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domingo, 8 de abril de 2012

Guiné 63/74 - P9714: Memória dos lugares (179): Eu e o João Barge na Ponte Balana, em dezembro de 1968 (Hugo Guerra)


Guiné > Região de Tombali > Ponte Balana > Dezembro de 1968 > Da esquerda para a direita, os Alf Mil Hugo Guerra e João Barge (1945-2010), com os respetivos "lavadeiros"...

Foto: © Hugo Guerra(2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

1. Mensagem de Hugo Guerra (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70, hoje Cor DFA reformado),  com data de 4 do  corrente:

Caro Luís:

Só há dias fiquei a saber que existia um Cancioneiro de Gandembel e que um dos seus autores seria o João Barge, grande companheiro de abrigo em Ponte Balana onde ambos nos encontrávamos com os respectivos
Pel Caç Nat no final de 1968 e até à retirada, para outros ares menos poluídos.

Eu fiquei na Chamarra e ele acompanhou a CCAÇ  2317 e,  como não o voltei a ver antes de 2000, e na altura não falamos disso, continuei na ignorância.

Na foto que junto, estamos os dois na Ponte Balana com "as nossas lavadeiras", dois rapazes que já acompanhavam o meu Pelotão quando eu aportei a Gandembel.

Tinham algumas missões espinhosas, nomeadamente a de tentar manter com algum ar os colchões de borracha onde tentávamos dormir,tarefa inglória porque os buracos de estilhaços eram muito mais do que os poucos remendos que conseguíamos sacar aos amigos da ferrugem.

Levavam cerca de meia hora a assoprar para que os "alferos" tivessem cinco minutos de consolo...
O resto das noites eram passadas com os ossos em cima dos cunhetes de munições.

Um abraço do
Hugo Guerra
__________________


sexta-feira, 30 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9679: Notas de leitura (346): A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné, Gandembel/Ponte Balana, de Idálio Reis (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 27 de Março de 2012:

Queridos amigos,
É difícil imaginar o sofrimento que acompanhou a redação deste texto. Um grande escritor poderá fazer deste historial de sofrimento uma narrativa sublime, um libelo acusatório à irresponsabilidade de certos decisores militares que lançam seres humanos para posições indefensáveis, num esquema de ficção de que ocupam o território só porque estão homens dentro do arame farpado.
O nosso confrade Idálio Reis desvenda Gandembel em toda a sua grandeza e miséria: os limites da resistência física, moral e psicológica esticada até à linha da destruição, por isso quem resistiu devia merecer a nossa gratidão e sair do anonimato, é este o resultado sublime deste livro; miséria e vergonha para quem inventou aquele ponto ermo que serviu a propaganda do PAIGC.
O Idálio merece ser felicitado pela sua narrativa bem elaborada e original.

Um abraço do
Mário


A epopeia dos 296 dias no octógono de Gandembel

Beja Santos

“A CCAÇ 2317, na Guerra da Guiné” é um livro original, a diferentes títulos. O narrador, um dos seus alferes milicianos, surge como responsável pelo historial da companhia e depois apaga-se, volatiza-se na surpresa de um punhado de homens a quem atribuíram ma missão inacreditável, uma dobadoira de sofrimento constante, desde que abriram as primeiras fundações até ao dia da retirada. O narrador socorre-se de um português vernacular, usa sem artifícios um léxico luxuriante, cinzela a primor tudo o que nos vai aproximar de uma tragédia anunciada, descreve os acontecimentos da fundação e depois do desaparecimento de Gandembel e Ponta Balana, foi aqui que esteve o clímax da comissão da CCAÇ 2317, o que se irá passar em Buba e Nova Lamego é encarado como meramente acidental, é um correr da pena, quer-se o leitor preso e de tal modo que aqui se entretece mais uma dimensão dessa originalidade: Idálio Reis insere todos os acontecimentos da CCAÇ 2317 no amplexo de toda a guerra da Guiné, não nos explica exatamente porquê, mas o produto final acaba por contribuir para esta narrativa pungente deixar o leitor mais desassossegado. Afinal, dentro de um ecrã gigante de todos os factos e feitos da Guiné o que se passou em Gandembel/Ponta Balana é quase ou mais irracional de todo aquele cortejo de sofrimentos que levaram ao sofrimento atual daquele povo e à indignação (ainda presente) de quem combateu na CCAÇ 2317.

Idálio Reis não esconde a sua indignação: os documentos oficiais são parcimoniosos, parece que Gandembel foi uma redundância, mesmo com bastantes mortos e feridos. E temos uma singeleza para o corpo militar que se formou nos finais do Verão de 1967, no R.I. 15, a CCAÇ 2317 fazia parte do BCAÇ 2835. Em outubro tinha o destino traçado, rumo à Guiné. Finda a instrução especial, uma passagem por Santa Margarida. Em meados de Janeiro partem do cais de Alcântara no velho Quanza. Passam três semanas em Brá, na altura o presidente Américo Tomás chega a Bissau. Segue-se o treino operacional em Mansabá e Olossato. Os mandantes consideraram que a companhia amadurecera e podia partir para o Sul. Para uma terra de ninguém da região do Forreá. Esporadicamente, o narrador desaperta a neutralidade e clama em voz alta o seu protesto. Um exemplo: os acontecimentos de sofrimento, passados em Gandembel/Ponta Balana foram em tal quantidade, que desapareceram de modo significativo nos documentos oficiais conhecidos. E é por isso que nos sentimos profundamente chocados com esta provocante atitude, que em nada enobrece a instituição militar (…) Em seu nome, dos que tiveram a desdita de nos acompanharem neste longo pesadelo, em memória dos que vimos afastarem-se precoce e compulsivamente do nosso seio, procuraremos dar sinal dos amargos momentos vividos”.

A CCAÇ 2317 desembarca em Cacine e segue para Guileje. O narrador descreve os itinerários ali à volta do Cantanhez. Logo em 28 de Março, na proteção a uma coluna a unidade sofre duas baixas. Chegou a hora de partir para a criação de um quartel, em terra de ninguém. Antes, numa tentativa de desalojar o PAIGC das suas bases poderosas, vagas sucessivas de helicópteros lançam os para-quedistas em Cafal e Cafine e aniquilam um bigrupo. Em 8 de abril dá-se a partida, o narrador esmiuça os pormenores, teria havido nas imediações deste quartel que se iria fundar uma tabanca, de há muito abandonada, que se chamava Gandembel, bem pertinho do corredor de Guileje. Encetara a via-sacra, os soldados disfarçam-se de operários da construção civil, não basta os abrigos, são necessárias latrinas, desmatação, a criação de um posto de primeiros socorros, uma cozinha de campanha, ir buscar água ao rio Balana. Um pormenor: a água era infecta mesmo após alguma filtragem. Os guerrilheiros do PAIGC não tardam a apresentar-se com saudações de morteiros 82. Abriu-se o diário das flagelações, na noite de 30 de Abril houve 6 flagelações. A época das chuvas aproximava-se, foi uma autêntica corrida contra o tempo pôr de pé o destacamento de Ponta Balana. Ir buscar água ao Balana podia acarretar destruição, logo em 15 de maio um furriel aciona uma mina antipessoal e perde as duas pernas. Nessa data, a unidade militar está entregue a si própria quem ali tinha estado a dar proteção durante as primeiras semanas regressou a quartéis.

