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sábado, 22 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22217: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte VI: ilha da Elefanta, Bombaim ou Mumbai , Índia, 2016








Índia > Bombaim > Ilha da Elefanta > Novembro de 2016

Texto e fotos: António Graça de Abreu (2016), recebidos em 10 do corrente


Continuação da série "Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo" (*), da autoria de António Graca de Abreu [, ex-alf mil, CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74.

Escritor e docente universitário, sinólogo (escialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; é autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); "globetrotter", viajante compulsivo com duas voltas em mundo, em cruzeiros.

É casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos dessa união, João e Pedro;  é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem 275 referências no blogue.



Ilha da Elefanta, Bombaim, Índia 

 

É de estarrecer a promiscuidade, a porcaria, a miséria em que esta gente vive mergulhada! Custa a crer. Mas que serenidade, que compostura, que dignidade generalizadas. 

 

Miguel Torga, Diário XV 

 

Novembro de 2016. 


Aí vou numa utilitária barca de Madeira para os vinte quilómetros desde o porto de Bombaim até à ilha da Elefanta. 


Chego. Cabras, vacas e macacos passeando-se nas entradas e nos socalcos da ilha, montões pestilentos de excrementos sagrados espalhados por tudo quanto é sítio. Mais acima, nas grutas suspensas em quinze séculos de obscuridade, estátuas delapidadas de Brahma, o criador, de Vishna, o preservador, de Shiva, o destruidor. Tudo Património da Humanidade, pela Unesco. Avançar pela mitologia hindu de que sei tão pouco. 


Sempre me fez confusão a mescla deliberada entre homens e deuses. Nós, pessoas inventadas pelos divinos seres, eles, os deuses, todos poderosos, criados pelo imaginário carente e necessário dos pobres povos da terra. 


Natália Correia (1923-1993), senhora de grandes poemas, que ainda tive a sorte de conhecer e de ter, ao de leve, como amiga, falava dos homens como sendo "um projecto falhado de Deus." Na Índia (ah, e também na nossa terra!) são grandes e pesadas as contas do rosário das imperfeições humanas. 


Caminho para o outro lado desta ilha da Elefanta, um monte de arvoredo e rochas rodeado pelo azul de dez mil centúrias. Aqui subsiste o recordar de pedras cinzeladas há meia dúzia de séculos na figura do paquiderme entretanto transferidas para jardins em Bombaim. Daí o nome do lugar que elefantes não tem. Em Cannon Hill, sobrevive, no entanto, uma velha bateria de canhões portugueses. Tudo o mais é passado, a limpar, a depurar no presente. 


Há quatrocentos anos atrás, à deriva por todos os oceanos, excelsas gentes da nossa "ditosa pátria", instaladas em Bombaim, por aqui disparavam para o mar e para o vazio. Hoje, no dilacerar da memória, no grito atenuado do entardecer, desaparecidos os elefantes, ouve-se ainda, esbatido nas ondas do Índico, o troar das bombardas. 


António Graça de Abreu

 

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Nota do editor:

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21307: Notas de leitura (1301): “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, coordenação de Maria Cardeira da Silva; edição do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Junho de 2017:

Queridos amigos,
Só vejo utilidade em apreciar os eventos e propostas do quadro ideológico da mística imperial colonial que se começou a urdir desde as primícias da organização do Estado Novo: a legislação, a divulgação pela Agência Geral das Colónias, a restruturação da Escola Superior Colonial, as exposições que atraíam grande público, em Lisboa e no Porto, a adesão formal às teses do luso-tropicalismo enquanto seguia o seu rumo imparável o Estatuto do Indigenato. Década de propaganda e de ofensiva diplomática, os regimes totalitários da Alemanha e de Itália reivindicam colónias, os governantes não tinham esquecido que britânicos e alemães, antes da I Guerra Mundial, tinham acordado em retalhar o império português, para seu proveito.
É nesta atmosfera que se deve estudar o primeiro cruzeiro de férias às colónias.

Um abraço do
Mário


Aquele cruzeiro de férias sob o signo da mística imperial colonial

Beja Santos

Dentre os estudos publicados em “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, com coordenação de Maria Cardeira da Silva, Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 ressalta uma leitura sobre o “Primeiro Cruzeiro de Férias às Colónias”. De que se trata, que importância se pode atribuir à iniciativa, nessa alvorada da mística imperial colonial? A 10 de Agosto de 1935 saiu do Cais da Fundição o paquete "Moçambique" com destino às colónias ocidentais. Levava no seu bojo 250 excursionistas, entre eles professores, estudantes, aristocratas e comerciantes, e como escreveu o então Ministro das Colónias, José Silvestre Ferreira Bossa “cheios de fé patriótica, vão por seus olhos conhecer a grandeza do nosso Ultramar”. Dois anos mais tarde, realizar-se-á o Primeiro Cruzeiro de Férias dos Estudantes da Colónias à Metrópole, transportando estudantes dos liceus de Angola e Moçambique ao Portugal Europeu, seguido de outro, que levou estudantes de Moçambique a Angola, e mais tarde chegariam ao cais da Nação os cruzeiros dos velhos colonos.


Pondere-se a contextualização ideológica, nacional e internacional. Erguiam-se vozes, mormente na Escola Superior Colonial para a promoção de viagens às colónias nacionais e estrangeiras, pedia-se sem tibieza que se fizessem essas viagens envolvendo professores e alunos, realizando-se conferências, elaborando-se relatórios. Augusto Cunha, escritor e humorista, diretor da revista "O Mundo Português", preparou cuidadosamente esta viagem de barco. Como observam as autoras do artigo, o tempo é de crise económica mundial, particularmente sentida nos territórios coloniais portugueses, produtores de matérias-primas. A Alemanha e a Itália mostram o seu apetite por mais territórios. Os ideólogos do Estado Novo apostam na preparação de gerações mais novas para a consolidação do ideal imperial. No campo ideológico do Estado Novo, com o "Acto Colonial" de 1930 e a "Carta Orgânica do Império Colonial Português" definira-se a missão civilizadora, e reconhecia-se a urgência de ultrapassar o “défice de colonização”, a metrópole e as colónias deviam formar uma “comunidade e solidariedade natural”. Salazar tinha um paladino na mística imperial, Armindo Monteiro, que sobraçara a pasta das Colónias entre 1931 e 1935. Concretizaram-se iniciativas já na perspetiva de dar ressonância a essa mística: em 1933, realizou-se a Conferência Imperial Colonial; em 1934, a I Exposição Colonial Portuguesa no Porto e o I Congresso de Intercâmbio Comercial com as Colónias. A Sociedade de Geografia de Lisboa passou a comemorar a semana das Colónias. O clímax da mística imperial será em 1940 a Exposição Mundial do Mundo Português. Escreve-se no Diário de Notícias de 1 de Agosto de 1935, a propósito do cruzeiro de férias: “É preciso, se queremos voltar a ser um grande povo, que cada português tenha dentro de si o panorama exato das suas possessões”. Marcello Caetano, o mestre orientador do cruzeiro referiu-se à campanha contra o Quinzinho, este era a imagem de um jovem sem caráter, o exatamente oposto ao que o Estado Novo pretendia ser como povo imperial: “As colónias, procuradas pelos melhores de cada geração no ânimo do trabalho, na esperança de construir um Novo Mundo, serão, como já começaram a ser nas campanhas da ocupação a escola na iniciativa, da energia e do carácter. O cruzeiro de férias também é uma campanha: a campanha contra o Quinzinho, a campanha pelo melhoramento moral e intelectual da mocidade portuguesa".

