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terça-feira, 2 de junho de 2020

Guiné 61/74 - P21031: Meu pai, meu velho, meu camarada (61): In Memoriam: António Correia Caxaria (Atalaia, Lourinhã, 17/12/1917 - São Bartolomeu dos Galegos, Lourinhã, 1/6/2020): o últmo expedicionário de Cabo Verde, ex-fur mil, RI 5 / RI 23, São Vicente, 1941/43




1. Acabei de saber, ontem à noite, pela página do Facebook da Oestefune - Serviços Funerários Lda, com sede na Lourinhã, da morte do meu conterrâneo,  amigo e camarada do meu pai, o António Correia Caxaria, nascido na Atalaia, Lourinhã, em 17/12/1917. 

Fiquei muito triste, mesmo sabendo que ele era um resistente, ia fazer no final deste ano 103 anos. E era, muito provavelemente, o últmo, até então vivo, dos mais de 6 mil e tal homens que, durante a II Guerra Mundial, defenderam a soberania portuguesa do território de Cabo Verde, em especial nas ilhas de São Vicente, Santo Antão e Sal.

O Caxria esteve com o meu pai, Luís Henriques (1920-2012) em São Vicente, entre 1941 e 1943, ambos mobilizados pelo RI 5 (Caldas da Rainha) e integrados no RI 23.

Durante mais de meio século os dois iam, todos os anos ou quase todos os anos, ao convívio do seu batalhão, nas Caldas da Rainha. Era o Caxaria, que vivia em Lisboa, que dava boleia, de carro,  ao meu pai.

Conheci-o pessoalmente no Restaurante Foz, na Praia da Areia Branca, não há muitos anos, talvez por volta de 2012, ano em que morreu o mei pai.. Era um hoimem afável e jovial, vendendo saúde aos 90 e tais anos!... E chegou a visitar os maus pais, no Lar de Nossa Senhira da Guia, na Atalaia.

Aos sábados, era frequente encontrá-lo lá,  no Restaurante Foz, com o filho, nora e netos...Prometi-lhe que o iria visitar um dia na sua quinta, em São Bartolomeu dos Galegos,  Lourinhã... Queria ver o seu álbum de fotografias do Mindelo e São Vicente. E falar desse tempo, das suas recordações, da sua amizade e camaradagem com o meu pai e outros conterrâneos que passaram pelo RI 23.

Sei que a família fez-lhe uma bonita dos festa dos 100 anos. Ia sabendo notícias dele  através do filho ou do Restauante Foz. Hoje recebo a triste notícia de que chegou ao fim a sua viagem terrena. Aprontava-me para ir ao seu  funeral mas vejo que, por vontade expressa da família, as cerimónias fúnebres são restritas ao círculo familiar.

 Mesmo assim, estando em Lisboa, quero ver se ainda dou um salto à Lourinhã, para estar às 3 e picos, à porta da Igreja do Convento de Santo António, para lhe dizer um "Até sempre, meu pai, meu velho, meu camarada!"... Porque os pais dos nossos camaradas, para mais tendo sido expedicionários no Ultramar, também são nossos pais e camradas.

A um dos filhos, que conheço pessoalmente, o eng. Carlos Augusto Amaro Caxaria, especialista em geologia e minas (, que foi presidente, de 2013 a 2016, da EDM-Empresa de Desenvolvimento Mineiro, S.A.), endereço as minhas condolências, em meu nome pessoal, em nome da família do Luís Henriques e em nome também da Tabanca Grande (onde temos aqui vários filhos de antigos expedicionários que foram contemporâneos do Caxaria, em Cabo Verde: o Hélder Valério Sousa, o Augusto Silva Santos, o Luís Dias, o Nelson Herbert).

PS - E peço desculpa à família se algumas vezes troquei o apelido do António: Caxaria, e não Caixaria,  lapso de resto já corrihido no blogue.



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > "Parada do Dia 14/8/1942. Foto Melo"... No verso, escrito pelo punho de Luís Henriques: "Comemoração de Aljubarrota em São Vicente. Desfile de todas as tropas e viaturas. A 1ª e a 3ª companhaias do RI 5"... Seguramente que o fur mil António Caxaria também participou neste desfile,,, Infelizmente não tenho nenhuma foto dele com o meu pai... Foto do álbum de Luís Hnriques (1920-2012).

[ O nosso camarada e grã-tabanqueiro Adriano Miranda Lima,. cor inf ref, natural do Mindelo,a viver em Tomar, e agora autor de um livro sobre os expedicionáriso em Cabo Verde ao tempo da II Guerra Mundial,  descreve o sítio, num poste do blogue Praia de Bote, como sendo a Rua do Coco, e chama a a atenção para o pormenor do comandandante da companhia em segundo plano, e que vem a cavalo, como era hábito ainda na época. O dia 14 de agosto é o dia da Infantaria, ]

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Nota do editor:

quinta-feira, 19 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20751: Meu pai, meu velho, meu camarada (60): Homenagem a todos os nossos pais, no Dia do Pai... (e 1º dia do estado de emergência, decretada na sequência da pandemia do COVID-19)


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1º Cabo n.º 816/42/5,  da 4ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria do RI. 23... Tem a data de 18 de Outubro de 1943 e na legenda refere ser 'recordação de S. Vicente'.

Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra de Lume > 1º Batalhão Expedicionário do RI 11 > 1ª Companhia > 1942. 1º cabo Feliciano Delfim Santos (1922-1989), pai do nosso camarada Augusto Silva Santos.

Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos  (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas daGuiné]



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques " [, 1º cabo inf, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 1941/43, entretanto integrado no RI 23]. Nasceu (1920) e morreu (2012) na Lourinhã.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas daGuiné]




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 >  c. 1941/44 > RI 23 >  O sold aux enf, Porfírio Dias (1919-1988), 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5, que partiu para Cabo Verde no T/T Mouzinho em 18/7/1941, juntamente com o Luís Henriques (ambos eram do mesmo regimento e batalhão). Esteve lá dois anos anos e dez meses.

Foto (e legenda): © Luís Dias (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.Excerto de carta do Luís Dias ao seu pai, já falecido, António Porfírio Dias (1918-1988), alfacinha de gema, publicada aqui há 11 anos atrás (*). 

Através das suas palavras homenageamos, no Dia do Pai,  todos "os nossos pais, nossos velhos, nossos camaradas" (**)...

Pelo menos, cinco dos membros da Tabanca Grande tiveram o seu pai, em Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, integrados nas forças expedicionárias (mas  também locais, como é o caso do Armando Lopes, de que infelizmente não temos nenhuma foto como militar).  que defenderam as ilhas: Augusto Silva Santos, Hélder Sousa, Luís Dias Luís Graça e Nelson Herbert.

É impossível não violar umas das nossas regras editoriais do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné", ou seja, não falar da "atualidade"... Portugal, a Europa, o Mundo... enfrentam a pandemia do novo coronavírus COVID-19, uma série ameaça a todos nós... Foi hoje declarado, em Portugal, pela primeira vez, no atual quadro constitucional (desde 1976), o "estado de emergência", que estará em vigor até ao dia 2 de abril...

Quando a segurança, a saúde e a vida estão em causa, temos que "re-hierarquizar" as nossas necessidades, prioridades e interesses... Como diz o nosso povo, vão-se os anéis ficam os dedos...Isolados em casa, estamos a recorrer mais aos fantásticos recursos da Internet. As vídeochamadas estão a crescer exponencialmente. A Net está mais lenta, Mas é preciso estar atento também aos riscos que as redes sociais representam para a segurança informática... Por favor, caros amigos e camaradas, não nos mandem... "merdas de cornovírus digitais"...

Ajudem também o nosso blogue e a nossa página do Facebook a sair, "com saúde e em segurança", da longa quarentena em que vamos estar mergulhados... Que os bons irãs, lá no alto do poilão da nossa Tabanca Grande, nos protejam a todos/as!

Bom dia, no Dia do Pai (!), para aqueles que são pais, avós e bisavós, e também para aqueles, dos nossos camaradas, que ainda têm os pais vivos... São "fósseis" vivos, mas são os nossos heróis!... O meu, Luís Henriques (1920-2012), se fosse vivo, faria hoje 100 anos. Também passou 26 meses de "quarentena", na ilha de São Vicente, Cabo Verde, entre julho de 1941 e setembro de 1943...

