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terça-feira, 4 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22169: (Ex)citações (384): Em louvor das "nossas lavadeiras" que, na sua esmagadora maioria, não foram "lavadeiras lava-tudo"... (Joaquim Costa / Valdemar Queiroz / Cherno Baldé / José Teixeira / Jorge Pinto / Luís Graça)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > "Lavadeiras da Fonte Antiga... Todos os soldados tinham a sua lavadeira. A lavagem da roupa era feita na tabanca com água retirada através do único furo,  feito por uma companhia de caçadores estacionada em Fulacunda em 1969/70], a CCAV 2482, "Boinas Negras"[,subunidade que esteve em Fulacunda entre 30 de Junho de 1969 e 14 de Dezembro de 1970, data em que foi rendida e partiu para Bissau].

 Contudo, quando havia muita roupa para lavar, as lavadeiras deslocavam-se à Fonte Antiga que se localizava na parte exterior do aquartelamento e portanto sujeita a “surpresas” [, acções do IN].


Foto (e legenda): © Jorge Pinto (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Comentários ao poste P22028 (*) sobre um tema - as lavadeiras  (e as relações com os militares que passaram pela Guiné) - , sobre o qual temos mais de 3 dezenas de referências...  

O tema tem-se prestado, desde o início da guerra colonial / guerra do ultramar, há 60 anos,  a especulações e generalizações  abusivas, levando a criar-se o estereótipo de que as lavadeiras  também  faziam (ou eram obrigadas a fazer) "favores sexuais", como se  os militares portugueses, em geral,  se tivessem comportado como "tropa ocupante" (, segundo a propaganda do PAIGC).., E, pior ainda, como uma cambada de "predadores sexuais".

Enfim, há quem diabolize os antigos combatentes com o velho chavão do sexo em tempo de guerra, esquecendo-se que muitas das "nossas lavadeiras" também eram mulheres ou familiares dos nossos camaradas guineenses, ou elementos da população que vivia dentro do mesmo "perímetro de arame farpado" onde flutuava a bandeira portuguesa... 

Há quem nos queira ver com os olhos de hoje, os novos "santos inquisidores,", os do feminismo, dos direitos humanos, do revisionismo da história, do pós-colonialismo, do pós-modernismo, enfim, do "politicamente correcto"...  É bom lembrar aqui, e a propósito, o saudável e pedagógico discurso do PRP no dia 25 de Abril de 2021, na Assembleia da República (**)...

Nada como recorrer aos testemunhos dos nossos camaradas que estiveram no CTIG, entre 1961 e 1974. Dos outros teatros de operações  não temos falado (nem falamos), porque não estivemos lá. E como não há tabus no nosso blogue (só evitamos  falar de política, futebol, religião... e desertores!), não temos pejo em lembrar aqui  as "nossas lavadeiras", sempre que nos apetecer. E sem pedir licença a ninguém!... Não, as nossas lavadeiras não eram "lavadeiras lava-tudo"...  Havia exceções, claro.. Mas a exceção confirma a regra. 

Lembro-me que à minha, em Bambadinca (, infelizmente já não sou capaz de me lembrar do nome... "Binta" ?), pagava acima da tabela "tácita": pagava 100 euros... E desculpava-lhe uma ou outra peça de roupa  estragada ou extraviada... Sei que era jovem, mandinga, sem ser particularmente bonita, mas também ela filha de lavadeira que, em meados dos anos 60, terá tido um filho de um militar... A minha lavadeira, que falava um crioulo "carrancudo", trazia geralmente às costas o meu mano mais novo, de feições "arianas"... Bambadinca era já um meio semi.urbano, com muita população "refugiada", vítiam do terror do PAIGC... 100 pesos pagos a uma lavadeira já era bastante dinheiro para quem nada tinha: lembre-se que era um sexto do pré do soldado guineense de 2ª classe... 

Com o fim da guerra (e com o fim destas e doutras entradas de dinheiro no rendimento das famílias, incluindo a partida dos cmerciantes locais), agravaram-se as condições de fome e miséria da população de Bambadinca. E, infelizmente, a independêmcia trouxe também o triste espectáulo do revanchismo, da "justiça revolucionária", do "poilão dos fuzikamentos", dos ajustes de contas contra "os cães e as cadelas do colonialismo"...  O que terá sido feita da minha "Binta", da sua mãe e do seu mano, "fidjo di tuga" ?... 

Fica aqui um aviso aos nossos camaradas, que falam com os jornalistas, contam histórias  e disponbibilizam fotos dos seus álbuns, sem a devida "legendagem e contextualização"... Sessenta anos depois alguns jornais lembraram-se que os antigos combatentes, agora com os pés para a cova, ainda têm "histórias e fotos exóticas" (e até "escabrosas") que ajudam a vender jornais e aumentar as audiências, em tempo de pandemia... Porque os fotojornalistas profissionais e os nossos "fotocines", esses, preferiram não arriscar o coirão no mato da Guiné... (Há quem os desculpe: o regime e o exército não os terão deixado trabalhar...). (LG)


(i) Tabanca Grande Luís Graça

É um dos mais bonitos elogios que já li sobre as "nossas lavadeiras" e "o dia da lavadeira" (que, tanto quanto me recordo, era à quinta-feira, em Bambadinca):

(...) "O dia da lavadeira era o mais esperado da semana no quartel. Vinham em rancho com os seus trajes coloridos, com a trouxa de roupa à cabeça e uma alegria contagiante nos rostos. Aguardavam impacientes junto ao sentinela a autorização para entrarem no quartel, o que geralmente acontecia ao meio da tarde, e era vê-las entrar em grande algazarra, de sorrisos rasgados, dispersando-se pelo quartel como rebanho comunitário acabado de chegar, do monte, ao povoado.

"Quem não viveu e/ou participou na guerra colonial, ouvindo falar das lavadeiras dos militares logo associa a alguém que lavava a roupa e não só. Nada de mais errado e injusto para a maioria destas mulheres: dignas, afáveis, competentes e que compreendiam melhor do que ninguém o sofrimento e angústias destes jovens, ansiosos por regressarem à terra e ao seio da família, desculpando-os de um ou outro pequeno devaneio, sabendo que nelas projetavam alguém bem longe para além do oceano." (...)

23 de março de 2021 às 11:58
 

(ii) Valdemar Queiroz:

Costa, mais um belo texto.

Vamos à lavandaria, dizíamos nós, quando em Contuboel íamos à praia do rio Geba e passávamos junto da lavandaria (umas pedras junto do rio) ver as bajudas lavadeiras de tronco tu e saiote molhado a lavar a roupa da rapaziada da tropa.

No Quartel da nossa CART n11, em Nova Lamego, não havia um dia certo para as lavadeiras entregar a roupa lavada e recolher a suja. A nossa CART 11,  de soldados fulas, com os quadros e poucos soldados metropolitanos,  não dava grande negócio às lavadeiras que na maioria eram as mulheres ou familiares dos nossos soldados.

Julgo que em Contuboel seria assim, mas lavadeiras em Nova Lamego tinham uma tabela de preços. Não era um preçário especial à peça, era um preçário à patente ou seja os soldados pagavam um preço, os furriéis, o 1º. sargento, os alferes e capitão pagavam cada um preço diferente pelo mesmo tipo de roupa lavada. 

Toma lá qu'é democrático, diríamos nós agora, mas a explicação dada era bem simples: ganha mais patacão, paga mais à lavandeira, diziam.
Quanto ao resto, havia sempre a mesma 'lava tudo?' mas no geral o respeitinho era muito bonito.

23 de março de 2021 às 15:05

(iii) Cherno Baldé

Caros amigos,

O tema é deveras interessante e a descriçao do Joaquim Costa é quase perfeita, como costuma dizer o nosso Luis Graça, nem tudo era a preto e branco, claro.

 “Os pequenos devaneios” desculpáveis, devido as saudades da terra natal aconteciam, assim como aconteciam inúmeros outros casos dos quais os de “lava tudo”, porque se a tropa passava por respeitar a disciplina militar na geralidade, com a irreverência já conhecida e que muitas vezes se evidênciava através do dedo médio nas costas do chefe hierárquico, com o pessoal africano e sobretudo com as mulheres já era muito diferente, pelo que estas quando tinham mesmo que entrar no quartel por obrigação do serviço mas também porque dava algum gozo apreciar a rapaziada branca (acho eu), faziam-no com algumas cautelas como por exemplo levar um bébé as costas, mesmo não sendo a mãe para intimidar e afastar os mais atrevidos ou levar um(a) guarda-costas que seguia grudada(o) as suas costas para gritar e fazer barulho quando as apalpadelas passavam do limite e não eram consentidas. 

