Mostrar mensagens com a etiqueta Luís Mourato Oliveira. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Luís Mourato Oliveira. Mostrar todas as mensagens

sábado, 11 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22532: O nosso livro de visitas (213): Nuno Inácio, filho do nosso camarada Gil da Silva Inácio - "O Gringo" - que foi CMDT do Pel Caç Nat 67 em 1973

Guiné > Região de Tombali > Cufar > 1973 > A despedida do Pel Caç Nat 67 > Em primeiro plano, o comandante do Pelotão, Alf Mil Gil da Silva Inácio, o "Gringo".

Foto (editada): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem enviada ao Blogue por Nuno Inácio, filho do nosso camarada Gil da Silva Inácio, CMDT do Pel Caç Nat 67, através do Formulário de Contacto do Blogger, em 9 de Setembro de 2021:

Exmos. Srs.

Chamo-me Nuno Inácio e sou filho de um Comandante do Pelotão de Caçadores Nativos 67, Alf. Mil. Gil da Silva Inácio, conhecido como "O GRINGO" - Cufar - Guiné 1973.[*]

Tomei conhecimento deste website através de um grande amigo que viu um artigo onde mencionava um Alf. Mil. na Guiné conhecido como "o gringo" e como outrora lhe tinha referido essa alcunha do meu pai fui verificar e de facto é o meu pai.

Estimo informar que o meu pai é vivo, cheio de saúde e ainda pronto para as curvas.
Neste sentido gostaria de saber se alguns dos inúmeros heróis aqui presentes e representados conheceu o meu pai, gostaria de saber mais histórias desses tempos, porque o meu pai tem algumas reservas em partilhar essas histórias e se ainda existem encontros de ex-combatentes desses GE e, em caso afirmativo, pedia o favor a V. Exas. ser notificado para o efeito.

Grato pela atenção dispensada.
Atentamente,
Nuno Inácio
Cumprimentos,
Nuno Inácio | info@streetcustoms.pt


********************


2. Comentário de CV:

Caro Nuno Inácio
Permita-nos que o trate assim, já que entre a tertúlia, filho de um camarada, nosso "filho" é.

Muito obrigado pelo seu contacto e pelas notícias do estado de saúde de seu pai, o nosso camarada Gil Inácio, ainda um jovem como qualquer um de nós.
Infelizmente temos poucas referências no nosso Blogue sobre o Pel Caç Nat 67. Pelo que pude pesquisar, foi formado em 1968, permanecendo em Mejo até Janeiro de 1969, altura em que foi deslocado para Guileje. Em Dezembro do mesmo ano foi dali deslocado para Cufar, onde esteve até Junho de 1973, data em que foi deslocado para Farim, onde esteve até ao fim da guerra.

O seu pai deve ter feito estes últimos anos do Pel Caç Nat 67, rendendo o Alf Mil Cav Joaquim Esteves, depois confirmará com ele.
Se entretanto for conversando sobre a sua estadia na Guiné, pergunte-lhe se ele se lembra da data de ida e regresso. Normalmente não esquecemos, para o bem e para o mal, estas datas, assim como outras que lembram os momentos menos bons por lá vividos.

Se ele quiser, poderá partilhar connosco algumas fotos que tenha aí por casa. Se para tal não tiver arte ou engenho, contamos com o Nuno Inácio para o ajudar.
Pode ser que apareça alguém do seu tempo, furriéis, por exemplo. Ele lembra-se de algum deles? Saberá onde vivem actualmente?

Como sabé, os convívios dos antigos combatentes foram suspensos devido ao COVID mas retomados que sejam, e se soubermos algo que interesse ao pai, daremos conta.

Ficamos ao dispor do camarada Gil Inácio, desejando-lhe a melhor saúde.

Para pai e filho, um abraço em nome da tertúlia
Carlos Vinhal

____________

Notas do editor:

[*] - Vd. poste de 27 DE ABRIL DE 2017 > Guiné 61/74 - P17291: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, jul 73 /ago 74) (16): o Pel Caç Nat 67,em Cufar, 1973

Último poste da série de 13 DE JULHO DE 2021 >
Guiné 61/74 - P22370: O nosso livro de visitas (212): Ildeberto Medeiros, ex-1º cabo condutor auto, CCAÇ 2753, "Os Barões" (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim/K3 e Mansabá, 1970/72)... Açoriano, vive nos EUA e quer integrar a Tabanca Grande

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21932: Os nossos camaradas guineenses (46): O Jobo Baldé, o padeiro de Missirá e depois do Mato Cão, Pel Caç Nat 52, ferido ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), e que sonhava vir para Lisboa e trabalhar na panificação...

Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1968/70)  > 1969 > O sold Jobo Baldé, ao tempo do alf mil Mário Beja Santos, comandante do pelotão. Veio de Galomaro, Cossé, em 1969. Ofereceu-se como voluntário para fazer o pão no destacamento. 

"Esta é a primeira fotografia do Jobo na sua padaria: ele amassa cheio de vontade o nosso primeiro pão; veio um mestre do Cossé ensinar a fazer o forno; ele amassa num cunhete de granadas de bazuca mas do que gosto mais é a determinação do seu olhar, há ali um mundo de sonhos que ninguém, parecia, iria parar. Honra ao trabalho, amassarás o teu pão com o suor do teu rosto." (*****)

Foto (e legenda): © Beja Santos (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Chamava-se Jobo Baldé, recorda o seu antigo comandante, o Mário Beja Santos. Era "o padeiro de Missirá, empreendedor topo de gama, sacrificava todos os seus lazeres para fazer pãozinho para a população civil".  (*)

E acrescenta o nosso camarada e colaborador permanente: "Revejo sempre esta fotografia com orgulho e olhos humedecidos. O Jobo prepara o pãozinho num cunhete de granadas de bazuca. Enviei esta fotografia à minha noiva e digo: 'Jobo, o padeiro que Rossini esqueceu para as suas óperas'...

"O Jobo tinha um fio de voz, quase ciciava, seguia bem perto do seu alferes. Escreveu-me anos a fio, também queria vir trabalhar para Portugal. Em Dezembro de 2010, procurei vê-lo. O Fodé Dahaba telefonou-lhe, não tinha dinheiro para se deslocar da região de Galomaro a Bambadinca, e nós não podíamos lá ir. Caí na asneira de lhe dizer que regressaria à Guiné, alguém ouviu, e é por isso que de vez em quando me escrevem para saber quando eu volto"… (*)

2. Mensagem do Beja Santos, com data de 29 de Setembro de 2006:

Caro Luís, a violência deste exercício ficou atenuada quando a Cristina me passou para as mãos as centenas de aerogramas que lhe enviei. Estou presentemente a arrumar por anos e depois passarei aos meses e dias. Até agora a memória não me tem atraiçoado, das cartas encontradas do período abordado vejo que há episódios humanos que merecem ser relatados.

E descobri algumas cartas dos meus soldados que te vou enviar pois eles enriquecem a histórias de todas as nossas relações afectivas, o português que se usava, o amor que se instalou entre os homens. Tu farás o uso que entenderes desta correspondência, tens plena liberdade para reproduzires como e quando for mais conveniente. (...) (**)

Exmº Sr Meu Alferes

por Beja Santos

Passou por aqui há dias o Queta Baldé, antigo soldado do Pel Caç Nat 52. É segurança nocturno numa empresa das redondezas, e de vez em quando vem partir mantenha. Trouxe-me uma carta datada de 1 de Janeiro, de Bissau, e assinada por Jobo Baldé. A fotografia dele já aqui apareceu, era o nosso padeiro a quem demos uma concessão de vender algumas fornadas de pão à população civil.