Há momentos em que sentimos que Idálio Reis quase nos obriga a descer àquela mata que se adubou de sangue, a descrição com que se constroem os abrigos, o nascimento da ansiedade em torno das colunas de reabastecimento e depois a forma exaustiva como ele menciona os ataques, dia após dia. As colunas são um suplício, víveres e munições custam um martírio a muita gente até chegarem a Gandembel. Spínola inteira-se da situação, tudo levava a crer que se Beli fora prontamente um quartel a abandonar por maioria de razão Gandenbel devia ser erradicado do mapa. Mas não, o número de mortos e feridos não para de crescer. Há datas horríveis, como 4 de Agosto, dia em que a companhia perde 4 elementos, descrevem-se ataques brutais, há cenas de solidão e de desespero, chega ali um alferes que prontamente entra em estado de choque, dali parte numa evacuação. O jornalista César da Silva, do Diário Popular, ali passa a noite de Natal, publicará uma reportagem audaciosa, inexplicavelmente a censura deixa passar as sequências de calvário que ali se vivem. E o narrador continua: “É na zona de Gandembel que o inimigo possui o maior potencial de fogo e foi contra esta posição que utilizou, pela primeira vez, o morteiro de 120 mm. Foi, também, na mesma zona que plantou o maior número de fornilhos (mina reforçada com torpedos de TNT que se destina a cortar itinerários, pois tem grande poder destruidor). No decurso de duras flagelações noturnas, o inimigo tentou penetrar no aquartelamento. Foi sempre repelido. Os para-quedistas deixaram 4 mortos em Gandembel e levaram alguns feridos, mas foram capazes de façanhas como a seguinte: numa nomadização orientada até algumas centenas de metros da fronteira, surpreenderam, certa madrugada, um bigrupo inimigo. Dizimaram-no completamente em menos de uma hora”.

Lê-se com consternação tudo quanto Idálio Reis escreve sobre as colunas de reabastecimento, aqueles três trajetos Guileje/Gandembel, Aldeia Formosa/Gandembel e Buba/Aldeia Formosa foram palcos de diferentes tragédias, tornaram-se caminhos de pesadelo e carnificina.

A ordem de retirada chegou finalmente, em Fevereiro rumam para Buba, a unidade vai ser ocupada nos trabalhos de vigilância da estrada. E mais tarde são destacados para um quase oásis, Nova Lamego. Balanço: “A bordo do Uíge, navegando de 5 a 10 de dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial (este escriba), chegámos à unidade mobilizadora, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados. Perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa”. Passadas estas décadas, o historial da unidade é apresentado ao público e deste modo: “Com imenso gosto e muito prazer, procurámos corresponder ao que um dia tínhamos prometido. É uma narração sucinta, indubitavelmente singela, mas que procurámos, à medida da nossa humilde pena de escrita, pormenorizar as múltiplas e diversificadas facetas em que a Companhia esteve inserida”.

É um relato que não deixará nenhum veterano de guerra insensível. Se Shakespeare voltasse à terra teria aqui pasto para uma das suas tragédias: a demência do poder, a impotência dos figurantes, a insensibilidade dos decisores, almas em desatino, uma permanente cena única em que os atores estão cercados por todos os lados.

Num relato inesquecível, mais uma riqueza testemunhal para o nosso blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9664: Notas de leitura (345): O Boletim Geral do Ultramar (4) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 23 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9644: Agenda Cultural (189): Apresentação do livro A CCAÇ 2317 na Guerra da Guiné: Gandembel / Ponte Balana, de Idálio Reis, dia 21 de Abril de 2012 no Palace Hotel de Monte Real (Carlos Vinhal)




1. O nosso camarada Idálio Reis, Engenheiro Agrónomo reformado, natural de Cantanhede, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 2317 / BCAÇ 2835 (Gandembel e Ponte Balana, 1968/69) faz questão de oferecer um exemplar autografado do livro a todos os camaradas da Guiné que aparecerem na sessão de apresentação. O livro, edição de autor, não está à venda no mercado livreiro.




O livro, cuja narrativa não está isenta de paixão e dor, não fosse o seu autor oficial miliciano da CCAÇ 2317, centra-se essencialmente na história dramática dos homens-toupeira, os heróicos construtores e defensores da Gandembel e de Ponte Balana, no corredor da morte. Começa com uma dedicatória (Relembranças) aos seus camaradas de Companhia, seus familiares e combatentes de outras Unidades que partilharam os mesmos momentos difíceis que não foram poucos, um Preâmbulo com a formação da Companhia e listagem nominal dos militares que a compunham.

Depois de um capítulo dedicado à chegada a Bissau e treino operacional, faz uma descrição da evolução da guerra subversiva na Guiné, desde 1963 a 1967.

O ano de 1968 coincide com a chegada da CCAÇ 2317 à Guiné, pelo que a partir daqui o livro entra no seu tema principal. Primeiro uma passagem por Guileje, onde, nas palavras de Idálio, a guerra não se fez esperar, depois a ida para Gandembel e Ponte Balana, em 8 de Abril de 1968, um deserto onde as condições de vida eram piores que más. Trabalhar na construção de abrigos tendo sempre à vista a G3, ferramenta bélica, companheira inseparável. Trabalho árduo, noites mal dormidas, emboscadas, ataques ao "aquartelamento" e às colunas de reabastecimento, mortos e feridos, de tudo e pior que se possa imaginar foi o inferno de Gandembel.


Idálio Reis não se cansa de ao mesmo tempo que narra os momentos mais trágicos da sua 2317, realçar a bravura dos seus heróicos militares. O livro está profusamente ilustrado, dando ao leitor a ideia do esforçado trabalho e das condições miseráveis em que sobreviviam. Depois de meses de sacrifício, o então novo Comandante-Chefe António de Spínola, contrariando a ordem do anterior, Arnaldo Schulz, de ocupação de Gandembel, torna efectiva uma ideia há muito amadurecida, a retirada da tropa daquele local. Estávamos já a 28 de Janeiro de 1969. Destino, Buba, onde finalmente souberam o que era dormir numa cama e usufruir de alimentação melhorada.

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > 1968 > Início da construção do aquartelamento > Sem comentários!... Uma das fotos famosas do nosso blogue que nos acompanha há anos!.. As grandes fotografias dispensam legendas. Esta é uma das fotos-ícones da guerra da Guiné. Tem uma tremenda força dramática! Está lá tudo: o homem-toupeira, o homem de nervos de aço de Gandembel/Balana, também tinha alma de poeta e sabia transformar a pá do trolha em viola de baladeiro, ou guitarra de fadista! Estamos lá todos nesta fotografia de um camarada, sozinho, no palco da guerra, no cu do mundo, enrodilhado num manta, dedilhando a sua viola ou a sua guitarra e cantando para um público imaginário as suas alegrias, as suas tristezas, a sua coragem, a sua solidão, a sua saudade, as suas esperança, os seus medos, os seus sonhos... Trata-se do nosso camarada Idálio Reis, na altura Alf Mil da CCAÇ 2317... Podemos imaginá-lo no intervalo de um dos 372 ataques e flagelações a que os nossos camaradas foram submetidos, entre 8 de Abril de 1968 até 28 de Janeiro de 1969, os nove meses em que, em tempo-recorde, construiram de raíz um aquartelamento, defenderam-no galharda e heroicamente e receberam ordens para o abandonar!...Um verdadeiro Suplício de Sísifo!... Noutro país, esta epopeia teria dado um grande filme, um grande livro, uma grande exposição fotográfica!... Gandembel, quer se queira ou não, faz parte da nossa história, dos portugueses e dos guineenses... É bom invocável para que não ouçamos amanhã a resposta dos nossos filhso e netos: Gandembel ? 'Não, nunca ouvi falar'... Em 1969, a música mais popular entre a nossa tropa era o Hino de Gandembel...