Ele e tantos outros, camaradas anónimos,  são heróis esquecidos do nosso passado recente, em que cerca de 180 mil militares foram mobilizados para defender Portugal e os seus territórios de "além-mar", nomeadamemte do Atlântico Norte: Madeira, Açores, Cabo Verde... ,(Onze navios da nossa marinha mercante e da frota pesqueira foram afundados entre 1940 e 1943!... Pouca gente sabe isto... O meu pai, e o pai do Hélder Sousa e o pai do Augusto Silva Santos, e o pai do Luís Dias e os outros expedicionários em São Vicente, Santo Antão e Sal, só tinham "vapor" de dois em dois meses, com o correio e a bianda...).

Por favor, protejam-se e protejam os outros: não se esqueçam que o maldito "cornovírus" é mais "gerontófilo" do que pedófilo", gosta mais dos "velhos" do que das "crianças"...

Camarada, toma o teu lugar na trincheira deste combate. O COVID -19 não passará!... LG


Querido pai,

Hoje é dia 19 de Março...

(...) Neste dia queria lembrar que também tu foste mobilizado e enviado para Cabo Verde, no tempo da 2ª Guerra Mundial, que cumpriste também um dever que te foi imposto pelo teu/nosso país. 


Sei que a tua comissão não teve os riscos de combate, de guerra, como eu tive na Guiné, embora se falasse da possibilidade de um ataque alemão ou mesmo inglês, conforme o governo de Salazar se fosse inclinando para um lado ou para o outro, mas houve outros perigos: muita fome, doenças e as desgraças que assististe por força da tua especialidade.

Foste também vítima da habitual falta de material para cumprir com o necessário cuidado as tarefas de que eras incumbido, como Soldado Auxiliar de Enfermagem. E foi por teres utilizado umas luvas já deterioradas numa intervenção cirúrgica, em que apoiavas o médico, que depois,  ao tocares com os dedos num dos teus olhos, arranjaste o problema que te obrigou a usar óculos desde então.

Aqueles tempos de 18/7/1941 a 7/5/1944 (2 anos e 10 meses!!!), em terras de Cabo Verde, não terão sido pera doce e lembro-me da história que tu contaste do submarino alemão que atracou e que, depois de instado a sair de águas portuguesas, os alemães mantiveram-se calmamente no local e só se foram embora quando lhes apeteceu. 





Luís Dias, alf mil, CCAÇ 3491,
Dulombi, 1971/74
Mas também das mornas que tu ficaste a adorar, como adoravas o fado. E a porrada que apanhaste e que está na tua caderneta, por estares no refeitório a atirar bolinhas de pão aos teus camaradas. É mesmo para rir…!!! Não havia mais nada para os teus superiores se entreterem? E um dos louvores por teres agarrado o cavalo do comandante que tinha tomado o freio nos dentes…. e que tu dizias que só o agarraste porque não sabias que o cavalo estava enlouquecido...porque se soubesses deixava-lo fugir! Ah!AhAh!

Lembro-me da alegria que tiveste quando fui promovido a Aspirante a Oficial Miliciano e, se a mãe chorava, quase diariamente, como tu me contaste, quando eu estava na Guiné, ela também me contou das tuas lágrimas quando aos fins-de-semana me ajudavas a levar a mala até às camionetas, que me levavam a Mafra e depois a Abrantes de regresso ao quartel.

Sempre te fizeste de forte, mas eu sei o quanto também sofreste, enquanto eu por África andava. Imaginavas os horrores que devíamos estar a enfrentar, pensando no que tu também passaras. (...)

 A nossa Lisboa continua linda e o Tejo, com o qual tanto conviveste, em virtude da tua profissão (Conferente Marítimo), está hoje mais perto da cidade, numa aliança muito importante para os lisboetas.

(...) Pai, estou a invocar-te aqui no blogue da minha companhia, porque tu também foste um mobilizado para África. Um, entre os muitos milhares que a Pátria foi lançando para as terras bravas e quentes daquele Continente. Foste um soldado português, como nós fomos. 


O país, como aos combatentes da 1ª Grande Guerra, onde o meu avô também esteve, aos do teu tempo, aos da Índia e a nós combatentes da guerra colonial, nunca nos agradeceu, porque é ingrato ou, se calhar, também não mereceu tanta brava gente.

Um abraço saudoso de teu filho. Um dia, quando Deus quiser, iremos voltar a abraçar-nos.

Luís Dias
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9657: Meu pai, meu velho, meu camarada (26): Porfírio Dias (1919-1988), ex-sold aux enf, Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (de 18 de julho de 1941 a 7 de maio de 1944) (Luís Dias)

(**) Último poste da sére > 9 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Guiné 61/74 - P20627: Agenda cultural (727): lançamento, hoje, às 18h00, no Mindelo, ilha de São Vicente, da obra "Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial”, do cor inf ref e nosso grã-tabanqueiro, Adriano Miranda Lima


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >"As peças anti-aéreas do Monte Sossego; fotografia oferecida pelo  meu amigo [e conterrâneo, da Lourinhã] Boaventura [Horta] em 21/3/43."´ (*)

Foto (e legenda): © Luís Henriques (1920-2014) / Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




A obra “Forças Expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial”, do nosso camarada Adriano Miranda Lima, cor inf ref,  vai ser lançada, hoje ao fim da tarde, às 18h00, no Mindelo, Ilha de São Vicente, Cabo Verde (**). A notícia foi-nos dada ontem às 16h pelo Manuel Amante da Rosa, nosso grã-tabanqueiro, que tenciona estar presente hoje, no evento.

Segundo o blogue Praia de Bote, o lançamento estava previsto para ontem,  e contaria com a com a presença do Chefe de Estado Maior das Forças Armadas de Cabo Verde, estando a apresentação a cargo da  dr.ª Ana Cordeiro, historiadora e antiga directora do Centro Cultural Português do Instituto Camões (Pólo do Mindelo), e sendo o autor, Adriano Miranda Lima,  representado pelo seu primo José Carlos Soulé.

Adriano Miranda Lima, que reside  em Tomar, nasceu no Mindelo,  S. Vicente .  Durante a guerra colonial, esteve em Angola e Moçambique. Prestou serviço durante muitos anos no RI 15 (Tomar). Esteve 40 anos sem voltar à sua terra.  Tem 15 referências no nosso blogue.

É colaborador assíduo do blogue Praia de Bote, onde  publicou,  em 2012  cerca de uma dezenas de postes sobre as forças expedicionárias a Cabo Verde na II Guerra Mundial. Colaborámos com ele autorizando a reprodução de algumas fotos dos álbuns dos "nossos pais, nossos velhos, nossos camaradas", que integararam essas forças, tendo passado  pelas ilhas de São Vicente, São Anão e/ou Sal. É também um grande defensor do património cultural de Cabo Verde.

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Sinopse:

Já quase se perde na memória do povo das ilhas que, entre 1941 e 1945, durante a II Guerra Mundial, forças militares de 5820 homens, destacadas pela então Metrópole, desembarcaram em Cabo Verde e distribuíram-se por S. Vicente (3015), Sal (2100) e S. Antão (705), onde prepararam posições defensivas contra um eventual invasor. 

Tudo aconteceu porque Portugal, embora neutro no conflito, foi pressionado pela Inglaterra e pelos EUA a reforçar a defesa das suas ilhas atlânticas (Açores, Cabo Verde e Madeira) para evitar que a Alemanha as ocupasse e tirasse proveito do seu potencial estratégico.

É de tudo um pouco que fala o livro. Da actividade militar e seus envolventes e vicissitudes de ordem operacional e logística, mas também do alvoroço que a presença das tropas representou para a rotina e a pacatez das ilhas. A narrativa debruça-se sobre a interacção dinâmica das forças militares com as circunstâncias concretas que as envolveram no quadro da sua missão, e abre espaço, e bastante, para pôr em evidência as múltiplas situações em que os militares interagiram com as populações e a sociedade civil.

Daí que haja muitas histórias para contar, e algumas de grata memória para as populações, como a acção médica e o apoio sanitário que as tropas disponibilizaram para os civis, em que se destaca sobremaneira a figura grandiosa do capitão médico José Baptista de Sousa, cuja imagem ainda perdura na memória do povo de S. Vicente. Para não falar também das sobras de rancho que mataram a fome a muitas pessoas carentes, iniciativa em que se destacou o comandante de companhia capitão Fernando Marques e Oliveira.