Na época das chuvas, não era possível trazermos os sacos de farinha na viatura e pedimos apoio aéreo. Lembro a ocasião em que um helicóptero nos largou a 15 metros de altura, sob a parada, um saco de farinha que tivemos de peneirar para tirar a terra... O Jobo escreve assim:

"Antes de mais desejo-te uma boa continuação de saúde e felicidade. Espero que não tenhas esquecido o Jobo. Olha Alfer Becha dos Santos você tinha-me dito vai me levar em Lisboa quando eu entrego a farda da tropa. Eu era o teu antigo padeiro em Missirá. Quero ir para Lisboa. Cumprimento para a sua família da casa. Jobo em Bissau, telefone 25-51-25."

Guardei outras missivas do Jobo. Por exemplo:

"Meu Senhor Alferes que eu queria dizer uma coisa que seja verdade porque meu mulher já pariu na nossa terra. Olha, ela pariu na segunda feira passada. Dá autorização a Jobo para ir a Galomaro"...

E outra:

"Querido Alferes, eu queria visitar meu familiar, empresta-me 500 ou 400 escudos pois tenho que fazer festa do filho e sem dinheiro eu fico com muita vergonha. Eu peço 4 dias de dispensa. Adeus".


3. O Jobo Baldé não vinha da formação inicial do Pel Caç Nat 52, ao tempo do alf mil Henrique Matos (Enxalé, 1966/68). Mas chegará ao fim. O Pelotão será extinto em agosto de 1974, era comandante o alf mil Luís Mourato Oliveira (***).

Demos de novo a palavra ao seu "biógrafo" (****):

(...) Depois do grande incêndio de Missirá, em 19 de Março de 1969, durante a reconstrução, deu-se azo à imaginação, alguns progressos foram possíveis no nosso ameaçado bem-estar. Para substituir Sadjo Baldé, um dos falecidos durante a flagelação, veio o Jobo, natural de Galomaro.

Não tínhamos padaria, e em conversa informal perguntei tanto no Pel Caç Nat 52 e do Pel Mil 101 se havia voluntários para as tarefas da padaria. Jobo ofereceu-se logo, e, moderno e polivalente, fez-me a seguinte proposta: Faria pão para a tropa dentro do seu horário, independentemente dos reforços, idas a Mato de Cão, colunas de abastecimento, emboscadas e operações; fora do serviço queria dedicar-se ao que hoje se chama o empreendedorismo.

E assim foi, ele era bem jovem e deu conta do recado tanto na actividade independente como nas tarefas marciais. Era um regalo o cheirinho a pão, a partir de Julho de 1969. A Missirá civil deu-lhe farta clientela, todo o pão alvo era escoado sem reclamações.

O Jobo ainda resistiu quando fomos para Bambadinca, em Novembro, queria ficar, mas ninguém no Pel Caç Nat 54 quis trocar com ele. Resignado, abandonou as lides da panificação" (...) (****)

Aqui fica o retrato possível de mais um nosso camarada guineense (*****), o improvável padeiro de Missirá (1969) e depois de Mato Cão (1973/74). Oriundo do Cossé, o seu sonho ainda era vir para Lisboa e ser padeiro. E se estamos a falar do mesmo militar, o Soldado Atirador Jobo Baldé 82068868, do Pel Caç Nat 52, ficamos também a saber que ele faz parte da lista dos feridos do Sector L1 ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), pormenor do seu CV militar que, se calhar, tanto o Beja Santos como o Luís Mourato Oliveira desconheciam. (******)
_________

Notas do editor:


(****) Último poste da série > 5 de junho de 2017  > Guiné 61/74 - P17435: Os nossos camaradas guineenses (45): Encontro no LNEC com o Augusto Delgado, ex-Fur Mil da CCAÇ 18, hoje Engenheiro Técnico (Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)


domingo, 21 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21926: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (8): O casqueiro nosso de cada dia... ou a feliz história do Jobo Baldé, o improvável padeiro do Mato Cão, que nos matou... a malvada (Luís Mourato Oliveira,ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, 1973/74)


O Casqueiro Nosso de Cada Dia Nos Dai Hoje...


Foto (e legenda): © Luís Graça (2021). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O Padeiro de Mato Cão (*)

por Luís Mourato Oliveira


O pão é um alimento extraordinário que caso não tivesse sido criado há mais de 6.000 anos na Mesoptâmia, provavelmente a existência humana tivesse sido comprometida. Não conheço ninguém que não goste de pão nas suas múltiplas formas de fabrico e, em particular, nós, portugueses, não o dispensamos para acompanhamento ou mesmo como elemento principal de uma refeição.

Em Mato-de-Cão [ou Mato Cão] embora o efectivo dos europeus se limitasse a dez elementos, um deles tinha a “especialidade” de cozinheiro que também abrangia a de “padeiro”. Infelizmente tratava-se de uma pessoa com enormes limitações cognitivas, recordo-me que entre outras confusões achava que “valor declarado” e “louvor declarado” eram a mesma coisa e, não fora as grandes dificuldades de recrutamento da época , o nosso jovem “cozinheiro” seria certamente adstrito ao contingente de básicos.

Na cozinha, dada a simplicidade e a repetição dos menus, as coisas iam correndo, mas no que dizia respeito ao pão, o homem não se safava e a nossa dentição só resistia devido aos vinte e poucos anos de uso que tinha na altura e o produto do nosso padeiro só era tragável numas sopas de café.


Propus-me a alterar esta situação, para mim desastrosa, e com calma e paciência arranjei umas medidas para que ele respeitasse as quantidades de farinha e fermento, indiquei-lhe o tempo da levedar da massa, mas continuavam a sair pedras, ao invés de pães do nosso forno. A paciência perdida e um exemplar da padaria na cabeça do “cozinheiro/padeiro” que ia originando um traumatismo craniano no funcionário, levou-me a desistir de o transformar num padeiro capaz.

Ma, como o homem é criativo e sabe aproveitar as oportunidades, um soldado do pelotão [de caçadores nativos] 52, o Jobo Baldé, abordou-me com oportunidade e a sua habitual irreverência:
– Alfero, Jobo passa a fazer o pão para o pessoal!
– Não sabes fazer pão, Jobo, não te metas nisto que arranjas problemas.
– Jobo sabe fazer pão, alfero, deixa experimentar e vais ver.

Perante sua insistência e convicção e no desespero de não haver outra alternativa, resolvi experimentar as aptidões do Jobo para novo responsável da padaria. Expliquei-lhe as medidas para a farinha e para o fermento, o tempo para levedar, e ele atacou de imediato a nova função.

Não sei se por milagre ou se pelas aptidões inatas do Jobo, no dia seguinte quando este me chamou para ver o pão acabado de cozer, tive das grandes alegrias gastronómicas da minha vida. O pão estava quente, tinha crescido por obra do fermento e da forma carinhosa com a massa tinha sido tratada, o som da batida no “lar” parecia um tambor a acusar uma boa cozedura e o abrir a crosta estaladiça evidenciava um miolo macio, fumegante e com um cheiro delicioso. Regalámo-nos de imediato com pão quente e manteiga e o Jobo ganhou o lugar!

O Jobo estava feliz com a nova função e cumpria-a com pontualidade, brio e grande competência. Posteriormente ensinei-o a fazer merendeiras com chouriço e ele começou a produzi-las sem grande esforço de explicação. Quando as tinha cozido, trazia-me de imediato uma e eu recordava as que a minha avó fazia na Marteleira [, Lourinhã,] quando era dia de cozedura.

No que dizia respeito ao pão, tínhamos atingido, graças ao Jobo Baldé, a felicidade. O Jobo também estava feliz, era casado com uma mulher, bem mais velha, que ele herdara do irmão entretanto falecido. Embora esta mulher fosse divertida e senhora de um grande sentido de humor, já tinha perdido o fulgor e a beleza da juventude e o nosso amigo e saudoso Jobo Baldé, quando acabava de fazer o pão, tinha sempre visitas de exuberantes bajudas a quem ofertava uns pães a troco de inconfessáveis favores.