Fotos: © Idálio Reis (2007) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Terminada a odisseia da 2317, o autor fala-nos das célebres Directivas do General Spínola. A mais célebre será a 20/68 de 25 de Julho que permitiu, entre outras alterações no TO do CTIG, a retirada das NT de Gandembel.

Na sequência de leitura encontramos um capítulo dedicado a Os Gandembéis, ao seu Cancioneiro, às suas músicas e poetas. O autor publica as letras do Hino de Gandembel e do poema Os Gandembéis (90 estrofes, em oitavas decassílabas, adaptadas de Os Lusíadas).

Finalmente o livro retoma as facetas da incidência da guerra subversiva após o regresso da 2317, que contempla o período entre 1970 e 1974, fim da guerra colonial e do regime deposto em 25 de Abril.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 20 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9629: Agenda Cultural (188): Convite para o lançamento do livro Adeus até ao meu regresso, de Mário Beja Santos, dia 29 de Março de 2012, pelas 18h30, na Associação 25 de Abril, em Lisboa (Carlos Vinhal)

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5903: Estórias avulsas (76): Como morreu o meu prisioneiro (Hugo Guerra)

1. Mensagem de Hugo Guerra* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70, que hoje é Coronel, DFA, na reforma), com data de 25 de Fevereiro de 2010, com uma história de prisioneiros: 

COMO MORREU O MEU PRISIONEIRO 

Em Fevereiro de 1970 estava em São Domingos para descansar de Gandembel e Ponte Balana, e acabar a minha comissão que viria a terminar abruptamente logo no mês seguinte, quando rebentou uma mina nas mãos do meu amigo Seleiro e nos atingiu aos dois. 

 Um dia qualquer de Fevereiro ou Março fomos informados pelo Comando de Batalhão que nos iam trazer uma encomenda. Lembro-me que era ao fim da tarde e quando o DO aterrou, lá fomos num jipe à pista saber o que se passava. Montada a segurança aproximei-me do avião e, como era o mais velho dos Alferes e o Capitão estava de férias, competia-me fazer as honras da casa. 

Do avião saíram alguns Oficiais Superiores e um nativo já de cabelos brancos e andrajoso, mas com um porte altivo e digno, que ainda hoje povoa as minhas recordações. Era a encomenda. Fui informado que o homem tinha sido encontrado algures junto à fronteira e traziam-no porque ele teria dito estar disposto a indicar o caminho para um local na nossa Zona onde se pensava que encontraríamos o IN. 

A ser verdade seria um ronco para aquela Companhia de periquitos que, felizmente para eles nunca os chegaram a ver, nem vivos nem mortos. Lá mandei levar o homem para a prisão e dei instruções para que ficasse bem vigiado até à manhã seguinte quando, pensávamos nós, iria levar-nos até ao IN. 

 A avioneta foi-se com os Digníssimos passeantes e nós regressamos ao aquartelamento para a janta que já nos esperava. Levaram o jantar ao prisioneiro e abrandaram a vigilância de tal forma que, estávamos nós a jantar, irrompe a rapaziada pela Messe dentro gritando que o homem se tinha enforcado. 

 Fui a correr ver o que poderíamos fazer - já era o terceiro enforcado que via na minha vida - e encontrei o meu prisioneiro pendurado e com a rapaziada toda a olhar especados com aquela visão. Tinha usado o baraço que trazia a segurar as calças e que ninguém se lembrara de lhe tirar antes. Agarrei o homem pelas pernas e fazendo força para cima para aliviar o peso lá arriamos o corpo que ainda tentei trazer de volta à vida. Fiz-lhe boca a boca e naquele desespero até injecções no coração lhe apliquei. Tudo sem resultado. O homem partira o pescoço e nada mais havia a fazer. 

 Apareceu entretanto o Chefe de Posto, cabo-verdiano, cujo nome não recordo mas que disse do alto da sua sapiência: 

 - Aquele mais velho da etnia (?), nunca trairia o seu povo e tinha-se suicidado para evitar a vergonha insuportável de ter sido preso e humilhado daquela forma. 

 Cresci mais um bocado naquele dia e, no dia seguinte achei que já tinha guerra a mais e, escrevi ao meu amigo Coronel Pilav Diogo Neto, Comandante da Zona Aérea da Guiné a pedir para me tirar daquele filme. Já chegava. Hugo Guerra

Hugo Guerra e o seu amigo Seleiro

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 Nota de CV:


sábado, 15 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4822: Tabanca Grande (171): Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana (1968/69)

1. Mensagem de Joaquim Gomes Soares, ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ2835, com data de 9 de Agosto de 2009:

Mais um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana, Joaquim Gomes Soares, 1.º Cabo do 4.º Pelotão da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835.

Fico muito contente de poder entrar neste blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Como deves reparar sou o 4.º tertuliano da CCAÇ 2317 a fazer parte deste grande grupo de ex-combatentes da Guiné e de Gandembel. Depois do Idálio Reis, agora também o Manuel Oliveira, o qual aproveito esta oportunidade para os saudar.

Tenho poucos conhecimentos de informática mas este pouco que sei foi o bastante para poder pesquisar e encontrar temas relacionados com a Guiné neste blogue e em boa hora poder divulgar muito do que há para dizer de Gandembel.

Os nossos tertulianos Idálio Reis e Manuel Oliveira já o disseram aqui, eu sou o que ao longo de 26 anos organiza o almoço de convívio da CCAÇ 2317 com a ajuda muito especial do ex-alferes Reis.

Por hoje chega, aproveito para enviar a todos os responsáveis desta tertúlia muito especialmente ao seu fundador Luís Graça um abraço, assim como a todos os meus irmãos da 2317.

Para me contactarem, deixo aqui os meus dados:

E-MAIL: joaquim.gomes.soares@hotmail.com

Telefones: 225 361 952 e 936 831 517


2. Caro camarada Joaquim Soares

Ainda bem que vieste reforçar o efectivo da CCAÇ 2317. Sê bem-vindo a esta caserna virtual que fica à tua disposição receber e publicar as tuas histórias e as tuas fotografias.

Se o ex-Alf Mil Idálio Reis dedicou já muitas páginas escritas e fotos à vossa Companhia, publicadas neste Blogue, tu poderás contribuir para aumentar ainda mais o conhecimento da história da 2317.

Como princípio da tua colaboração no Blogue, vou publicar as fotos que mandaste na tua mensagem de apresentação.