Marcello Caetano aparece assessorado pelos doutores Cardigos dos Reis e Orlando Ribeiro, que se encarregaram de um calendário apertado de cursos para os estudantes e conferências para os seus acompanhantes. Os cursos eram acompanhados de notas e pequenas publicações de apoio preparadas para o efeito. Os estudantes foram estimulados a participar num concurso literário e noutro fotográfico, sujeitos ao tema “O que ouviu em África”. Recordo que já aqui se fez referência ao que Ruy Cinatti escreveu sobre a passagem do cruzeiro na Guiné, exatamente em O Mundo Português.

Marcello Caetano comentará na época numa entrevista ao Diário da Manhã: “Em primeiro lugar vejamos o que o cruzeiro de férias significa nesta nova fase da política colonial. Não há ainda 50 anos a costa de África era o lugar negregado da expiação dos grandes crimes, um motivo dolente de fados da Mouraria: e eis que hoje parte um navio com ar festivo, uma boa parte do escol da mocidade portuguesa e até das camadas dirigentes do país. Os viajantes do cruzeiro são guiados por puro amor de Portugal de além-mar”. Anos depois, em 1958, Marcello Caetano escreverá: “ (…) seria curioso inventariar os estudantes que viajaram no cruzeiro, e ver o que deram na vida. Muitos, muitíssimos mesmo, voltaram ao Ultramar para aí fazerem a sua carreira. Perderam o medo a África ou deixaram-se seduzir por ela".

Há um outro dado do ambiente ideológico que não pode ser escamoteado: a atração sentida pelas teses do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, nomeado em 1938 como membro da Academia Portuguesa de História pelo próprio Salazar. Estas teses do luso-tropicalismo celebravam a miscigenação criada pelos portugueses, era uma fórmula do politicamente correto enquanto na prática vigorava o vigoroso regime do “indigenato”, ainda herdeiro do darwinismo social. Recorde-se ainda que este luso-tropicalismo era aclamado pela UNESCO como bom modelo das relações raciais. Entretanto, o movimento da descolonização começa a descolar e por toda a década de 1950 o quadro ideológico da mística imperial colonial vai-se desagregando, começara com a independência da Índia e da Indonésia, estendia-se agora a África, a um ritmo vertiginoso. E os jovens do cruzeiro de férias deram outros rumos às suas vidas.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21302: Notas de leitura (1300): “Castelos a Bombordo, Etnografias de Patrimónios Africanos e Memórias Portuguesas”, coordenação de Maria Cardeira da Silva; edição do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 16 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19686: Consultório militar do José Martins (41): As Últimas Campanhas na África Portuguesa (1961-1974): De Dados Oficiais a Dados Oficiosos (Parte I)

 1. Em mensagem de 3 de Abril de 2019, o nosso camarada e "consultor militar", José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70) enviou-nos um trabalho com dados sobre os números da guerra no que ao Exército diz respeito.

Para seguir com atenção neste e nos dois postes que se seguirão. 



(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19643: Consultório militar do José Martins (40): A primeira Unidade de Polícia Militar destacada para o Ultramar

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19138: Manucrito(s) (Luís Graça) (146): Tinha eu sete anos quando começou a guerra colonial, com a invasão e a ocupação dos "anexos" de Dadrá e Nagar-Aveli, Estado Português da Índia, em 22 de julho de 1954...




Mapa de Portugal Insular e Ultramarino. Porto: Editora Educação Nacional, [1939]. Excerto: Mapa de Damão, e enclaves de Dadrá e Nagar-Avelli.  Era usado na minha escola Conde de Ferreira, na Lourinhã.


Cartoon de Sant Ana. Diário de Lisboa, 28 de julho de 1954 (com a devida vénia ao autor e editor...): o 'Pandita' Nehru (1889-1964) lançando,com uma fisga, uma pedra ("Dadrá") à cara do gigante Vasco da Gama (Sines, 1469 — Cochim, Índia, 24 de dezembro de 1524), sob o olhar estupefacto do rei Sol... Convenhamos: não terá sido o primeiro "insulto", de parte a parte...

Em 1783, Nagar-Aveli foi cedida aos portugueses, como reparaçãp patrimonial,  pelo afundamento de um navio português pela marinha marata. Dois anos depois, em 1785, os portugueses  compram Dadrá, inserindo o novo território no Estado Português da Índia.(LG)







Diário de Lisboa, 28 de julho de 1954.


Citação:
(1954), "Diário de Lisboa", nº 11368, Ano 34, Quarta, 28 de Julho de 1954, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_19456 (2018-10-26)

(Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Fundo: Documentos Ruella Ramos)



1. A censura impediu a notícia da ocupação, por voluntários nacionalistas indianos, do enclave de Dadrá , a 22 de julho de 1954 (e não 14 de junho, como refere alguma da nossa historiografia militar...), pelo "United Front of Goans" [Frente Unida dos Goeses], liderada por Francisco Mascarenhas; são assassinados Aniceto do Rosário, o sub-inspetor do posto de polícia de Dadrá, e o soldado António Francisco Fernandes. (Aniceto Rosário,  herói desconhecido, de origem goesa, mascido em 1917, será depois condecorado a título póstumo com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; tem nome de rua em Lisboa.)

A 28 de julho, mais um punhado de nacionalistas [, do Exército Livre de Goa (Azad Gomantak Dal, AGD, liderado por Prabhakar Sinari) e da Organização Nacional dos Voluntários (Rashtriya Swayamsevak Sangh, RSS; liderada por Raja Wakankar)   cercaram Naroli e  neutralizam as escassas forças policiais que defendiam o território. Não havia forças do exército.

A polícia portuguesa, sob o comando do administrador Nagar-Aveli, o capitão Virgílio Fernandes Fidalgo, concentra-se em Silvassa, e resiste entre 2 e 8 de agosto. Com centena e meia de polícias e alguns voluntários, as forças portuguesas retiram para Khanvel. Encurralado, o capitão Fidalgo acaba por assinar a rendição das suas forças,  em Udva, a 11 de agosto de 1954, em troca da garantia de que os seus cento e cinquenta homens e os que haviam sido feito prisioneiros pelos indianos, pudessem chegar  até Damão, em segurança. Consuma-se a queda de Nagar-Aveli...