A felicidade conquista-se com pequenos acordos e cedências. Estávamos todos satisfeitos…até as bajudas. (**)



Luís Mourato Oliveira: lisboeta, vive atualmente na Lourinhã.
Foi o último comandante do Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá (1973/74), 
pelotão que foi comandado por membros da nossa Tabanca Grande 
como  o Henrique Matos, o Mário Beja Santos e o Joaquim Mexia Alves.
Tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue.


______________

Notas do editor:

(*) Excerto do poste de 10 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16706: De Cufar a Mato Cão, histórias de Luís Mourato Oliveira, o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (2) - Experiências gastronómicas (Parte II): Restaurante do Mato Cão: sugestões de canibalismo ("iscas de fígado de 'bandido' com elas"), "pãezinhos crocantes com chouriço" e... "macaco cão [babuíno] no forno com batatas a murro"!...

(**) Último poste da série > 8 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21866: Usados & Achados: pensamentos para aumentar a nossa resiliência em mais um "annus horribilis" (7): Receita caseira de Bourbon County, Kentucky, USA... Enquanto se aguarda a vacinação contra a Covid-19... (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21808: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (17): Batata raiz-de-cana com 'arraia' seca (Luís Graça)



Foto nº 1 > Lourinhã > 25 de janeiro de 2021 > Batata raiz-de-cana, feia, sem grande valor comercial,  insuscetível de "normalização", difícil de cascar, gastronomicamente valiosa, consistente, saborosa... Acompanhava tradicionalmente os pratos ligados à matança do porco e, claro, o peixe seco, que era o "governinho" dos povos ribeirinhos no inverno nas terras da Estremadura...



 Fpto nº 2 > Lourinhã > 20 de janeiro de 2021 > Batatada de peixe seco: batata raiz-de-cana, raia (ou "arraia") seca, ovo, grelhos,  azeite, vinagre e alho... [A receita original é só peixe seco, muito e variado (raia, sapata, safio, cação, etc.), batata, cortada ao meio, e cebola, muita, inteira...]


Fotos (e legendas): © Luís Graça(2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


 1. A ideia da criação da Confraria da Batata Raiz-de-Cana e a Confraria do Peixe Seco (ou da Batatada de Peixe Seco) já andavam no ar, antes da pandemia de Covid-19... 

 Uma e outra, juntas ou separadas,   a criarem-se, podem ter uma papel (pedagógico) na defesa e promoção de um produto gastronómico que continua a ser muito popular, tem tradição na Estremadura  (e nomeadamente em povoações ribeirinhas da Lourinhã como Ribamar, Porto Dinheiro, Ventosa, Marquiteira, Atalaia, etc.) e raízes fundas na nossa alimentação, cultura e convivialidade... 

Seria uma pena perder-se ou adulterar-se tanto esta variedade de batata (foto nº 1) como o peixe seco (foto nº 2). Fico impressionado com o número de "apreciadores" desta "iguaria" que dantes era dos "pobres"... 
 
Em 2011, um grupo de lourinhanenses da Marteleira (onde se inclui o nosso camarada Luís Mourato Oliveira, lisboeta, com raízes aqui na terra, e agora cá a viver, há pouco tempo)  já elaborou uns primeiros estatutos de uma Confraria Gastronómica da Batata Raiz de Cana e Peixe Seco. (*)

Há tempos, ainda antes deste segundo confinamento geral, o Luís teve a gentileza de nos oferecer dois ou três quilinhos da batata raiz-de-cana que, dizem por aqui,  deixou de se cultivar por falta de "valor comercial"... 

Creio que essa confraria não saiu do papel, se bem que o grupo da Marteleira continuasse a conviver, a juntar-se, etc., pelo menos até ao início desta maldita pandemia. E alguns cultivam a batata raiz-de-cana, tendo sido um deles a dispensar as batatas que chegaram a minha casa. Estou-lhe grato!

Há dias a "chef" Alice quis experimentar a batata raiz-de-cana, que se coze com a pele. Mais dura, leva mais tempo a cozer. Juntou-lhe duas boas postas de "arraia" seca, grelos e um ovo... 

Cinco estrelas!... Recomendo... É comidinha boa para aguentar o inverno e sobreviver ao confinamento (**)... 

Foi pena o Luís Mourato Oliveira, por causa do confinamento,  não se ter podido juntar a nós: a batatada de peixe seco comida à volta de uma mesa grande tem outro sabor,  o da fraternidade, o do companheirismo!...Mas oportunidades não faltarão, lá mais para a frente, se a gente escapar desta, como escapámos... da Guiné!
 
__________

Notas do editor:

(*( Vd. poste de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20022: Os nossos seres, saberes e lazeres (346): Viva a confraria da batatada de peixe seco (Luís Graça)

(**) Último poste da série > 12 d dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21636: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (16): Repetindo o prato típico da terra fria transmontana, o "Butelo com casulas...anti-Covid-19", à moda da "Chef" Alice

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21679: (In)citações (174): Apesar de agnóstico, ainda conservo, na cabeceira, um crucifico-talismã que alguém deixou na tabanca onde eu pernoitava: Ká pudi larga mezinho qui pudi salvar kurpu (Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52, Mato Cão e Missirá, 1973/74)



Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1974 > O crucifixo, em bronze (ou liga de bronze), dos anos 60/70, que trouxe, do destacamentp, depois da sua entrega ao PAIGC em agosto de 1974... Alguém, um graduado, deixou-o na tabanca onde eu pernoitava.

Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (202'). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Comentário do Luís Mourato Oliveira, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74), e que vive presentemente na Lourinhã (*)

Obrigado, Zé Viegas,  por partilhares estas memórias. 

O Pelotão Caçadores Nativos 52 foi desmobilizado em Missirá. Vivemos o 25 de Abril de 1974 neste destacamento e a esperança num regresso rápido a Portugal nasceu nesta tabanca.

As imagens que tenho não são muito diferentes das agora publicadas embora a destruição que apresentam as várias edificações tenham sido reparadas. O depósito de géneros que também era depósito de material de guerra também ficou "destelhado" no período da permanência do Pel Caç Nat 52, não devido a uma flagelação porque nada sofremos aqui, mas nas chuvas, um tornado descontente com a arquitetura do edifício levantou o chapeado de zinco por inteiro e depositou-o com o estrondo de uma queda de 10 metros no meio do que seria a parada.

Com a guerra a arrefecer depois do 25 de Abril, o nosso quotidiano não era exigente e as tarefas militares limitavam-se à segurança do destacamento que o Pelotão partilhava com o grupo de milícias local e todas as acções no exterior foram suspensas.

Foi em Missirá que me foi pedida autorização para elementos do PAIGC visitarem a tabanca para o que dei de imediatamente o meu acordo. (**)

A guerra estava terminada e tinha a grande preocupação do que seria o futuro dos meus camaradas soldados portugueses (infelizmente esquecidos) do recrutamento local e procurei assim que se adaptassem a uma nova realidade para a qual não estavam preparados.

Com a minha juventude e capacidade de sonhar também espectava que o conhecimento pessoal com os antigos inimigos amenizasse o que seria o relacionamento futuro com a nova ordem social.

Recebemos então uma delegação do PAIGC, partilhámos bebidas e trocámos de armamento para as fotografias que imortalizam o momento. Posteriormente combinámos um jogo de futebol com o ex-inimigo, agora adversário no jogo da bola e como o resultado não estava a nosso favor e não admitia perder muito menos naquelas circunstâncias fui para a baliza e invertemos e resultado embora tenha ficado com algumas mazelas.

Também fomos convidados a assistir a um grande comício do PAIGC e estivemos presentes. Recordo com mágoa as lágrimas do Jalique Baldé, guia extraordinário que nos livrou de cair numa emboscada a 24 de Dezembro de 1973 em Mato de Cão. Detetou o IN no trilho pelo qual nos deslocávamos e que vinha na nossa direcção. Caíram eles na emboscada imediata que montámos.