Relevo merece igualmente o pano de fundo social em que se desenrolou a missão das Forças Expedicionárias. As nossas ilhas foram à época assoladas por uma seca prolongada que, agravada pelo descaso ou pela inoperância do governo central, vitimou 24.463 criaturas, sobretudo aquelas que dependiam exclusivamente da agricultura para a sua sobrevivência. 

Do lado das Forças Expedicionárias reveste significado estatístico a circunstância da morte de 68 militares, trágica ironia porque as mortes não resultaram de acções violentas ligadas à actividade militar mas de doenças infecciosas que poderiam ter sido debeladas caso a penicilina estivesse já disponível em território nacional. Nesta particularidade, o quadro de carências era comum à população civil e à militar.

Portanto, nas 250 páginas do livro a historiografia cruza-se com a sociologia e conta histórias reais de homens fardados e de vidas humanas.

Fonte: Com a devida vénia ao blogue Praia de Bote, fundado e editado por Joaquim Saial, e de que o Adriano Lima  é um assíduo colaborador.

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(**) Último poste da série > 27 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20600: Agenda cultural (726): Seminário de História do Colonialismo #2, dia 28 de Janeiro de 2020, pelas 15h30, Campus de Campolide da Nova

sábado, 9 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"



Com a devida vénia, da página do Facebook do Instituto do Património Cultural da República de Cabo Verde.


1. Lê-se na ONU News, com data de anteontem, dia 7

"A morna de Cabo Verde deu mais um passo no processo de inscrição para o Patrimônio Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco. Nesta quinta-feira, o Comitê de Avaliação do Patrimônio Cultural aceitou a inscrição do gênero musical, mas a decisão final será ratificada, em dezembro, pela Unesco, durante reunião na Colômbia."

O dia foi de grande júbilo  para todos os cabo-verdianos, dentro e fora da Pátria, e naturalmente para os amigos de Cabo-Verde e da sua música, em geral, e da morna, em particular,

Falando à ONU News, da cidade da Praia, Sandra Mascarenhas, diretora do Instituto do Património Cultural, "explicou o impacto da decisão para o povo em Cabo Verde e nas diásporas cabo-verdianas pelo mundo":

“A inscrição da morna na lista representativa da Unesco representa para os cabo-verdianos o reconhecimento daquela que consideram ser a sua música maior, um reconhecimento identitário por excelência. À semelhança do que aconteceu com o fado, eleva a morna a uma categoria que transcende o próprio país. Para a diáspora, que sempre se vê e se revê na morna, será um reconhecimento daquilo que os identifica como cabo-verdianos. É a autoestima de toda uma nação que é elevada.”

E acrescenta o ONU News: "Tradicionalmente, a morna é tocada com instrumentos acústicos, sobretudo violão, e canta temas como amor à terra, partida para o estrangeiro e saudade".


2. O "meu pai, meu velho, meu camarada", Luís Henriques (1920-2012), estaria hoje feliz, se fosse vivo e estivesse lúcido, com esta notícia... Ele que tanto amava Cabo Verde (onde foi expedicionário, em 1941-43) e que me passou o gosto pelas mornas e pela morabeza cabo-verdiana... 

Cantarolava, em crioulo,  algumas mornas do seu tempo, que acabaram por  me ficar na memória como a célebre "Maria Bárbara, canta mais uma morna",  celebrizada já no meu tempo pelo grande Bana (que eu descobri no pós-25 de Abril, por volta de 1979/80,   no seu restaurante "Monte Cara", na Rua do Sol ao Rato; com outro nome, o sítio já era popular tornou-se popular, em finais de 1976, graças sobretudo à música do grupo Voz de Cabo-Verde, a mítica banda de Luís Morais & Companhia)

Há tempos deu-me curiosidade em saber quem era essa "Maria Barba"e o que dizia a letra da morna... Encontrei o seguinte no Blogue ArrozCaTum > terça-feira, 11 de agosto de 2015 >

 [8362] - A SAGA DE MARIA BARBA...  [Excertos, com a devida vénia...]

(...) O amigo Artur Mendes é senhor de uma curiosidade científica acima da média e essa característica não é raro colocá-lo na senda de autênticas pérolas da História e das Gentes de Cabo Verde... Neste caso, colocou-se em contacto com a Nanie Lima, que se apelida a si própria de "The Creola Genealogist" - e de quem há dias publicámos umas fotos antiquíssimas - no sentido de tentar desvendar o segredo de Maria Barba de quem, afinal, apenas se conhecia o nome da Morna com o mesmo nome e que o Bana popularizou... Pois bem...Nanie Lima não se deu por achada e respondeu à curiosidade do Artur com o trabalho que passamos a reproduzir, depois de traduzido do original, em inglês dos EUA...

Foto: Dias Mulheres da Boa Vista, 1926. Nanie Lima (2015),
 com a devida vénia
"Há algum tempo postei no Face Book uma foto com o título "Retrato de Duas Mulheres", que ilustrava as figuras de duas jovens e que concitou grande curiosidade...(Duas mulheres da Boavista - 1926).

Muita gente me perguntou quem eram elas mas, ao tempo, eu não fazia a mais pálida ideia... Por isso, foquei toda a minha atenção naquilo a que eu chamo "os narizes Lima" e constatei que elas tinham o mesmo nariz da minha avó Joana Fortes Lima Gomes e de outro membro da família, o Padre Manuel Antonio de Brito Lima (...).
Maria Barba, Boavista, s/d.
Foto de Nanie Lima (2015)

A foto das duas mulheres foi reeditada por vários amigos e, por fim, obtive de Joana Lima Ramos, da Boavista, a informação de que se tratava de Maria Bárbara e Nha Luci... À minha insistência para confirmação, garantiu que, na realidade, se tratava de MARIA BARBA, a célebre cantadeira de mornas que, no auge da sua carreira, chegou a cantar na I Exposição Colonial de Lisboa  [, ou melhor do Porto, no Palácio Cristal], em 1934...

A única foto que dela consegui não é de grande qualidade e não faz decerto jus à sua figura,  ela que era ainda muito jovem quando casou, tendo tido o primeiro filho em 1930...A foto é de 1926.

Maria Barba (Bárbara) nasceu na Boavista, em 1910 e ali faleceu, em 1974. Ficou célebre através da morna "Maria Barba" que me habituei a ouvir, vezes sem conta, durante a minha infância... Sinto-me, pois, honrada por poder dar este testemunho de uma mulher da ilha dos meus antepassados Limas! (...)



3. "Maria Barba", cantada por Bana, letra recolhida e fixada pelo autor do blogue "ArrozCaTum, Zito Azevedo


Maria Barba, canta mais uma Morna
Para despedida do Sr. Tenente Serra ) (2 vezes)

S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más 
‘m ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Pâ matança di gafanhôt
Oh, Sr. Tenente, oli cóbe d’plícia e cheo
Djál bem bscóme
Ai, s’um ca bai, el tâ mandam’
Prese pâ Porte, oi, oi,...


Quem é o chefe desta povoação ?
Porque Maria Barba tu não vais ainda (2 vezes)

Nôs cóbe-chef ê Nhô Tôc d’Chuc Canóche
Amim’ ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte
Amim’‘m câ tem q’êm raspondê pa mim,oi,oi 
Maria Barba, canta mais uma Morna

Porque eu falarei com o vosso cabo chefe, 
Maria Barba, canta mais uma Morna
Se tu fores presa, responderei por ti.

Saúde, Sr. Tenente, saúde Sr. Inginher
Um muito obrigada de Maria Barba
Oh S’nhôr Ten. Serra ora bocê bai pâ Lisboa
Ai câ bocê squêcê di nôs, oi, oi, ...

Maria Barba não me esquecerei de vocês. 


4. Tradução das partes em crioulo para português, da responsabilidade do editor LG,  a partir de versão francesa (cortesia de "Cape Vert, Mindelo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" )

(...)

- Senhor tenente,
eu não posso cantar mais,,
Tenho de ir ar à Manga
Para caçar gafanhotos.
Oh, senhor tenente, tem ali o cabo chefe
que me vem buscar,
se eu não for, ele vai-me mandar
para a prisão do porto.
(...)

- O nosso cabo chefe chama-se
Nho Toc d'Chuc Canoche,
Vou a caminho da Manga,
A minha mãe está doente, o  meu pai já morreu,
Ai, não tenho ninguém que cuide de mim.

(...)
Saúde, senhor tenente,
Saúde, senhor engenheiro,
Um muito obrigado da Maria Bárbara,
Oh, senhor tenente Serra,
Quando regressar a Lisboa,
Não se esqueça de mim. (...)


