A apresentar mensagens correspondentes à consulta Dreke ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta Dreke ordenadas por relevância. Ordenar por data Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13556: Notas de leitura (628): A Tricontinental: Quando Amílcar Cabral se tornou num teórico mundial da revolução (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2014:

Queridos amigos,
A Tricontinental não teve impacto previsto pelo Terceiro Mundo, o processo revolucionário foi encontrando escolhos uns atrás dos outros, desde a morte de Che, o modo como os revolucionários da América Latina foram sendo neutralizados, a própria doutrina da “coexistência pacífica”, os golpes de Estado que assolaram África, a ascensão de ditadores sanguinários como Sékou Touré, por exemplo. Mas Cabral viu reconhecida a sua fórmula teórica, a partir daquele momento o seu prestígio catapultou: os cubanos forneceram materiais, abriram-se as portas junto da social-democracia europeia, os soviéticos foram cedendo armamento de ponta face ao conflito com as tropas portuguesas. Aquele dia 6 de janeiro de 1966 foi fausto para Cabral.

Um abraço do
Mário


A Tricontinental: 
Quando Amílcar Cabral se tornou num teórico mundial da revolução (2)

Beja Santos

Havana, desde as primeiras horas de 1 de janeiro de 1966 está em ebulição, a todo o momento desembarcam os convidados que vêm participar na Tricontinental, vietnamitas, venezuelanos, africanos, as comitivas da Europa de Leste. Aqui e acolá pergunta-se onde está Che Guevara, parece ser o grande ausente. Por todo o lado faixas anunciando o ano da solidariedade e a Tricontinental. Há festa por toda a parte, os participantes enchem todos os andares dos hotéis Habana Libre, Habana Riviera e Capri. A rádio também está eufórica, a cantora mexicana Consuelo Velázquez, entoa com a sensualidade de Joséphine Baker: Bésame, Bésame mucho,/ Como se fuera esta noche la última vez! O presidente Dorticós faz a saudação inaugural. A delegação do PAIGC é constituída por Amílcar Cabral, Pedro Pires, Domingos Ramos e Vasco Cabral. Joaquim Pedro Silva, Barô, que está na escola de guerrilheiros, também é cooptado. Amílcar cedo revela os seus dotes, logo na entrevista que concede à Granma, deixa entender que a sua visita será curta pois o dever de um revolucionário é estar a fazer a revolução e explica a sua posição perante o conflito sino-soviético: “Somos por um não alinhamento ativo. Não seguimos a estratégia de nenhum grupo ou bloco, o nosso movimento não é influenciável por eles. Como disse a Fidel, nós não temos necessidade da cabeça dos outros para pensar”.

Há encontros de delegações por toda a parte, os jornalistas de todo o mundo andam febris, nunca tiveram tão à mão a parada de estrelas revolucionárias. Já foram cumpridas as cerimónias protocolares, a conferência tem o seu discurso inaugural feito por Raúl Roa, o ministro cubano dos Negócios Estrangeiros. Os vietnamitas falam a seguir sobre a sua luta, intelectuais proeminentes como Morávia, Vargas Llosa, Régis Debray fazem alocuções aos trabalhadores. Depois do Vietname, depõem o Laos, a República Dominicana, o Congo Léopoldville, os chineses sempre insinuantes e recalcitrantes. É um desfile de declarações por vezes aplaudidas apoteoticamente. Será assim até ao final do dia 5. E no dealbar de 6, o auditório rende-se a um teórico inesperado, há gente que se mexe e remexe nas cadeiras, estão a ouvir coisas inacreditáveis, à revelia dos dogmas.