Com as minhas primas-irmãs na condição de lavadeiras, faziamos várias vezes de guarda-costas a uma delas, a mais velhas, pois a mais nova nunca queria e fugia de nós como do diabo pelo que, claro está, ela era suspeita de práticas menos decentes aos nossos olhos.

Mas, para dizer a verdade, até 1970, periodo que coincide com a chegada da CART 2742 do Cap Carlos Borges Figueiredo (todas as anteriores eram muito bélicas e acreditavam poder ganhar aquela guerra), a nossa verdadeira motivação, enquanto guarda-costas, era conseguir o livre trânsito que nos permitia atravessar a porta d’armas e deambular dentro do quartel e, eventualmente, conseguir um pedaço de pão com ou sem marmelada, com ou sem autorização ou uma latinha de sardinhas quando não era a milagrosa Coca-Cola espumante, o que raramente acontecia. Mas, valia sempre pela aventura de entrar naquele lugar proibido que atraia a nossa curiosidade sobre aquela gente estranha vinda de outras paragens, jovem e saudável e de hábitos muito esquisitos.

As meninas e mulheres lavadeiras da nossa aldeia sabiam que os rapazes não eram de confiança, pois com eles na guarda, as cunhas eram permitidas e, nesse caso, faziam vista grossa ou abandonavam o local para ir atrás da bola a troco de pouca coisa e assim o truque do bébé nas costas era o recurso mais seguro para entrar no quartel que mais parecia um ninho de vespas para as nossas mulheres.

Gostaria de esclarecer que, geralmente, todas as mulheres queriam ser lavadeiras e ganhar algum dinheiro da tropa, mas dos casos que conheço em concreto, so as meninas e mulheres solteiras eram permitidas a ter laços contratuais com a tropa (os brancos) e estas por sua vez podiam ou não dividir os seus clientes (contratantes) a outras mulheres casadas que se encarregavam de lavar e passar a roupa ou so lavar e entregar a lavadeira contratada para o serviço. E quando recebia dos seus clientes o valor do contrato entregava repartia com as outras co-lavadeiras que ficavam na sombra e nunca eram conhecidas por seus clientes. E esta pratica nao era isenta de problemas que so vinham a tona quando se verificava a perda ou mau estado de alguma peça, por falta de alguns botões, entre outros casos.

 23 de março de 2021 às 17:59

(iv) Tabanca Grande Luís Graça:

Irei publicar em breve uma lista dos mais de 30 postes publicados com o descritor (ou marcador) "lavadeiras"...Há histórias edificantes (e outras menos...).

Também tenho a mesma iamgem do Joaquim Costa, a do dia da lavadeira, se bem que a CCAÇ 12 não fosse uma unidade de quadrícula e andasse muitas vezes no mato...

No nosso caso, em Bambadinca, era junto do edifício do comando, quartos/camaratas, e messes de oficiais e sargentos... Recorde-se que: (i) as praças dormiam em camaratas (, com exceção dos gyuineenses, que vivia na tabanca); (ii) os furrieis/sargentios viviam em quartos com 5 camnas); (iii) os alferes, em quartos de 3 camas: (iv) os capitães e oficiais superiores eram os únicos que tinham quartos individuais...

Parecia uma feira e era, aqui como em outros lados, um momento de "socialização" e de convívio... Uma feira, colorida e animada, com muita gente da tabanca (miúdos, bajudas e mulheres grandes, de várias etnias, com destaque para fulas e mandingas...) a entregar roupa suja e a receber roupa lavada...

Eu pagava 100 escudos à minha lavadeira, que era mandinga. Não tenho ideia de me ter perdido menhuma peça.

23 de março de 2021 às 22:39

(v)  José Teixeira;

A minha lavadeira em Mampatá era a jovem bajuda mais linda que havia na tabanca. Como era uma tabanca pequena e apenas havia um Grupo de Combate instalado, que juntamente com um Grupo de milícia assegurava a segurança, havia uma excelente relação pessoal com os autóctones. 

O comandante da milícia era o Régulo Aliu Baldé e minha lavadeira estava comprometida com o seu filho Hamadú a cumprir o serviço militar em Bolama. Era uma jovem que impunha respeito, como, aliás, todas as bajudas e mulheres grandes, pela relação humana que se gerou e pela forma como elas se faziam respeitar. 

Fiquei preso àquelas gentes que recordo com muita saudade, apesar de só ter estado cerca de meio ano. Nos meus regressos à Guiné (e já vão cinco!) reativei as amizades e a Fatumata, o marido Hamadú e os seus filhos e outros familiares estão no meu rol de amizades.

Em Buba era uma jovem que devia ter cerca de doze anos, que tinha alguns cuidados, como andar sempre acompanhada e nunca entrar dentro da caserna. Como havia muita tropa estacionada, as bajudas e mulheres grandes quase não chegavam para as encomendas.

24 de março de 2021 às 11:45

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22028: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte V: As nossas lavadeiras... e o furriel 'Pequenina'


segunda-feira, 6 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21145: Da Suécia com saudade (75): Pedagogias várias para proveito do macho-ibérico: as representações sociais das... suecas, "muito dadas" (José Belo)



A propósito das 'muito dadas'...  Midsummer at Skansen, Stockholm. [ Solstício de verão em Skansen,  Estocolmo].  Source / Fonte: Routes North - Scandinavia Travel Guide / Rotas do Norte - Guia de Viagens da Escandinávia . Bilderna kan vara skyddade enligt upphovsrättslagen / As imagens podem estar  protegidas por leis de direitos de autor.] 

(Cortesia de Joseph Belo. Reproduzido com a devida vénia...)


 
1. Mensagem do nosso amigo e camarada José Belo que continua, "de pedra e cal", como régulo da Tabanca da Lapónia,  em pleno solstício do Verão, não se prevendo, no horizonte ( agora que é dia todo o dia), nenhum "golpe de Estado" que lhe derrube a estátua... 

Pelo sim, pelo não, montou guarda, com as suas renas e os seus cães, à entrada da sua morança,  adiando a sua viagem para o "bem-bom" de Key West, a terra no mundo há mais idosos milionários por metro quadrado:


Date: quinta, 2/07/2020 à(s) 16:21
Subject: Pedagogias várias

Os textos por mim enviados para o blogue sob o título “Da Suécia com saudade” são já numerosos e diversificados.
Um dos camaradas comentadores referiu-se a eles( com muito saudável ironia,  tendo em conta as nossas idades) como...”pedagógicos”.
Fez sorrir os lapöes,o que não é sempre fácil.
Vou enviar-te algumas considerações de macho-ibérico velhote quanto ao meu muito usado termo “Muito Dadas” quando me refiro a  pseudo realidades locais.

Segue em duas partes unicamente para não exagerar o E-mail.
Da Suécia com Amizade ....um grande abraço. (Francamente, Amizade,  muita!...Saudade,  só do nosso mar!)
Pedagogias várias >
Estas curtas semanas em que por aqui existe o Sol da Meia-noite são sempre "criativas ".



Provérbio luso-lapão: "Mas ainda melhor que as mulheres ,é o vodca, que faz esquecer as mulheres". (Luíz Pacheco,  escritor maldito, dixit, ou dizem que disse...)

Comentário de José Belo, criador de renas e pensador nas horas vagas do Círculo Polar Ártico: "Entre os rebanhos de renas, e os não menos numerosos ursos, a profunda e universal filosofia lapónica, há muito que têm vindo a eclipsar os muito menos reconhecidos pensadores das antiguidades clássicas grega e romana"

(Ciortesia de Joseph Belo)








Vinte e quatro horas de luz diária servem para muito! Não será por acaso que daqui a nove meses nasce o maior número de crianças suecas, ano após ano,  confirmado pelas estatísticas.