5. Nota do editor do blogue ArrozCaTum:
O amigo Adriano [Miranda Lima, membro da nossa Tabanca Grande, colaborador permanente do blogue Praia do Bote}, que teve conhecimento deste trabalho, ainda andou a indagar por informações do "tenente Serra" e chegou à conclusão de que não era oficial do exército...Houve, depois, informação obtida por Rui Machado, de que teria sido um oficial da Armada que terá estado destacado na Boavista em serviços de hidrografia e se terá encantado pelas mornas de Maria Barba-
6. Notas,  em francês,  do sítio  "Cape Vert, Min(delo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" , taduzidas para português pelo nosso editor LG (e que este  não pôde  validar pelo confronto com outras fontes, para além da Nanie Lima)

A jovem Maria Barba [, nascida na Boavista, em 1910,]  tinha dois filhos. [O primeiro nasceu em 1930, tuinha ela 20 anos, segundo Nanie Lima.]

Em junho de 1934, integrou a delegação cabo-verdiana enviada à Exposição Colonial Portuguesa no Porto [, e não em Lisboa, como escreveu, por lapso, a Nanie Lima]...

Mais tarde,  já no início da década de 1940, quando a seca e a fome atingiram o arquipélago [, 1941/43,], ela deixou a ilha de Boa Vista e partiu para o continente africano.

Desembarcou na Gâmbia e estabeleceu-se na Guiné-Bissau onde morreu em 1974. [Nanie Lima diz que ela nasceu e morreu na Boa Vista.]

Por sua vez, a equipa que o tenente Serra acompanhou, percorreu o arquipélago de julho de 1926 a dezembro de 1931 [, no ambito de uma missão geográfica.] 

Em Boa Vista, este militar terá tido duas filhas com D. Vitória Santos Brito. Em Lisboa, ele interpretará esta morna perante vários amigos e terá escrito a Dona Vitoria para apresentar cumprimentos à Maria Barba..

Quanto à praga de gafanhotos, a que se refere a letra da morna... Eram frequentes nessa época, e ainda hoje.  E cada família era obrigada a enviar um dos seus elementos para combatê-los, protegendo as culturas da ilha. Na véspera do encontro com o tenente Serra, a Maria Barba estava escalada para esse efeito, e não tinha quem a pudesse substituir [, tendo o pai morrido e a mãe estando doente: "Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte". ]

Ao que parece, muitos  anos mais tarde, Bana gravou a morna, modificando a letra  (ou alguém por ele...), ao falar de um "pai malandro" ["Nha mae é fraca e nha pai é malandre"], uma versão que terá chocado a criadora deste tema, que continuou a interpretá-lo sem nunca, todavia,  ter conseguido  obter o reconhecimento (legal) da sua autoria. É considerada um a"morna tradicional".

[Mas estas notas foram  publicadas em 2015, no sítio "Cape Vert, Mindelo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" , baseando-se  nos "trabalhos sucessivos de Noel Fortes, Rui Machado e Otilia Leitão. Fizemos uma adaptação livre das notas.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17602: Meu pai, meu velho, meu camarada (58): Ilha de São Vicente, Lazareto - Parte I [álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943]

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20160: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (14): continuando a falar de..."futebol, elites e nacionalismo"


Gâmbia > Bathurst > 1953 > Comemorações da entronização da Rainha Isabel II, de Inglaterra (n. 1926) > Foto da seleção de futebol da Província Portuguesa da Guiné > De pé, da esquerda para a direita, Antero Bubu (Sport Bissau e Benfica; capitão), Douglas (Sport Bissau e Benfica), Armando Lopes (, pai do nosso amigo Nelson Herbert) (UDIB), Theca (Sport Bissau e Benfica), Epifânio (UDIB) e Nanduco (UDIB); de joelhos, também da esquerda para a direita: Mário Silva (Sport Bissau e Benfica), Miguel Pérola (Sporting Club de Bissau), Júlio Almeida (UDIB), Emílio Sinais (Sport Bissau e Benfica, Joãozinho Burgo ( Sport Bissau e Benfica) e João Coronel (Sport Bissau e Benfica).

No 1º jogo, a seleção da Guiné ganhou à seleção da Gâmbia por 2-0, com golos de Joãozinho Burgo (, falecido recentemente em Portugal 22/1/2019); no 2º jogo, as duas seleções empataram 2-2 (com golos, pela Guiné, de Mário Silva e Joãozinho Burgo). Antiga colónia inglesa, a Gâmbia acederá à independência em 1965.

Legenda de João Burgo Correia Tavares: vd. livro Norberto Tavares de Carvalho - "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita", Porto, edição de autor, 2011, p. 41.

Foto: © Armando Lopes / Nelson Herbert (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Quer queiramos quer não, não conseguimos deixar de falar... de futebol. Temos mais de seis dezenas de referências no nosso blogue... Hoje retomamos o tema "futebol e nacionalismo" (*)...  E continuamos a celebrar os nossos 15 de existência, enquanto blogue e enquanto grupo de amigos e camaradas da Guiné que se reune à sombra do simbólico poilão daTabanca Grande (**)

Fomos encontrar, no livro do Norberto Tavares de Carvalho, a foto acima, já nossa conhecida, da seleção de futebol da província portuguesa da Guiné, onde figura o Armando Lopes (jogador da UDIB, pai do nosso amigo Nelson Herbert, e que também era conhecido como Búfalo Bill).

Recorde-se que ele fez o seu serviço militar no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, em 1943, na altura em que também lá estava, como expedicionário, o meu pai, meu velho e meu camarada, Luís Henriques; ambos nasceram em 1920 e, infelizmente, já faleceram od dois, o meu, em 2012, o pai do Nelson Herbert, mais recentemente, em 2018. Ambos tinham igualmente uma paixão pelo futebol...

A foto que publicamos acima,  é do arquivo pessoal do João Nascimento Burgo Correia (ou Corrêa) Tavares, o Joãozinho Burgo, do Sport Bissau e Benfica... Mas o nosso blogue já tinha publicada uma igual, em 15 de agosto de 2010, do arquivo do Armando Lopes / Nelson Herbert.

Cabo-verdiano, da ilha do Fogo, onde nasceu em 1929, Joãozinho Burgo era mais novo do que o Armando Lopes (1920-2018),  mas mais velho que o Bobo Keita (1939-2009). O auge da sua carreira é em 1960, com o apuramento da seleção de futebol da Guiné para a fase de qualificação para a disputa da taça Kwame Nkrumah.

Vencedora da Série D, a seleção guineense foi disputar a final em Acra, capital do Gana: além de Joãozinho Burgo, fizeram parte dessa equipa Bobo Keita, Júlio Semedo (Swift, guarda-redes), Antero 'Bubu', Vitor Mendes (Penicilina), 'Djinha', João de Deus, 'Chito', Luís 'Djató', 'Nhartanga' (que jogará depois em Portugal), entre outros...

O Joãozinho Burgo deixou de jogar já época, distante,  de 1966/67, para de seguida ir tirar o curso de treinador, ainda em 1967, em Setúbal (onde teve como colegas de curso o José Augusto, o Coluna e o Cavém) (p. 36).

O Bobo Keita, mais novo (1939-2009), embora sportinguista de coração, assinou e jogou pelo Sport Bissau e Benfica, clube do seu pai, alfaiate... O mais interessante era verificar a grande popularidade que tinha o futebol nessa época, nomeadamente em Bissau, mas também no interior (primeiro em Bolama, depois Bissau, Mansoa, Bafatá...).

O futebol também foi um viveiro de militantes, combatentes e dirigentes do PAIGC (Júlio Almeida, Júlio Semedo, Bobo Keita, Lino Correia...). Era interessante aprofundar as razões deste fenómenos...


Guiné > Bissau > Março de 1970 > Estádio Sarmento Rodrigues (hoje, Estádio Lino Correia) > Jogo de futebol entre o Sporting de Bissau e a UDIB, com transmissão radiofónica. Se a memória não me falha, quem fazia o relato era o Carlos Soares (está numa mesa). Vemos à esquerda, a zona onde se localizava a Verbena e o Cinema UDIB.  O estádio foi construído em 1947 e electrificado, já no tempo de Spínola, em 1971. O Lino Correio, antigo jogador da UDIB, morreu precocemente, em 25/11/1962, em Conacri, de acidente, numa sessão de preparação física. 