A 15 de agosto (, data com grande simbolismo para os indianos, já que comemora a independência da Índia em 1947, e que era desde 1858 a "joia da coroa" britânica), um grupo de "satyagrahis" ocupa temporariamente o forte de Tiracol, a norte de Goa.

Em 10 de agosto de 1954, Salazar dirigiu-se ao país, através dos microfones da Emissora Nacional, falando sobre Goa e a União Indiana.

Acrescente-se mais umas pitadas de história: o território de Nagar Aveli paasou a pertencer à coroa portuguesa, em 10 de junho de 1783. já no reinado de D. Maria I; na sequência do Tratado de Amizade celebrado em 17 dezembro de 1779, no reinado de Dom José I, e como reparação por danos causados à fragata portuguesa Santana pela marinnha do Império Marata, em 1772.   Dois anos depois, em 1785, é feita a compra de Dadrá.  A soberania portuguesa sobre estes "exclaves" de Damão, ereforça-se com a derrota do império marata, em 1818, infligida pelo exército britânico, na III Guerra Anglo-Marata. Entretanto, a Índia torna-se independente da Grã-Bretanha, em 1947, incorporando a nova república todos os territórios até então submetidos à coroa inglesa.  Os territórios franceses são integrados em 1954. Portugal era a última potência colonial na Índia, depois da Ingaterra, da Holanda e da França...


2. Entre 22 de julho e 11 de agosto de 1954 são invadidos e ocupados  os dois enclaves do Estado Português da Índia, situados a sudeste de Damão (também conhecidos como exclaves de Damão, no coração do Guzerate).

Os invasores pertenciam a diferentes grupos nacionalistas (, conhecidos por "satyagrahi", ou seja, reclamando-se dos princípios da resistência não-violenta de Gandhi, a "satyagraha"). Sabemos que beneficiaram da "proteção" das forças da União Indiana que cercavam os enclaves.

Estes acontecimentos podem considerar-se como o início da "guerra colonial" e do "fim do império"...Poucos portugueses ainda se lembram destes topónimos e menos ainda sabem do que é que se passou nestes territórios que faziam parte do mítico Portugal pluricontinental e plurarracional de que ia do Minho a Timor... 

Quando entrei para a escola primária, no ano letivo de 1954/55, ainda tive que decorar estes topónimos e saber apontá-los no mapa... E comecei a ver os meus vizinhos, mais velhos,  a partir para a Índia, "em defesa da Pátria".

(...) Havia o drama dos soldados  que partiam para as Índias,
Goa, Damão e Diu 
(sem os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli
que o “Pandita” Nehru  já nos tinha usurpado!),
de caqui e farda amarela e botas de polaina,
capacete de aço e mauser,
e as mães da rua dos Valados,
comprida, do cemitério ao largo das Aravessas,
que, desgrenhadas, roucas, histéricas,
rasgando véus e saias e arrancando cabelos, 
gritavam, imploravam, praguejavam e  até invetivavam Deus  e a santa da sua mãe, 
para que os dois (, juntos, sempre tinham mais força!),
velassem por eles, os seus meninos,
e os trouxessem de volta, sãos e salvos,
no veleiro de torna-viagem.(...)

In: Luís Graça - Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde.
Texto poético, inédito, 2005, c. 50 pp.


3. Recorde-se que em 11 de junho de 1953, Lisboa e Deli cortam relações diplomáticas. Nehru decreta, no final desse ano, o bloqueio económico aos territórios portugueses.  Não havia, por isso, nenhuma força militar em Dadrá e Nagar-Aveli.

Em 18 de dezembro de 1961, a União Indiana invade e ocupa militarmente os restantes territórios, Goa, Damão e Diu, com uma força caricatamente desmesurada (um exército de 45 homens; 1 porta-aviões, 1 cruzador, 3 contra-torpedeiro e 4 fragatas; 50 caças e bombardeiros). 36 horas foi o suficiente para pôr um fim à presença histórica dos portugueses, no subcontinente indiano, desde 1492, o ano da chegada de Vasco da Gana à Índia.

Em 1955, Portugal tornara-se membro da ONU e logo vai interpor recurso, ao Tribunal Internacional de Haia, com vista a recuperar os territórios de Dadrá e Nagar-Aveli. A sentença,  lavrada cinco anos depois, em 1960, é "salomónica": condena como ilegal a invasão, reconhece a soberania portuguesa sobre os territórios de Dadrá e Nagar-Aveli, mas a União Indiana tem todo o direito... de impedir qualquer acesso (de pessoas e bens) aos enclaves... 

Na Assembleia Geral das Nações Unidas, Portugal começa a ser cada vez mais um país internacionalmente isolado... A intransigência de Salazar (ou a sua incapacidade em negociar uma solução historicamente honrosa com a União Indiana) vai desembocar no "orgulhosamente sós" e na guerra colonial...

 O recrudescer da guerra fria e o peso do movimento dos não-alinhados, a par do apoio da União Soviética e da "neutralidade" da administração Kennedy e do Vaticano, ajudam também a explicar e compreender o desastre (anunciado) de 18 de dezembro de 1961.

Alguns dos meus vizinhos e parentes da Lourinhã ficaram lá prisioneiros, cinco meses, juntamente com mais 3300 camaradas.  Menos de oito anos depois, em 24 de maio de 1969, eu partiria no T/T Niassa (com o Jerónimo de Sousa, hoje líder do PCP, e tantos outros camaradas que ficaram anónimos...) para a Guiné, em missão de soberania... LG

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Fontes consultadas:

Filipa Alexandra Carvalho Sousa Lopes - As vozes da oposição ao Estado Novo e a questão de Goa.
Porto: Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 2017 (Tese de doutoramento em Ciências da História, 432 pp, disponível em Repositório Aberto da Universidade do Porto, FLUP - Faculdade de Letras, FLUP - Tese : http://hdl.handle.net/10216/108453)


E ainda "Ìndia, Estado da", in: Dicionário de História de Portugal (coord. António Barreto e Maria Filomena Mónica), vol VIII, Suplemento F/O, Lisboa: Livraria Figueirinhas,1999, pp. 255-261,

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Nota do editor:

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18741: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXVI: Bombaim ou Mumbai, Índia: De Catarina de Braganca a Mahatma Gandhi


Foto nº 1 > Mahatma Gandhi (1869-1948) 


Foto nº 2 > As grandes lavandarias artesanais


Foto nº 3 >  Hotel Taj Mahal, construído em 1903.