O tema "Suécia ", já demasiado repetitivo para este tipo de blogue, terá para muitos ..."o interesse que tem ". Para outros nada diz. Há ainda os que ,aparentemente , se sentem quase provocados.

Interessante verificar que as asserções tiradas por alguns são sempre mais radicais quanto menor é a altura do campanário da igrejinha. Natural.

Para uns a Escandinávia é um mítico paraíso social, enquanto que para outros mais não é que um pântano de promiscuidades várias.

A Suécia como um país que sempre procurou ajudar os que lutam pela liberdade e justiça social (utilizando os milhões mensalmente pagos ao  Estado pelos cidadãos com os seus impostos), ou a Suécia constituída por idealistas ingénuos,sempre facilmente enganados nos seus investimentos e negócios por esse mundo fora?

Pouco tem sido referido nestes "diálogos" a enorme indústria de guerra sueca e suas exportações que formam boa parte das receitas. Um pouco como quanto ao caso da Suíça.., muitos confundem a palavra "neutralidade " com a palavra "pacifismo".

Desde satélites com fins militares,a aviões de combate e reconhecimento dos mais sofisticados, corvetas, submarinos, mísseis, blindados ligeiros e pesados, artilharia,viaturas todo o terreno,todo o tipo de armamentos ligeiros,etc,....tudo fabricado no país e continuamente exportado.

Como explicar que tão ingénuos "nabos" tenham conseguido a riqueza e realidades sociais do país actual?

E por muito difícil que seja compreender aos nossos mais "estremados patrioteiros", os seus correspondentes suecos também, como eles, se embrulham frequentemente em bandeiras nacionalistas de conveniências várias.

Mas, e regressando aos profundos pensamentos pedagógicos da cultura clássica lapónica tão bem espelhada nestes textos.....não queria terminar esta série sem procurar desmistificar (!) as minhas continuas referências às míticas suecas como sendo,,, "Muito Dadas".

E é sempre muito limitativo isolar as suecas das restantes escandinavas. Um bom exemplo será a vizinha Noruega. Precisamente o mesmo grupo étnico, a mesma cultura, as mesmas tradições, a mesma língua (com a mesma variante de entoação como entre o português e o brasileiro), a somar-se a uma independência da Suécia de unicamente 150 anos, Wm claro, e....as mesmas lindas mulheres!

Mas na mitologia do Sul, e apesar da total inexistência de distinção, as suecas são sempre....as mais "dadas"!

Recordo que, quando já a viver na Suécia, ao tirar o meu curso nos States, verifiquei um dia que tudo o que de pornografia se tratava, fossem filmes, revistas, etc, para ter venda em quantidade,  tinha sempre que ter uma pequena bandeira sueca no canto superior direito.

Curiosamente todo este material era produzido,,, na Dinamarca!

Historicamente as sociedades escandinavas nunca consideraram a sexualidade com as fortes características e "lastros" pecaminosos das culturas católicas.

O forte puritanismo luterano não conseguiu sobrepor-se a toda uma histórica tradição de muitos séculos de igualdade de procedimentos  entre ambos os sexos. Igualdade de procedimento quanto a uma atitude activa por parte de ambos os sexos. A componente pecaminosa não faz parte desta 
tradição.

Nas culturas do Sul apoia-se e encoraja-se o activismo masculino quanto às buscas de relações sexuais, enquanto  na cultura nórdica este "activismo " é olhado como iqualitário.

O menino Zezinho será olhado, invejado e admirado pelos amigos da sua rua ao ter já "engatado" duas dúzias de raparigas. A menina Zezinha, tendo em conta duas dúzias de rapazes, mais não é que uma promíscua.

Na Escandinávia duas dúzias são duas dúzias. As da Zezinha não são maiores que as do Zezinho!

Este pequeno-grande detalhe cria a tal ideia quanto às..."Muito Dadas".

Desde que saí de Portugal,  há mais de quarenta anos, muita água terá corrido sobe as pontes. Mas ao comparar as escandinavas de hoje com as minhas amigas do Estoril, Cascais, Liceu Francês de Lisboa, dos finais dos anos sessenta, o conceito de "muito dadas" torna-se muito relativo.

Voltando às saudáveis ironias quanto a pedagogias várias,  seria muito recomendável que alguns dos nossos jovens machos-ibéricos ouvissem os comentários das jovens suecas quando regressam a casa depois de umas férias felizes no Sul da Europa. Na maioria dos casos a IRONIA em relação aos muitos "mal-entendidos ", e "importâncias" das situaçõesm é demolidora. Faz doer ao ego deste Lusitano.

Um abraço do J. Belo

2. Comentário do editor LG:

José, também é do "mar do Cerro" (onde se apanhm as "sardinhas de Peniche") que eu vou ter saudades quando morrer... Sim, isto das saudades, tem muito que se lhe diga... É o sentimento mais ambivalente que um "tuga" pode experimentar... Há sempre, na saudade, um relação de amor-ódio...que é o que sente um "emigra" em relação ao seu país que ficou para trás...a "pátria que te pariu"

Mas aceita, com bom humor e uma ponta de ironia, este título, "Da Suécia com saudade"... Tem ajudado a "vender o blogue" e a bater audiências... 12 milhões, é obra, mano!

Fico à espera do próximo "material"... Um abraço, aqui do Douro Litoral, da Tabanca de Candoz... Luís

PS - Sim, confirmo que,  "este artista quando jovem",   o primeiro filme pornográfico que viu, nos idos 60, em oito milímetros, era "dinamarquês", mas tinha a bandeirinha da Suécia para enganar... o macho-ibérico!... E mais: embora gostasse mais de "francesinhas", teria sido capaz de desertar (das fileiras da tropa) para a Suécia, só por causa da (afinal, falsa) propaganda de que as "suecas eram muito dadas"... Eu acho que esse mito foi construído só para desmoralizar o Salazar, o Cerejeira e os seus "muchachos"... E, claro, a nossa querida Cilinha!... Mais houve quem lá fosse "ver para crer",,,
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quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20219: (Ex)citações (360): O sucesso do posto de controlo sanitário de Nhacra, ao tempo em que por lá passavam as "trabalhadoras do sexo" de Bissau, em missão patriótica... (José Ferreira da Silva, autor do bestseller "Memórias boas da minha guerra", 3 volumes, Chiado Books, 2016-2018)


Guiné > Região autónoma de Bissau >  Nhacra > c. 1972/74 > Casa do administrador


Guiné > Região autónoma de Bissau > Nhacra > c. 1972/74 > Igreja, escola e campo de futebol

Fotos do álbum de Eduardo Ferreira Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540 )Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74)


Fotos (e legendas): © Eduardo Campos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região autónoma  de Bissau >> 11 de março de 1968 > O alf mil SAM Virgílio Teixeira,   CCS/BCAÇ 1933 ( Nova Lamego e São Domingos, 1967/69),  de motorizada, em Safim, a caminho de Nhacra.


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Òio > Mansoa > 1968 > CCAÇ 2405 (1968/70) > O Alf Mil Inf Paulo Raposo, membro sénior da nossa Tabanca Grande, junto à placa toponímica que indicava as localidades mais próximas: para oeste e sudoeste, Encheia (a 18 km), Nhacra (a 28 km), Bissau (a 49 km)...; para leste sudeste e nordeste: Porto Gole ( a 28 km), Enxalé (a 50 km), Bambadinca (a 65 km), Bafatá (a 93 km)...

Foto (e legenda): © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A propósito da nossa "despreocupada sexualidade" em tempo de guerra, segundo uns, ou "miséria sexual", segundo outros,  quando já havia a santa penicilina (desde finais de finais dos anos 40, eficaz no combate às doenças sexualmente transmissíveis), mas ainda ninguém suspeitava da diabólica pandemia do HIV/Sida que se haveria de abater sobre o primata do "homo sapiens sapiens" nos cinco continentes (a partir dos anos 80), já  aqui foram evocados ou chamados a capítulo  dois dos nossos mais talentosos contadores de histórias, o "alfero Cabral", mais "softcore", e o Zé Ferreira, mais "hardcore"... 

O Cabral é incapaz de dizer uma asneira, uma palavrão, uma indecência (*), o Zé Ferreira chama os "bois pelos cornos", como nós chamávamos naquele tempo, em que tínhamos testosterona para dar e vender...Enfim, idade ideal para matar e morrer... Não é por acaso que nos chamavam para a tropa nessa idade...Mas também era um tempo em que a hipocrisia social havia feito do sexo um tabu.