De Missirá mantenho ainda, apesar de agnóstico, um cruxifixo que alguém deixou na tabanca onde pernoitava, que trouxe para Portugal e que mantenho na cabeceira. 

Desconheço a razão porque o faço e considero ser pouco racional este hábito e até pensei levá-lo na minha missão de voluntariado em 2018,mas como a ideia era deixá-lo em Missirá onde aliás não cheguei a ir, procurei deixá-lo em Portugal.

Ká pudi larga mezinho qui pudi salvar kurpu.(***)
____________


(**) Vd. postes de;

9 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18504: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte I

12 de abril de  2018 > Guiné 61/74 - P18517: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte II: Dando uma oportunidade à paz, depois de oito anos de guerra: os últimos dias dos bravos do pelotão

(***) 1 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21598: (In)citações (173): Padre José Marques Henriques, com 44 anos de vida sacerdotal na Guiné-Bissau, sobretudo como missionário mas também como capelão militar (menos de 6 meses, a seguir ao 25 de Abril): convite para integrar a Tabanca Grande (João Crisóstomo, Nova Iorque)

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21517: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (10): Relembrando a morte, por acidente com um dilagrama, no CIM de Bolama, em 10/7/1972, do alf mil Carlos Figueiredo


Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Bolama >  c. jun/jul 1973 > O jardim colonial,  com a estátua em bronze de Ulysses S. Grant (1822-1885), o presidente norte-americano que em 21 de abril de 1870 resolveu, por sentença arbitral, a questão da soberania de Bolama, disputada entre Portugal e a Grã-Bretanha... 

A estátua em bronze desapareceu em 2007, sendo mais recentemente substituída por uma em cimento, A foto é do nosso camarada Luís Mourato Oliveira, que em meados de 1973 fez um estágio,  de preparação para o comando de subunidades africanas, no Centro de Instrução Militar (CIM)  de Bolama. Um ano antes, estiveram  aqui o Carlos Barros e a sua 2ª CART / BART 6520/72 a fazer a IAO.

 Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Carlos Barros, Esposende


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros [, um de "Os Mais de Nova Sintra", 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; membro da Tabanca Grande nº 815; vive em Esposende, é professor reformado]

Recorde-se que o BART 6520/72 foi mobilizado pelo RAL 5 (Penafiel), tendo embarcado em 23 de junho de 1972 (Cmd, CCS e 2ª Companhia )... Após a realização da IAO, com as suas companhias, de 30 de junho de 1972 a 26 de julho de 19l72, no CIM, em Bolama, seguiu, em 28 de julho de 1972 ara o sector de Tite, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com o BArt 2924.

Em 20 de agosto de 1972, assumiu a responsabilidade do Sector SI, com sede em Tite e englobando os subsectores de Tite, Jabadá, Nova Sintra e Fulacunda, este até 4 de janeiro de 1973, por transferência para a zona de acção do COP 7. Em 19 de junho de 1973, por extinção do COP 7, a zona de acção do batalhão foi alargada com os subsectores de Fulacunda e Ganjauará.

Desenvolveu intensa actividade operacional, orientada para a realização de patrulhamentos, emboscadas, reconhecimentos ofensivos e acções sobre os grupos inimigos instalados na área, além de garantir a segurança e protecção das populações e a reacção contra flagelações efectuadas sobre os aquartelamentos e aldeamentos.

Dentre o material capturado mais significativo destacam-se: 1 metralhadora ligeira, 2 pistolas-metralhadoras, 8 espingardas, 1 lança-granadas foguete e a detecção e levantamento de 38 minas.

Após ter coordenado a desactivação e entrega do subsector de Nova Sintra ao PAIGC, em 17 de julho de 1974, recolheu em 20 de agisto de 1074 a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, tendo as subunidades dos restantes subsectores assumido a responsabilidade das medidas de desactivação e entrega dos aquartelamentos respectivos: Jabadá (1º Companhia), Nova Sintra (2ª Companhia) e Fulacunda (3ª) Companhia.
 

Relembrando a morte, por acidente com  um dilagrama, no CIM de Bolama, em  10/7/1972, do alf mil Carlos Figueiredo  (CCS/BART 652o/72)

 por Carlos Barros (**)


Em Bolama, quando os militares da 2ª CART/BART 6520/72 estavam a fazer a IAO, uma pré –preparação militar para nos ambientar à guerra, a carreira de tiro era o local onde treinávamos com o material de guerra: G3, bazucas, dilagramas, morteiros 60...

Foi um mês [. junho / julho de 1972,] de intenso treino com “fogo real”…

O furriel Barros tinha estado, no quartel,
perto do rio Geba, não longe do destacamento dos dos fuzileiros, com o seu amigo, alferes Carlos [Manuel Moreira de Almeida]  Figueiredo, da CCS [, natural de São Pedro do Sul,] e, numa conversa amena, este tinha-lhe confessado que estava farto da carreira de tiro e que ia pedir ao comandante para o deixar descansar.

O Barros ouviu o seu desabafo do seu amigo e concordou com a ideia do Alferes, seu amigo, porque não era fácil ouvir tanto tiro, tanto rebentamento, durante semanas “a fio”!

No dia seguinte, o pelotão do Barros estava no mato em exercícios militares e vê uma urna a ser transportada numa viatura militar. Perguntou a si mesmo, o que teria acontecido? ...

Naquele momento, uma grande e mortífera cobra passou por ele... O Barros não fez qualquer movimento e ela seguiu o seu caminho…

Em pleno treino, na carreira de tiro, no lançamento de um dilagrama, com defeito de fabrico, uma granada deflagrou-se inesperadamente, e atingiu mortalmente um cabo de outra companhia (talvez de Empada) e o Alferes Figueiredo, ficando os dois irreconhecíveis.

À noite, o Barros e outros camaradas foram jantar num designado Hotel, mas não conseguiram jantar, e os pratos encheram-se de lágrimas de dor!

Perdeu-se um amigo num insólito acidente e  o Barros pensava:

Ao fim de quinze dias de  Guiné, já temos dois mortos!...

Foram noites sem dormir, e foi este o primeiro “banho de tragédia e sofrimento” que ele sentiu.

Meus Deus, dizia ele para os botões do seu camuflado:

 Irei resistir a isto?

Com muita sorte, o pessoal da companhia resistiu em 24 meses e 48 dias de guerra, tendo regressado à Metrópole, no dia 10 de agosto,

 Talvez o dia mais feliz da minha vida!...− exclamou ele.

Carlos Barros

Furriel Miliciano

Guiné 1972/74

Nova Sintra, 26 de junho de 1973 
 ______________



28 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21398: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (8): os meus livros de bolso, da RTP, oferecidos pelo MNF, em 25/1/1973, deixei-os a alguns guerrilheiros do PAIGC, em 17/7/1974... E comigo trouxe "farrapos" da nossa bandeira, e ainda os guardo, como símbolo do nosso sofrimento e coragem

19 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21371: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (7): os craques da bola...

14 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21358: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (6): a evaporação das cervejas

12 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21349: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (5): A visita da Cilinha ao destacamento de Nova Sintra, em 1973...

7 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21332: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (4): A cabrinha Inha...

4 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21325: Guiné 61/74 - P21319: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (3): As ratazanas (e o PAIGC) ao ataque em Gampará

3 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21319: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (2): A fuga da 'beijuda

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20228: Guiné-Bissau, hoje: factos e números (3): em bom crioulo nos entendemos (ou não ?): mandjidu, kansaré, muro, djambacu, baloba, balobeiro, ferradia, tarbeçado, doença de badjudeca, rónia irã... O Cherno Baldé, nosso especialista em questões etnolinguísticas, explica para a gente...