Foto nº 4 > Esculturas e baixos relevos da Ilha Elefanta

Índia > Bombaím  > 20-21 de novembro de 2016 >  

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Goa, Índia, 18 de novembro de 2016 (pp. 7-12, da terceira e última Parte)

Bombaim ou Mumbai, Índia 

Se a memória não me atraiçoa e se fiz a pesquisa certa, Bombaim foi cidade governada pelos portugueses desde 1534 até 1661 quando Catarina de Bragança, filha de D. João IV, irmã de D. Afonso VI e D. Pedro II, casou com Carlos II de Inglaterra e as cidades de Tânger e Bombaim, “com todas as suas pertenças e senhorios”, fizeram parte do dote da princesa e foram cedidas aos ingleses. 

Portugal precisava do apoio da coroa britânica nas lutas contra os espanhóis pela restauração da independência e, para isso, nada melhor do que um casamento real entre os dois reinos, com um valioso dote a oferecer ao monarca de Londres. A ida para Inglaterra da não muito bonita Catarina de Bragança teve, como iremos ver, implicações surpreendentes na história do mundo. Os ingleses aproveitaram o novo estabelecimento de Bombaim para estender o seu poderio e influência a mais territórios na Índia e, associado à ida da rainha Catarina para Londres, estendeu-se na sociedade inglesa, o hábito de beber chá, costume da princesa portuguesa. 

O chá era, na época, planta e bebida praticamente desconhecida nas ilhas britânicas. A partir de então, os ingleses passaram a viajar nos seus navios até Macau e a aproveitar os ancoradouros na ilha da Taipa, subindo depois até às províncias de Guangdong e Fujian onde carregavam as naus com caixas e caixas de chá, a preciosa bebida perfumada, apenas existente e cultivada no centro e sul da China. O comércio do chá cresceu de tal maneira que, a partir de finais do século XVIII, os britânicos necessitaram de despender elevadas maquias para pagar o chá aos mercadores chineses. Descobriram então um negócio altamente rentável, a troca de chá por ópio. 

Desde a Índia, cultivado sobretudo na região de Calcutá, mas também na zona de Bombaim e até na Turquia, o anfião ou ópio seguia para a China às toneladas em velozes veleiros. Embora ilegal, o comércio do ópio prosperou de tal modo que, no início do século XIX, se fizeram grandes fortunas, mesmo entre alguns portugueses de Macau. O vício de fumar ópio era um cancro que alastrava no mundo chinês. Em 1838, Lin Zhexu, governador de Guangdong resolveu acabar com a calamidade e proibiu a troca do ópio pelo chá no porto de Cantão. Milhares de caixas com ópio foram arrancadas dos navios de Sua Majestade, a rainha Vitória, e lançadas às águas do rio das Pérolas.

A Inglaterra, ofendida, queria continuar livremente os seus negócios no Império do Meio e declarou guerra à China. Enviou 16 fragatas de guerra com milhares e milhares de soldados, bem armados e equipados que rapidamente desbarataram a incipiente marinha chinesa e as ridículas defesas de costa. Em 1842 era assinado o tratado de paz de Nanquim que, entre outras humilhações, obrigava os derrotados chineses a ceder à Inglaterra um grande porto de mar e uma fabulosa cidade que nascia e crescia, chamada Hong Kong. 

Será que Bombaim, a introdução em Inglaterra do hábito de se beber chá, a fixação dos britânicos por terras da Índia, o comércio do ópio, Macau, a guerra, a fundação de Hong Kong, têm algo a ver D. Catarina de Bragança, princesa de Portugal, rainha de Inglaterra?

A prosa já vai longa e ainda não entrámos em Bombaim, ou Mumbay, assim denominada nos últimos anos do século XX.

O nome Bombaim terá origem no português “bom baía”, língua franca falada nas partes da Ásia, nos séculos XVI e XVII. Em 1995, os indianos decidiram abandonar o nome “colonialista” de Bombaim e passaram a chamar-lhe Mumbay, em honra de Mumba, uma divindade local venerada pelos primeiros habitantes da região.

Em 1900, a cidade contava já com um milhão de habitantes e hoje serão vinte e dois milhões os indianos conglomerados numa das maiores metrópoles do globo. As cidades grandes sempre me assustaram e Bombaim é, de certeza, lugar de rápida passagem para outras paragens, mas que valerá todas as penas conhecer. São muitos os edifícios catalogados como Património Mundial pela Unesco, sobretudo os que correspondem à herança colonial britânica.

Trata-se de grandes construções de finais do século XIX, no estilo vitoriano [Vd. foto ao lado], com alguns elementos de arquitectura hindu como a fachada da estação ferroviária, o museu do Príncipe de Gales, a Biblioteca Asiática, o Palácio da Justiça. Na estadia de dois dias em Bombaim, deu para ver do lado de fora e tirar fotografias.

No templo hindu de Sir Sir Radha Gopinath -- dedicado a Krishna, uma espécie de deus da amizade e do amor --, perdi-me na contemplação das paredes de mármore trabalhadas como se de filigrana se tratasse, e no passear dos olhos pelas muitas divindades espalhadas por altares, emolduradas em paredes, algumas numa saudação ao viandante de passagem. Com todo o respeito pela mitologia hindu, pela crença de cada um, recordei palavras do meu poeta chinês Bai Juyi (772-846), -- a quem chamo “meu” porque lhe traduzi 202 poemas para língua portuguesa --: “As criaturas não são divinas por conta própria, são os crentes que as fazem divinas.”[1] Se diante do bom Buda sou capaz de baixar levemente a cabeça e de entoar em silêncio uma pequena prece, estas divindades do hinduísmo deixam-me parado e distante. No entanto dizem-me que, com os cânticos de “hare Kishna, hare Krishna!” se limpam as impurezas da alma.

Com sumo prazer fui ao encontro da residência de Mahatma Gandhi (1869-1948) [Foto nº 1 ] esse grande senhor da História recente da Índia que habitou esta casa entre 1917 e 1934 e que lutou, até todos os limites da sua complexa vida, pela independência da pátria e pela fraternidade entre todos os indianos, pela igualdade e pela não violência. O combate não foi em vão, mas hoje, com um distanciamento de setenta anos – Gandhi foi assassinado em 1948 --, será mais fácil entender que o legado do excelente Mahatma ainda está em grande parte por cumprir. Na China existe um provérbio que diz mais ou menos o seguinte: “Mudam as montanhas e os rios, não muda a natureza dos homens.”

Na grande ronda por Bombaim, paragem para mais fotografias nas grandes lavandarias artesanais a céu aberto, um dos atractivos turísticos da cidade. Entre o muito lixo que atravanca quase tudo quanto é espaço nesta terra, as pobres mas enormes lavandarias correspondem a um oásis de limpeza e de brancura, mesmo quando os lençóis mal lavados são vermelhos ou azuis.[Foto nº 2]

Mais um dia na cidade e hoje é tempo de saída para a ilha da Elefanta.