Hoje cabe a vez de "repescar" uma das "memórias boas da minha guerra",aqui já publicadas há mais de dois anos (**), mas também já passadas para livro: e já vão três, os volumes com a assinatura do José Ferreira da Silva, sob a chancela da Chiado Books. (***)




2. Memórias boas da minha guerra > Controlo sanitário (**)

por José Ferreira



Todos os rapazes do meu tempo sabem bem do perigo que se corria quando se procurava uma relação sexual com uma das “badalhocas” que proliferavam nos arrabaldes do Porto e de Gaia. Dizia-se, até, que as prostitutas “mais limpas” eram as “meninas” da baixa do Porto, porque eram submetidas a um rigoroso controlo sanitário, uma “modernice” imposta pelo regime de Salazar.

José Ferreira 
da Silva
É claro que as relações amorosas surgiam por todo o lado. Não havia santa terrinha que não exibisse (ou ocultasse) enredos dignos da pena de um Camilo Castelo Branco. Ora, os resultados apareciam como cogumelos no pinhal, umas vezes com as gravidezes involuntárias e outras com os inesperados “esquentamentos”. Tudo fruta da época.
Enfim, tudo normal. Porém, por vezes, surgiam alguns rumores de que o Senhor Fulano de Tal, também andava “esquentado”, devido a descuidos da sua bela e fidelíssima amante. Mas isso era abafado e rapidamente esquecido, por falta de testemunhos credíveis e por alguns receios de represália. Quando muito, e para se salvaguardar situação social tão melindrosa, fazia-se a alusão aos lugares públicos, onde possivelmente se sentara, sem a protecção do lencinho estendido debaixo do rabo.

Esta juventude foi mobilizada para defender patrioticamente as nossas Províncias Ultramarinas. Influenciada pelos princípios patrióticos incutidos desde a instrução primária, ela aparece, assim, repentinamente, relacionada com os nativos. 


Os “turras”, no interior, que, em termos de guerra subversiva, dominavam as populações, levavam as jovens e deixavam as crianças e as velhas para as proteger. Raramente ficava alguma mulher adulta para apoio a essas pessoas mais fragilizadas. As mulheres que mais se viam, eram as da tropa milícia, que combatia ao nosso lado.

Isto quer dizer simplesmente que a actividade de prostituição, fora de Bissau, era quase nula, apesar dos apetites sexuais de tanta e tão potente clientela.

Pergunta-se:
- E como é que a malta se “safava”?

Os portugueses sempre foram conhecidos pelo seu primor no desenrascanço. Aqui, como manda a sua educação católica, cada um teria que se confessar dos seus pecados contra a castidade e de um ou outro caso de relação furtiva, por vezes não muito correcta. Estou a lembrar-me do caso do Fafe que apareceu na enfermaria “à rasca da piça”, porque uma jovem adolescente o havia masturbado, não tendo lavado as mãos, que estavam impregnadas de piripiri.

Por altura dos princípios dos anos 70, com a evolução da guerra, foram aumentados os contingentes militares, a par de outras consequentes movimentações. Uma delas, foi o aparecimento de prostitutas brancas, na cidade de Bissau. No bar Mon Ami já “trabalhavam” regularmente. 


Tal como no Texas, nos tempos da corrida ao ouro, essas profissionais carregadas de ambição, tudo arriscavam pelo dinheiro fácil obtido no “negócio das carnes”. Agora, na procura de clientes do interior, deslocavam-se de táxi e de outros meios de transporte (até onde as novas e poucas estradas alcatroadas o permitiam), saindo, assim, de Bissau, rumo a norte… com regressos rápidos e seguros.

Fora de Bissau, elas passavam por controlos militares. Na zona de Nhacra, esse movimento era cada vez mais notório. Perante essa situação, os militares locais viam-nas passar, a caminho da satisfação dos outros camaradas, deixando-os chateados porque também queriam usufruir desse “serviço”. 


Foi então que o Maia, mais o Seixas, assumiram a liderança reivindicativa dos “justos direitos” e foram interpelar o comandante do destacamento, o Alferes Bastos:
- Meu Alferes, nós também queremos foder. Estamos a deixá-las passar e …ficamos “a ver navios”. E quando lhes dizemos qualquer coisa, elas mandam-nos ir a Bissau, que é perto. Aqui o Seixas, há dias, ainda conseguiu, disfarçadamente, dar-lhes umas apalpadelas, com o pretexto de ter que fazer “controlo de armas”, mas uma mulata quis “assapar-lhe” o pelo.

O Alferes, que também já se apercebera dessa movimentação, e que até já fora mimoseado por reconhecimento dessa sua autoridade local, em visita ao Mon Ami, acalmou-os e disse que ia pensar no assunto.

À noite, com os Furriéis, enquanto bebiam umas cervejas, a conversa versava o assunto da prostituição versus “necessidades fisiológicas” da nossa tropa. O Furriel Moura aproveitou para demonstrar os seus conhecimentos nessa matéria, dando como exemplo o que se se passava no Vietname. Falou do grande número de prostitutas que quase chegava a rivalizar com os 500 mil militares. Ao contrário da nossa situação na Guiné, aos americanos “não faltava onde despejar os tomates”. 


Mesmo assim, lembrou o facto de grandes artistas americanos visitarem periodicamente as tropas, moralizando-as e mantendo-as racionalmente ligadas ao seu mundo de origem. Lembrou a Raquel Welch e a Joan Collins. Esta, que sendo capa da Playboy, foi pessoalmente entregar exemplares da tiragem dos 7 milhões dessa edição recorde. A Playboy subira de tiragem desmesuradamente, graças à sua procura no seio das forças armadas.

Por sua vez, o Alferes Bastos referiu um facto curioso, também relacionado com o Vietname. Dizia que numa determinada zona, ocupada por cerca de 20.000 militares, se haviam desenvolvido doenças venéreas com tal gravidade que, por precaução sanitária, os militares foram impedidos de se deslocarem à cidade mais próxima, o que provocou nocivos reflexos psicológicos, sociológicos e económicos. 


Então, o chefe dessa região teve uma ideia brilhante. Em parceria com as autoridades militares, fundou um enorme bordel, conhecido por “Disneyland Oriental”, que consistia essencialmente numa zona de 10 hectares, devidamente cercada, implantada com 40 quartos/casa dispersos, para satisfação sexual dos visitantes. E, em simultâneo, foram admitidas, identificadas e controladas as prostitutas, bem como o desenvolvimento de condições de tratamento aos infectados, tudo integrado num adequado serviço de controlo e apoio sanitário.

Porém, é sabido que, apesar do grande esforço médico, apoiado em carradas de “Penicilina” e “Penisulfadê”, o drama causado pelas doenças venéreas foi dos piores inimigos enfrentados pelos militares. Fala-se muito de suicídios de militares, incapacitados sexualmente, na hora do regresso do Vietname, mas, nós sabemos que isso também acontecia entre os nossos combatentes da Guiné. E muitos dos afectados optaram por ficar por lá.

Da conversa, voltou-se à análise da nossa situação e à nossa real dimensão. Momentaneamente, o que mais preocupava estes graduados era o aproveitamento do movimento “putéfio” para resolver a satisfação sexual da tropa do seu destacamento. E foi assim que com mais cerveja ou menos conversa, o Alferes determinou democraticamente, sem qualquer votação, contestação ou parecer superior, que ali também seria criado um serviço contínuo de Controlo Sanitário. A partir de agora, todas as mulheres, supostamente prostitutas, que ali passassem para exercício do seu métier em outras zonas, teriam que ser submetidas a exame prévio. 


Desta forma, se daria a oportunidade dos nossos militares, agora habilitados ao uso de bata branca, poderem, alternadamente, usufruir de (e cobrar) contactos seguramente mais agradáveis.

Uns dias depois, perante as novas valências do Controlo Militar e o enorme entusiasmo criado, o Alferes Bastos foi obrigado a aprovar uma rigorosa escala de serviço na Enfermaria, por via do Controlo Sanitário de mulheres, em trânsito, a caminho do norte.