Foto nº 1


Foto nº 2 

Guiné > Região de Bafatá >Setor L1 > Bambadinca > Destacamento de Nhabijões  > 1970 > O furriel miliciano Henriques, da CCAÇ 12 (, Luís Graça, fundador e editor deste bloge) junto a uma "baloba" (Foto nº 1), um dos locais de culto dos irãs (espíritos da floresta). 

A população era maioritariamente balanta, animista. Era conhecida a sua colaboração com o PAIGG, sobretudo com as populações e os guerrilheiros de Madina/Belel, no limite do Cuor, a Noroeste de Missirá, mas também com os do subsetor do Xime. O reordemanento desta população, considerada até então sob duplo controlo e pouco colaborante com (e senão mesmo hostil a) as NT, iniciou-se em 1969, sob a iniciativa do Comando e CCS do BCAÇ 2852 (1970/72), tendo sido continuada pelo BART 2852 (1970/72). Foi criado um destacamento para apoio a (e defesa de) o reordenamento (Foto nº 2)

No seu diário de então, o furriel Henriques consideraca este reordenamento (um dos maiores, se não o maior, de então, no CTIG) como um exemplo de "etnocídio",  pela destruição do habitat socioecológico das populações "reordenadas".

Fotos (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > c. 1973/74 > Uma "ferradia": o ferreiro e o seu ajudante (que alimenta a forja)...Tradicionalmente em África, o ferrador e o caçador são dotados de dons sobrenaturais, diz-nos o Cherno Baldé, o nosso especialista em questões etnolinguísticas.. Em muitas comunidades animistas, o ferreiro e o balobeiro são a mesma pessoa ou ambos possuem o poder de curar e de fazer a ligação com o além  ou as forças ocultas como os Irãs ou os espíritos do mato e da floresta.
Fotos (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. No poste P20223 (*), o editor Luís Graça comentou que íamos precisar da preciosa ajuda nosso assessor para as questões etnolinguísticas, o Cherno Baldé... 


Há termos em crioulo ou noutros idiomas, que ele tem de nos explicar, para melhor se compreender um recente relatório da CPLP sobre o HIV/SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis, na parte que respeita à Guiné-Bissua (**)...


Eis alguns desses termos:


"mandjidu" (em manjaco), prática interdita;

"kansaré" (papel), entidade sobrentaural que pode castigar ou fazer mal (?);

"muros, djambacus e balobeiros" (crioulo), curandeiros tradicionais;

"balobas" de "ferradias" (crioulo), locais ou práticas (?);

"tarbeçado" (crioulo);


doença de "badjudeça" (crioula);

cerimónia de "rônia iran" (crioulo), (?)






Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > Poilão, árvore sagrada, habitada pelos irãs... Mais uma chapa do famoso poilão de Maqué. Tirada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-Fur Mil da CCAÇ 13 (Os Leões Negros), na sua viagem  de 2006 à Guiné e à região do Óio.

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2007). Todos os direitos reservados.
 [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Pronta resposta do Cherno Baldé [, Bissau], com data de ontem (*):


Em resposta ao pedido do Luís Graça, aqui vai um pequeno resumo sobre o significado das expressões em Crioulo da Guiné no texto (*).


(i) “Mandjidu”


Refere-se àquilo que está interdito e a interdição vem sempre de forças ocultas, do desconhecido, por isso, de evitar a todo o custo, pois não se sabe o que pode acontecer em caso de violação dessa interdiçãoo.


Uma forma muito prática de proteger a propriedade privada dos individuos, da família e/ou da aldeia em relação ao comportamento indesejado de terceiros, sejam eles pessoas ou animais domésticos:um simples pau enfeitado com um pedaço de tecido vermelho e colocado em lugar visível é suficiente para interditar um campo de amendoim ou plantação de cajueiros.


Uma nota interessante é que esta interdição também se aplica às pessoas (mulheres) e propriedades (terrenos e casas).


(ii) “Kansaré”

É um ritual animista consagrado aos mortos, baseado na compreensão de que não há mortes naturais, mas sim mortes provocadas por forças do mal.

O "Kansaré" é o elemento móvel da "Baloba", feita de paus e coberta de tecidos vermelhos, é carregado por quatro jovens possantes e que caminham, supostamente, dirigidos pelo espírito do morto com o objectivo de desmascarar o(s) autor(res) da morte. O(s) membro(s) da comunidade assim descoberto(s) e acusado(s) de feitiçaria perde(m) todos os seus direitos, inclusive o direito à vida e os seus bens e haveres confiscados em benefício da comunidade como forma de vingar a morte do defunto e fazer o seu "choro", aplacando assim a dor da família que perdeu um dos seus.


Muitos antropólogos, africanistas e investigadores viram nessas práticas animistas uma forma subtil de regulação económica e social dentro das sociedades " primitivas" e/ou práticas escamoteadas de ajustes de contas e de eliminação de rivais e elementos não desejados, muitas vezes bem sucedidos, e cujas riquezas provocam inveja aos restantes elementos da comunidade e que necessitam de ser redistribuídas colectivamente a fim de nivelar (por baixo) os membros dessas comunidades.


(iii) «Muro»


O mesmo que "mouro" (árabe ou berbere do Norte de África), termo utilizada para referir-se aos "marabus" -chefes religiosos - de confissão muçulmana.

No meio urbano da Guiné tem o mesmo significado que "Djambacus", provavelmente de origem mandinga e "Baloba", do grupo dos Brames (Papel/Manjaco/Mancanha).


(iv) «Balobas»


Sao os locais, entre alguns povos da Guiné-Bissau, chamados animistas do grupo dos Brames (Papel / Manjaco / Mancanha), reservados às cerimónias dedicadas aos Irãs e que são feitas, normalmente, mediante o uso de aguardente e sangue de animais imolados em sua intenção.


A referência feita às "ferradias" remete-nos para as oficinas tradicionais onde se trabalha(va) o ferro. Na África profunda e multissecular, de uma forma geral, o ferreiro assim como o caçador, são facilmente assimilados àqueles que praticam artes secretas e/ou mágicas e logo possuidores do dom imanado do espírito dos Irãs.


Em muitas comunidades animistas, o ferreiro e o "balobeiro" são a mesma pessoa ou ambos possuem o dom da cura e do poder de contacto e intermediação com forças ocultas como os Irãs ou espíritos do mato/floresta.

Nesses casos um simples metal (o ferro), por eles confeccionado, pode servir de guarda a fim de um indivíduo se proteger dos espíritos maus. Uma prática muito frequente dentre os habitantes originários dessas etnias do litoral guineense.


(v) "Tarbeçado"


Parto anormal quando a criança vem numa posição invertida com os pés primeiro em lugar da cabeça, uma expressão, provavelmente, de origem balanta.

(vi) "Doença de badjudeça"

Quer dizer período menstrual ou quando aparecem, nas meninas, os sintomas das primeiras mentruações. De origens diversas.



(vii) «Rônia Irã»


Segundo alguns investigadores, tem origem na palavra em português arcaico “erronear”, ou seja, deambular de um lado para outro.

Durante o período em que estas cerimónias são feitas, sobretudo entre os Papéis, há grupos de mulheres que viajam de aldeia em aldeia, de sítio em sítio, carregados de objectos diversos, para cumprir determinados rituais e cerimónias tradicionais, de acordo com um calendário e trajecto pré-definido.


Ao que parece, as "Balobas" (ou não seriam os "balobeiros" ?) e os seus Irãs estão, de certa forma, hierarquizados ou, para usar uma expressão moderna, especializados em determinadas matérias do mundo espiritual ou dos mortos e cada aldeia ou família teria o seu próprio percurso em função da tradicão e/ou das suas necessidades espirituais ao serviço das almas dos seus mortos em diferentes épocas.

Todas estas expressões ou conceitos antropológicos acima apresentados, sendo de origem étnica ou tribal, já fazem parte do léxico corrente em crioulo.