Antes, em frente do pequeno cais de embarque onde pontifica a Porta da Índia concluída em 1924 -- um pórtico sob o qual passavam os altos dignitários ingleses na sua chegada ao território indiano --, uma ida rápida, logo ali ao lado, ao clássico Hotel Taj Mahal, construído em 1903.[Foto nº 3].
Foi alvo de um ataque de terroristas islâmicos, em 2008, que provocou quase quarenta mortos. Rapidamente reaberto, é um excelente cinco estrelas no centro da histórica Bombaim, a funcionar em pleno embora rodeado de extremas barreiras de segurança. Entrámos, sujeitos a um exaustivo controlo, mas dentro o hotel é soberbamente luxuoso, os quartos, os interiores, as lojas, a piscina. Estou convencidíssimo de que voltarei aqui numa próxima reencarnação, homem rico, jovem e bem apessoado.

Vamos então até à ilha da Elefanta que tem outras histórias para contar. Embarcamos numa lancha grande, em madeira, com dois andares, que nos vai levar durante quase uma hora de viagem até uma pequena ilha plantada no mar, aí a uns 15 quilómetros de Bombaim. Chama-se Elefanta porque os portugueses que por aqui andaram, descobriram na ilha, logo no século XVI, uma grande elefanta em pedra, junto de umas tantas grutas, onde haviam sido gravadas na rocha um conjunto de impressionantes figuras e estátuas associadas à mitologia hindu. Em 1864, a elefanta foi cortada e desmontada pelos ingleses e transportada para os Victoria Gardens, em Bombaim. Novamente montada, ainda hoje se encontra nesse jardim.

Na ilha da Elefanta, desembarcamos entre molhadas e molhadas de turistas indianos, num pontão onde impera a imundície. Há vacas, cabras, e até muitos macacos, a passear calma e sorrateiramente pelos caminhos de entrada na ilha, pelo meio das variegadas gentes acabadas de chegar. Os animais, nossos amigos, deixam montões pestilentos de dejectos e excrementos por tudo quanto é sítio. Há quem goste. Estamos na Índia.

Para chegar às grutas, Património Mundial pela Unesco desde 1987, temos um comboinho e depois uma longa escadaria, ladeada de lojas e bancadas, onde se vende de tudo o que eventualmente poderá interessar ao turista. Lá em cima, as diferentes grutas foram escavadas na pedra entre os séculos V e VIII e albergam dezenas e dezenas de esculturas de grande e média dimensão, sobretudo associadas à deusa Shiva. O baixo-relevo mais interessante será uma deusa de três faces, sendo a do meio, a de Brahma, o criador, e as laterais, a de Vishnu, o preservador, e a de Shiva, o destruidor. Tudo rodeado por mais umas tantas estátuas de assessores das divindades.[Foto nº 4]..

Apesar de ter comprado um livrinho em inglês com explicações sobre as grutas e os seus deuses, permaneço algo baralhado diante da complexa história das figuras da mitologia hindu. Reconheço a extraordinária qualidade destas esculturas e baixos relevos, infelizmente bastante delapidados pela impiedosa passagens dos séculos. Os indianos dizem que parte da destruição das esculturas tem a ver com os portugueses que, nos séculos XVII e XVIII, usavam o lugar como carreira de tiro e as estátuas como alvo, para acertar e aferir a pontaria de arcabuzes e espingardas. Não sei será é verdade, mas tudo é possível.

A fechar a visita à ilha da Elefanta, nada melhor do que subir pela outra colina, aolado, ao encontro da Cannon Hill. Leio que os canhões existentes lá em cima foram deixados pelos nossos compatriotas, quando abandonámos a ilha em meados do século XVIII. Apoiados em plataformas circulares, tinham um campo de acção de 360 graus e deviam ser armas temíveis para a defesa e segurança dos poucos portugueses ainda residentes do lugar. Hoje, os canhões de Cannon Hill não são antigos, parecem peças de artilharia já fabricadas no século XX. Mas dá para recordar o imenso receio que, durante trezentos anos, as desvairadas gentes da nossa ditosa pátria provocaram nos diversos povos da Índia.

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Nota do autor:

[1] Poemas de Bai Juyi, trad. António Graça de Abreu, Macau, IC. Macau, 1991, pag. 33.


1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias" (*)

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimamos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím (20 e 21 de novembro de 2016).
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de maio de  2018 > Guiné 61/74 - P18671: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Goa, Índia: "um adeus no entardecer dos dias, e uma lágrima, para sempre"...

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18671: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXV: Goa, Índia: "um adeus no entardecer dos dias, e uma lágrima, para sempre"...


Índia > Goa > Velha Goa > A basílica do Bom Jesus

[A Basílica do Bom Jesus (em concani Borea Jezuchi Bajilika) é uma Basílica Menor, situado em Goa Velha, na Índia. É uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo e faz parte do conjunto arquitetônico de Igrejas e Conventos de Goa, Patrimônio da Humanidade pela Unesco, sendo um dos melhores exemplos da arquitetura de origem europeia no país. Foi construída entre 1594 e 1605, uma obra considerada rápida para os padrões da época (...) Em seu interior repousa o corpo de São Francisco Xavier, considerado O Apóstolo do Oriente.] (Fonte: Wkipedia > Basílica do Bom Jesus)



Índia > Goa > 18 de novembro de 2016  > O nosso camarada Antónioo Graça de Abreu e a esposa, na piscina do hotel


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Goa, Índia, 18 de novembro de 2016 (pp. 5-6, da terceira e última Parte)


Goa, Índia


Goa, um pé em Mormugão,
todo o olhar em Vasco da Gama.

Goa, do velho Afonso de Albuquerque,
espadeirando pelas costas do Malabar,
na aventura insana de conquistar o Oriente.

Goa, dos grandes vice-reis e senhores de outrora,
hoje em lápides enegrecidas pelo tempo.

Goa, de Bardez a Salsete, o pó resplandecente da fé,
e sinuosos silêncios.

Goa, de cem mil cruzes diante de cem mil lares,
braços de Cristo abertos para o mundo,
cemitérios de cristãos unindo céu e terra.

Goa, uma Roma Oriental cintilando na basílica do Bom Jesus,
cinco séculos a acastanhar a pedra,
e São Francisco Xavier, benfazejo e amigo,
num túmulo de prata, pedrarias e cristal.

Goa, da velhíssima Sé Catedral,
maior igreja da Ásia, imaculadamente branca,
no altar-mor, dois jovens, mais uns tantos amigos,
todos humildemente descalços,
um casamento em língua portuguesa.

Goa, da igreja de S. Caetano,
semelhante à basílica de S. Pedro,
para enlevar corações, levá-los a Roma
ou talvez ao paraíso.