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Notas do editor:

(**) Vd. poste de 6 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17146: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (27): Controlo sanitário


(***) O autor não precisa de apresentações... Mas, para os que chegaram só agora à Tabanca Grande, podem a ficar a saber o seguinte sobre ele:
José Ferreira da Silva:

- Nasceu em 1943, no concelho da Feira.

– Aos 10 anos de idade começou a trabalhar no sector corticeiro.

– Fez os estudos liceais e outros através de ensino particular.

– Durante o serviço militar, esteve nas seguintes unidades: Escola Prática de Cavalaria – Santarém Set/Dez 1965;  Escola Prática de Artilharia – Vendas Novas,  Jan/ Março 1966; GACA 3 – Espinho,  Abr/Set 1966;   CIOE (Rangers) – Lamego,   Set/Dez 1966; RAP 2 – V. N. Gaia, Jan/Fev 1967

– Partiu para a Guiné no Navio Uíge em 26 de Abril de 1967, integrado na CART 1689 do BART 1913. Chegado a Bissau, a CART 1689 saiu do Uíge directamente para barcaças rumo a Bambadinca, subindo o Rio Geba.

– A CART 1689 esteve colocada em Fá Mandinga, Catió, Gandembel, Cabedu, Dunane, Canquelifá e Bissau. Com Companhia de Intervenção, a CART 1689 actuou em mais de metade do território do CTIG, vindo a ser premiada com a Flâmula de Honra em Ouro do CTIG, o mais alto galardão atribuído a companhias operacionais.

– Regressou da Guiné, chegada a V. N. Gaia em 09 de Março de 1969.

– Começou a trabalhar como Comercial no ramo de Tintas e Vernizes, mas logo seguiu para Angola, terra de seus sonhos.

– Trabalhou na secção de Contabilidade da Câmara Municipal de Cabinda.

– Regressado de férias, em 1974, demitiu-se da C.M. Cabinda e foi viver para Crestuma, Vila Nova de Gaia, terra natal de sua Mulher.

– De 1975 a 1985, trabalhou numa empresa de fundição, como Director de Serviços.

– De regresso ao sector corticeiro, trabalhou como Director Comercial, vindo a criar uma pequena empresa direccionada para o apoio ao engarrafador.

– Como amante do desporto e do associativismo, ajudou à criação e desenvolvimento de vários clubes e associações desportivas, cultura, solidariedade e recreio.

– Praticou Canoagem, chefiou a Federação Portuguesa de Canoagem,   é Sócio Honorário, por aclamação, da F. P. Canoagem.

– Foi reconhecido pela Comunicação Social como Presidente do Ano, mais que uma vez; também foi homenageado em Espanha.; foi galardoado como Personalidade Desportiva do Século XX (como foram Eusébio, Joaquim Agostinho, Moniz Pereira e outros ilustres desportistas).

domingo, 16 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19894: A galeria dos meus heróis (31): Fatumata, a gazela furtiva de Sare Ganá (Luís Graça)

 

Contuboel, c. junho / julho de 1969... Furriel Henriques,
CCAÇ 2590/CCAÇ 12. Foto: Luis Graça
A galeria dos meus heróis > 

Fatumata, a gazela furtiva de Sare Ganá


por Luís Graça






Não, hoje já não saberias lá chegar. Foste de Bambadinca até Bafatá e aí cortaste para a vila de Geba, a outrora praça forte e presídio de Geba, agora em decadência, ofuscada pelo progresso e a beleza de Bafatá, a "princesa do Geba", como lhe chamavam os colonos brancos… (*)

Lembras-te de atravessar a ponte nova, uma bela ponte em betão sobre o rio Geba Estreito… Ponte Salazar, que o homem grande de Lisboa ainda era vivo… Mas já ninguém queria saber dele nem do seu nome. O novo homem grande era o Marcello (com dois ll) Caetano, cujo nome os teus soldados eram simplesmente incapazes de pronunciar e muito menos de soletrar: não falavam português, com exceção do Suleimane (que gostava de ser o teu intérprete, guarda-costas, secretário e cozinheiro). 

Levavas uma secção, 11 militares contigo, guineenses, incluindo um operador de transmissões, metropolitano. Em pleno agosto, no tempo das chuvas. Sare Ganá, no subsector de Geba, a noroeste de Bafatá. Apanhas nos teus papéis, ou no que resta deles, 
num caderno escolar, roído pela traça, as seguintes notas do teu diário de 1969:

“Sare Ganá. A última das tabancas do regulado de Joladu, no subsector de Geba. Estive aqui destacado duas semanas, em reforço ao sistema de autodefesa... O que não é irónico, porque a população é fula, está ao lado dos tugas, seus antigos inimigos e agora aliados".

A mais de 4500 quilómetro de distância, de Lisboa… Será que Sare Ganá ainda existe ou alguma vez existiu ?

"Armadilhada entre as duas fiadas de arame farpado e guarnecida por um pelotão de milícia (o PM nº 109, da Companhia de Milícias nº 3) e grupos civis de autodefesa, Sare Ganá é uma espécie de aldeia estratégica. Aqui termina a nossa soberania territorial, a norte do Rio Geba e começa a zona de intervenção do Com-Chefe que inclui, entre outras, as regiões de Mansomine, Caresse e Óio”.

E acrescentavas:

"É aqui que vive o régulo, uma solitária figura de aristocrata fula, de elevada estatura. A sua cabeça destaca-se acima da cabeça dos demais. Presumo que seja futa-fula. Não fixei o seu nome. Todos os seus súbditos, mandingas, balantas e manjacos, que viviam em Joladu, 'foram no mato' (leia-se: aderiram à guerrilha ou fugiram das NT). Hoje o seu regulado está circunscrito ao perímetro de Sare Ganá e a mais duas ou três tabancas: Sinchã Sutu, Sare Banda"...



Guiné > Carta de Bambadinca (1955) >  Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Sinchã Jobel (IN) e de aquartelamentos, destacamentos e tabancas em autodefesa (NT): a sul, Missirá e Fá Mandinga; a leste, Geba, Sare Ganá, Sinchã Sutu... Pelo meio o rio Geba Estreito...Sare Banda ficava mais a norte (vd. carta de Banjara).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


Tinhas chegado a 18 de julho de 1969, a Bambadinca, vindo de Contuboel, do Centro de Instrução Militar de Contuboel, um oásis de paz (**), e a tua CCAÇ 2590 (mais tarde CCAÇ 12) era agora uma companhia de intervenção ao serviço do comando do BCAÇ 2852... Como dizias com sarcasmo, eras um preto de 1ª e os teus soldados pretos de 2ª.

"Quase todos os dias ouvíamos os Fiat G-91 bombardearem Sinchã Jobel, uma base da guerrilha a 10 km a norte, e que é inacessível no tempo das chuvas devido às bolanhas e lalas que a rodeiam”.

“Até Farim é tudo terra para queimar”, diziam-te os milícias locais. “Nenhuma tropa apeada, ao que parece, se atreve a penetrar neste santuário do IN. Fala-se aqui da ‘mata do Óio’, como um misto de temor e de terror, domínio do sagrado e da morte”…

Ainda estava na memória da população o ataque de há um ano atrás, em 12 de agosto de 1968, ao tempo da CART 1690: à meia noite em ponto, um grupo IN estimado em cerca de 60 elementos, ou seja um bigrupo reforçado, vindo de Sinchã Jobel, tinha atacado Sare Ganá.

“Um ataque medonho”, segundo o testemunho de alguns milícias com quem falaste, com o Suleimane a servir de intérprete.  O ataque iniciou-se por tiros de morteiro (82 e 60), lança-granadas-foguete (RPG) e metralhadoras, com uso de granadas incendiárias. O IN conseguiu alcançar o arame farpado do lado Norte,   penetrando na tabanca por este lado e pelo lado Sul. Uma falha de segurança, no perímetro de arame farpado, mesmo armadilhado,  terá permitido a passagem de uns alguns atacantes, empunhando armas ligeiras automáticas. Algumas moranças começaram logo a arder. 


A reação das NT não se fez esperar: os valentes milícias fulas, uns a partir dos abrigos, outros dispersos pela tabanca, reagiram pelo fogo, aguentando o ímpeto inicial do ataque e dificultando o mais que puderam a infiltração dos guerrilheiros. Grande parte da população, os homens, estava armada e colaborou na defesa da tabanca. Mas depressa se esgotaram as munições, obrigando a milícia a recuar. A disciplina de fogo nunca foi apanágio do guineense, quer empunhasse uma G3 quer manejasse uma Kalash.