Foto do nosso grã-tabanqueiro, Arménio Estorninho (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Os Maiorais, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70).

Foto (e legenda): © Arménio Estorninho (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Recorde-se que o Júlio Almeida, antigo funcionário da granja de Pessubé, que trabalhou com Amilcar Cabral, é referenciado como um dos fundadores, em 1956, do PAIGC, ou melhor do PAI, mais tarde PAIGC. Segundo informação do Nelson Herbert, a indicação e a consequente transferência de Júlio Almeida do futebol mindelense (São Vicente, Cabo Verde) para a UDIB de Bissau foi iniciada, a pedido do clube guineense, no ínício dos anos 50, pelo seu pai, Armadndo Lopes, que na altura estaava a passar férias em S. Vicente, a ilha de natal de ambos.

Bobo Keita, que nasceu no Cupelom [ ou Pilão] de Baixo, em Bissau, jogava na equipa do bairro, o Estrela Negra... Dela faziam parte futuros militantes nacionalistas como o Umaro Djaló, Julião Lopes, Corona, Ansumane Mané (outro que não o brigadeiro), Lino Correia (que era de Mansoa)... Keita, miúdo de rua, não tinha botas. As primeiras que teve foram-lhe emprestadas (e depois dadas) pelo Sport Bissau e  Benfica. Jogou com elas em Mansoa. Jogará depois nos juniores do Benfica e, dada o seu talento, chega rapidamente à seleção provincial.

Tinha então 17 anos. Como a idade mínima legal eram os 18, à face das normas internacionais do futebol, tiveram que lhe fazer uma "nova" certidão de nascimento (sic)... "A partir daí, segundo as circunstâncias, passei a exibir dois bilhetes de identidade, um com dezassete anos e outro com dezoito anos", confidencia o Bobo keita ao seu biógrafo (p. 31).

Acabou por jogar a defesa direito no Benfica. Dos juniores passa às reservas e depois à equipa principal. Para além de ser o orgulho do seu pai, tornou-se muito popular entre os adeptos. O grande dérbi, em Bissau, eram o jogo Benfica-Sporting. Na época, o Benfica era de longe a melhor equipa de futebol da província, recheada de estrelas (que integravam por sua vez a seleção da província).

Foi o Victor Mendes, um treinador português, que levou Bobo Keita para a seleção e que o pôs a jogar como defesa lateral esquerdo, depois de muito trabalho... Outro clube cotado localmente era o UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau, onde jogava o seu primo João de Deus.

Nas conversas com Noberto Tavares de Carvalho, Bobo Keita recorda o Torneio da África Ocidental, que começou na Ilha de São Vicente, Cabo Verde, em 1958, e que juntou outras  seleções (Cabo Verde, Senegal, Gâmbia e Guiné-Conacri) (pp. 39-40). Também, jogou na Gâmbia, onde a seleção guineense era, de há muito, temida, desde o tempo do Armando Lopes.

E acrescenta o Nelson Herbert: "Convém não perder de vista que ante a então apertada vigilância da PIDE, a 'bola' foi por sinal a via encontrada por Amílcar Cabral para a conglomeração, na periferia de Bissau, de guineenses e cabo-verdianos em redor de ideais nacionalistas.

"E falando ainda de futebol, recordo ter lido em tempos no blogue um poste que fazia referência ao papel dos soldados portugueses na Guiné, na 'massificação'  do futebol naquela antiga província ultramarina."

2. Mas voltando ao Bobo Keita e à selecção de futebol da Guiné, que foi apurada para a final da taça Kwame Nkrumah, jogada em  Acra, capital do Gana, em 1959. 

O encontro com o presidente Kwame Nkrumah terá sido decisivo na vida de Bobo Keita. Recorde-se que a antiga colónia inglesa, Golden Coast, a Costa do Ouro, proclama oficialmente a sua independência em 6 de Março de 1957. Nkrumah, num cerimónia de receção nos jardins do seu palácio, incentivou então os jovens futebolistas a lutarem pela independência dos seus países. 

Em 1 de outubro de 1960, Keita está em Lagos, capital da Nigéria, outra vez num torneio de futebol, por ocasião das festas da independência de mais um grande país africano (p. 44-46). Que memórias guarda desse tempo ?

"Como acontecera com o discurso do Nkrumah, fui de novo sacudido por um mar de interrogações, sempre falando com os meus botões e acabando por concluir que tudo aquilo era bonito, mas completamente impensável na Guiné. No entanto, pela segunda vez, o acaso punha-me de caras com os pensamentos revolucionários daquele tempo. Só que desta vez senti algo a despertar em mim" (p. 45)...

E mais à frente acrescenta, na entrevista com Norberto Tavares de Carvalho, publicada em livro, que temos vindo a citar:

"Fiquei com aquela imagem de um povo confiante, independente e livre. Esse quadro ficou gravado em mim como o segundo factor de formação da minha consciência nacionalista" (p. 46).

Três meses depois, em 26 de dezembro desse ano, Bobo Keita, que tinha apenas a 4ª classe da instrução primária, "vai no mato", isto é, entra na clandestinidade, mais exatamente segue em viagem para o sul, disfarçado de alfaiate, mas com destino certo: Conacri. Em 12 de janeiro de 1961 tem à sua frente Amílcar Cabral, o homem que lhe tinha dado um bola, quando "djubi" do Cupelom, seu bairro natal...

Como é que um jovem e promissor jogador de futebol chega até aqui, ou seja, entra em ruptura com a sociedade onde, mal ou bem, está integrado ? Antes de mais, é de referir o sentimento de injustiça e de revolta que começa a apoderar-se dos jovens jogadores da seleção da Guiné. Na Nigéria não recebem os prometidos e ansiados prémios de jogos. Sentem-se explorados e inferiorizados quando comparados com os jogadores das outras seleções africanas, em particular os nigerianos. Na capital da Gâmbia, Bathurst, o conflito, latente, estala, passando a conflito aberto, manifesto... Recusam-se a jogar... Acabam por ceder para "não ficarmos mal vistos" (p. 48), mas recebem no final o dinheiro prometido...

Os dirigentes da seleção estranharam o comportamento jogadores e não gostaram... No regresso a Bissau, entra a PIDE em ação. O ambiente é de crispação, dentro e fora do balneário. Chegou-se a pensar prender toda a selecção, mas acabou por imperar o bom senso... Os jogadores, incluindo Bobo Keita, foram discretamente interrogados, um a um, pela PIDE nas instalações dos Bombeiros Voluntários de Bissau (pp. 52 e ss.). Dada a sua popularidade, os jogadores da seleção, envolvidos no conflito passado na Gâmbia, acabaram por se safar... Acrescenta o Bobo Keita, que até o próprio Governador, na altura o Peixoto Correia [1913-1988; governador entre 1958 e 1962], "uma ardente adepto do futebol", não terá apreciado a ação da PIDE (p. 53)...



Guiné > Região de Bafatá  > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A valorosa equipa de futebol da CCAÇ 12, que disputou campeonatos em Bafatá...  Supremacia branca, discriminação racial, elitismo ?... Nada disso, os graduados e especialistas metropolitanos da companhia eram apenas um terço; o resto da companhia era do recrutamento local, de etnia fula... Os fulas, pastores, místicos  e guerreiros,  não jogavam à bola, ou   não tinham especial apetência pela prática do futebolmuitos deles numa tinham visto uma bola de futebol, ou um equipamento desportivo, lá nas suas tabancas dos regulados de Badora e de Cossé...

Mas é bom lembrar que, na Guiné do nosso tempo, e devido à guerra o futebol estava praticamente confinado a Bissau... se bem, que houvesse também equipas de futebol no interior (Bafatá, Mansoa)... Do Clube de Futebol Os Balantas de Mansoa (Mansoa) [Região do Oio], era, ao que parece o Corca Só, lendário comandante do PAIGC que um dia terá prometido "limpar o sebo" ao "Tigre de Missirá", o nosso amigo e camarada Mário Beja Santos...

Enfim, o futebol continuava a ser  o desporto, por eleição, dos "tugas", no final dos anos 60...mas também fora um viveiro de dirigentes e militantes do PAIGC no início da década...