Goa, da orgulhosa Pangim,
do bairro colonial das Fontaínhas,
onde se baila o corridinho,
e um cônsul português sorri e dança.

Goa, de especiarias e perfumes,
na carregação das naus,
para inebriar os dias e as noites.

Goa, da doce e formosa Manteigui,
nas palavras de Bocage “puta rafada”,
cujos “meigos olhos, que a foder ensinam
até nos dedos dos pés tesões acendem”.

Goa, dos breves companheiros de jornada,
o André, o Edgar, a Maria, o Reis,
dos Gomes Market, do Faria Heaven, do Santosh Garage,
tantos ramos florescendo da cepa lusitana
entretecidos pelo perpassar dos séculos.

Goa, das últimas famílias indo-portuguesas
entrecruzando sangue e afectos,
laboriosas gentes nas confusões do presente,
com as pedras e o coração no passado, construindo o futuro.

Goa, dos fortes de Tiracol ou da Aguada,
velhos canhões, há séculos disparando pedaços de nada,
para a águas do Mandovi e do vazio,
e um velho farol, o primeiro iluminando os mares da Ásia.

Goa indiana, pois claro,
com templos hindus para venerar os deuses,
Shiva, Brama, Vishnu, Krishna,
e pequenas divindades descansando no fundo do vale,
no recato sombreado dos palmares.

Goa, das praias de infindáveis areias,
Calangute, Dona Paula, ou Benaulim,
para humedecer o corpo e respirar o sol.


Goa, um adeus no entardecer dos dias,
e uma lágrima, para sempre. 



1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.


2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias"

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimanos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;


(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estão em Goa, seguindo depois para Bombaím.

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Nota do editor:

sábado, 19 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18653: Consultório militar do José Martins (37): Monumento aos Combatentes de Vila Chã da Beira

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 4 de Maio de 2018:

Boa noite
Foi amor à primeira vista pelo monumento datado de 1965. Foi só reunir os elementos e aqui vai um pequeno texto.
Temos de convidar o camarada a fazer parte do blogue. Há necessidade de novos elementos e novas histórias. Atrás de um, outros virão.

Bom fim de semana.
Zé Martins


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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18618: Consultório militar do José Martins (36): Registo Militar de Henrique Pedro Daniel de Duarte Silva Y Aranda

quinta-feira, 17 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18643: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIV: Cochim, Índia, 17 de novembro de 2016...cinco séculos depois de Pedro Álvares Cabral ter aqui aportado, com 4 navios


Foto nº 5 > Índia > 17 de novembro de 2016 >  Cochim > o  autor e a esposa. junto à catedral-basílica de Santa Cruz


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. Continuação da publicação das crónicas da "viagem à volta ao mundo em 100 dias" [3 meses e oito dias], do nosso camarada António Graça de Abreu-

Escritor, poeta, sinólogo, ex-alf mil SGE, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com mais de 200 referências, é casado com a médica chinesa Hai Yuan, natural de Xangai, e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais.

2. Sinopse da série "Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias"

(i) neste cruzeiro à volta do mundo, o nosso camarada e a sua esposa partiram do porto de Barcelona em 1 de setembro de 2016; [não sabemos quanto despenderam, mas o "barco do amor" deve-lhes cobrado uma nota preta: c. 40 mil euros, no mínimo, estimanos nós];

(ii) três semanas depois de o navio italiano "Costa Luminosa", com quase três centenas de metros de comprimento, sair do Mediterrâneo e atravessar o Atlântico, estava no Pacífico, e mais concretamente no Oceano Pacífico, na Costa Rica (21/9/2016) e na Guatemala (24/9/2017), e depois no México (26/9/2017);

(iii) na II etapa da "viagem de volta ao mundo em 100 dias", com um mês de cruzeiro (a primeira parte terá sido "a menos interessante", diz-nos o escritor), o "Costa Luminosa" chega aos EUA, à costa da Califórnia: San Diego e San Pedro (30/9/2016), Long Beach (1/10/2016), Los Angeles (30/9/2016) e São Francisco (3/4/10/2017); no dia 9, está em Honolulu, Hawai, território norte-americano; navega agora em pleno Oceano Pacífico, a caminho da Polinésia, onde há algumas das mais belas ilhas do mundo;

(iv) um mês e meio do início do cruzeiro, em Barcelona, o "Costa Luminosa" atraca no porto de Pago Pago, capital da Samoa Americana, ilha de Tutuila, Polinésia, em 15/10/2016;

(v) seguem-se depois as ilhas Tonga;

(vi) visita a Auckland, Nova Zelândia, em 20/10/2016;

(vii) volta pela Austrália: Sidney, a capital, e as Montanhas Azuis (24-26 de outubro de 2016);

(viii) o navio "Costa Luminosa" chega, pela manhã de 29710/2016, à cidade de Melbourne, Austrália;

(ix) visita à Austrália Ocidental, enquanto o navio segue depois para Singapura; o Graça de Abreu e esposa alugam um carro e percorrem grande parte da costa seguindo depois em 8 de novembro, de avião para Singapura, e voltando a "apanhar" o seu barco do amor...

(x) de 8 a 10 de novembro. o casal está de visita a Singapura, seguindo depois o cruzeiro para Kuala Lumpur, Malásia (11 de novembro);

(xi) Phuket, Tailândia (12-13 de novembro);

(xii) Colombo, capitão do Sri Lanka ou Ceilão ou Trapobana (segundo os "Lusíadas", de Luís de Camões. I, 1), em 15-16 de novembro. de 2016;

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;

(xiii) na III (e última) parte da viagem, Graça de Abreu e a esposa estão, a 17 de novembro de 2016, em Cochim, na Índia, e descobrem a cada passo vestígios da presença portuguesa; a 18, estarão em Goa.

3. Viagem de volta ao mundo em 100 dias > Índia, Cochim, 17 de novembro de 2016 (pp. 1-5 I e última Parte)

Cochim, Índia

A Índia de Mahatma Gandhi, de Nehru, dos nossos Afonso de Albuquerque e Vasco da Gama, na imensa lista de países que faltava conhecer.

Arribo a Cochim, tenho dois dias de estadia e decido perder-me pela velha Kochi (Cochim) associada a uma vetusta presença portuguesa. Foi Pedro Álvares Cabral o primeiro português, com quatro navios, a aportar a Cochim, em Dezembro de 1500. Após ter chegado ao Brasil em Abril do mesmo ano, as naus de Cabral continuaram viagem para Oriente pelo Cabo da Boa Esperança e pelo Índico, só tendo regressado a Portugal em Junho de 1501.