O simbolo do respeito

A hora da chegada e da despedida

A ponte Balana antes de cair

O capitão Barroso Moura (O fugitivo)

Depois de Gandembel

Mais um dos treinos para o festival

Manuseamento do morteiro 120

Material apreendido

Para qualquer dos lados que fossemos era mau

Quando a ponte-Balána caíu

Treino para o festival da canção de Gandembel

Fotos e legendas: © Joaquim Soares (2009). Direitos reservados
Fotos editadas por CV

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4787: Tabanca Grande (170): Carlos Adrião Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Bissau, Pirada, Bajocunda e Paúnca (1964/66)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4708: Blogoterapia (118): CCAÇ 2317 - Sofrer e morrer em Gandembel (Manuel Tavares Oliveira)

1. Manuel Tavares de Oliveira (*), ex-1.º Cabo da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana, deixou este comentário no Poste "Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (**):

Sim, Alferes Reis, foi um sofrimento desde o momento em que saímos de Guileje para Gandembel, antes de lá chegarmos, mais ou menos a um quilómetro, tivemos a morte num fornilho do nosso Alferes Leitão e, a partir daí , iniciámos o que viria a ser um constante confronto, com curtos intervalos.

Um que me lembro e não posso tirar do meu pensamento, foi aquele que o inimigo conseguiu encostar à rede uma bateria de canhões e disparou sem interrupção. Eu, que estava entregue ao morteiro 120, não pude de forma alguma fazer mais que o primeiro disparo e, este, fi-lo porque o morteiro estava sempre com uma munição.

Também me lembro que foi nesse dia que o Fur Ferreira foi ferido pelo soldado básico, que não conseguiu segurar a G3, caindo para trás com o dedo no gatilho.

Alferes Reis, não é fácil esquecer a forma como o Fur Alves ficou sem as pernas, nessa missão de abastecimento de água em que eu também estava presente.

Aqui mais uma vez não consigo esquecer-me dos nossos sofrimentos numa guerra estúpida.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4647: Estórias avulsas (41): Fotos de Gandembel e Ponte Balana (Manuel Oliveira)
e
11 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4669: Tabanca Grande (161): Manuel Tavares Oliveira, um sobrevivente de Gandembel / Balana, ex-1º Cabo da CCAÇ 2317 (1968/1969)

(**) Vd. poste 19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

Vd. último poste da série de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (117): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)

sábado, 11 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4669: Tabanca Grande (161): Manuel Tavares Oliveira, um sobrevivente de Gandembel / Balana, ex-1º Cabo da CCAÇ 2317 (1968/1969)



1. Manuel Fernando Tavares de Oliveira foi 1º Cabo, do 1º Pelotão da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, em Gandembel e Ponte Balana (1968/69), e é mais um Camarada-de-armas que se apresenta à nossa Tertúlia, passando a integrar o nosso blogue (*). O Oliveira havia-nos já enviado, em 6 de Julho de 2009, uma curta mensagem acompanhada de oito raras fotos de Gandembel, que se encontram publicadas no P4647.


A certo momento na sua mensagem dizia o Manuel Oliveira:
“Já reparei que um dos Tertulianos é o Alferes Idálio Reis, também da CCAÇ 2317, a quem aproveito esta oportunidade para enviar aquele abraço, cujo efeito sentimental só o pessoal que esteve na Guiné conhece.”

Ao que o ex-Alferes Idálio Reis já respondeu, afirmativamente, através do seguinte e-mail:

"Meu caro Oliveira:

"Tenho estado ausente, e só há pouco fui ver o correio electrónico. Uma boa nova foi saber do teu paradeiro. Em boa hora, a Tabanca Grande acaba de poder encontrar-te.

"A tua Companhia, já tinha perdido as esperanças de te reencontrar, pois a tua ausência aos nossos convívios, assim o indiciava. Há uns quantos que estavam nas tuas condições.

"Da tua Lamego de origem, não havia qualquer indicação.

"Mas agora com o conhecimento dos nossos endereços, teremos possibilidade de te pôr ao corrente de alguns aspectos que mais te interessem.

"Diz-me da receptividade deste mail, e cá espero notícias tuas.

Um grande abraço do Idálio Reis,
que efectivamente conheceste enquanto Alferes Reis"
Caso alguém queira contactar o Manuel Tavares Olibveira, pode fazê-lo para:
maneltoliveira@hotmail.com
ou, Ubr. Ortigosa Bloco 10 - R/C Esq.
5100 - 183 LAMEGO,
Telefone 254614325
Telemóvel 966 174 331
____________
Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4647: Estórias avulsas (41): Fotos de Gandembel e Ponte Balana (Manuel Oliveira)





1. Mais um Camarada-de-armas se aprasenta à nossa Tertúlia Bloguista, passando a integrar a Grande Tabanca. O nosso Camarada Manuel Fernando Tavares de Oliveira (*), que foi 1º Cabo, do 1º Pelotão da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, em Gandembel e Ponte Balana (1968/69), enviou-nos uma curta mensagem acompanhada de 8 excelentes fotos de Gandembel:




Camaradas,

Eu sou um dos sobreviventes do pomposo bura… ko de Gandembel, onde fui 1º Cabo, do 1º Pelotão da CCAÇ 2317, e vivo actualmente em Matosinhos - Leça do Balio.

Vista do lado exterior do quartel de Gandembel

Já reparei que um dos Tertulianos é o Alferes Idálio Reis, também da CCAÇ 2317, a quem aproveito esta oportunidade para enviar aquele abraço, cujo efeito sentimental só o pessoal que esteve na Guiné conhece.

Outro aspecto exterior do quartel de Gandembel

Envio-vos oito das minhas fotos que têm muito significado estimativo e nostálgico, pelo menos para mim, esperando que os Camaradas gandambelistas que as vejam, ainda se lembrem de tudo quanto se passou naquele quartel.

À esquerda o Fur Mil Goulart e o autor do poste

Numa delas estou acompanhado pelo Fur Mil Goulart, no local em que sofremos o 1º ataque do inimigo, que ocorreu durante a noite, tendo o IN encostado os canhões à rede e… foi sempre a disparar.

O morteiro 81 mm - O soldado Sena (à esquerda) e o Manuel Oliveira

Não tivemos qualquer hipótese de responder ao fogo do IN.

Esta foto é de Ponte Balana (À esquerda está o falecido Moreira - municiador do Manuel Oliveira - que está à direita)

Nesse dia ficou ferido o Furriel Ferreira de Nelas, nas pernas, ainda por cima atingido por um dos nossos básicos, que era de Vila Pouca de Aguiar (cujo nome não me recordo já).

A nosssa bem arejada Cozinha

Caso alguém me queira contactar, pode fazê-lo para:
maneltoliveira@hotmail.com
ou, Ubr. Ortigosa Bloco 10 - R/C Esq.
5100 - 183 LAMEGO,
Telefone 254614325 - Telemóvel 966 174 331
Aspecto da Messe de Oficiais e Sargentos - O Manuel Oliveira é o primeiro à esquerda

Resta-me enviar um forte abraço para todos vós e, em especial, para todos os Camaradas resistentes de Gandembel.

Recolha de água para reabastecimento do aquartelamento

Fotos: © Manuel Oliveira (2009). Direitos reservados.