PS - Uma Nota sobre o ponto V:


Quando disse que é uma expressão, provavelmente, de origem balanta, queria referir-me ao conceito intrínseco pois que, entre eles o fenómeno é seguido de algumas cerimónias feitas para exconjurar as forças maléficas do fenómeno anormal, e não à origem da palavra que é claramente crioula, resultante da corruptela da palavra portuguesa "atravessado".
________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20223: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (2): prevalência do HIV/SIDA; comportamento de risco e práticas socioculturais e tradicionais, que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST



(**) Vd. Helena M. M. Lima - Diagnóstico Situacional sobre a Implementação da Recomendação da Opção B+, da Transmissão Vertical do VIH e da Sífilis Congênita, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa- CPLP: Relatório final, volume único, dezembro de 2016, revisto em abril de 2018. CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa, 2018 [documento em formato pdf, 643 pp. Disponível em: https://www.cplp.org/id-4879.aspx]

sexta-feira, 14 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19889: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (10): Se fosse fácil não seriamos corajosamente voluntários, seriamos apenas turistas.









Guiné-Bissau > Bissau > Escola Privada Humberto Braima Sambu (março-maio de 20919) > Uma experiência, enriquecedora, de voluntariado

Fotos: © Luís Mourato Oliveira  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do Luís Mourato Oliveira:

(i)  nosso grã-tabanqueiro nº 730;

(ii)  foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto);

(iii)  e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): 

(iv) é lisboeta,fez o Liceu Pedro Nunes, é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol;

(v)  tem fortes ligações à minha terra natal, onde agora vivo, Lourinhã, Oeste, Estremadura...

(vi) acaba de regressar de uma missão de 3 meses em Bissau, como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo



Data: 76 de junho de 2019. 12h52:
Assunto: Missão na Guiné




Bom dia Luís
Aqui vai o texto  enviado para a ORG ParaOnde. relatando a minha experiência de voluntariado na Guiné-Bissau.

Abraço
Luís Oliveira



Porque devemos fazer voluntariado na Guiné-Bissau

por Luís Oliveira



A Guiné-Bissau é um pequeno País com cerca de 1.800.000 habitantes que, após uma guerra de libertação com o colonialismo português, conquistou a independência em Setembro de 1974. Desde então inúmeras vicissitudes têm contribuído para o enorme atraso económico e social que a sua população vive nos dias de hoje.

A instabilidade política e governativa, consequência de 20 golpes de Estado desde a data de independência, sendo que dezasseis deles não foram bem sucedidos, são a principal causa dos graves problemas que hoje grassam no País, colocando-o entre os mais pobres do Mundo.

Grande parte da população, cerca de 26%, sofre grave situação de insegurança alimentar e desnutrição e desde 2017 este valor tem tendência para aumentar. Como consequência existem fortes índices de anemia nas mulheres em idade reprodutiva e nas crianças com efeitos directos no atraso do desenvolvimento.

O Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário III prevê que 90% do orçamento da saúde seja financiado por apoio externo e população não confia no sistema. Patologias como a tuberculose,  malária e febre amarela contribuem para que a esperança de vida não ultrapasse os 58,2 anos.

A corrupção é uma doença endémica que atinge os governantes, o funcionalismo público e as autoridades policiais colocando a Guiné na posição 170 entre os 180 países mais corruptos do Mundo o que acentua a pobreza instalada, agrava as desigualdades, atinge os direitos humanos e fragiliza as instituições do Estado.

A Educação no ensino básico é em grande parte garantida pela iniciativa de privados e, não sendo obrigatória, 23% das crianças estão fora do sistema educativo. No ensino estatal a falta de pagamento aos professores que passam meses sem receber dá origem a greves ininterruptas que originam que das quinze unidades curriculares previstas no ensino básico, apenas três ou quatro são cumpridas.

Apesar de ter decorrido em Abril último em Bubaque o V Congresso da Educação Ambiental dos PALOP e Galiza, actualmente mais de 90% dos guineenses cozinham a carvão, a recolha do lixo é limitada e a sua eliminação é feita por incineração sem qualquer tratamento provocando enorme poluição ambiental.

O corte ilegal de árvores e a destruição da floresta determinam alterações climáticas significativas reduzindo em volume e tempo a época das chuvas com consequências negativas na produção agrícola.

A actividade piscatória está controlada por embarcações estrangeiras que através do arrasto selvagem delapidam os recursos piscícolas do País.

Neste cenário um povo maravilhoso, resiliente e solidário,  tem de sobreviver e conhecendo as suas dificuldades e dos seus irmãos partilham com generosidade o arroz da refeição familiar com qualquer um que chegue, mesmo se desconhecido.

Os mais jovens inspirados pelo sociólogo guineense Miguel Barros têm consciência crítica dos problemas do País e dialogam sobre as suas origens e como ultrapassá-los, outros já sem esperança optam pela viagem da emigração por vezes uma aventura fatal.

No dia a dia têm de se divertir. A festa é um lenitivo que os anima para o dia seguinte e os faz esquecer as dificuldades por isso gostam de brincar, conviver e arranjar pretexto para soltar a alegria que reside muito no fundo dos seus corações.

Aos voluntários cabe a grande responsabilidade de lhes levar o que mais falta lhes faz e não são apenas bens materiais.

É necessário transmitir aos guineenses uma mensagem inspiradora e de confiança no seu potencial, incentivá-los a não descurarem a educação que é a única via que os libertará e a garantia do seu futuro, a terem orgulho na Pátria que libertaram e capacidade para fazerem dela um lar confortável para a família guineense. 

Cabe aos voluntários dar um exemplo de trabalho, organização e rigor e transmitir aos guineenses que, sem estes valores e sem o empenho pessoal de todos eles, os seus objectivos nunca serão atingidos.

Foi para isto que fui voluntário na Guiné-Bissau. pois acredito no potencial e capacidades dos guineenses, na sua generosidade, na sua alegria que pode transformar um trabalho árduo num divertimento.

Com humanidade, solidariedade e um grande sorriso é mais fácil transformar o Mundo.

Se fosse fácil não seríamos corajosamente voluntários, seríamos apenas turistas.
____________

Nota do editor:

Último poste da série > 3 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19854: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (9): Dicas para viver e sobreviver em Bissau: Custos mensais de estadia aproximados por voluntário com a casa habitada por 3 pessoas: 105 mil Francos CFA (c. 163,00 Euros)

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19854: Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (9): Dicas para viver e sobreviver em Bissau: Custos mensais de estadia aproximados por voluntário com a casa habitada por 3 pessoas: 105 mil Francos CFA (c. 163,00 Euros)

1. Mensagem do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, o último comandante do Pel Caç Nat 52 (Setor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74): é lisboeta,fez o Liceu Pedro Nunes, é bancário reformado, foi praticante e treinador de andebol, tem fortes ligações à minha terra natal, onde agora vivo, Lourinhã, Oeste, Estremadura...

Acaba de regressar de uma missão de 3 meses  em Bissau,como voluntário na Escola Privada Humberto Braima Sambu, no âmbito de um projeto da associação sem fins lucrativos ParaOnde, que promove o voluntariado em Portugal e no resto do Mundo



Data: 2 de junho de 2019 01:34
Assunto: Missão na Guiné




Boa noite, Luís
Aqui vai alguma informação do que foi a missão na Guiné.


Enviar-te-ei fotografias logo que estejam editadas.

Grande abraço,
Luís Oliveira


Voluntário em Bissau, na Escola Privada Humberto Braima Sambu - Crónicas de Luís Oliveira (9):  Dicas para viver e sobreviver em Bissau: Custos mensais de estadia aproximados por voluntário com a casa habitada por 3 pessoas:  105 mil Francos CFA (c. 163,00 Euros) F CFA – 163,00 €
 


Excerto do relatório de 22 pp, com 4 anexos:


Missão de Voluntariado na Guiné-Bissau


Luis Mourato de Oliveira

2 de Março 2019 a 30 Maio de 2019

Objectivo:

1 - Criação de uma Oficina de Andebol na Escola Privada Humberto Braima Sambú.