Cochim era já então um importante porto de mar e a missão de Pedro Álvares Cabral, para além da descoberta oficial do Brasil, tinha também a ver com o reconhecimento das terras da velha Índia. Logo depois, em nova viagem, Vasco da Gama desembarcou em Cochim e, em 1504, Afonso de Albuquerque aqui arribou tendo mandado construir uma fortaleza de que resta hoje apenas um pequeno troço amuralhado debruçado sobre o mar.

Éramos os indomáveis, destemidos e pouco ajuizados lusitanos de quinhentos. Com a inevitável decadência portuguesa pelo Oriente, Cochim acabou por passar para a posse dos holandeses em 1663 e mais tarde, a partir de 1795, seriam os ingleses os senhores do lugar.

Segui para a parte histórica de Cochim após discutir o preço da corrida com um dos muitos condutores de tuk-tuk que esperavam os turistas à saída do Costa. Paguei dois dólares por cerca de quinze quilómetros de caminho, com a premissa de primeiro ser levado a uma loja onde estive quase a comprar um belíssimo elefante em prata. Pediram-me 500 dólares US, ofereci 200, o preço desceu até aos 350, insisti nos 200, e o elefante ficou com o mercador de Cochim



Foto nº 1

Chego a Fort Kochi, a verdadeira Cochim antiga. Tudo casas baixinhas, de um ou dois pisos, algumas em arquitectura colonial muito elaborada [Fotos nº 1 e 2]. O restaurante “Oceanos” anuncia Portuguese Cuisine, Indo-Portuguese Cuisine, Old Fashion Christian Cuisine. São dez da manhã, não dá para almoçar ou jantar, mas que delícias gastronómicas se esconderão na cozinha deste restaurante?

Foto  nº 2 



Foto nº 3


Entro numa escola primária, católica, dirigida por freiras. As duas salas de aula têm as portas abertas para os rapazes verem os turistas estrangeiros, e vice-versa.

São só miúdos, de rosto aberto e bem disposto, vestem todos de igual, umas camisas aos quadrados vermelhos, brancos e pretos e saúdam-nos alegremente num inglês macarrónico. [Foto nº 3]



Foto nº 4

Logo adiante encontro as salas das raparigas, separadas do sexo masculino, que estão na hora de saída e usam um uniforme em vermelho e azul. [Foto nº 4]

 São bonitas estas crianças indianas, quase todas elas, dizem-me, de famílias católicas há muitas gerações. Em Montancherry, aqui ao lado, haveria de encontrar ao longo da estrada algumas igrejas e cemitérios cristãos e uma ou outra loja, ou casa, com os nomes Sylva, D’Cruz, Fernandes. Serão os descendentes dos soldados e casados portugueses dos séculos XVI e XVII que guarneciam as fortalezas e entrepostos junto ao mar, iam ficando por estes lugares, misturando-se com mulheres indianas ou até, mais raramente, de casamentos com as chamadas “órfãs d’el rei”, mulheres pobres portuguesas, filhas de soldados mortos nos muitos combates da época, ou senhoras de moral algo duvidosa, enviadas para a Índia para casarem até, se possível, com um nobre indiano, e constituírem família. Deixaram filhos, netos, etc., que hoje, creio, ainda com algum orgulho, usam o nome do tetravô lusitano.

Na Vasco da Gama Square, entro na igreja de S. Francisco, o primeiro templo católico europeu a ser construído pelos portugueses na Índia, em 1503. Lá dentro, no meio de muitas lápides e sepulturas de gente da nossa pequena nobreza, encontra-se o túmulo onde esteve o corpo de Vasco da Gama. O almirante-mor dos mares da Índia veio três vezes às terras indianas, em 1498, 1502 e 1524. A última viagem já não teria regresso. Velho e doente, com malária, Vasco da Gama morreu em Cochim, em 1524. O corpo permaneceu nesta igreja de S. Francisco até 1539 quando os seus restos mortais foram transladados para Portugal, pelo seu filho. Uns brasileiros de passagem recente resolveram deixar, ao lado do túmulo vazio, um galhardete preto e branco da sua querida equipa de futebol, o Clube de Regatas Vasco da Gama, exactamente o conhecido “Vasco da Gama”, do Rio de Janeiro.

A Cochim portuguesa é, por todas as razões, deveras entusiasmante. A uns quinhentos metros da igreja de São Francisco fica a catedral-basílica de Santa Cruz. [Foto nº 5, ao alto]

Edificada em 1550, foi demolida pelos ingleses em 1795 e reconstruída, de raiz, em 1888. É por isso, um templo mais moderno, todavia com mil histórias para contar. Ao lado funciona uma grande escola secundária católica que dá pelo nome de St. Mary’s School. São quatro horas da tarde. As alunas, só raparigas em traje azul e branco, saem da escola às centenas e centenas. Esperam-nas não sei quantos tuk-tuks para levar as meninas para casa, e dezenas de pais que vêm buscar as filhas, de mota. É um susto vê-las partir, enganchadas no pequeno banco das motorizadas, às vezes duas moças atrás e o pai conduzindo. Ninguém usa capacete e avançam às curvas pela estrada escalavrada.



Foto nº 6

Em Fort Kochi, junto ao mar, encontro um grande cemitério holandês com túmulos dos séculos XVIII e logo adiante aparece um conjunto de redes semelhantes às usadas na pesca tradicional no sul da China [Foto nº 6]. Curiosamente, também terão a ver com os portugueses que, fixados em Cochim, decidiram trazer este tipo de redes de Macau e que, com meia dúzia de chineses de permeio, ensinaram os indianos a usá-las. As redes estão presas a uma armação de canas de bambu ligada a uma longa vara que as faz subir e descer. Manejadas desde um passadiço em madeira, as redes mergulham no mar e lá permanecem entre cinco a vinte minutos. Toda a estrutura de bambu é depois içada, e a rede molhada faz uma concavidade no fundo do qual vem sempre algum peixe que os pescadores vendem logo ali. 

No jardim, junto ao lugar da pesca, existem uns mal-amanhados restaurantes onde os peixes podem ser fritos ou grelhados. Não me aguçaram o apetite até porque o lixo em redor, nas ruas, no jardim, na praia, nas águas do mar é mais do que assustador. Os indianos que me desculpem a opinião mas, em geral, estas gentes não primam pela limpeza e serão necessárias várias gerações para se melhorar a higiene e salubridade deste país.

Mais dois quilómetros, e estou no bairro de Montancherry. Um casarão decrépito assume o título de Palácio dos Holandeses. Foi outrora residência de nobres portugueses à deriva pela Índia. Depois vieram os homens dos Países Baixos. Meio museu, meio coisa nenhuma, delapidado pela passagem do tempo, o pobre palácio evidencia a inclemência dos séculos. E estava fechado, não deu para visitar.