Um abraço,
Manuel oliveira
____________
Notas de M.R.:

(*) Foi com redobrada satisfação que eu, pessoalmente, recebi notícias do Manuel Oliveira, pois este nosso Camarada tem ainda em comum, comigo, ser meu colega de trabalho na EDP, tendo-lhe eu já lançado um desafio para ele nos contar as histórias, que como é óbvio se lembrar, de Gandembel e Ponte Balana.

O Manuel Oliveira também me enviou algumas fotos das nossas grandes barragens (só no Rio Douro - sem contar com os afluentes -, temos: Miranda - foto acima -, Picote, Bemposta, Pocinho, Valeira, Régua, Carrapatelo e Crestuma)

(**) Vd. último poste da série em:

domingo, 28 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4597: FAP (30): Ferro Q.B. para acalmar as hostes (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Miguel Pessoa (1), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado, com data de 25 de Junho de 2009:

Luís, Carlos : 

Agora que começa a assentar a poeira do IV Encontro, envio-vos um texto para publicação. Como é habitual, não tendo eu trazido registos do que fiz, tive que puxar pela memória, evitando ao mesmo tempo puxar pela imaginação...
Abraço.
Miguel


FERRO Q.B.

Este texto tem o inconveniente de ser pouco preciso, pois escrevo-o apenas de memória, sem o recurso a documentos, mapas ou outros auxiliares. Também é um testemunho (limitado na sua percepção) de um simples executante que, pela sua posição na hierarquia estabelecida, desconhecia naturalmente as grandes decisões tomadas por quem orientava a guerra.

Não houve a pretensão de compilar dados históricos precisos a nível de um Arquivo Histórico, mas simplesmente referir factos, tentar adivinhar outros e transmitir o que nos ia na alma naqueles momentos.

É um facto (que suponho que muita gente conhece) que a Força Aérea efectuou diversos ataques na raia da Guiné-Bissau, em locais onde estavam estabelecidas bases do PAIGC - nunca contra as populações locais. Os danos co-laterais podem surgir nestas situações - mas desconheço se os houve nestes casos concretos.

Para além das bases de fogos do PAIGC contra aquartelamentos próximos da linha da fronteira, um dos objectivos principais foi a barcaça que transportava pessoal e material que depois entrava no nosso território pelo Corredor de Guileje, nomeadamente até Ponte Balana. Aquele meio de transporte estava localizado próximo de Kandiafara e estrategicamente defendido por anti-aéreas (AAA) localizadas em Kandiafara e Simbeli.

Tendo-se decidido interromper, ou pelo menos limitar esses movimentos, foram realizadas diversas saídas para eliminar esse meio em simultâneo com ataques às anti-aéreas já referidas, de modo a limitar a sua acção contra os outros aviões. Eram missões que impunham um certo respeito, quando se via à nossa volta a fogachada da AAA (frase presunçosa, mais própria dos cenários da 2.ª Guerra Mundial, Coreia ou Vietnam, mas vou deixar ficar... embora reconheça que as pessoas possam ter tendência para exagerar a gravidade das situações em que estiveram envolvidos).

Para mim, que tive por várias vezes as funções de marcador dos voos da Esquadra 121 (vulgo oficial de operações da Esquadra - eu era tenente, mas fui muitas vezes o 2.º na hierarquia da Esquadra), cabia-me nessas funções nomear os pilotos para as missões que nos tinham sido destinadas para o dia. Calculam o meu incómodo ao indicar os nomes dos pilotos para estas missões de visível risco, sabendo que eles podiam ficar lá. Noblesse oblige, indicando eu os pilotos, naturalmente tinha que avançar logo com o meu nome, que é assim que podemos exigir algo aos outros... E nunca tive problemas na aceitação das nomeações que fazia, embora pudesse calcular o que eles estavam a pensar (*).

Integrarmo-nos num cenário de guerra não é acto que se consiga num momento; inicialmente sentimo-nos chocados com o que sucede à nossa volta - e que foge à nossa compreensão - existindo depois uma escalada de acontecimentos que, dia-a-dia, nos vai insensibilizando (ou embrutecendo) e criando em nós defesas que nos levam a aceitar os riscos com um sentimento de inevitabilidade - penso que isso sucedeu com todos nós num determinado momento da nossa comissão - "o que tiver que ser será" (**). No fim, tornámo-nos pessoas diferentes, não necessariamente piores mas certamente mais cépticos (realistas?) em relação ao que podíamos esperar da vida - pelo menos naquelas circunstâncias.

Mas, voltando à nossa história: Felizmente (e também para descanso da minha consciência) nessas missões na raia nunca perdemos nenhum piloto. Inicialmente deslocavam-se helis para eventuais evacuações, no caso de um piloto ter que se ejectar - ficavam de alerta em aquartelamentos do sul. Mas com o tempo (e sem perdas de Fiats) cada vez se afastavam mais esses meios para a base mãe, acabando por se fazer o alerta a partir da BA12; escusado será dizer que estávamos aviados se tivéssemos que nos ejectar sem esse apoio atempado - felizmente sabia o francês suficiente para perguntar a um local o caminho para a Guiné-Bissau...

Simultaneamente foram repetidamente atacados objectivos dentro do nosso território - nomeadamente estradas, pontes, pontos de cambança (travessia) nos rios - localizados em zonas não ocupadas pelas NT, cuja destruição permitisse limitar a progressão do IN. Este grande esforço da Força Aérea e da Esquadra 121 durante um determinado período do segundo semestre de 1973 (não consigo precisar datas - Setembro? Outubro?) teve resultados palpáveis, pois tanto ferro largado fez reduzir visivelmente as flagelações aos aquartelamentos, pelas dificuldades logísticas provocadas ao IN. Mas era um desgaste enorme para os aviões, pilotos, mecânicos e para a logística: havia que repor lotes de combustível e de armamento, fazer a manutenção e/ou reparação dos aviões, dar algum descanso ao pessoal. E não poderia prosseguir eternamente, por isso com o tempo esse esforço teve que ser reduzido - com o consequente aumento dos ataques aos nossos aquartelamentos.

Miguel Pessoa

Bissau > Bissalanaca >BA 12 > 1974 > O então Ten Pilav Miguel Pessoa..

Notas do autor:

(*) Também não havia muitos para escolher... O número de pilotos de Fiat era normalmente de 6 a 9, na melhor das hipóteses (se incluirmos 2 ou 3 oficiais superiores com funções de comando na BA12 e que, naturalmente, não voavam permanentemente na Esq 121) e chegou a estar reduzido a 4 ou 5 no início de Abril de 1973, depois do abate de 2 aviões em finais de Março (com a morte de um piloto e a inibição de outro por um período de 4 meses).

(**) Num artigo para um jornal, já há uns tempos, um jornalista perguntava-me, tendo em conta o que eu tinha passado com a minha ejecção e posterior recuperação, se tinha sentido medo quando voltei a voar naquele território. Respondi-lhe que "sim, pois não sou inconsciente". E como, em jeito de brincadeira lhe disse que "por vezes parecia que iam dois no avião, eu e o meu medo" (frase parva para dizer a um jornalista), isto foi logo puxado para o título do artigo, deturpando o seu sentido.