2 – Participação e cooperação noutras iniciativas de interesse da Escola Humberto Braima Sambú e da comunidade. (...)


Um primeiro excerto:

Anexo 4 - MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA D VOLUNTÁRIO

1. Custos fixos

Renda da casa (pago no inicio do mês) 100.000,00 F CFA

Cozinheira (final do mês) 40.000,00 F CFA

Aquisição alimentos (diária por pessoa) 1.000,00 F CFA

Limpeza /abastecimento de água (final do mês) 30.000,00 F CFA

2. Custos Variáveis:

- Arroz, Azeite, óleo (valor mensal P.P.) 4.000,00 F CFA;

- Eletricidade pré-paga /mensalmente 1.000,00 F CFA;

- Pequeno almoço p/dia (1⁄2 pão + leite + manteiga) 600,00 F CFA.

3.Observações:

Para pagamento da eletricidade pré-paga:

- Obrigatório o pagamento mensal dado haver uma taxa de utilização;

- Fazer o controlo da energia existente no contador situado no alpendre no lado direito da porta principal;

- Consumo normal 2 KW /dia;

- O pagamento é efectuado em Bissau Centro na CAIXA (Perto da sede da MTN);

- No pagamento apresentar número do contador 01 4519 6126 0;

-Intoduzir no contador o número de pagamento indicado no recibo e clicar "enter".

Segurança:

-Durante a noite fechar as portas de ferro dos alpendres e manter a luz destes ligada.

-Sobretudo as voluntárias não devem circular sozinhas no bairro após a meia noite e durante a madrugada. Se tiverem de sair para viajar e tomar transporte pedir a colaboração de alguém. Aconselho o Romário, presidente da Associação de Alunos da Escola.

-Nos transportes, em locais com menos circulação e à noite,  máxima atenção na utilização dos telemóveis. O telemóvel é um objecto apetecível e há roubos frequentes.

Nota final – As recomendações de segurança resultam de experiência anterior em que voluntárias foram assaltadas perto da casa dos voluntários.

Custos mensais de estadia aproximados por voluntário com a casa habitada por 3 pessoas: 105.000 F CFA, c. 163,00 €

quinta-feira, 23 de maio de 2019

Guiné 61/74 - P19818: (Ex)citações (354): A navegação fluvial no Geba e os "barcos turras" (Manuel Amante da Rosa / Arsénio Puim)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafaá >  Sector L1 > 1969 > O sortilégio e a beleza do Rio Geba, entre o Xime e e Bambadinca, o chamado Geba Estreito, numa das fotos aéreas magníficas do Humberto Reis, ex- Fur Mil Op Esp, CCA 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). nosso querido amigo e camarada Humberto que é também aniversariante este mês. (LG)


Foto (e legenda): © Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > c. 1973/74 > Rio Geba Estreito e porto fluvial, em Bambadinca, na margem esquerda.


Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Bissau > Cais do Pidjiguiti > 1967 >  "Barcos turras", tripulantes, passageiros e esivadores


Foto (e legenda(: © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O alferes mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 2046 (1968/70), Jaime Machado, num "barco turra" (que fazia ligação Bambadinca-Bissau-Bambadinca)

Foto (e legenda): ©Jaime Machado  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Recorde-se aqui três  excelentes nacos de prosa sobre a navegação fluvila na Guine e os "heróicos barcos turras", do nosso tempo (*).

 Dois são  comentários de Manuel Amante da Rosa, e o outro um excerto das memórias do Arsénio Puim.

"Barco turra", e não no "barco dos turras"... Chamavam-se assim as embarcações civis que faziam a carreira Bissau-Xime-Bissau ou Bisssau-Bambadinca-Bissau... O pai do Manuel Amante da Rosa tinha uma carreira diária para o Xime, com o "Bubaque"... É possível que elementos do PAIGC, militantes ou simpatizantes, também utilizassem este meio de transporte... Não havia outros, a não a ser aéreos. A avioneta (civil ou militar) era um luxo... Muitos de nós, quando íamos a Bissau, utilizávamos o "barco turra"... Fardados, mas desarmados... Sem escolta, confiando na segurança que se fazia no Mato Cão e na Pona Varela...

O nosso ex-alf mil capelão Arsénio Puim (CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72) escreveu num das suas crónicas, sobre  "cruzeiro turístico" pelo Rio Geba abaixo... Vale a pena relembrar. Não sei se também se aplicava ao "Bubaque" o epíteto de "barco turra"... O Manuel Amante da Rosa já veio dizer aqui que o pai não tinha nenhum acordo com o PAIGC. Ele prestava um serviço público, de que todos beneficiavam de um lado e do outro (população, militantes e simpatizantes do PAIGC, militares portugueses...). Em 10 anos de navegação pelo Geba acima Geba abaixo, o "Bubaque" terá sido atacado uma vez, "por engano", em 1/6/1973, à uma e tal da manhã, em São Belchior, antes de chegar a Bambadinaca



O embaixador Manuel Amante da Rota, 2013.  Cortesia  da RTC - Radiotelevisão Caboverdiana].


Manuel Amante da Rosa (**)


[ex-fur mil, QG/CTIG, Bissau,1973/74 (embaixador plenipotenciário da República de Cabo Verde em Itália entre 2013 e 2018; membro da nossa Tabanca Grande; o pai, antes de se tormar empresário de trasnsportes fluvianets, tinha sido, até ao início da guerra, comerciante em Belim, Fulacunda.]


(...) a navegação fluvual e costeira na Guiné era complexa e sempre dependente do ciclo das marés. Fazia-se muito pelos canais, à vista, com pontos de referência, e de forma impírica. 

Muito raros eram os arrais, motoristas e marinheiros que sabiam ler ou escrever. Mesmo assim tornavam-se pela prática experientes navegadores e exímios maquinistas. Muitos deles eram ainda do tempo das lanchas à vela. Muitos bebiam é certo o que em certas épocas se tornava um perigo. Metê-los no porão era a melhor opção. Pude cconstatar isso por diversas vezes. Dessa vez com o meu Pai ausente e com uma tripulação quase toda bêbada de cerveja, porque os excursionistas apesar de avisados deram-lhes à vontade de beber, sem restrições, tive de ir para o leme à partida de Bubaque. 

Era um bom navio. De ferro. Dois pisos. Um antigo e batido cacilheiro, "O Amanhã" . Dotado de um potente e excelente Caterpillar que lhe fazia bater entre 10 a 12 nós em viagem. 

O meu Velho comprara-o anos antes ao Sr. Fausto, português de Setúbal, opositor do regime de Salazar, desterrado para a Guiné, nos anos 40, e que ali se tornará um reconhecido madeireiro. Era ligado ou pelo menos tinha ligações a alguns dirigentes do PAIGC. Teria sido ele a transportar Luis Cabral, durante uma noite, até à fronteira com o Senegal para que não fosse preso pela PIDE que lhe estava no encalço. Era pessoa conhecida e ter levado para Bissau uma boa embarcação e colocado o nome de "O Amanhã" diz muito. (****)

Na realidade existe muita semelhança com a navegação fluvial do Brasil. Lembro-me que a primeira coisa que fiz ao chegar um dia a Manaus foi ir para o Hotel e apanhar um táxi para o porto/mercado. revivi o Pidjiguiti tal às semelhanças. Pontão, navios no lodo, grande amplitude das marés, mesmos cheiros, gentes, embarcações parecidas e até mercadorias. Umas boas horas somente a observar, a conversar e a passar de um navio para o outro. 