Mais a sul temos a Sinagoga de Cochim e o quarteirão judaico, com umas tantas cruzes de David na fachada de velhíssimas habitações e lojas. Desde o século XI que existem judeus em Cochim mas esta sinagoga, única em toda a região, data de 1568, é visitável e tem toda a sobriedade de um lugar de reunião e de culto com, no salão, um conjunto notável de candelabros em vidro e o chão revestido com azulejos chineses do século XVIII. 

Esta parte da velha Cochim albergou também durante centenas de anos franjas de judeus que fugiam das perseguições na Europa. Chegavam a Cochim, vindos da Holanda, de Espanha, condenados a um distante exílio definitivo. No que nos diz respeito, recordemos o nosso Garcia de Horta que por aqui andou, viveu durante umas dezenas de anos em Bombaim e faleceu em Goa. Dizem-me que, com a fundação do estado de Israel, em 1948, a maioria dos judeus de Cochim partiu para Israel. Hoje viverão neste antigo bairro judaico apenas uma meia dúzia de judeus.

Há uma cidade nova de Cochim, do outro lado do braço de mar, que vista do alto do nosso Costa, parece limpa e organizada. Mas é nos quarteirões antigos deste burgo que o meu coração melhor pulsa e o sangue melhor circula.

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18502: Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias (António Graça de Abreu) - Parte XXXIII: Colombo, capital do Sri Lanka ou Ceilão ou "Taprobana", 15-16 de novembro de 2016

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17677: Fotos à procura de... uma legenda (88): "Pietá"... O fotógrafo indiano, Avinash Lodhi, captou o desespero de uma fêmea de macaco Rhesus que abraça a cria inanimada (Luís Mourato Oliveira)


"Pietá"...Um fotógrafo indiano captou o momento em uma macaca abraça com força a cria, que aparentemente estava inconsciente. "Foi um momento raro, especialmente entre animais", disse o fotógrafo Avinash Lodhi.

Segundo informação do DN - Diário de Notícias, de 11 de maio de 2017, a fotografia foi tirada em Jabalpur, no estado indiano de Madhya Pradesh e publicada nas redes sociais. "A imagem tem comovido vários utilizadores e tornou-se viral."... Um momento raro, entre animais, comentou o fotógrafo.

O animal parece-nos ser uma fêmea de  macaco Rhesus, uma das 15 quinze espécies de macacos existentes no subcontinente indiano. De acordo com a investigação dos primatólogos, os macacos Rhesus demonstram uma variedade de habilidades cognitivas complexas, como a capacidade de fazer avaliações psicológicas, entender regras elementares e avaliar os seus próprios estados mentais. Inclusive, parecem reconhecer-se ao espelho, tendo por isso algum tipo de autoconsciêncua. Já em 2014, os utentes de uma estação de comboio em Kampur, na Índia, assistiram a um cena incrível: a de macaco Rhesus, eletrocutado, a ser objeto de assistência  e reanimação  por outro macaco Rhesus.

[Imagem enviada e legendada por Luís Mourato Oliveira. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné... Reprodução com a devida vénia...]


1. Mensagem do Luís Mourato Oliveira, com data de 22 de junho (complementada com informação sobre a foto em 15 do corrente):


[foto à esquerda, Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil inf CCAÇ 4740, Cufar, 1972/73, e Pel Caç Nat 52, Bambadinca e Mato Cão, 1973/74; membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 730]

Quando há algum tempo escrevi para a Tabanca Grande “Quatro Aventuras Gastronómicas na Guiné” (*) ,  fi-lo com o propósito de deixar um testemunho das limitações que existiam na obtenção de alguns géneros alimentares e também recordar o recurso à imaginação e improviso com que os militares em campanha ultrapassavam essas mesmas dificuldades.

Não contava, o que me deu muita satisfação, que um dos textos enviados, “ Macaco em Mato de Cão”, gerasse polémica e discussão tendo ainda originando um inquérito feito no Blog e no Facebook, sobre as opiniões gustativas dos camaradas que experimentaram esse prato. (**)

Um camarada criticou vivamente essa prática gastronómica que qualificou de quase canibalismo e quem a praticava de “não serem boas rolhas”,  tendo eu assumido com algum humor que me enquadrava nessa categoria.

Há alguns dias uma fotografia trouxe-me à memória a discussão travada na altura. Foi produzida por um fotógrafo indiano [, Avinash Lodhi,]. que captou o desespero de uma macaca que abraçava a cria inanimada e a imagem trouxe-me imediatamente à memória a Pietà que Miguel Ângelo esculpiu quando tinha apenas vinte e três anos e que é das obras de arte que mais emoções me produziram. 

Na Pietà a mãe de Jesus sustenta o corpo do filho morto com resignação pela morte e talvez a serenidade da sua expressão na escultura já represente a esperança da ressurreição. Na macaca o que mais impressiona é o enorme desespero e revolta de uma perda para ela irrecuperável.

Hoje seria para mim impossível repetir o exercício relatado em “Macaco em Mato de Cão”, não pelo efeito da fotografia, mas por toda a vivência de mais de quarenta anos que modificaram mais de forma invisível o meu comportamento, bem como os camaradas da minha geração com experiência similares que as transformações físicas que vamos sofrendo, o que me leva a ponderar sobre que tipo de pessoas éramos quando jovens num cenário de guerra e qual o limite que a educação e a ética impunham para os nossos comportamentos de então?

Questiono-me se,  sem as experiências vividas, como teríamos evoluído como seres humanos e se a nossa visão de humanidade seria hoje critica aos comportamentos dos nossos vinte anos?

Todos nós “crescemos” no mesmo sentido ético e dentro dos mesmos valores após as experiências vividas?

Sem rejeitar nada do passado, em transportar quaisquer sentimentos de culpa ou complexos pelos momentos vividos naquele período, quero acreditar que a vida e as experiências adquiridas nos encaminharam para ciclos distintos de comportamento difíceis de explicar porque muitas vezes antagónicos.

Quero acreditar que o processo de evolução das nossas vidas nos conduz à aprendizagem e aperfeiçoamento permanente a padrões de humanidade e compaixão por todos os seres que connosco coabitam neste Mundo e à rejeição dos caminhos fáceis de trilhar do egocentrismo, da violência e da escuridão. (***)

Luís Mourato Oliveira


Nota: A cria que na fotografia parece ter morrido estava apenas inconsciente e após ter recuperado a macaca mostrou de novo alegria e “macaquices”.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 10 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo, bom pão e melhor... macaco cão no forno com batatas!

(**) Vd. 17 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16730: Inquérito 'on line': Num total de 110 respondentes, apenas 16% disse que provou (e gostou de) carne de macaco-cão... Pelo lado dos "tugas", o "sancu" está safo... Agora é preciso que os nossos amigos guineenses façam o seu trabalho de casa...

(ªªª) Último poste da série > 26 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17620: Fotos à procura de...uma legenda (87): o luxo de um "petromax" da Casa Hipólito nas noites escuras como breu...