Em Geba, sede da CART 1690, a escassa meia-dúzia de quilómetros, logo que se ouviram os primeiros rebentamentos, saiu um piquete de socorrro, num viatura: meio pelotão, enquadrado por um alferes e um furriel. Nas proximidades de Sare Ganá, cerca de meia hora de depois, o grupo subdividiu-se em dois ou três, aproximando-se, a pé, da tabanca, com a intenção de procurar surpreender as forças atacantes.

Ao mesmo tempo que apoiavam a retirada da população, as forças da CART 1690 iam abrindo caminho, morança a morança, à força de bazucadas e curtas rajadas de G3. Gente brava!...

Às tantas, o IN, surpreendido pelo contra-ataque, lançou um “very light” e iniciou a sua retirada, arrastando consigo as baixas que sofrera e carregando o respetivo material. Devido à escassez de efetivos e à escuridão da noite, a perseguição encetada pelas NT não terá ido além da orla da mata próxima.

Uma hora depois do ataque chegou uma coluna de socorro, em viaturas, oriunda de Bafatá, composta por cerca de dois pelotões reforçados, da CCS/BCAV 1904, do EREC 2350, e do Pel Caç Nat 64. Normalizada a situação, as forças de Bafatá, com exceção do Pel Caç Nat 64, regressaram com os feridos mais graves da milícia e da população local. Foi montada segurança à tabanca nessa noite e dias seguintes.

Apurou-se então que o IN terá tido 5 mortos e outras baixas prováveis. De entre o material capturado, contaram-se duas armas ligeiras, uma metralhadora Dectyarev, com bipé, uma pistola metralhadora Sudayev PPS-43, uma das lendárias armas ligeiras da II Guerra Mundial (além de uma fita de metralhadora com 85 cartuchos e 2 granadas de mão ofensivas). Do lado dos defensiores, soube-se que tinha havido baixas entre a milícia e a população local. Parte da tabanca teve que ser reconstruída.

“Um ano depois eu aqui estou, periquito, de 5 a 17 de agosto [de 1969], integrado no 4º Gr Comb da CCAÇ 12 que foi reforçar o Sector L2 (Bafatá), sendo destacada uma secção para Sare Ganá e duas para Sare Banda (subsector de Geba). 


“Dias antes [da nossa chegada a Sare Ganá]k  o IN fizera um ataque malogrado à tabanca em autodefesa de Sinchã Sutu. Agora, por causa de um possível ataque da guerrilha, é proibido, à noite, fazer lume ou foguear na tabanca de Sare Ganá.

“Aqui come-se cedo e deita-se cedo. Ficam os vampiros dos mosquitos. Por sorte, não apreciam lá muito o meu sangue. Deve-lhes saber a uísque.” 


E mais à frente escreveste, no teu diário, a 15 de agosto de 1969:

“Destacado ou desterrado ? O que farei eu com uma seção de combate, uma bazuca, um morteiro 60, dez G-3 e um rádio se isto der para o torto ? Depois do ataque malogrado à tabanca próxima, Sinchã Sutu, a população fula anda inquieta... Sinto-me como os bombeiros, atrás da ameaça de fogo-posto, mas ainda não fiz sequer o meu batismo de fogo, contrariamente à maior parte da companhia, que teve os seus primeiros feridos graves em Madina Xaquili, há menos de 3 semanas."


Perguntas-te sobre o sentido e o alcance da tua missão:

“Limito-me a estar aqui: de manhã, durmo como um porco; às dez ou onze levanto-me, porque o calor dentro da minha palhota é já absolutamente insuportável. Devoro o almoço que o Suleimane entretanto já me preparou. Depois oiço velhas lendas dos tempos em que os cavaleiros do Futa Djalon eram donos e senhores destas terras. Ao fim da tarde dou um giro para fingir que me mantenho operacional.”

(Dormir que nem um porco!... Muito anos mais tarde, já como professor de sociologia e de saúde pública, passaste a fazer teu o sábio conselho do provérbio popular: 'Três horas dorme o santo, quatro o que não é santo, cinco o viajante, seis o estudante, sete o porco e oito o morto'... Foi, afinal, na Guiné que aprendeste que dormir muito fazia mal à saúde...)

E relatas, no teu diário, “uma bravata estúpida, bem típica de um periquito”, feita logo no princípio das tuas andanças por aqui. É uma das tuas duas recordações marcantes da estadia em Sare Ganá, uma má, outra boa:

“Fui sozinho com um milícia local fazer o reconhecimento duma aldeia próxima, abandonada pela população e armadilhada. Talvez Sinchã Famora, a sul, não fixei o nome. O tipo ia à frente com uma varinha feita de caule de capim seco (!), tentando detetar os fios de tropeçar que atravessavam os trilhos da aldeia, de resto já pouco visíveis.

" A meio do percurso, apanho um susto: um antílope, que pastava perto, atravesssou-se-nos no caminho, em plena área supostamente armadilhada. Foi mais do que um susto, apanhei um calafrio: é que na noite anterior, um felino que vinha no encalce dos galináceos domésticos, tinha feito acionar um das armadilhas do perímetro de defesa de Sare Ganá. E de pronto comecei a ouvir, de todos os lados, sucessivas rajadas de G-3... O pessoal, assustadíço, anda mesmo nervoso.”

Ainda hoje te perguntas como é que tu arriscaste a tua vida e a do milícia local, nesta estúpida e inútil aventura de ir “reconhecer” uma aldeia abandonada e armadilhada ?!… Não fazia parte da tua missão!... Foi pura bravata!... Ou talvez quisesses provar a ti mesmo que também eras “um gajo com tomaste", tu que nem sequer eras um atirador de infantaria, nem tinhas, ao certo, nem pelotão nem secção...Eras o "pião das nicas", como te chamava o teu capitão, suprias as faltas de graduados, em todos os pelotões...

A outra recordação marcante foi a da visita à tua morança, da “Fatumata, a gazela furtiva":


“ (…) Ainda não me habituei foi ao ‘black-out’ total, imposto por óbvias razões de segurança: não posso ler nem escrever na minha morança (faz-me falta uma pequena lanterna de pilhas), o que torna ainda mais insuportáveis estas longas noites de Sare Ganá (...).

“Resta-me a companhia silenciosa e furtiva da Fatumata, uma das quatro mulheres do comandante da milícia (presumo pou supeito): logo ao segundo ou terceiro dia, introduziu-se-me, lesta como uma gazela, na palhota onde durmo, junto ao espaldão do morteiro 60. Tapou-me a boca com a mão, esboçou um sorriso cúmplice, puxou o pano de chita até à cintura, virou-se delicadamente de costas e ofereceu-me o seu esguio corpo de ébano, ressumando húmidos odores da floresta!...

“De pé, ligeiramente curvada para a frente, enigmática como uma máscara, lasciva como a serpente bíblica, submissa como uma fêmea de felino!"...

Não te olhou olhos nos olhos, mas tu fizeste questão de a mirar de alto a baixo, de frente:

“Não é bonita, o rosto deve-lhe ter sido marcado pela varíola, quando mais nova... É sensual e ainda jovem, de seios duros mas pequenos. É provável que seja infértil e nunca tenha parido.”


Tiveste dificuldade em perceber a sua atitude e em adivinhar-lhe a idade:

“Terá vinte e tal anos, menos de trinta. Tínhamos trocado apenas olhares no primeiro dia, quando cheguei, na linguagem mais universal dos seres humanos” (…)

“E, tal como tinha chegado, partia depois, furtivamente, pela calada da noite, sem dizer uma única palavra em português ou crioulo: a única, de resto, que até agora lhe ouvi, foi uma estranha corruptela do meu apelido.”

Um "affaire” no mato ? “Que palavra tão deslocada aqui no cú do mundo, num país em guerra!”, comentaste tu.

De qualquer modo, este momento foi “celebrado com uma singela troca de roncos: dei-lhe a minha toalha de banho turca, colorida,  e fiquei-lhe com a sua pulseira de missangas vermelhas e brancas como recordação das estranhas noites de Sare Ganá.”