Anos mais tarde em Amapá, norte do Brasil, foi a mesma constatação e subir o Amazonas de lancha ronceira até Afuá. Pormenores inesperados que refluem na memória que julgavámos há muito desgarrados. (...)



Arsénio Puim (***)




Arsénio Puim, ilha de São Miguel, Açores, 2019.
Foto: Arsénio Puim

[ açoriano, da Ilha de São Jorge, ex-alf mil capelão; foi expulso do seu Batalhão, o BART 2917, e do CTIG em maio de 1971, apenas com um ano de comissão; no final da década de 1970 deixou o sacerdócio, formou-se em enfermagem, casou-se, teve 2 filhos; vive na Ilha de São Miguel; está reformado; é membro da nossa Tabanca Grande; tem cerca de 40 referências no nosso blogue; é autor da série "Memórias de um alferes capelão", de que se publicaram doze postes]



(...) Mas as embarcações que circulavam no Geba Estreito são também barcos a motor, para transporte de pessoas e de carga, que faziam viagens regulares e prestavam um importante serviço entre a capital do território e Bafatá.

Vim, uma vez, num destes barcos da carreira civil desde Bambadinca até Bissau, numa longa e pitoresca viagem que hoje ainda recordo.

Alguns militares usavam, uma vez ou outra, este meio de transporte para se deslocarem à capital. Penso que o grande Machadinho e meu grande amigo [, alf mil Abílio Machado, nosso grã-tabanqueiro, e que pertencia igualmente à CCS/BART 2917], também ia nesta viagem, mas não tenho a certeza.

No «Bubaque», apinhado de pessoas – muitos africanos e africanas e alguns soldados portugueses –, galinhas, porcos, cabras, (tudo em muita paz), navegámos ao longo do Geba Estreito, ladeado de mato denso e misterioso e cheio de curvas muito apertadas que obrigavam o barco a manobrar bastante próximo das margens. Depois entrámos no Geba largo, cada vez mais espaçoso e aberto aos nossos olhos curiosos, de margens arborizadas e baixas, ponteado com os seus quarteis militares estrategicamente disseminados dum lado e outro do território.

Sete horas depois, agradavelmente vividas em conversação amena e, sobretudo, a olhar, profundamente, a terra da Guiné e desfrutar da sua natureza, o «Bubaque» havia passado a grande ria do Geba e entrava no porto de Bissau, quando eram cinco horas da tarde do dia 8 de Março de 1971.

Fácil se tornou para nós pensar que, não obstante serem alvo de um ou outro ataque esporádico, não seria possível estes pequenos barcos civis, indefesos e para mais trasportando elementos do exército português, circularem regularmente numa tão extensa e recôndita área fluvial se não existisse um acordo secreto entre a empresa e a guerrilha, como aliás era voz corrente.

Mas além deste possível e mais ou menos controlado obstáculo humano, todo o movimento de barcos no Geba é condicionado por um interessante fenómeno natural que dá pelo nome de macaréu.
É, em linguagem simples, uma onda, provocada pelo choque da maré com a corrente fluvial, que avança rio acima, impetuosa e com grande ruído, operando à sua passagem a transição brusca e imediata da baixamar para a preiamar, numa amplitude que pode atingir dois metros ou mais.
Neste interior da Guiné, a mais de 100 quilómetros de Bissau, várias vezes me detive junto do grande Geba para ver passar o macaréu, poderoso e cheio de mistério, admirável e sempre benvindo. (...)


 Manuel Amante da Rosa (***)


(...) Caro Arsénio Puim, alegrou-me muito saber que fez uma viagem no "Bubaque" de Bambadinca para Bissau. Muito provavelmente, se a sua jornada foi num fim-de-semana eu deveria estar a bordo. Se assim foi, deveremos ter saído do sempre atulhado e improvisado cais de Bambadinca às 11 da manhã. Uma a duas horas antes da vazante. Factor regular (horário das marés) que muito nos preocupava para não ficarmos em seco no meio do Mato Cão. 

O Bubaque era do meu Pai que o adquirira à Marinha Portuguesa e o transformara em barco de passageiro com capacidade para 140 ou 180 passageiros, após ter sido abatido à carga. Teria sido antes uma trainera algarvia que foi transformada ainda em Portugal em Lancha Patrulha (o LP4) com uma pesada casamata blindada, em ferro, a meia nau e enviada para a Guiné em principios de 1960. 

Muito patrulhou os rios da Guiné tendo inclusivamente participado na batalha do Como. Com a chegada regular das LDM e LDP as 4 LP  tornaram absoletas e foram abatidas por Decreto do Ministro da Marinha. Eram robustas, aguentavam bem o mar e todas possuiam bons motores. 

O Bubaque era muito conhecido na região do Leste. Era a carreira mais regular entre Bissau e Bambadinca e exclusivamente destinada ao transporte de passageiros e suas cargas. Era também conhecido por “Djanta Kú cia” pela sua rapidez na jornada. Significava que se podia almoçar em casa e chegar ao seu destino ainda a tempo de jantar. 

Fiz muitas e muitas viagens nesse navio, mais de dia que de noite, algumas com acidentes e avarias graves no percurso mas, estando a bordo, nunca fomos vítimas de ataque. Meu Pai sim, numa madrugada em pleno Mato Cão, por erro de identificação. Não me parece que tivesse havido alguma vez um acordo ou pagamento de passagem. Era sabido que só transportavámos passageiros e muitos deles seriam familiares próximos de quem estava na luta quando não fossem mesmo guerrilheiros ou mensageiros a caminho de Bissau e vice-versa. Transportei muitas vezes militares que demandavam e/ou outro porto Sentiam-se seguros no "Bubaque". A viagem directa Bambadinca-Bissau demorava em média de 5 a 6 horas, duas das quais na “auto-estrada” do Mato Cão a parte que mais encanto me dava. A subir era sempre menos.

No Geba largo, no tempo das chuvas e tornados, a preocupação era evidente devido às vagas curtas, sempre de través e instabilidade da massa humana a fugir da chuva ou a agachar-se do vento a sotavento dele. Nessas ocasiões aproximavamo-nos da margem oposta passando por Jabadá e Enxudé até cortar directo para oeste de Cumeré, passar entre a ponte cais e o ilhéu do Rei e atracar no Pidjiguiti. No outro dia, a favor da mare, lá se iniciava uma outra jornada. Tenho ainda vivas as mesmas imagens que tão bem descreveu das margens do Geba apertado. (...) (*****)

 ____________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 22 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19815: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LXX: Viagem, de regresso, do Gabu a Bissau, em 26/2/1968: no 'barco turra', a partir de Bambadinca (II)



(**) Vd.comentário ao poste  17 de março de  2015 > Guiné 63/74 - P14377: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (29): A Ilha das Galinhas que eu conheci e a nostalgia da "prisão" com que o Zé Carlos Schwarz ou Zé Cabalo (, no meu tempo de liceu), nos surpreende, na letra e música de "Djiu di Galinha" (Manuel Amante da Rosa)

(***) Vd. psote de 12 de dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5453: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917. Dez 69/Mai 71) (5): O grande Rio Geba


(****) Vd. poste de 20 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17489: (De) Caras (85): o testemunho de Manuel Amante da Rosa, embaixador plenipotenciário de Cabo Verde em Itália, sobre o Fausto Teixeira: "era uma figura distinta, opositor ao regime de Salazar, vigiado pela PIDE/DGS, amigo do meu pai que lhe comprou, no início dos anos 70, o último navio que ele levou para a Guiné, um antigo cacilheiro que fazia carreiras regulares para o Xime e para os Bijagós ...Morreu depois do 25 de Abril em Portugal".

Vd. também postes de:

18 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13912: (Ex)citações (247): A embarcação "Bubaque", da carreira Bissau-Bambadinca-Bissau (Manuel Amante / Jorge Araújo / J. F. Santos Ribeiro)