comerciantes e oficiais, mesmo para aqueles que, como nós, tinham emprestado o recinto. Cada qual providenciava o assento que lhe fosse mais cómodo ou sentavam-se mesmo no chão. Era engraçado observar a fila de clientes que se ia formando à porta do cinema, todos com os mais variados bancos e cadeiras à cabeça.

O filme, “Hércules e a Rainha ]da Lídia" [ 1959, com Steve Reeves], era mais um daqueles pastelões italianos sobre temas mitológicos mas que, curiosamente, faz sempre as delícias destas plateias, a quem o astuto Manel Jaquim procura contentar.

Apesar de a maioria dos espectadores ser analfabeta e também não perceber nada do que os actores diziam, inacreditavelmente todos pareciam entender a trama, não desviando os olhos ecrã, vibrando entusiasticamente com as proezas do grande herói da mitologia grega. [O filme pode ser visto aqui, legendado, em versão integral, no You Tube
. Sinopse: Hércules vai a Tebas para ajudar o Rei Édipo a encontrar uma saída democrática e decidir qual de seus filhos herdará o trono. Mas o herói bebe da "Fonte do Esquecimento" e perde a memória, ficando prisioneiro da perversa Rainha Ônfale, da Lídia.]
Quando veio o final, aplaudiram maravilhados. (...)

3. Ficamos a saber, pelo Carlos Geraldes, os preços de alguns bens de consumo corrente que se praticavam em Pirada, de acordo com a sua Carta de Pirada, 15 de outubro de 1964:

(...) "A carne de 1.ª é a 150$00 o quilo e as bananas, de excelente qualidade, custam 10$00 cada grupo de 4. As galinhas variam entre 10$00 e 15$00 cada e os cabritos 50$00." (...)

Não esconde, por outro lado, a sua admiração pelo comerciante Mário Soares, um homem "providencial" que resolve tudo e tem tudo, até uma máquina de projetar filmes chamar. Éo M. Santos, na correspondência publicada no blogue: "Daqui em diante, sempre que mencionar esta personagem, designá-lo-ei pelo pseudónimo, M. Santos, para não suscitar quaisquer parecenças, com a figura pública actual que todos conhecem." (****)

(Continua)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

24 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20588: Manuscrito(s) (Luís Graça) (177): Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o último africanista - Parte II

14 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20558: Manuscrito(s) (Luís Graça) (176): Manel Djoquim, o homem do cinema ambulante, o último africanista - Parte I

(**) Vd. poste de 3 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13022: Em busca de... (241): Fotos e histórias do cinema ao ar livre e do empresário Manuel Joaquim dos Prazeres, que deambulou pelo território entre 1943 e 1972 (Lucinda Aranha, filha e escritora)


(...) Em tempos, encontrei no vosso site umas crónicas escritas pelo Carlos Geraldes, uma das quais se intitula 'O Dia de S. Cinema'.

Entrei então em contacto com o Diamantino Pereira Monteiro que pôs o meu cunhado José Filipe Soares, que fez o serviço militar na Guiné, em contacto com o Geraldes. O caso é que sou filha do Manuel Joaquim, o personagem dessa crónica que tinha um cinema ambulante com o qual percorreu toda a Guiné entre 1943/70.

Era minha intenção escrever uma biografia do meu pai, projecto que então abandonei porque tinha entre mãos um outro livro que entretanto foi editado pela Colibri. Finalmente, a biografia do meu pai está praticamente acabada, mas não consigo resposta do Carlos Geraldes e também não o encontro como vosso seguidor. Faço-lhe, no entanto, referência no livro assim como ao vosso site. Espero não haver problema.

Também gostaria de poder contar com o vosso apoio, quaisquer informações, divulgação.

Muito obrigada,

Lucinda Aranha Antunes (...)


(***) Vd. poste de 3 de setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P4892: Cartas (Carlos Geraldes) (5): 2.ª Fase - Janeiro a Março de 1965

(****) Vd. poste de  28 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4875: Cartas (Carlos Geraldes) (4): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1964

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P9973: (Ex)citações (181): Revisitando as cartas do alf mil Carlos Geraldes (José Freitas, ex-fur mil minas e armadilhas, CART 676, Pirada, 1964/66)





Guiné > Região de Gabu > Pirada > CART 676 (1964/66) > O bom do senhor Barbosa, Chefe de Posto de Pirada na intrincada tarefa de fazer o recenseamento civil. Foto nº 59 do álbum de Carlos Geraldes (1941-2012).