Cabral dispõe de muito tempo, tal como os vietnamitas, ele vem falar em nome de todos aqueles que estão a combater o colonialismo português. Presta homenagem ao povo cubano, considera corajosa a política de “porta aberta para a saída dos inimigos da revolução”. E o seu discurso teórico começa por um provérbio africano: “Quando a tua casa está a arder não serve de nada o tam-tam”. Isto para dizer que não é a proferir injúrias contra o imperialismo que se chega à sua liquidação, é a combater, é a estudar a solução dos problemas vitais de cada um dos nossos países e da luta em comum. Lança-se numa autocrítica, ao reconhecimento das próprias fraquezas: “A nossa luta é a expressão das contradições internas da realidade económica, social e cultural em cada um dos nossos países. Estamos convencidos que toda a revolução nacional ou social que não possui como base fundamental o conhecimento desta realidade arrisca-se ao insucesso”. O auditório está preso, sabem que aquele dirigente político é um agrónomo que preparou passo a passo o início da luta armada. “A libertação nacional e a revolução social não são mercadorias de exportação, são o produto de uma elaboração local, nacional, mais ou menos influenciada por fatores externos, mas essencialmente determinada e condicionada pela realidade histórica de cada povo. Devemos reconhecer que não temos sabido dar toda a tenção necessária a este problema importante da nossa luta comum. O defeito ideológico, para não dizer a falta total de ideologia, no seio dos movimentos de libertação nacional, constitui uma das maiores, se não a maior fraqueza da nossa luta contra o imperialismo”. E surge uma declaração que vai agitar os soviéticos e companheiros de estrada: “Aqueles que afirmam que a força motriz da História é a luta de classes estarão certamente de acordo em rever esta asserção a fim de lhe dar um campo de aplicação ainda mais vasto, caso eles conheçam as caraterísticas essenciais de certos países colonizados. De facto, na evolução geral da humanidade, as classes não aparecem nem como fenómeno generalizado e simultaneamente na totalidade destes grupos nem como um todo acabado, perfeito, uniforme e espontâneo”.

A sala segue-o atentamente, o inesperado já aconteceu, Cabral pergunta se a história começa somente a partir do momento em que se desenvolve o fenómeno “classe” e por consequência a luta de classes. Se assim fosse, muitos grupos humanos de África, da Ásia e da América Latina, viviam fora da história no momento em que foram submetidos ao jugo do imperialismo. E diz que há história nos Balantas da Guiné e nos Maconde de Moçambique, por exemplo. A libertação nacional é a reconquista da personalidade histórica. A seguir, tece considerações sobre a situação neocolonial de um grande número de países que acederam à independência política e procura a justificação para concluir que os compromissos com o imperialismo são inoperantes. E dirige-se ao auditório: “Não queremos escandalizar esta assembleia afirmando que a via única e eficaz para a realização definitiva das aspirações dos povos é a luta armada”.

Enunciando a sua conceção de luta de classes, Cabral releva o papel da pequena burguesia a quem compete um papel revolucionário mas que consomada a revolução deverá fundir-se com o povo libertado, “deve ser capaz de se suicidar como classe”. Praticamente em terminar a sua intervenção, Cabral comete em confidência de anunciar que o PAIGC se está a preparar para lançar operações em Cabo Verde. Insiste que está a falar em nome de todos aqueles que lutam contra o colonialismo português, apela à luta com as armas na mão, termina dizendo: “Nós venceremos”.

Não é por acaso que em “Tricontinentale”, Roger Faligot, Éditions La Découverte, Pais, 2013, esmiúça inusitadamente o discurso de Cabral, a peça dará volta ao mundo e tornar-se-á um texto sagrada do Terceiro Mundo Militante, um pouco à semelhança do discurso que Guevara proferira em Argel, meses antes. Mais adiante Osmany Cienfuegos dará uma declaração em nome da delegação cubana insistindo para que se construa uma organização tricontinental permanente. A seguir a Cabral falou o orador que iria também ser muito ovacionado, Turcios Lima, explicou, em nome das FAR guatemaltecas, a situação no seu país. É nesta altura que Cabral questiona o guatemalteco, assim: “Estou intrigado camarada, porque é que não há índios no teu exército, como, aliás em quase nenhum exército de libertação latino-americano?”. Turcios Lima respondeu impassível, “Guardo-os de reserva!”, sem saber se se tratava ou não de um dito espirituoso. Falando para outros guineenses, Cabral comentou: “É esta a fraqueza deles, há cinco séculos que os índios são colonizados, continuam na mesma depois dos espanhóis terem partido”. Porque esta era a força que Cabral exibia junto de todo e qualquer interlocutor, a de querer fazer convergir para a luta toda as etnias, muçulmanos ou animistas, todos os chamados assimilados cabo-verdianos.

Este surpreendente thriller de Roger Faligot é agora a obra incontornável sobre a Tricontinental, a despeito de pequenos dislates, alguns deles que têm a ver com a questão guineense, dizendo que a mãe de Cabral era guineense, que as tropas portuguesas tinham sido expulsas da Ilha do Como, etc. A conferência teve o seu fecho oratório no dia 11, com uma resolução sobre Ben Barka e a constituição de um comité de solidariedade, seguiu-se a pompa do encerramento. Cabral vai ficar mais uns dias, conseguirá de Fidel uma ajuda militar significativa e o envio de técnicos, Oscar Oramas será, a pedido de Cabral, nomeado embaixador cubano na Guiné-Conacri e Victor Dreke, que tinha acompanhado Guevara no Congo, será enviado para junto do PAIGC como o elemento de ligação cubano.

As conclusões de Faligot quanto à Tricontinental merecem leitura atenta. Tudo jogou a desfavor destes eventos de Havana: o alinhamento de Fidel com Moscovo; o refluxo do movimento revolucionário na América Latina e a morte do Che na Bolívia; a consagração da doutrina da “coexistência pacífica” que obrigou os soviéticos a permanentes jogos de cintura com os acontecimentos africanos e asiáticos; a ascensão de ditaduras ao longo das décadas seguintes, envolvendo figuras sinistras como Sékou Touré e Robert Mugabe. Resta a Organização de solidariedade com os povos da Ásia, de África e da América Latina (OSPAAAL), criado em janeiro de 1966, continua a existir, é uma pequena ONG reconhecida pela ONU que pode organizar um colóquio à memória de Che, um seminário sobre a revolução sandinista ou apelar à ajuda quando há um tremor de terra no Haiti.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13543: Notas de leitura (627): A Tricontinental: Quando Amílcar Cabral se tornou num teórico mundial da revolução (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 11 de julho de 2006

Guiné 63/74 - P951: Antologia (47): Um médico cubano no Morés e no Cantanhez - Domingo Diaz, 1966/67 (Luís Graça)

Guiné > 1966 > O médico cubano Domingo Díaz, que esteve em 1966/67 no território, apoiando a guerrilha do PAIGC e particiapandop em vários combates, desde o norte (São Domingos) , à região do Morés, e ao sul (Madina do Boé, Guileje). Na foto, é o terceiro de esquerda para a direita.
Foto: © Juventud Rebelde, Cuba, (2006) (Com a devida vénia).


Guiné > Anos 60 > Uma das mais emblemáticas fotos de Amílcar Cabral, dirigente do PAIGC. "Un compañero inolvidable" - é assim que o médico cubano Domingo Diaz descreve o líder histórico do PAIGC. O médico fazia parte de um grupo de revolucionário, constituído por médicos e instrutores, que chegou secretamente a Conacri para apoiar a luta de guerrilha do PAIGC.
Foto: Fonte desconhecida

Texto interessantíssimo, para se conhecer melhor a dura realidade do quotidiano da guerrilha do PAIGC... Trata-se do depoimento de um médico cubano, cirurigião de formação, quer esteve envolvido em operações de guerrilha, na Guiné, nos anos de 1966/67, apoiando o PAIGC ao abrigo do então em voga conceito de "internacionalismo proletário"... O envolvimento dos cubanos é ainda pouco conhecido... Daí o interesse deste artigo, no original.
Reproduzido, com a devida vénia, do jornal digital Juventude Rebelde, ISSN 1563-8340, CUBA, 8 de Junio de 2006 (Director: Rogelio Polanco Fuentes ):


Donde el tiempo no se mide por el reloj

Por primera vez el doctor Domingo Díaz (*) cuenta sus experiencias en las selvas de Guinea Bissau cuando en 1966 anduvo desandando ríos y selvas en compañía de guerrilleros guineanos. Su testimonio forma parte de uno de los capítulos del libro Historias secretas de médicos cubanos, del periodista de JR Hedelberto López Blanch, presentado este año en la Feria del Libro de La Habana

Hedelberto López Blanch
digital@jrebelde.cip.cu


Con 29 años y recién graduado como cirujano, el doctor Domingo Díaz Delgado llenó una planilla solicitando su incorporación como internacionalista en cualquier movimiento de liberación, inspirado en el ejemplo del guerrillero heroico, Ernesto Che Guevara.

A principios del año 66, respondiendo a esa solicitud, lo designan como miembro del primer grupo (muy reducido), de médicos y combatientes que participarían en la liberación de Guinea Bissau, cuya metrópoli era Portugal. Los guineanos llevaban dos o tres años en esa difícil lucha, y carecían de técnica militar, armamentos y asistencia médica. Las acciones se iniciaban prácticamente en esa época, pero dejemos que Domingo narre su historia.

—En ese momento yo era jefe de los servicios médicos de la división 1270 en el Mariel. Fuimos nueve médicos (tres viajaron por avión) junto a los instructores, en total 24 hombres. Tenía bastante experiencia en cirugía porque en esa época, desde que uno estaba estudiando podías participar en determinado equipo quirúrgico. Dos meses después de mi incorporación a este contingente, integrado por artilleros, morteristas, cañoneros y médicos, salimos hacia Guinea Bissau, en la motonave Lidia Doce de 2 000 toneladas. El viaje duró casi 20 días, hasta llegar al puerto de Conakry. La nave estaba deteriorada y fue un trayecto difícil, pues se rompió por lo menos tres veces. En una ocasión hubo un inicio de fuego en las máquinas y por poco tenemos que abandonar el barco.

«En unos sacos llevábamos mochilas, botas y otros implementos y en unas maleticas de madera, un equipaje sencillo. Íbamos vestidos de civil. Aquello era totalmente secreto, incluso para abordar el barco principal no lo hicimos en el puerto, sino en alta mar.

«Antes de salir de Cuba estuvimos cerca de dos meses entrenándonos física y militarmente con varios armamentos, pues aunque éramos médicos, iríamos hacia una zona de guerra. Hacíamos algunas caminatas que creíamos eran suficientes, pero cuando llegamos a Bissau nos dimos cuenta que había que haberse entrenado mucho más. En Conakry, el grupo permaneció alrededor de un mes a la espera de ser llevado a los lugares de destino. Guinea Bissau tenía tres zonas guerrilleras, que eran el Norte, el Sur y Madina de Boé, al este. Se combatía bastante para las posibilidades que tenían. En Guinea me recibió el dirigente principal de la guerrilla del Partido Africano por la Independencia de Guinea y Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral, un compañero inolvidable. Aprendí muchas cosas en los días que estuve con él. Guinea Conakry era la antigua Guinea Francesa y Guinea Bissau es un país mucho más chiquito que se puede comparar en extensión territorial con la antigua provincia de Villa Clara. Muy poco terreno y de ahí la dificultad de los combatientes para desarrollar esta lucha. Los portugueses tenían bastantes tropas, incluso fuerzas de la OTAN (Organización del Tratado del Atlántico Norte).

«De nuestro grupo, muchos fueron al sur, otros al este y a mí me designaron para ir como cirujano al norte. ¿Qué pasa? Que de Guinea Conakry no se podía ir directamente hacia el norte de Guinea Bissau, sino que había que dar un rodeo por el este en camiones, y atravesar parte del territorio de Senegal, país que limita al norte con Bissau y no era precisamente amigo de los guerrilleros, sino que por el contrario estaba a favor de Portugal. Por tanto, por el color blanco de mi piel, no podía hacer el recorrido por tierra, sin llamar la atención.
"Entonces me confeccionan un documento que funcionaba como pasaporte. Era un carné de militante del Partido del PAIGC con un nombre falso, donde aparecía como natural de Praia, una isla de Cabo Verde y con ese documento hago el vuelo, hasta la capital de Senegal, Dakar, acompañado de dos guineanos. Cuando llegamos al aeropuerto no entendían lo del pasaporte y los dos compañeros que me acompañan no supieron explicarles. De manera que tuve que darle un empujón a la talanquera en cruz que existía en el aeropuerto y salir hacia un carro de donde me hacía señas la compañera Lilica Cabral, secretaria de Amílcar Cabral, que tenía oficinas en Dakar.

«De allí, por tierra, atravesamos 400 kilómetros, que es la distancia de Dakar a Zinguinchor, un pueblo de Senegal cercano a la frontera con Guinea Bissau. En ese trayecto hay que atravesar un río y una franja de diez kilómetros de otro país denominado Gambia.

«El que me llevó hacia Zinguinchor, fue Luis Cabral, hermano de Amílcar Cabral, en un Peugeot 400. Llego a ese lugar donde permanezco dos o tres días. Me entrevisto con los jefes militares más importantes que operaban en el norte de Guinea Bissau, porque como era el primer cubano que llegaba allí, me estaban esperando. Me reúno con el jefe del Frente Norte, Osvaldo Vieira y otros. Me hacen una despedida y salgo con un grupo guineano. Al llegar a la frontera, parte del colectivo se queda conmigo y la otra permanece en Yiriban, en el lado de Senegal. Hago una caminata por un terreno abrupto que para mí fue terrible. Alrededor de cuatro a cinco horas demoré en llegar desde la frontera a la primera base guerrillera que se llamaba Zambulla.

«Cuando regresé, ese recorrido lo hice en 45 minutos, porque tenía 80 libras de menos y además llevaba un año caminando en el terreno. Hacemos noche en ese lugar y de madrugada seguimos camino hacia la próxima base, denominada Maqué. Ya habíamos tenido que beber agua en malas condiciones. Allí el agua potable es la de los ríos, y ellos acostumbraban a hacer unos hoyos en la tierra, bien marcados y escondidos, para que se llenaran cuando lloviera. En el curso del camino, sacaban esa agua con tierra y era la que desde ese momento empecé a ingerir.

«Cuando llego a la base de Maqué ya las diarreas comenzaron a hacerme estragos, pero no por eso dejé de comer lo que nos encontrábamos en el camino.

«En esa región el tiempo no se cuenta por el reloj, sino por distancia, es decir, medio día de andar, dos días de andar, que es lo que tardas en llegar a un lugar.

«Nuestra comida era la misma que la de los guineanos y una sola vez al día. Por la noche, en una palangana echábamos un poco de arroz con pedacitos de carne, huesos, que en algunas ocasiones nos los pasábamos unos a otros para chuparlos, y por supuesto, todo con las manos. Nos acostumbramos a comer el arroz metiendo la mano en las cacerolas, no había cubiertos, no había nada. Por la mañana tomábamos cocimientos de cualquier tipo de hojas y si era de naranja, mejor. Calentábamos el agua y le echábamos las hojitas, y eso fue lo que tomamos durante mucho tiempo. Eso era en el norte, ya en el este, en Madina de Boé, teníamos frijoles pero eran tantos que llegó un momento en que a un compañero le enseñabas uno solo y vomitaba.

«Cuando arribo a la segunda base guerrillera, ya llevaba dos días de andar y llegué bastante mal. Me revivió un líquido constituido por una especie de leche condensada con agua, pero muy caliente, y recuerdo perfectamente que me lo tomé y caí rendido. Al otro día de madrugada seguimos profundizando dentro del país y llegamos a la base de Moré[s] donde hacía pocas semanas los portugueses habían lanzado un bombardeo y todavía se podían apreciar los destrozos.

«Allí estuvimos un día y seguimos hasta que alcanzamos la base donde permanecí alrededor de seis meses: Saará (1). Ya aquí estaban dos médicos del grupo que se habían adelantado, pues viajaron por avión de Cuba: un ortopédico, Teudi Ojeda y un clínico, Pedro Labarrere, los dos militares. La base de Saará estaba en la profundidad del norte pero prácticamente en la mitad del territorio y muy cerca de la capital de Bissau. Llegando a esa base, estaban organizando un ataque a Bissau, pero no con el fin de tomar la ciudad sino para tener a las autoridades en tensión. Esa acción fue dirigida por un compañero que era el jefe de la seguridad del territorio norte, el caboverdiano Irenio de Nascimento.

«Teníamos un arsenal pequeño de medicamentos, instrumental quirúrgico, pero muy elementales, para resolver problemas que se presentaran en ese tipo de lucha.

«El campamento estaba en cualquier lugar pues como medida de seguridad había que trasladarlo constantemente. Llegó un momento en que detectaron la base y la ametrallaron varias veces.

«Tras permanecer seis meses en Saará, me designaron a un Big Grupo (2), integrado por 72 hombres con determinado armamento para realizar ataques en varias partes. El jefe era un comandante guineano que se llamaba Julián. De esa forma, empecé a moverme con ellos a los distintos lugares y tuve la oportunidad de participar en varios ataques.

«Siempre el jefe militar me decía que no me debía acercar mucho pues si perdían a los enfermeros y a mí, se acababa el servicio médico.

«El primer combate en que participé fue en la base de Sao Domingos. No sentí miedo porque en realidad no estaba en el mismo frente, pero sí los proyectiles me pasaban por encima. Los guerrilleros destruían el cuartel o parte de este, y se retiraban. Nunca trataban de tomarlo, era una guerra de guerrillas.

«Aquí también realizamos un segundo ataque, al cuartel de Guilelle [Guileje], que fue más efectivo. Tuve la posibilidad de estar más cerca del combate, nos hirieron a tres hombres. A uno de ellos pude hacerle una primera cura, rápida, y seguí con los dos heridos hasta llegar a la base. Ya por este tiempo yo había recorrido a pie casi todas las bases guerrilleras, Llador, Naga, Maqué, Saará, Moré[s], Zambulla.

«Seguimos trasladándonos constantemente con este grupo en la zona norte y más tarde comencé a tener varios problemas de salud, un paludismo crónico, una filaria, que en esos momentos no lo sabía pero después se me hizo el diagnóstico, y una lesión infiltrativa tuberculosa. Se decidió que saliera y regresara a Conakry para después de restablecido volver a entrar.

«Salí en febrero o marzo del 67 y lo hago para tratarme clínicamente. Por el mismo camino que entré, también salí, pero ya con más seguridad. Vuelvo a Conakry y permanezco un tiempo recuperándome. Ya el comandante Víctor Dreke era el jefe de la misión militar cubana.

«Más tarde me incorporo a la zona del Este a Madina do Boé donde terminé la misión. Esta región era un poco más tranquila desde el punto de vista de la guerra, aunque también se realizaron varios combates.

«Hay muchas cosas por contar. Por ejemplo en las primeras caminatas perdí todas las uñas de los dedos de los pies, se me pusieron prietas porque no estaba entrenado para eso, pero después que bajé de peso, uno de los primeros en llegar a los lugares era yo, incluyendo cubanos y nativos. Me puse tan flaco que parecía una cuerda de violín y caminaba mucho. Me ha quedado la costumbre y actualmente camino todos los días en La Habana cinco quiilómetros».

* Domingo Díaz Delgado nació en 1936 en Florencia, Camagüey. Es profesor titular de neurocirugía y vicedirector de Docencia e Investigaciones del CIMEQ.
____________

Nota de L.G.

(1) Saará: presumo que seja Sara-Saruol (carta de Mambonco): vd posts de:

29 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P924: SPM 3778 ou estórias de Missirá (4): cão vadio disfarçado de tigre (Beja Santos)

(...) "Soube da Tigre Vadio (1) em finais de Fevereiro de 1970, quando o Major de operações de Bambadinca me convidou para um passeio numa Dornier sobre os céus do Cuor. Foi uma viagem que permitiu medir o crescimento militar e populacional de Madina/Belel e a sua ligação a Sara/Sarauol, uma enorme base do PAIGC com um hospital de campanha" (...).

27 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P918: Operação Tigre Vadio (Março de 1970): uma dramática incursão a Madina/Belel (CAÇ 12, Pel Caç Nat 52 e outras forças)
(...) "A missão confiada às NT era bater a área de Madina/Belel, no regulado do Cuor, a fim de aniquilar as posições IN referenciadas do antecedente e eventualmente capturar a população que nela vivesse.

"As informações de que se dispunha era que devia existir 1 bigrupo nesta região, pertencente à base do Enxalé e dispondo de 2 Morteiros 60, 1 Metralhadora Pesada Coryonov, além de armas ligeiras (Metr Degtyarev, Esp Kalashnikov, Pist Metr PPSH, etc). Admitia-se também que este bigrupo estivesse reforçado com 1 grupo de Mort 82, pertencente ao Grupo de Artilharia de Sara-Sarauol [a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mambonco]" (...)

(2) Bi-grupo (habitualmente constituído por 50/60 homenos): vd. post de de Juklho de 2006 >

Guiné 63/74 - P939: A organização militar do PAIGC (Leopoldo Amado)

(...) "Essas adaptações atingiram também os bigrupos (unidade de combate originalmente constituído por 21 combatentes), mas que a dada altura atingiam as 46 pessoas, entre elementos da infantaria, minas e armadilhas, reconhecimento e artilharia (2).

"A partir de 1968 – altura crítica para o Exército do PAIGC –, Amílcar Cabral introduziu o conceito de bigrupo reforçado que normalmente atingia os 150 homens, os quais eram balanceados entre o Norte e o Sul e ainda o Leste, seja em função da necessidade de concentração de efectivos para operações de grande envergadura, seja porque o PAIGC sempre se debateu, ao longo de toda a guerra, com enormes problemas de recrutamento regular de efectivos para o seu Exército" (...).

Guiné 63/74 - P950: Antologia (46): Domingo Diaz Delgado, médico cubano na guerrilha do PAIGC, 1966/67 ()

Luis Graça:

Anexo um artigo sobre Domingo Diaz Delgado, medico cubano, participante na Luta Armada de Libertação contra o Colonialismo Português, desde 1966, na Guiné-Bissau.

Trata-se de um resumo, feita pela Agência de Bissau, de um artigo publicado no jornal cubano digital Juventud Rebelde, de 8 de Junho de 2006 (1)

Jorge Santos

MÉDICOS CUBANOS DURANTE A LUTA CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÉS

por Amadila Balde

Agência Bissau (19 de Junho de 2006)

Domingo Díaz Delgado nasceu em 1936 na província cubana de Camagüey, foi um dos primeiros médicos cubanos a chegar a Guiné em 1966, então recém licenciado em medicina cirúrgica. Hoje, 40 anos depois, Domingos Díaz conta a sua “impressionante” história para o diário cubano "Juventud Rebelde” a que a Agência Bissau teve acesso. E que faz parte de um dos capítulos do livro “Histórias secretas de médicos cubanos” do Jornalista Hedelberto Lopes Blanch, apresentado recentemente na feira de livros de Havana (Cuba).

E são trechos da vida deste médico cirurgião, importante figura na história da Guiné-Bissau, que agora damos a conhecer aos nossos leitores. Com base na obra acima referida.

Em 1966, três anos após o início da Luta de Libertação Nacional, o médico Domingos Díaz Delgado consegue integrar-se no primeiro contingente formado por instrutores, artilheiros, canhoneiros e médicos cubanos que participaram na Luta Armada de Libertação contra o colonialismo português na Guiné-Bissau. O contingente chegara ao porto de Conacri, após 20 dias de viagem, desde a capital cubana a bordo de um navio danificado, numa difícil trajectória. À chegada foram recebidos pelo Fundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Amílcar Cabral. Com quem Domingos Diaz Delgado manifesta ter aprendido muitas coisas e considera um companheiro notável.

Depois da chegada do contingente cubano em Conacri, alguns companheiros foram enviados para o sul e leste do país e Domingos Díaz Delgado é nomeado como cirurgião para o norte. Cujo percurso terrestre desde Conacri era perigoso, por ser difícil de realizar sem que se fosse descoberto pelos inimigos. O PAIGC atribui-lhe um cartão que o identifica como militante do partido com um nome fictício de nacionalidade cabo-verdiana. Com esse cartão o cirurgião em companhia de dois guineenses empreendem voo até Dacar (Senegal) onde foram recebidos pela secretária de Amílcar Cabral, Lilica Cabral.

Desde Dacar, o médico é conduzido pelo antigo presidente da República da Guiné-Bissau, Luís Cabral, numa viatura para Ziguinchor, cidade situada na região senegalesa de Casamansa, a 400 quilómetros de Dacar, onde viria a permanecer durante cerca de três dias. O médico foi o primeiro cubano a chegar à zona, aonde conversa com o chefe militar mais importante da Frente Norte, o comandante Osvaldo Vieira.

Domingos Diaz Delgado explica os obstáculos que enfrentou durante as caminhadas que fez de uma base a outra sem água potável, alimentando-se daquilo que encontrava pelo caminho. “Nessa região o tempo não se calcula com relógio, mas sim por distância, quer dizer meio-dia de caminho, dois dias de caminho, o que se pode demorar em chegar de uma localidade a outra”. Relatando ainda que comia-se alimento uma vez por dia, durante dois dias de caminho. O cirurgião recorda a sua chegada à base de Morés (norte) aonde havia passado poucas semanas depois dos bombarde[amentos] lançados pelas tropas portuguesas.

Dois dias depois, continuaram até chegarem à base de Saará [Sara-Sarauol] quase no centro do país, aonde já estavam outros médicos cubanos que tinham chegado por avião: um ortopédico, Teudi Ojeda e um clínico Pedro Labarrere. A poucos quilómetros da capital Bissau onde já estavam a organizar um ataque no sentido de chamar atenção às autoridades, acção que era conduzida pelo chefe da segurança territorial do Norte, Irene [ou Irineu ?] de Nascimento.

Domingos Diaz Delgado disse que, apesar da escassez de medicamentos e materiais cirúrgicos, o pouco que havia, era suficiente para resolver problemas para aquela ocasião, ainda por questão de segurança, era necessário constantemente mudar de um lugar a outro. O cirurgião permaneceu seis meses na base de Saará, e depois integrou um grupo de 72 homens, equipados com certos armamentos para realizar ataques em várias zonas da região dirigidos pelo comandante Julião. Naquela ocasião começou a movimentar-se com o grupo participando em várias incursões.

O primeiro combate em que o médico cubano participou foi em São Domingos numa guerra de guerrilha onde os combatentes destruíam os quartéis e retiravam-se. Também participou num dos ataques realizados ao quartel de Guileje, no sul do país, que considera mais efectivo, do qual saíram três feridos do seu grupo, dos quais tratou um rapidamente no local e continuou com os outros até a base.

Mais tarde em Fevereiro ou Março de 1967, Domingos Diaz Delgado teve que retirar-se da zona de combate para Conacri alegadamente por doença, para se submeter a tratamento médico, regressa já restabelecido clinicamente, na altura o chefe da missão militar cubana, era o comandante Victor Dreke. Desta vez foi nomeado para a frente Leste concretamente em Madina de Boé, onde mais tarde viria a terminar a sua missão na Guiné.

O Dr. Domingos Diaz Delgado disse que a história não terminou aqui. “Há muita coisa a contar. Fiquei com o hábito, e actualmente faço cinco quilómetros de caminhada todos os dias em Havana”. Actualmente é professor titular de neurocirurgia e vice-director de docência de investigações do Centro de Investigação Médico-Cirúrgico (CIMEQ).

____________

Nota de L.G.

(1) Vd. artigo original, mais completo, em espanhol, no post seguinte.