Nem sequer te ocorreu "partir patacão" com ela: não querias, de modo algum, estragar a singeleza e até a beleza daquele momento, a partilha de corpos entre um homem e uma mulher que pertenciam a dois mundos opostos...mas tinham em comum a infelicidade do "hic et nunc", do aqui e agora...

Ainda hoje tens dificuldade em entender o significado… socioantropológico desta cena!... Simples atração sexual de um mulher por um estrangeiro ? Simples favores sexuais sem pedir mais nada em troca ? Cumprimento da obrigação feminina de hospitalidade, por ordens expressas do régulo ou do comandante de mílicias que tu mal conheceras ? Ritual de submissão ao representante dos tugas, os "senhores da guerra"? Solidão, despeito, ciúme, não sendo a mais nova das mulheres do comandante de milícias, e muito provavelmente sendo infértil, uma das piores maldições que pode recair sobre a honra de uma mulher em África ?

Este caso não não era virgem, na época, e outros camaradas teus contaram-teestórias semelhantes de partilha de favores sexuais, de iniciativa feminina... em contexto de guerra.


E concluias a escrita desse dia, no teu diário, antes de regressares a Bambadinca:

“Deveríamos ser, ali, em Sare Ganá, os dois seres mais deslocados e solitários do mundo... Nunca mais a vi, nem cheguei a saber a sua verdadeira estória. Nem sei se ainda voltarei a Sare Gana. Mas a sua imagem de gazela furtiva, essa, não vou tão cedo apagá-la da minha memória."


E, de facto, ainda não a apagaste, cinquenta anos depois...Nem nunca mais voltaste a Sare Ganá.

© Luís Graça (2006). Revisto: 24 de junho de 2023.
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de maio de 2019 >  Guiné 61/74: P19775: A galeria dos meus heróis (30): Depressa, tuga, dá-me o tiro de misericórdia!... E que o teu deus te pague!... (Luís Graça)



(**) Vd. poste de  25 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6642: A minha CCAÇ 12 (4): Contuboel, Maio/Junho de 1969... ou Capri, c'est fini (Luís Graça)


(...) Aqui a consciência humana tem a dimensão da tribo, do grupo étnico ou até da aldeia. Uma precária serenidade envolve a azáfama quotidiana destes povos ribeirinhos do Geba que, no meu eurocentrismo de viajante, recém-chegado e distraído, descreveria como felizes, gentis e hospitaleiros. 

O que eu observo, sob o frondoso e secular poilão da tabanca, é uma típica cena rural: (i) as mulheres que regressam dos trabalhos agrícolas; (ii) as mulheres, sempre elas, que acendem o lume e cozem o arroz; (iii) as crianças, aparentemente saudáveis e divertidas, a chafurdar na água das fontes; (iv) os homens grandes, sempre eles, a tagarelar uns com os outros sentados no bentém, mascando nozes de cola…

Em suma, um fim de tarde calma numa tabanca fula de Contuboel que daria, em Lisboa, uma boa aguarela, para exposição no Palácio Foz, no Secretariado Nacional de Informação (SNI). E, no entanto, o seu destino, o destino destes homens, mulheres e crianças fulas, já há muito que está traçado: em breve a guerra, e com ela a morte e a desolação, chegará até estas aldeias de pastores e agricultores, caçadores e pescadores, músicos e artesãos, místicos e guerreiros…

O chão fula vai resistindo, mal, ao cerco da guerrilha. De Piche a Bambadinca ou de Galomaro a Geba, os fulas estão cercados. Mas por enquanto, Bafatá, Contuboel ou Sonaco ainda são sítios por onde os tugas podem andar, à civil, desarmados, como se fossem turistas em férias! (...).

domingo, 28 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19723: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004: repescando velhos postes (2): uma estória cabraliana, a da atribulada iniciação sexual do soldado Casto, apontador do morteiro 81, destacado em Missirá (Jorge Cabral)


Guiné > Região Leste > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 > O "régulo" Jorge Cabral, sempre benditas entre as mulheres, aqui entre  as suas queridas bajudas mandingas...

Foto: © Jorge Cabral (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





1. O "alfero Cabral" 
 e não "alfero" Cuca Cabral e muito menos "alfero" CuCabral... (*)  escreveu e publicou no nosso blogue dezenas e dezenas de "estórias cabralianas", deliciosas, de um humor, às vezes brejeiro, outras vezes negro, corrosivo, que nos fazia bem à alma... 

A maior parte são de antologia. É do melhor humor de caserna que temos publicado, e que é conseguido sem o recurso (fácil) ao palavrão. Não me lembro de ler um palavrão nas "estórias cabralianas".  E engane-se quem pensar, sem o conhecer, que ele era um refinado tuga colonialista, machista, racista e misógino... 

Em boa verdade, ele era um menino de coro, talvez mais perfeito e altruista que o outro menino de coro homónino. Havia até uma certa rivalidade entre os dois, ao ponto do "alfero Cabral" mandar recados  à "Maria Turra" e à rapaziada lá das bases do Morés, a dizer que "Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"... O que é facto é que ele nunca sofreu retaliações por parte do outro, que estava (às vezes) em Conacri... (Dizem, mas não sei se é mentira ou verdade, que passava a vida a viajar, a pedir à porta das igrejas de todo o o mundo, de Estocolmo a Moscovo, de Roma a Pequim, para angariar fundos para os seus "combatentes da liberdade da Pátria" e as suas criancinhas).

Tenho pena que a sua (dele, "alfero Cabral") musa inspiradora tenha emigrado agora para o Facebook...Concorrência desleal, camaradas e amigos...

Já não sei quando é que publicámos a sua última "estória"... Sei que ele anda a preparar um livro, que "está quase pronto"... há anos. Mas falta o "imprimatur" das suas... fãs. Enfim, temos que pô-las a mexer...

Fomos, entretanto - para matar saudades, e para conhecimento dos "periquitos" da Tabanca Grande -, repescar esta "estória", que já tem barbas: 13 anos!... Foi assim anunciada em 4/7/2006:

(...) "Mais um 'short story' do meu amigo e camarada Jorge Cabral, hoje advogado e professor universitário, mas que conheci em Bambadinca, como Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Madinga e Missirá, 1969/71)"..


Esta "estória cabraliana" passa-se em Missirá, no regulado do Cuor, a norte do Rio Geba Estreito, no setor L1 (Bambadinca). Foi outro dos "bu...rakos" onde vivemos... (**)




2. A atribulada iniciação sexual do Soldado Casto

por Jorge Cabral



À noite, após o jantar, nós os nove brancos do Destacamento [de Missirá], continuávamos à mesa, conversando. Falávamos de tudo, mas principalmente de sexo, mascarando a nossa inexperiência, com o relato de extraordinárias aventuras que assegurávamos ter vivido. O nosso motorista havia até desenhado num caderno as várias posições, indagando de cada um:

- E esta, já experimentaram?

Sobre o assunto, mantinha-se sempre calado um soldado do Pelotão de Morteiros, recém-chegado, o qual havíamos apelidado de Casto.

Natural de uma aldeia perdida na Serra da Estrela, foi ele que,  apresentado em Missirá, me pediu para ir ver, na Televisão, o jogo do Sporting nessa noite, à tasca da Muda, ali à esquina...

Filho do Sacristão, ou talvez do Padre, o Casto era virgem, e de uma inocência absoluta...

Temendo ser gozado pelos outros camaradas, expôs-me as suas dúvidas em privado. Lá lhe expliquei a mecânica da função e a anatomia genital feminina, preparando-o para a grande ocasião, que havia de chegar, quando fosse possível uma escapadela a Bafatá, o que veio a acontecer, na semana seguinte.

Abancados no [café do]Teófilo, apesar dos meus avisos, para ganhar coragem, bebeu três ou quatro whiskys, razão porque quando o depositei nos braços da Sulimato, fiquei desconfiado que não cumpriria... E assim sucedeu. Quase em lágrimas no regresso, confidenciou-me o falhanço.

Após tão frustrante incidente, caiu em desespero, convencendo-se que era, segundo dizia, calisto.

Como comandante do Destacamento, competia-me resolver o problema e foi o que tentei fazer.