Foto (e legenda): 
© Carlos Geraldes (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, Todos os direitos reservados.


1. Comentário de José Freitas, com data de 16 de maio último, ao poste P4980 (*):

Eu pertenci à mesma CART  676  (**) como o alferes Geraldo [sic]. Sou o José Guilherme  Teixeira da Silva Freitas,  furriel miliciano de minas e armadilhas,  e  confesso-me  muito surpreendido com as suas narrações. 


O Alferes Geraldes  conta muitas histórias com que eu não concordo. Só para dar um exemplo: eu é que ajudei com a tradução em francês várias vezes [, nos contatctos com as autoridades senegalesas]. Até ensinei aos  cabos que trabalhavam na secretaria com o 1º sargento,  na escola em  Pirada. 

Também fui eu que usei granadas ofensivas como armadilhas para  proteger os sargentos que moravam numa pequena casa fora do  aquartelamento, [em Pirada]. Fui também com o Capitão [Álvaro Santos Carvalho]  Seco e mais 15 soldados,  fomos num Unimog devido a informação recebida dum grupo terrorista e fomos  emboscados,  perdendo a viatura. Tivemos que desertar [sic] pois eles eram um grupo de 200,  pelo menos. 

O que li de você,  Alferes Geraldes,  é a SUA HISTÓRIA, mas há outros que tiveram uma importância também...

2. Comentário do editor:

Obrigado, José Freitas, nosso leitor e camarada, pela visita ao blogue e pelo comentário ao poste do Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66. Trata-se de um série, Cartas, que cobrem o período da vossa comissão de serviço (maio de 1964 a março de 1966), e de que se publicaram dez postes. Espero que os tenha lido todos (*).


Certamente por lapso de memória, você - que presumo viva no Brasil, não ? - começou por tratá-lo por Geraldo. O seu nome é Carlos Adrião Geraldes. Ou melhor, era: o Carlos já não está entre nós, faleceu de ataque cardíaco, em Viana do Castelo,  no princípio deste ano. Infelizmente ele já não poderá acrescentar mais nada ao que deixou escrito no nosso  blogue, e que é muito e é valioso. Às vezes quando lemos os escritos dos outros, "vemos a árvore mas não a floresta". 


De qualquer modo, o José Freitas fica desde já convidado a integrar o nosso blogue, bastando para tal mandar-nos duas fotos da praxe e contar-nos uma ou mais histórias, as suas histórias. O nosso blogue existe (desde há 8 anos), justamente por que todos fomos e somos  importantes. Todos, sem exceção. Você, o Carlos, eu, todos os camaradas de armas que passaram pelo TO da Guiné. (***)


Alguns camaradas nossos fizeram comentários elogiosos,  a propósito desta série epistolar, em que o Carlos Geraldes descreve, entre a ternura e a ironia, o seu quotidiano nos sítios do setor por onde passou (Pirada, Bajocunda, Paunca), as relações entre camaradas e as relações dos militares da CART 676 com os comerciantes e as autoridades locais... Alguns destes comentadores conhecem a região, por lá terem estado em data posterior à vossa saída. Aqui ficam uma seleção desses comentários:


(...) Uma série de altíssima qualidade, que, a meu ver, prestigia o blogue (Carlos Cordeiro, 16/9/2009);

(...)  A tua guerra está cheia de episódios fortes e delicados. Talvez esta chuvada possa serenar o ambiente, ademais a senhora já abalou. Quanto às libertinagens referidas, eram frequentes nos vinte aninhos, e punham a nú a fragilidade da NT. Acho eu que isso ainda vai acabar bem. Continua (José Manuel Diniz, 11/9/2009);