O que não expliquei ao jornalista (e que lamento agora) foi que, face ao esforço que para mim representou a ultrapassagem deste episódio, no caso de vir a ser novamente atingido e ter que me ejectar (voltando a passar por tudo o que já tinha passado), eu não tinha medo de morrer mas sim de ficar vivo...
__________

Notas de CV:

(1) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4528: Um velho filme de 8 mm que agora nos surpreende e delicia (George Freire / Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4477: FAP (29): Encontros imprevistos (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

sábado, 25 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4250: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (2): Quem tramou a CCAÇ 2317? (Idálio Reis)

1. Mensagem de Idálio Reis (1), ex-Alf Mil da CCAÇ 2317/BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana , 1968/69, com data de 25 de Abril de 2009:

Meus caros Luís, Carlos, Virgínio e demais companheiros Tertulianos.

Só ontem pela tarde, me foi possível reaver o último volume desta colecção que o «Correio da Manhã» vem apensando às quartas-feiras.
E o Blogue, traz à liça uma mensagem do Alberto Branquinho (P4241) (2), em que com uma firme veemência sublinha que sobre Gandembel se expressam apenas referências avulsas, que apenas conseguem transmitir de uma forma bastante mitigada, os múltiplos acontecimentos passados naquele infernal palco de guerra. Corroboro inteiramente com tal asserção.
No dia 16 de Fevereiro de 2007, em que inicio a publicação (P1530) (3) da História da minha Companhia – a CCaç 2317 -, refiro a determinada altura com base numa interrogação que a mim próprio formulei “Quem tramou a Companhia?”, o seguinte:

Ao fim de 2 meses, o treino operacional findava. A tropa da Companhia, parecia estar, em definitivo, inteiramente apta para enfrentar qualquer situação de guerra, fosse onde fosse. Tantos enganos!
Para o atestar, não houve qualquer rebuço em nos meterem numa LDG, rio Geba abaixo, rumo ao Sul da Província. Em Cacine apeámos, e a 20 de Março chegávamos a Guileje, e ninguém pressagiava a sinistra e fatídica odisseia que doravante estava reservada à CCaç 2317.

Ao mandar construir um destacamento fixo, em zona onde o PAIGC detinha um quase inteiro domínio territorial, o Estado-Maior do Comando Militar da Província cismou numa táctica militar imprudente, reveladora de uma grosseira insânia, destituída de qualquer preconceito, tanto mais que assentava no propósito de minimizar o poderio militar do adversário. Quem ousou pensar nesta decisão?

Parece que, para os toldados mentores desta ultrajante aventura, o valor da conveniência estava exactamente a par do valor da vida humana, tentando de qualquer modo, atingir-se um putativo fim, sem minimamente se olharem aos meios.
Não o haviam conseguido até então, e compelia-se uma Companhia sem qualquer experiência, a desempenhar um papel de protagonismo em permanente risco de vida, o de desamparados peões de briga, quais meros joguetes de uma estratégia insolente, e que vai precisar de uma ajuda constante, para não vir a ser dizimada.

Eu que vivi esses tempos tão sofridos, sem hiatos, ao tentar procurar entender esta resolução, não a descortino. E julgo que se cometeu uma ignóbil e hedionda manobra estratégica, que se viria a revelar desastrosa para todas as tropas que estiveram envolvidas nessa infinda operação.
Ainda que esta eventual operação de acantonamento, obrigasse o PAIGC a alterar a sua conduta militar de forma acentuada, este nunca deu mostras de soçobrar. Ao contrário, quase sempre demonstrou apresentar uma organização à altura das circunstâncias que as NT lhe tentavam mover. Apesar de reconhecer que tiveram que reforçar o seu poderio militar, bem atestado na forma como veio a agir, o abandono de Gandembel só pode apresentar uma leitura consequente: mais uma vez, as NT soçobraram naquela zona.

E se o desaire não é de todo gorado, tal deve-se ao preponderante papel desenvolvido pelas tropas pára-quedistas, que se cruzaram connosco nesta aventura, pela forma extremamente meritória como o souberam assumir. Foram as verdadeiras tropas de elite, que num momento particularmente conturbado para nós, apearam em Gandembel, e coube-lhes a ousadia de conseguirem suster quase radicalmente as acções do PAIGC.

Mas, no deve e haver, ficaram a perdurar para sempre, os resultados de uma sentença muito pesada. E estes, sem margem para quaisquer dúvidas, vieram a redundar num rotundo e plangente fracasso, pela quantidade de mortos e estropiados, dos feridos graves, e dos evacuados com maleitas várias, estas doenças que nos vêm chagando no nosso quotidiano.
Já alguém apontou no nosso blogue, o número de 52 mortos e muitos feridos graves. Torna-se-nos muito difícil atestar este valor, mas do que me foi dado a observar e conhecer, considero que as tropas que estiveram mais ou menos envolvidas com a odisseia de Gandembel, entre mortos e evacuados para Lisboa (feridos e doentes), atingem seguramente a centena de homens.

Os custos materiais, não contam para mim, mas mesmo aqui, quantas razões de queixa a lamentar, onde à falta de tantos meios, até a fome chegou a pairar, não por falta de comida, mas porque houve um longo tempo que se tornou difícil de tragar por manifesta má qualidade.

Oxalá que não seja por este conjunto de razões, que os factos bélicos que atravessaram as vivências de Gandembel/Ponte Balana, estejam praticamente omissos nos arquivos histórico-militares, e que acabarão fatalmente por se apagarem, pelo inexorável determinismo da lei da vida. E por isso, sinto-me profundamente chocado com este procedimento, que em nada enobrece a Instituição Militar.

Assim, trair-me-ia, se deixasse perder o passado, de uma parte fundamental das vidas destes deserdados filhos de um deus menor.
Em seu nome, dos que tiveram a desdita de me acompanharem neste longo pesadelo, que se prolongou principalmente entre os meados de Março de 1968 a Maio de 1969, e mormente dos que vimos afastaram-se precoce e compulsivamente do nosso seio, procurarei dar sinal dos amargos momentos vividos, que o denegrido baú das minhas memórias, ainda não arrumou de todo, apesar das poeiras de 4 décadas.

E no presente momento, em que estão a ser divulgadas 2 séries documentais de enorme valor para dar a saber o que foi a Guerra Colonial, obviamente fundamentadas em várias fontes, porventura chegou o momento de dar conhecimento do Historial da CCaç 2317, cujo original se encontra no Arquivo Histórico Militar, para tornar bem evidente que se trata do único documento oficial que conheço. E julgo que não há outro…

No que ele se exara, é uma arrepiante análise redutora do quotidiano da Companhia. O fautor desse Historial tão distorcido, que o houve, branqueou uma grande parte dos factos que efectivamente ocorreram, e para os que o lêem, muito pouco deixa transparecer do que essa negregada odisseia de Gandembel contextualiza.
Eis o que encontrei e que transcrevo na íntegra.

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Idálio Reis, o homem-toupeira e o herói de Gandembel CCAÇ 2317, 1968/69), trocando impressões com o nosso anfitrião, o calmeirão do Joaquim Mexia Alves...

Foto e legenda: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.