Os "tugas" da CXAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71=, aqui fotografados,  da esquerda para a direita, são, na primeira fila:

(i) Gabriel Çonçalves, o "GG" (1º cabo cripto, vive em Lisboa),

(ii) Francisco Moreira (alf mil op esp, cmdt do 1º Gr Comb, vive em Santo Tirso);

(iii) Arlindo Roda (fur mil at inf,. do 3º Gr Comb, vive em Setúbal);

(iv) Arménio Fonseca, o "Campanhã" (sold at inf, 1º Gr Comb, vive no Porto);
(v) e o guarda-redes, João Rito Marques (o 1º cabo quarteleiro, vive no Souto, Sabugal);

e na segunda fila:

(vi) Fernando Sousa (1º cabo aux enf, vive na Trofa),

(vii) Luciano Pereira de Silva (1º cabo at inf, 4º Gr Comb, natural de São Mamede do Coronado, Trofa, emigrado em França);

(viii) Fernando B. Gonçalves (1º cabo aux enf, que veio substituir o 1º cabo aux José M. Sousa Faleiro, evacuado logo no início para o Hospital Militar de Doenças Infecto-Contagiosas; morada atual desconhecida)

(ix) Alcino Carvalho Braga (sold cond auto; vive em Lisboa)

(xi) Manuel Alberto Faria Branco (1º cabo at inf, 2º Gr Comb; vive na Póvoa do Varzim)

(xi) e o António Manuel Martins Branquinho (fur mil at inf, 1º Gr Comb; falecido, vivia em Évora).

Foto: © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas de leitura:

(*) Vd. postes de:



(**) Último poste da série > 24 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20091: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (13): Hoje faz anos, 73, o António Fernando Marques... Porque recordar é viver duas vezes, e blogar é três... Relembramos o fatídico dia, 13/1/1971, em que o PAIGC nos quis mandar para os anjinhos... O meu querido Marquês, sem acento circunflexo, tem filhos, netos, amigos e camaradas que o adoram... E o Mário Mendes, morto de morte matada 16 meses depois... será que alguém ainda o recorda na sua terra natal? (Luís Graça)

sábado, 7 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20129: O nosso livro de visitas (202): O nosso amigo e grã-tabanqueiro, Nelson Herbert Lopes, dos EUA, a "partir mantenhas" e a pedir informações sobre postes relativos aos trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965 (Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Herbert Lopes [, jornalista, nascido em Bissau, filho da antiga glória do futebol cabo-verdiano e guineense, Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill; vive nos EUA, onde trabalha ou trabalhou na VOA - Voice of America; tem mais de meia centena de referências no nosso blogue]: 

Data - segunda, 19/08, 20:28

Assunto - Só pra falar Mantenha!

 Luís e Carlos:

Antes de mais para saber de notícias dos meus amigos... pelo que faço votos, desde já, que estejam ambos desfrutando de uma boa saúde.

Mas, é também propósito deste email recorrer a um préstimo vosso... o aceder aos postes do blogue referentes às mortes/ataques/acontecimentos registados em 1965 na Tabanca de Morkunda [, Morocunda,] em Farim.

 Li no blog, e já faz tempo, alguns postes alusivos ao acontecido. E como voltar a aceder a esses “postados” ?

 Um abraço aos dois.

Nelson Herbert Lopes

 PS - Luís, a esta hora quem sabe os nossos “Mais Velhos” já tenham se encontrado lá no Céu e a “rememorar” as peripécias e experiência de ambos na ida década 40 do século passado como integrantes da força expedicionária portuguesa em São Vicente, Cabo Verde. E que meu pai faleceu em Dezembro último (2018) em Cabo Verde, tendo sido sepultado no seu Mindelo Natal. Mantenhas e um rijo abraço aos “Tabanqueiros”... da nossa, porque minha também, Tabanca Grande.


2. Resposta do nosso coeditor Carlos Vinhal:

Caro Nelson Herbert:

Não sei se o Luís já lhe deu resposta. Em todo o caso aqui está a minha ajuda. Pode aceder à informação que pretende através do descritor Morocunda [, um bairro de Farim, na altura, em 1965].

 Quem fala dessa tragédia é o António Bastos (**).

Lembro que ao navegar na página, encontrará no rodapé ao lado direito, uma ligação para os posts (mensagens) mais antigos. Fará sempre isso até receber a informação de voltar à página inicial.
Com respeito à saúde, tudo bem, tirando um ou outro sobressalto próprio da "septuagenidade". Obrigado pelo cuidado.
Esperando que esteja tudo bem consigo, deixo-lhe um abraço em meu nome pessoal e do resto da malta que ainda sobrevive por aqui. (***)

(**) Vd. postes de:


sábado, 27 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P20014: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (55): O meu pai, El-Hadj Aliu Baldé (Tamba), falecido em 1999, com cerca de 80 anos: como bom fula e muçulmano, aceitava e suportava com dignidade o domínio dos brancos (portugueses e franceses), mas sempre desconfiado da sua comida, da sua ciência e das suas reais intenções a longo prazo.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Fajonquito > 1991 > Festa de Ramadão > El-Hadj Aliu Baldé (Tamba), o pai do Cherno > Em 1937 fez parte do grupo de jovens que saiu de Canhamina para Contuboel para receber e homenagear os combatentes de Sancorlã que participaram na última guerra de Canhabaque (Ilhas Bijagós)...

[Recorde-se: em rigor, foi uma expedição punitiva, contra os bijagós que se recusavam a pagar o "imposto de palhota", também conhecida por "quarta e última campanha de Canhabaque", decorrendo de 10 de novembro de 1935 a 20 de fevereiro de 1936... O pai do Cherno faleceu em Bissau em setembro de 1999, provavelmente com 80 anos. Recorde-se aqui que El Hadj é um título honorífico reservado ao crente muçulmano que, em vida, consegue ter a felicidade de fazer, com sucesso, pelo menos uma peregrinação anual, Hajj, a Meca]

Foto (e legenda): © Cherno Baldé (2011). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Cherno Baldé, Quichinau, Moldávia,
dezembro de 1985, aos 25 anos.   Formou-se
 em economia,  em Kiev, Ucrânia.
Fez uma pós-graduação  no ISCTE, Lisboa, 
em 1992/94, já casado com
Geralda Santos Rocha,
natural de Bissau, de origem nalu.
O casal tem 4 filhos.
1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P20005 (*):

Caros amigos,

Como já tive ocasião de dizer nas minhas memórias de infância, o meu pai era um homem muito decidido e sensato para a sua época e, ao mesmo tempo, era um homem de convicções muito fortes, sobretudo religiosas. (**)

Da mesma forma que nunca aceitou a ideia da chegada do homem a lua, também não aceitava a teoria da terra redonda. Não discutia isso com as outras pessoas fora do circuito restrito da família, mas não admitia que os seus filhos metessem na cabeça muitas fantasias. Uma vez, ameaçou mesmo retirar-me da escola se continuasse a falar dessas coisas anti-religiosas que nos ensinavam na escola. Isso aconteceu quando ainda estudava no ciclo preparatório e depois no Liceu de Bafatá (1975/79).

Um dia, depois do meu regresso da URSS em 1990, numa conversa em família, inadvertidamente falei de uma viagem que tinha feito às cidades históricas de Samarcanda e Bucara (Uzbequistão), no âmbito de uma excursão escolar, pensando que ele ficaria satisfeito por ter perdido o meu tempo a visitar localidades islâmicas históricas. No fim, o meu pai perguntou-me onde estavam situadas. Respondi que estas cidades eram da Ásia Central, para lá da cidade santa de Meca.

Não devia ter falado. O velho levantou-se visivelmente irritado e foi para a sua casa, sem dizer mais nada. No dia seguinte atirou-me à socapa : "Tu,  Cherno, não sei o que a tua escola te serviu, pois ainda continuas a mesma criança idiota que saiu daqui há mais de 15 anos e nem consegues entender que Meca é o fim do mundo?!... Como podes afirmar que há outro mundo para lá de Meca e que tu estiveste lá?!"

Era assim o meu pai, muito corajoso e sensato, mas completamente irascível nas suas crenças, de tal modo que não valorizava muito os nossos estudos na escola dos brancos, exceptuando, claro, a contrapartida monetária que podíamos fornecer.

Ao que parece e por aquilo que aprendi das suas relações, os brancos (portugueses e franceses) desconfiavam sempre dos fulas e da sua religião islâmica, da mesma forma que os homens grandes fulas (como bem disse o Mário Migueis) aceitavam e suportavam com dignidade o domínio dos brancos, mas sempre desconfiados da sua comida, da sua ciência e das suas reais intenções a longo prazo.

Um abraço amigo,
Cherno Baldé (***)

2. Comentário do editor, aquando da apresentação do Cherno Baldé, à Tabanca Grande, em 19 de junho de 2009:

(...) Não te vou tratar por senhor dr. Cherno Baldé, porque a tua vontade é ingressares nesta Tabanca Grande, onde não há ou não deve haver barreiras (físicas, simbólicas, sociais, protocolares, étnicas ou culturais)... Tratemo-nos, pois, por tu, e vamos retomar as conversas e as brinqueiras com os tugas do teu tempo de Fajonquito (1968/74)...

Também não te vou tratar por camarada porque não foste combatente, nem militar, tecnicamente falando... Em contrapartida, passaste pela mesma Escola que eu, o ISCTE, e isso reforça as nossas afinidades e cumplicidades... Estive além disso na CCAÇ 12 onde havia vários Chernos Baldé, gente do Cossé, de Badora, do Corubal, militares do recrutamento local, fulas, que foram de um inexcedível lealdade e camaradagem.

Estás em casa, espero que sintas hoje muito mais confortável do que nesse tempo, em que matavas a fome com as sobras do quartel de Fajonquito a troco de pequenos serviços... Como tu, houve milhares de djubis (como a gente dizia, referindo-se aos putos) que viviam literalmente nos nossos quartéis, estudaram e fizeram-se homens nos nossos quartéis...

Essa tua história, fabulosa,  de infância e adolescência merece ser contada...Uma história de vida, de luta, através do trabalho e do estudo, que é um exemplo,  que nos comove a todos nós e que te deve orgulhar, a ti e à tua família...

Recebo-te, pois, de abraços abertos, meu amigo e meu irmãozinho, guineense, mesmo não tendo conhecido Fajonquito (do leste só conheci a região de Contuboel, Geba, Bafatá, Galomaro e Bambadinca, até ao Saltinho, passandor Xime, Mansambo e Xitole...) (...)

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(**) Cherno Abdulai Baldé, guineense, de etnia fula, natural de Fajonquito, sector de Contuboel, região de Bafatá, nascido por volta de 1960. Entrou para a nossa Tabanca Grande em 2009; tem 193 referências no blogue; é nosso colaborador permanente para as questões etnolinguísticas: vd. poste de  18 de junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4550: Tabanca Grande (153): Cherno Baldé (n. 1960), rafeiro de Fajonquito, hoje quadro superior em Bissau...


Vd. últimos dez postes anteriores da série, começada em 19 de junho de 2009:

3 de janeiro 2018 > Guiné 61/74 - P18170: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (53): três balas de kalash para uma missão suicida: o trágico fim do ex-soldado 'comando', Cissé Candé, em abril de 1978

3 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16913: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (52): à semelhança da França (em relação aos seus "tirailleurs sénégalais"), quando é que Portugal reconhece aos seus antigos soldados guineenses a nacionalidade portuguesa?

20 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16321: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (51): Os portugueses tiveram tendência para menosprezar o PAIGC, antes e depois da guerra... Recordando uma cilada dos "homens do mato" aos homens grandes de Sancorlã/Cambaju, ao tempo da CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65

31 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15556: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (50): Na minha língua materna, o fula, não existe a expressão "Feliz Natal"... Mas felizmente que a Guiné-Bissau é um país de tolerância religiosa, em que as duas religiões monoteístas, Islamismo e Cristianismo, coexistem bem com o animismo

1 de agosto de 2015 > Guiné 63/74 - P14956: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (49): Relativamente ao desaparecimento do Alferes Leite, trata-se de um caso do qual ouvi falar desde a minha infância (Cherno Baldé)

25 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14660: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (48): Avião amigo ou inimigo!?

15 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13500: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (47): Retrato de uma família - A guerra, a pobreza e a presença dos soldados portugueses

3 de Abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12929: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (46): Depois do ataque

25 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11762: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (45): Horror e terror em Cuntima, em novembro de 1976: a revolta de um grupo de antigos milícias, a execução pública de Soarê Seidi e de Abbaro Candé, por ordem do histórico comandante do PAIGC, Quemo Mané (Recordações de Demburri Seidi, tradução e texto de Cherno Baldé)

19 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11730: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (44): A mulher mandinga e o soldado português

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19717: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (6): Estamos a um mês!... É a 25 de maio, sábado, em Monte Real... Dez razões, camarada, para não dizeres, como na canção dos "Deolinda", "vão sem mim, que eu vou lá ter"... Dez razões para vires connosco: (i) quem nunca lá foi, deve ir pelo menos uma vez na vida; (ii) quem já foi uma vez, deve ir pelo menos duas; (iii) quem já foi mais vezes e gostou, deve lá voltar; (iv) quem não gostou, deve dar o benefício da dúvida e inscrever-se este ano; (v) Monte Real é o centro geodésico de todas as tabancas; etc., etc. Lotação máxima: 200 lugares



XIV ENCONTRO NACIONAL DA TABANCA GRANDE

MONTE REAL, Leiria, Palace Hotel Monte Real


sábado, 25 DE MAIO DE 2019, a partir das 10h00

1. Não demos conta: no dia 23, anteontem, fez anos o nosso blogue. Quinze anos!... Também ninguém nos deu os parabéns... Nem estávamos à espera disso. 


O blogue é como o ar que a gente respira ou a saúde ou a paz ou a liberdade, que reconquistámos no dia 25 de Abril de 1974, há 45 anos atrás: um valor sem preço... 

Só vamos dar conta disso quando essas coisas acabarem, um dia... E, pela lógica e pela ordem natural das coisas, deverá ser o blogue, o primeiro a desaparecer... E espero que o resto nunca nos falte: o ar, a saúde, a paz, a liberdade... De qualquer modo, em relação ao blogue, aqueles que o editamos, escrevemos, comentámos, lemos...já estamos todos cansados, e velhotes...

Quinze anos é uma vida!... Pensando bem são mais anos do que aqueles todos que a guerra durou... São sete comissões na Guiné... E se foi penosa a nossa, a de cada um de nós, que em média não chegava aos dois anos... 

No dia 25 de maio próximo vamos celebrar esta "pequena" efeméride, com a realização do XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande. Em Monte Real, o centro geodésico da Tabanca Grande, que a mãe de todas as tabancas...

É preciso apontar dez razões, no mínimo,  para a gente sair de casa e ir até lá ?

(i) Quem nunca lá foi, deve ir pelo menos uma vez na vida;

(ii) Quem já lá foi uma vez, deve ir pelo menos duas;

(iii) Quem já foi mais vezes e gostou, deve lá voltar;

(iv) Quem não gostou, deve dar o benefício da dúvida e inscrever-se este ano;

(v) Monte Real é o centro geodésico da Tabanca Grande, e de todas as tabancas, equidistante do norte e do sul, do leste e do oeste, de Portugal e do resto do mundo;

(vi) A Tabanca Grande é a mãe de todas as tabancas: não basta ser-se tabanqueiro de Matosinhos, do Centro, da Linha, da Maia, dos Melros, do Porto Dinheiro, de Almada, do Algarve, da Lapónia, etc.;

(vii) O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca... é Grande;

(viii) Aqui cabemos todos, com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa, do general ao soldado, do operacional ao não operacional, do camarada ao amigo, do periquito ao maçarico e ao checha, do crente ao não crente, do mais branco ao menos branco, do mais novo ao mais velho, do verde ao rubro...

(ix) Pode-se comer, beber, conviver e até dormir e orar;

(x) No céu, dizem, ... não há disto!



As inscrições tem de ser feitas até 8 dias antes da realização do evento, por razões óbvias de logística hoteleira...E precisamos de garantir os 100 (!) lugares... Mas o Joaquim Mexia Alves, da comissão organizadora, é que nos vai dizer o dia e a hora em que terminam as inscrições...


PS1 - Que ninguém diga, como na canção dos "Deolinda", "vão sem mim que eu vou lá ter"... Não, amigos e camaradas da Guiné (ou de outros teatros de operações), venham connosco...Nunca ninguém ganhou guerras sozinho...

PS2 - Ah!, e podem dormir no Palace Hotel de Monte Real (4 estrelas) a preço de amigo e camarada da Guiné...



2. 
Para saber tudo sobre o encontro clicar aqui.


Inscrições:

Carlos Vinhal (Leça da Palmeira / Matosinhos):

carlos.vinhal@gmail.com 


Temos 56 inscritos até ao fim do dia 25 de abril de 2019 [, vd. lista na coluna do lado esquerdo, ao alto]. 

Palmas para estes 56 amigos e camaradas da Guiné que não esperaram pela 23ª hora para se inscreverem, à "boa maneira portuguesa"...  Alguns vêm pela primeira vez, e/ou vêm de longe. 

Contamos com a leal colaboração dos régulos das diversas tabancas para mobilizarem os seus tabanqueiros para este evento, que só se realiza uma vez por ano... 

E esperemos que este não seja o último!...


[ A propósito, recordo sempre a história do "meu pai, meu velho, meu camarada"... Foi expedicionário, na II Guerra Mundial, em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, Mindelo... em 1941/43. Pertencia ao 1º batalhão do RI 5 (Caldas da Rainha)... Passou meio século da sua vida a ir todos os anos ao convívio da sua unidade, nas Caldas da Raínha, que até nem era longe da Lourinhã onde vivia, a uns escassos trinta e tal quilómetros... Nunca o lá levei, nem antes nem depois do 25 de Abril... Hoje percebo melhor o seu prazer e a sua necessidade de se encontrar, anualmente, com os seus velhos camaradas de armas...Um dia, já nos "entas",  ele e os seus camaradas, começaram a olhar uns para os os outros: eram seis, menos do que um secção... Nunca mais lá voltaram. E já morreram todos. Minto: ainda está vivo, e mais do que centenário, o ex-furriel miliciano António Caxaria, que lhe dava boleia... Gostava de lhe poder fazer ainda uma homenagem, aqui, no nosso blogue: já fez 103 anos!... Houve um altura que o encontrava, com alguma frequência, aos fins de semana, no restaurante Foz, da Praia da Areia Branca, com o filho, o engº de minas Carlos Caxaria... Que cabeça, que memória!...Era um gosto falar com ele...]

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Nota do editor:

Postes anteriores da série >

20 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19702: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (5): De Nova Iorque com amor, em dia de aniversário de casamento: o João Crisóstomo é o 47º camarada a responder à chamada da mãe de todas as Tabancas... E aproveita para ir, no dia 18 de maio, ao almoço convívio da sua companhia, a CCAÇ 1439 (Enxalé, Portogole e Missirá, 1965/67)... Com ele, são já 47 os inscritos para a Operação Monte Real 2019...

12 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19671: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande (4): os melhores exemplos são os que vêm de cima... O novo grã-tabanqueiro, nº 785, o maj gen ref João Afonso Bento Soares, inscreve-se com tempo e vagar e traz com ele o José Ramos, ex-fur mil trms, chefe do posto do STM do Agrupamento de Bafatá (1968-70), um "periquito" que pede também para acomodar-se na mãe de todas as tabancas... A mês e meio do encontro, em Monte Real, há já 45 inscrições!... O normal é a malta deixar tudo para o fim...

1 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19641: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 25 de Maio de 2019 (3): A menos de dois meses, temos 'apenas' 34 inscrições... O que é que se passa, amigos e camaradas da Guiné?... Esta semana, o nosso blogue chega aos 11 milhões de visualizações, e a 23 de abril faz 15 anos de vida!...

8 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19561: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 25 de Maio de 2019 (2): Duas baixas de vulto, o David Guimarães (ex-fur mil MA, CART 2716, Xitole, 1970 / 72) e a sua esposa Lígia, um casal histórico de grã-tabanqueiros, residente em Espinho, que, pela primeira vez, desde 2006, falha à chamada!... Mas já temos as primeiras 18 inscrições..

12 de fevereiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19492: XIV Encontro Nacional da Tabanca Grande, Palace Hotel de Monte Real, 25 de Maio de 2019 (1): Primeiras informações e abertura das inscrições (A Comissão Organizadora)

terça-feira, 19 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19603: Manuscrito(s) (Luís Graça (153): Lembrando hoje o pai, o meu, o teu, o nosso pai...

1. Na poesia portuguesa a figura do pai está muito menos presente do que  a figura da mãe...

Talvez por que, durante séculos e séculos, os portugueses cresceram, não sem o pai, mas com o pai bem longe de casa, mais no mar do que na terra, a caminho das Indias e dos Brasis, lavrando o mar, construindo a primeira grande estrada da globalização, unindo os continentes, ligando povos... mas também na guerra, no exílio, na prisão, na emigração... 

As nossas mães tiveram que ser mães e pais, tiveram que nos dar o pão, o amor, a educação...para, mais tarde,  podermos pegar na trouxa e ir no encalce da figura paterna...nas navegações, na odisseia da pesca do bacalhau, no comércio marítimo, na colonização,  na guerra, no exílio, na emigração...  Foi um ciclo longo, de séculos, que estará longe de ter terminado com o chamado "fim do Império". 

Não foi por acaso que até criámos, aqui, no nosso blogue, uma série que se chama "Meu Pai, meu Velho, meu Camarada"...

Infelizmente, a nossa geração, a que fez a guerra colonial de 1961/75, já não tem os seus pais vivos... Se o fossem, seriam centenários... Mas continuamos a gostar de celebrar o Dia do Pai, todos os anos, em 19 de março... Porque "recordar é preciso", e a saudade, se não é um produto "made in Portugal", é uma palavra única, e é portuguesa... Temos saudades do nosso pai, da nossa mãe, que nos deram o ser... E queremos transmitir essa doce ideia aos nossos filhos e netos...  

Recordo-me do poema que escrevi ao meu pai, em 19 de março de 2012, no Dia do Pai, tinha ele 91 anos, e eu tive a terrível premonição de que ele já não chegaria os 92, a completar em 19 de agosto desse  ano (*)... De facto, morreria 3 semanas depois, num domingo de Páscoa.

Mas esse dia 19 de março de 2012 marcou-me também pelo "feedback" que recebi dos meus filhos e que me emocionou. Já aqui o partilhei, nessa data (*). Tomo a liberdade de o reproduzir hoje, porque continua a ser uma mensagem singela mas tocante para o Dia do Pai. Façam-na vossa, também, meus amigos e camaradas: 


"Para o nosso Pai: 

"Chegámos a casa e não parámos de chorar 
pela bonita homenagem que fizeste  ao teu Pai!

"Pai!, como consegues tocar  no coração das pessoas
com as tuas palavras, o verso curto,  
a palavra certa, o sentimento todo, 
certeiro?! 

"Pai!, como consegues adivinhar
o que sentimos nós, também,
a sofrer ao longe, mas a pensar
que os outros são fortes,
quando afinal a todos o coração enfraquece.

"Pai!, sentir o teu pai, nosso avô, a partir é triste. 
Mas foi ele, o teu pai, nosso avô, 
que disse que quem não viveu não pode viver.

"Pai!, e o avô viveu e deu a viver,
e viverá para sempre nas nossas histórias,
aquelas que tu e nós vamos contar
aos nossos filhos, sim,
por que ser avô é uma bênção,
e queremos dar-te essa alegria também.

"Pai!, toca-nos a tua sensibilidade silenciosa, 
escondida, mas forte,
pela subtileza e bondade.

"Pai!, vamos levar nas nossas vidas
a celebração da vida
através da poesia embrulhada de afetos.

"Com afeto, Joana e João

"Alfragide, 19 de Março de 2012".




2. Um poema ao pai: estou fora de casa, no Norte, ou melhor, estou em casa, no Norte (, estou sempre em casa,  no Norte!),  mas lembrei-me de partilhar com os nossos leitores, de Norte a Sul,  um dos poemas do transmontano Miguel Torga (,da terra da nossa querida Giselda Pessoa, São Martinho de Anta, Sabrosa), de que gosto muito, pela sua genial simplicidade... 

Peçam, amigos e camaradas, aos vossos filhos ou netos, que vos acompanharem no jantar desta noite, para o ler, em voz alta, à mesa, lenta, compassadamente. Saboreiem-no... porque a poesia é também para se comer e beber... E tenham um bom resto de dia do Pai, amigos e camaradas! Bebo um copo à vossa saúde, com votos de longa vida!


Bucólica

por Miguel Torga


A vida é feita de nadas:

De grandes serras paradas
À espera de movimento;

De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;

De sombra de uma figueira;

De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.




Miguel Torga
In: TORGA, M. – Antologia poética. Coimbra, ed. autor, 1981, p. 247.

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9628: Meu pai, meu velho, meu camarada (25): Bo vida ta na balança... (Luís Graça)