(...) Não há duvida que os nomes maçaricos e piriquitos se deve a duas espécies de pássaros muito comuns na Guiné, os maçaricos amarelos os periquitos verdes.
Mas a razão de a tropa portuguesa ser cognominada com esses termos. As madrinhas foram as nossas ex-lavandeiras que iam esperar os militares e oferecerem os seus préstimos de lavandeira. De tal modo a malta formada a preceito de farda amarela mais pareciam os tais bandos de maçaricos. Então elas diziam, 'jubi chegaram mais manga de maçaricos'. Mas eis que em mais uma nova chegada de militares mas todos de farda verde, surpresa total nas lavandeiras, 'jubi agora maçarico cá tem! Agora só manga de piriquito'. Se há outros motivos quem sou eu para discordar.
(José Colaço, 9/9/2009)

(...) Com que então sardinha assada? Como dizia o outro: ele há guerras... e guerras! Mas as descrições que fazes compensam com delícia as dificuldades passadas. Um Ford T? Outra maravilha só possibilitada em África. Aguardo os próximos episódios. (José Manuel Dinis, 3/9/2009)

(...) estive lendo o teu P4892 e quando falas de Bajocunda deixa-me uma grande alegria pelo tempo que lá estive se bem que com oito anos de diferença, mas o engraçado é que quando lá cheguei em Nov 73 havia três frigoroficos a petróleo um maior que os outros já não funcionava e se calhar era o mesmo que tu lá encontraste no dia 8 Fev 65. (Amílcar Ventura, 2/9/2009);


(...) Bela vida e boa descrição. Já não conheci Pirada com essa tranquilidade, mas sei que era assim, e que o Soares era homem-grande. Sei que, dessas cumplicidades, foi permitido viver com tranquilidade. E sei de uma senhora que se deslocava de Bajocunda usando um jeep. Ali vivia-se como em África, romântica, misteriosa, solidária.
Manda mais sff.
(José Manuel Dinis, 28/8/2009)

(...) Aqui o Carlos, por meio de períodos claros e sucintos, faz descrições muito interessantes sobre a saga da nossa tropa por matos e bolanhas da Guiné.  Quando pode ainda dá umas ferroadas, ora no regime, ora na estrutura repressiva. Não nos dignifica, mas retrata comportamentos de mal-amados.  Tem havido manifestações exageradas na defesa da honra no convento, mas para a história verdadeirq não podemos ignorar as nossas fraquezas e alguns comportamentos deploráveis.Os meus parabéns. (José Manuel Dinis, 25/8/2009) (...) Curiosamente ao ler os aerogramas que fui trocando com a familia, também sou levado a chegar à conclusão que a guerra da Guiné era um mar de rosas, mas era de tal maneira que nem os familiares acreditavam. Como nós haverá muitos camaradas que o fizeram. (César Dias, 14/8/2009)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4980: Cartas (Carlos Geraldes) (9): 2.ª Fase - Janeiro a Março de 1966


Vd. os restantes postes da série (no total são dez):


23 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4997: Cartas (Carlos Geraldes) (10): 2.ª Fase - Abril de 1966 - Epílogo - O Regresso

15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4958: Cartas (Carlos Geraldes) (8): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1965

10 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4933: Cartas (Carlos Geraldes) (7): 2.ª Fase - Julho a Setembro de 1965

7 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4916: Cartas (Carlos Geraldes) (6): 2.ª Fase - Abril a Junho de 1965

3 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4892: Cartas (Carlos Geraldes) (5): 2.ª Fase - Janeiro a Março de 1965

28 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4875: Cartas (Carlos Geraldes) (4): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1964

25 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4861: Cartas (Carlos Geraldes) (3): 1.ª Fase - Agosto e Setembro de 1964

21 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4848: Cartas (Carlos Geraldes) (2): 1.ª Fase - Maio a Julho de 1964

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4821: Cartas (Carlos Geraldes) (1): Apresentação e Prólogo


(**) CART 676:  Mobilizada pelo RAP 2. Partida: 8 de maio de 1964. Chegada: 27 de abril de 1966. Localização: Bissau, Pirada, Bissau. Comandante: Cap Art Álvaro Santos Carvalho Seco.

(***) Último poste da série > 30 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9965: (Ex)citações (180): Defendendo a honra do BCAV 8320/72, Bula, 1972/74, que foi acusado de rebelião, em agosto de 74, e cujo pessoal vai fazer sábado, dia 2 de junho, na Trofa, o seu XXVI Encontro anual (Zeca Pinto)