HISTORIAL DA CCAÇ 2317

Depois da chegada a BISSAU, no navio “QUANZA” em 24JAN68, no dia 14 FEV68 dirigiu-se a Companhia de BISSAU para MANSABÁ, a fim de realizar o Treino Operacional, ficando deste modo a depender operacionalmente do BCAÇ 1897. Durante este período, a Companhia, além de patrulhamentos diários, efectuou também variadíssimas operações. Aquando da Chegada desta CCAÇ a MANSABÁ, foi recebida a directiva operacional para que 1 GCOMB da mesma, fosse destacado para OLOSSATO.
Uma das acções primordiais desta Companhia pode dizer-se, contudo, que foi na região do OLOSSATO em 05MAR68, durante a operação “ALMA FORTE”, da qual resultou a captura de 2 elementos IN, à parte de 59 elementos (FULAS, MANDINGAS e BALANTAS) da população.

No dia 17MAR68, regressou esta CCAÇ de MANSABÁ, dirigindo-se em seguida para BISSAU.

Em fins de MAR68, verificou-se a partida da Companhia para o SUL, mais propriamente para GUILEGE, onde chegou a 23Mar68.

Em 28MAR68, foi a Companhia empenhada em manter a segurança a uma coluna de reabastecimentos GUILEGE – GADAMAEL e vice-versa. Tendo havido contacto com o IN, dele resultaram 2 mortos para as NT e 4 mortos confirmados para o IN.

Com o dia 08ABR68, chegou então a data da partida desta CCAÇ para GANDEMBEL, integrada na operação “BOLA DE FOGO” a fim de lá construir o Aquartelamento, onde ficaria instalada a Companhia. Nessa noite sofreram 5 flagelações no itinerário GUILEGE – GANDEMBEL, a cerca de 3 Km de GANDEMBEL, mais propriamente junto ao RIO BUNDO – BODO. As NT reagiram pelo fogo, tendo infligido uma baixa confirmada ao IN.
Quando a CCAÇ chegou a GANDEMBEL em 09ABR68, pelas 09H30, começaram imediata e intensamente a construir abrigos para todo o pessoal, procedendo-se em seguida à capinagem e desmatação do local do Aquartelamento. Vir-se-ia a verificar posteriormente que o Aquartelamento seria flagelado e atacado em média 3 a 4 vezes por dia o que, prejudicou o ritmo das obras de instalação neste novo quartel. No entanto, todo o pessoal “COM A PICARETA NUMA MÃO E NA OUTRA A ARMA”, manteve sempre elevado moral que é da maior justiça salientar.

Deste modo, se foi edificando o quartel de GANDEMBEL, com a completa ausência de máquinas, bastante reduzido o número de ferramentas, até mesmo por vezes com falta de materiais e, diariamente sujeitos às flagelações do IN, podendo-se afirmar que dificilmente se poderia fazer melhor.

No dia 05JUN68, durante a operação “BOA FARPA”, numa coluna GUILEGE – GANDEMBEL, verificou-se um forte accionamento de fornilhos, causando deste modo a morte de um Oficial desta Companhia.

No dia 15JUL68, sofreu esta CCAÇ um grande ataque ao seu Aquartelamento, ataque esse com elevado potencial de fogo, 11 Canhões S/R, 9 Morteiros 82, além de variado armamento pesado e ligeiro. O referido ataque, que foi bastante duro, durou cerca de 00H20, tendo-se instalado o IN a cerca de 150 metros deste Aquartelamento. As NT sofreram 1 morto e 14 feridos.

No dia 28 JUL68, quando um “FIAT” da FAP, efectuava um reconhecimento sobre a zona de GANDEMBEL, foi atingido pelas anti-aéreas do IN, o qual se encontrava instalado junto à fronteira, tendo-se todo o pessoal da Companhia apercebido do facto, em virtude de previamente se terem ouvido os tiros disparados pelas anti-aéreas, e em seguida se ter verificado um incêndio na cauda do avião, após o que o Piloto saltou do Aparelho, caindo a cerca de 3 Km do Aquartelamento desta Companhia. Perante a ocorrência, o Comando deu imediatamente ordem para que 2 GCOMB fossem socorrer o Piloto, Exm.º Tenente-Coronel Piloto-Aviador COSTA CAMPOS.

Em 04AGO68, foi esta CCAÇ empenhada em manter a segurança a uma coluna no itinerário ALDEIA FORMOSA – GANDEMBEL e vice-versa, verificando-se junto ao pontão CHANGUE-IAIA, o rebentamento de um fornilho e desaparecimento de 1 soldado nativo do PEL CAÇ NAT 69, o qual era um dos elementos que efectuava a picagem do itinerário. Em seguida a este incidente, as NT dirigiram-se imediatamente para o local onde tinha sido projectada a referida praça, tendo-se verificado de novo vários rebentamentos que provocaram mortos, desaparecidos e feridos às NT. Dias após, a Companhia colaborou no levantamento de 68 minas A/P neste mesmo local.

Entre os numerosos ataques sofridos por esta CCAÇ, todos eles com elevado potencial de fogo, evidencia-se o de 07SET08, em que o IN usou pela primeira vez o MORTEIRO 120, além de 9 Canhões S/R, 8 MORTEIROS 82 e, vário armamento ligeiro e pesado.

De entre os ataques a que esta CCAÇ se vinha a habituar, desde a edificação do seu Aquartelamento em GANDEMBEL, merece especial relevo o da noite de 11/12SET68, em que o IN se apresentou com numeroso armamento, mais propriamente 2 Morteiros 120, 4 Canhões S/R, 6 Morteiros 82, além de vários Lança-Granadas Foguete, e armas pesadas e ligeiras. Passado cerca de 00H30 de ter terminado o ataque, o IN aproximou-se novamente do arame farpado exterior deste Aquartelamento, fazendo rebentar junto do mesmo, 5 Torpedos-Bengalórios e algumas granadas de fumo, desencadeando ao mesmo tempo um grande potencial de fogo. Durante este segundo ataque, de modo algum se poderia deixar despercebido a táctica que o IN utilizou pois, comandou todo o seu fogo, da retaguarda através de telefones colocados a 300 metros deste Aquartelamento, tendo contudo, utilizado megafones no grupo de assalto. Efectuada uma batida ao amanhecer por forças desta CCAÇ, constatou-se que o IN sofreu 2 mortos confirmados, e variadíssimos feridos.

Na noite de 07NOV68, pelas 22H15, verificou-se o ataque ao Aquartelamento de GANDEMBEL. O tempo de duração deste ataque foi de cerca de 00H20, tendo-se verificado numerosas saídas de Canhão S/R, Morteiro 82, e as tão características e inconfundíveis explosões à boca dos Morteiros 120. Esta flagelação causou 1 morto e 1 ferido às NT, provocado por estilhaços de Morteiro 82.