Fui buscar a Sulimato, ofereci a minha própria cama, e preparei uma cerimónia que assinalasse condignamente a virilidade do Casto.

Assim que ele conseguisse, devíamos dar três morteiradas...

Ainda nem dez minutos haviam decorrido, porém, apareceu-me esbaforido.


– Que aconteceu ? – perguntei.
- Oh, meu Alferes, nada feito, a gaja tem que ir à Administração.

- À Administração?... Estás maluco!

Fui ter com ela, para saber o que se havia passado.


- Alfero, m´ ca tá podi, sta cu mostração - informou Sulimato.

Em 1998, fui a Paris, a um Congresso. Numa tarde, apanho um táxi. Logo que entro, o motorista olha para mim... e grita:


- Alferes Cabral, Alferes Cabral!... Eu sou o Casto!

Saímos do carro, abraçamo-nos,  engarrafando o trânsito. Fui jantar a casa dele, serviu-me whisky com Perrier para recordar. Conheci a mulher e os dois filhos adolescentes que,  segundo a mãe, saíram ao Pai, pois andavam atrás das pretas... Claro, confirmei que na Guiné não lhe escapou nenhuma.

Piscou-me o olho, o Casto, mas ninguém reparou... (***)

Jorge Cabral 


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quarta-feira, 24 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19713: Fotos à procura de... uma legenda (115): os nossos aposentos "bunkerizados"... com "climatizadores de pesadelos"!


Foto nº 1 > Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O alf mil at art Torcato Mendonça, ao centro, num dos abrigos subterrâneos do aquartelamento, onde as fotos das estrelas de cinema (,, "mulheres fatais" como Catherine Deneuve, por exemplo) ajudavam os jovens, nos seus verdes anos, a alimentar e a sublimar o ardente desejo... de viver (e sobreviver)!... Com Lisboa e o Porto, tão longe... e Bissau pelo meio, mas só para alguns privilegiados. Ah|, e ainda ficava longe, Mansambo, a 80 km, das garotas do Bataclã de Bafatá!... (*)

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2006).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné]


Foto nº 2 > Guiné > Região de Gabu > Nova La,mego > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > O alf mil SAM Virgílio Teixeira escrevendo uma carta à namorada, a Manuela, sua futura esposa e mãe dos seus filhos (, vd. retrato em cima da mesa de cabeceira, à esquerda)  no seu quarto, cuja decoração era igual a tantas outras naquele tempo e lugar... A G3 ficava em cima, pendurada na parede, ou ao lado da cama. 

Foto (e legenda): ©  Virgílio Teixeira (2019).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné]


Foto nº 3 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > A estante do quarto (, de 3 x 2 m,) dos "Mórmones de Fulacunda": o Dino, o Omar, o Meira e o Lee. à esquerda e à direita, dois beliches (quatro camas). Foto do  álbum do José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) (**)

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 > 1973 > "Uma farra das NT"... O fotógrafo, o alf mil at inf Luís Mourato Oliveira,  é o segundo, a contar da esquerda para a direita

Foto (e legenda): © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Qual a diferença entre as duas primeiras fotos de cima, tiradas a cerca de 140 quilómetros de distância uma da outra, mas sensivelmente na mesma época  (1968)? Mansambo ficava a sul de Bambadinca, a meio caminho, na estrada Bambadinca - Xitole - Saltinho (c. 60 km).  O "campo fortificado de Mansambo", como lhe chamava a "Maria Turra"... Foi construído de raiz, a pá e pica, pelos bravos "Viriato" da CART 2339.

Em geral, os alferes milicianos partilhavam um quarto a três, os furriéis a cinco ou seis, nas sedes de Batalhão (Bambadinca, por exemplo, onde só os oficiais superiores e os capitães tinham direito a "quarto privativo")... O "povo", esse, dormia a granel...

Nas unidades de quadrícula, uns viviam em "bunkers" (ou melhor, "bu...rakos"), em abrigos subterrâneos (caso de Mansambo). Mas a decoração não variava muito: fotos de "garotas", "pinups", modelos fotográficos, artistas de cinema, em poses mais ou menos ousadas, tanto quanto a moral e os bons costumes o permitiam nessa época... Eróticas q.b., mas não nunca pornográficas (sexo explícito)... 

A foto nº 3  tem já cinco/seis anos de diferença, bem mais próximas do fim da guerra, c. 1973/74... Já o puritanismo de Salazar & Cerejeira estava a passar à História...  É do quarto (partilhado) do nosso camarada José Claudino da Silva, um dos quatro "mórmones de Fulacunda"... Surpreendentemente, era um aposentotado, minúsculo (, d e 3 x 2 m),  austero, puritano,  com dois  beliche (4 camas ), e um espécie de móvel encostado à parede, a servir de mesa de cabeceira  e estante, e onde ao que parece, só entravam as fotos... das castas... namoradas dos "mórmones" (**).

A foto nº 4 faz parte de um conjunto a que o fotógrafo chamou "farra das NT",   muito reveladores do universo concentracionário em que se vivia na Guiné, nos aquartelamentos e destacamentos das NT. "É a caserna na sua intimidade"...

A  CCAÇ 4740, era constituída por pessoal açoriano.  Centena e meia de homens, machos, na flor da idade, cheios de testosterona, partilhavam espaços reduzidos, geralmente sob a forma de toscos "bunkers", semi-enterrados, construídos de troncos de palmeira, chapa, bidões, terra e argamassa, e onde coabitavam com os bichos (mosquitos e demais insector, roedores, répteis) e a atmosfera era muitas vezes irrespirável, devido à multiciplicidade de cheiros,  à humidade, ao calor, à semi-obscuridade, à sujidade, ao pó ou à lama (conforme a estação do ano: época das chuvas ou época seca)... Noutros casos, eram verdadeiros "armazéns de depósito de material humano", com cobertura de chapa de zinco, onde era quase impossível permanecer durante o dia, devido à temperatura e humidade tropicais...

A ventoinha  era um luxo, só para alguns, e só durante escassas horas da noite, quando se ligava o gerador... Nestas "casernas do mato", os homens viviam, conviviam, comiam e dormiam quase sempre em tronco nu, de calções e chanatas.. O álcool, o tabaco e as cantorias, além das jogatanas de cartas, eram dos poucos escapes que a malta tinha nas "horas vagas"... Os dias sucediam-se aos dias, perdia-se a noção do tempo... Deixa-se crescer o bigode, contra os regulamentos, para se parecer mais bravo e macho.

No meio de toda esta promiscuidade, salvava-se a amizade, a solidariedade, a camaradagem... E cada companhia que chegava procurava melhorar, para si e para os vindouros, as condições de vida que encontrava... Se a guerra tivesse durado 100 anos, como alguns queriam, estou ciente que em Cufar já haveria hoje painéis solares, ar condicionado,   bar aberto e umas "ervas"... (E claro, militares de ambos os sexos, se bem que em aposentos separados; no nosso tempo, as únicas camaradas que tínhamos eram as enfermeiras paraquedistas, que causavam sempre algum alvoroço sempre que  vinham a "terra", isto é, à sede de algum batalhão, presenciei isso em Bambadinca...).

Temos, no nosso blogue, uma série sobre "Os Bu...rakos em que vivemos" que pode ser revisitada e que queremos retomar... Na realidade, não eram "bunkers" de cimento armado à prova de canhão s/r ou morteiro 120 (com raras exceções, como era o caso de Gandembel e de Guileje), mas verdadeiros "bu...rakos" a que  chamávamos pomposamente... "abrigos"... De Cafal Balanta a Mato Cão, de Mampatá a Banjara, da Ponte do rio Udunduma a Ponte Caium, de Sare Banda a Missirá, de Madina do Boé a Copá..., a Guiné era, toda ela, uma terra "es...bu...ra...ka...da". 

Os "posters" / cartazes / capas de revistas com "meninas" mais ou menos "despidas" ajudavam-nos, ao menos,  a "climatizar" os nossos pesadelos (***)..

Vá lá, caros/as leitores/as, arranjem as vossas legendas para estas fotos... dos nossos verdes anos, passados lá na Guiné, quando ela ainda era "verde e rubra. Tínhamos, muitos de nós, "aposentos bunkerizados", daí o necessário  recurso aos "climatizadores de pesadelos" (****)... LG
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