Pelas 00H15 do dia 08NOV68, o IN desencadeou, provavelmente das mesmas posições, nova flagelação com as características da antecedente, isto é, duro fogo de Canhão S/R, Morteiro 120 e 82. A acção durou 00H30, mostrando-se o tiro mais preciso. Às 02H15 nova flagelação se registou, esta no Aquartelamento de GANDEMBEL e Destacamento de PONTE BALANA, simultaneamente. Na acção sobre GANDEMBEL, o IN empregou Morteiro 120 e 82, enquanto actuava em PONTE BALANA com Canhão S/R (em tiro directo) e Morteiro 82, provocando danos materiais. EM PONTE BALANA, o IN retirou ao fim de 00H20, sob violento fogo das NT. Feita uma batida ao amanhecer localizaram-se 5 posições de Canhão S/R, e 2 de Morteiro 82, constatando-se que o IN havia sofrido 3 feridos confirmados. Foram recolhidas 3 granadas de Canhão S/R, além de variado material. Foi impressionante o elevado número de granadas de Morteiro 120 consumidas pelo IN.

Um aquartelamento finalizado, que acaba por ser abandonado com pouco mais de 10 meses de construção. E no seu último período, foi possível propiciar alguns momentos de lazer, mercê de alguns melhoramentos complementares.

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Janeiro de 1969 > Foto 415 > "Uns dias antes do abandono de Gandembel/Balana [, em 28 de Janeiro de 1969,] Spínola também viria cá despedir-se"

Foto e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.


Entretanto, é chegado o dia 28JAN69, e com ele a evacuação do Aquartelamento de GANDEMBEL. A Companhia seguiu para ALDEIA FORMOSA onde ficou a aguardar transporte para BUBA.

No dia 06FEV69, esta CCAÇ deslocou-se para BUBA, por via terrestre.
Chegada a Companhia a BUBA, ficou temporariamente em intervenção. Além das actividades operacionais, esta CCAÇ foi empenhada em manter a segurança aos trabalhos de Engenharia na nova estrada BUBA – ALDEIA FORMOSA. Esta missão foi frequentemente contrariada pelo IN, que aproveitava as condições de terreno para tirar delas o máximo de rendimento, colocando minas. É de salientar o levantamento de 38 minas A/P detectadas e levantadas por um Sargento desta CCAÇ, junto à “CURVA do VILAÇA”.

Em 06MAR69, a Companhia foi empenhada em montar uma emboscada, conjugada com instalação de engenhos explosivos, na região de XITOLE 2D-2, com o fim de interceptar uma coluna IN. Cerca das 19H15 as NT foram alertadas por ruídos nítidos de aproximação do IN. Depois da maior parte do IN ter entrado na zona de morte, foi aberto fogo, rebentando-se ao mesmo tempo um fornilho eléctrico instalado no trilho IN. O IN sofreu várias baixas, e após uma batida, capturou-se uma pasta de cabedal com importantes documentos.

É de salientar as PALAVRAS ELOGIOSAS dirigidas pelo Comandante do COP 4, ao Comandante desta Companhia, à partida para NOVA LAMEGO: “EXECUTANDO AS ORDENS DO COMANDO COM O MELHOR DO SEU ESFORÇO, COM UMA VONTADE INQUEBRANTÁVEL E FIRME DE BEM SERVIR, COM UM ELEVADO ESPÍRITO DE MORAL E SACRIFÍCIO, ESSA VONTADE E ESSA FIRMEZA, ENCONTREI-A SEMPRE NOS OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DA CCAÇ 2317”.

Após 3 meses de permanência em BUBA, no dia 14MAI69, esta CCAÇ foi transferida e deslocada por via aérea para NOVA LAMEGO.
Chegada a Companhia a NOVA LAMEGO, foi-lhe imposta a missão da defesa da Pista Nova, Instalações da Força Aérea e Maquinaria da TECNIL.
No dia 14JUL69, foi destacado 1 GCOMB desta CCAÇ para a povoação de CANSISSÉ, a fim de manter a defesa da mesma povoação.
No Aquartelamento em NOVA LAMEGO, a Companhia continuou sempre activa dedicando-se a melhorar as instalações do seu quartel e a defesa do mesmo, além de colaborar na defesa da vila de NOVA LAMEGO, e realizar as patrulhas, escoltas e outras acções consideradas de rotina.

Assim, aproveitando os conhecimentos que algumas praças tinham da vida civil, para trabalharem como pedreiros, trolhas, carpinteiros, electricistas e pintores, lançou-se “MÃOS à OBRA”. Cumprindo as ordens do seu Comando, com entusiasmo e abnegação, a CCAÇ 2317, orgulha-se de no seu Aquartelamento ter deixado muito do seu esforço. Contribuiu decididamente para a construção da Messe e Bar para Oficiais e Sargentos, para a construção de Edifício para Refeitório das Praças e Sala do Soldado, melhoria da Secretaria, com caiação e instalação eléctrica, etc. Quanto à defesa do Aquartelamento foi aberta uma vala com espaldões para armas pesadas, a toda a volta do Aquartelamento, feita a montagem da instalação eléctrica, com luz para o exterior, a instalação do Morteiro 82 e a capinagem e desmatação do Aquartelamento e seus arredores.
É de salientar na Pista Nova, a construção de nível de secção, valas, fiadas de arame farpado e instalação de telefone, tudo isto feito com a finalidade de uma perfeita defesa e segurança da Nova Pista de NOVA LAMEGO instalações da Força Aérea e Maquinaria da TECNIL.

Ao meditarmos sobre as campas dos nossos camaradas caídos no CAMPO DA HONRA E DO DEVER, o nosso espírito enaltece-se por nunca termos hesitado na frente.
Vinca bem fundo na consciência desta Companhia, os reflexos do seu trabalho, a responsabilidade da sua acção, a nobreza firme dos seus fins. Os seus elementos demonstraram serem possuidores de raras e preciosas qualidades de generosidade, valentia, coragem física e moral, sangue-frio, desprezo pelo perigo e sublime abnegação e altruísmo, definindo no mais apurado sentido as virtudes incomparáveis dos SOLDADOS DE PORTUGAL. Sempre animados de generosidade, bateram-se galhardamente pela PÁTRIA com o mais puro entusiasmo.

Aos que ousem levar a propósito essa nobre acção, de divulgar os factos da guerra colonial, como este exemplo de Gandembel/Ponte Balana, só conseguem obtê-lo se dispuserem de fontes fidedignas. E daí, o surgimento das tais referências avulsas, que de tão redutoras, perdem significado e identidade, não restando senão a opacidade e talvez por isso, essa guerra tremenda que sofremos na Guiné, seja hoje pouco entendível por aqueles que tiveram a felicidade de não a ousar enfrentar.

Neste dia 25 de Abril, que chegou tão tarde para o pessoal da Tabanca Grande, um cordial abraço do Idálio Reis.
__________

Notas de CV:

(1) Vd. poste de 9 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4165: Bandos... A frase, no mínimo infeliz, de um general (13): As afirmações de Almeida Bruno em A Guerra (idálio Reis)

(2) Vd. poste de 24 de Abril de 2009 >
Guiné 63/74 - P4241: Os Anos da Guerra de C. Matos Gomes e A. Afonso (1): Uma visão redutora do inferno de Gandembel (Alberto Branquinho)

(3) Vd. poste 16 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

Vd. postes da série Fotobiografia da CCAÇ 2317 de:

16 de Fevereiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

9 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

12 de Abril de 2007 >
Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel

2 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras

9 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel

23 de Maio de 2007 >
Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço

21 de Junho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28

8 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968

19 de Julho de 2007 >
Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques