sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2219: Tabanca Grande (37): Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil (BCAÇ 4610/72 e CCAÇ 13, 1972/74)

Henrique Jorge Cerqueira da Silva
Ex-Fur Mil
BCAÇ 4610 e CCAÇ 13
Guiné 1972/74


1. Em 24 de Outubro de 2007, o nosso novo camarada dirigia-se a nós com poucas esperanças de ser lido, mas enganou-se como se prova.

Amigos:
Nem sei como começar ou seja começo pela apresentação:
Henrique Jorge Cerqueira da Silva, com 57 anitos de idade, ex-Furriel Miliciano incorporado no Batalhão 4610/72 que esteve na região de Bissorã.

Posteriormente e em regime de voluntariado fui transferido para a CCAÇ 13. Aí permaneci até Julho de 1974.

Estive também colocado no Biambe (1) e fiz a formação das CCAÇs em Bolama.

Tenho como todos, várias situações marcantes, tanto de grande tristeza como até de algumas alegrias. No entanto e para já não partilho, pois que até nem sei como vai resultar este e-mail, é que isto da net ainda é um pouco recente para mim.

Bom, vou então enviar esta cena na esperança que em breve possa falar um pouco mais sobre os nossos gloriosos anos de juventude.

Um abração para todos que eventualmente me leiam, mas se não for lido, o abraço é na mesma enviado com muito sentimento de companheirismo.

Henrique Cerqueira
Ex-Fur Mil
Foz do Douro


2. Em 25 de Outubro de 2007 o co-Editor CV respondia:

Caro Henrique:
Estou a receber-te em nome dos tertulianos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Caro vizinho, bem-vindo à Tabanca Grande. Estávamos à espera de reforços para a CCAÇ 13, porque só cá tínhamos o camarada Carlos Fortunato, velhinho (1969/71), comparado contigo, periquito de 1972.

Já sabes que queremos que envies as tuas fotos da praxe (a velhinha, dos tempos de novo, quando combatias na Guiné e a actual, menos novo, mas em plena forma, espero), para virem a figurar na nossa fotogaleria.

Podes visitar a nossa página em http://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html. Lá poderás consultar os nossos 11 mandamentos, pelos quais nos regemos. Poderás ver, ainda, fotos históricas das nossas campanhas por terras da Guiné, depoimentos, etc.

Claro que vais contribuir para o nosso património com as tuas histórias (estórias), quer sérias quer humoradas, de preferência ilustradas com as fotos que terás por aí e que julgavas que já ninguém iria ver.

Cá dentro impera a camaradagem que faz com que, independentemente do posto que tivemos e do que somos hoje, nos tratemos por tu.

Temos um laço que nos une que é a Guiné, hoje Guiné-Bissau, país soberano que respeitamos assim como às suas gentes. A estes nossos irmãos desejamos um futuro melhor do que o passado e até do que o presente que não têm sido muito promissores.

Ficamos à espera do teu primeiro trabalho e das tuas fotos (em formato JPEG) que deverás enviar para luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com.

Recebe um abraço da malta
Carlos Vinhal

OBS:- Ao elaborar a postagem, verifiquei que a foto actual tinha sido enviada. As minhas desculpas ao Henrique pelo lapso.
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Nota do co-editor CV:

(1) Vd. posts anteriores:

de 1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)

de 8 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2037: Memórias dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

Guiné 63/74 - P2218: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (7): Afundem a armada de Madina



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Geba Estreito > Novembro de 2000 > Restos da "armada de Madina" ? Não, apenas velhas canoas, diz-nos o Albano Costa que por lá passou em Novembro de 2000...

Fotos: © Albano Costa (2006). Direitos reservados.



Texto enviado, em 11 de Setembro último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).


Luís, aqui vai o VII episódio (1). Tens aí as boas fotografias do Geba estreito. Mando pelo correio os apontamentos do almirante Teixeira da Mota, parece-me muito bonito publicá-los pela primeira vez. Os livros seguem pelo correio, também. Esta semana já não posso mandar mais, tenho um relatório urgente até sexta feira para acabar. Um abraço do Mário.


Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (7) > Afundem a armada de Madina!

A premonição de que vou estudar a história da Guiné

Fui chamado de urgência a Bambadinca, a coluna sairá por volta das sete, é um amanhecer límpido, glorioso, carregado de bons presságios. Leio finalmente a brochura que o comandante Teixeira da Mota me ofereceu em Bissau no início de Agosto passado, e que é da sua autoria. Chama-se “A primeira visita de um governador das ilhas de Cabo Verde à Guiné, António Velho Tinoco, 1575”. Ele escreveu na dedicatória: ao Mário Beja Santos, “Filho de Deus” para as gentes do Cuor. Como é muito ao estilo do insigne historiador, ele junta uma folha com os seguinte comentários:

“António Velho Tinoco foi o corregedor que condenou à morte o piloto açoriano trânsfuga Bartolomeu Baião, o qual lhe foi levado preso para a ilha de Santiago por um lançado da Guiné.

"Sobre o Baião tenho reunidos dezenas de documentos de Lisboa, Madrid e Londres que permitem reconstituir uma vida aventurosa, tipo capa e espada, de um piloto português - no que foi um entre muitos - que se valeu da sua arte náutica para roubar navios e intrujar ingleses e espanhóis (fugiu de uma prisão de Sevilha pelo telhado, e depois andou e ludibriar em Londres o embaixador de Espanha).

"Um colaborador em Sevilha acaba de me enviar mais uma boa dose de documentos sobre o mesmo, catados no Arquivo das Índias, e onde se explica como, quando comandava uma frota de corsário ingleses que andava à caça de navios portugueses, foi apanhado pelo rei da Ilha de Jeta, que depois o entregou ao lançado que o levou à justiça do bom António Velho Tinoco. O Baião não era Filho de Deus!"

Esta viagem do Tinoco é uma maravilha. Ele vem pela costa da Guiné, entra no rio de São Domingos, fala com o rei de Cacheu e aí ficamos a saber que Filho de Deus significa português. Daqui passa para o rio Grande que ao tempo era o conjunto de rias que hoje têm os nomes de Canal do Geba, Canal de Pedro Álvares, Canal de Bolola e Rio Grande de Buba, sendo certo que mais tarde sempre que se fala em Rio Grande se usa como sinónimo de Rio Grande de Buba. É no chão de beafadas, em Gambaro, que ocorre uma missa, em que o rei local pediu uma igreja, isto depois de Velho Tinoco ter sido recebido com trombetas de marfim e atabales e de se ter comido massapão. Depois o governador partiu para a Serra Leoa. Refere-se igualmente aos padres da Companhia de Jesus, logo que possa vou mandar esta referência ao padre Fazenda que insiste em saber mais pormenores sobre a presença dos Jesuítas em Cabo Verde e na Guiné, a partir do séc. XVI. Assento comigo próprio que logo que tiver disponibilidade hei-de estudar muito mais sobre a Guiné. A promessa está feita, tal a curiosidade por este passado totalmente desconhecido.

Ainda não sei que dentro de dias vou perder os óculos e ficar com o olho esquerdo afectado pelos ácidos da explosão da mina anticarro e vou parar seis dias a Bissau. Aí, completamente deprimido e sem querer ver ninguém, passarei todo o tempo disponível num espaço ameno chamado Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, onde irei vasculhar artigos científicos, curiosidades, relatórios dos governadores, cartas de capitães-mores, documentos sobre a vida religiosa, os movimentos migratórios, a vida administrativa, as histórias das campanhas militares. Lerei emocionado os relatos de Honório Pereira Barreto e ficarei a saber que existiu um missionário guineense chamado Marcelino Marques de Barros que escreveu o primeiro dicionário de português-crioulo, foi sócio da Sociedade de Geografia e morreu em Cernache de Bonjardim, bem velhinho. Eu não poderia saber que durante meses andarei a estudar este fascinante missionário e cientista.

Estou, pois, empolgado com o que acabo de aprender. Agora vamos até Caranquecunda, pica-se até Canturé e depois, com mais prudência, tal o receio que temos da horta de caju, bem fechada, seguimos até Finete. Pelas dez da manhã, sou recebido pelo major Herberto Sampaio. Vou ficar a saber que existe uma armada de Madina que me compete destruir, o mais rapidamente possível.


À procura da armada de Madina no Geba


-Oiça, Beja, os gajos de Madina passaram as marcas. No fim do mês passado, cinquenta mânfios entraram no Nhabijão Bedinca, vinham bem armados, espancaram quem lhes ofereceu resistência, roubaram vacas, arroz, milho, roupas e atravessaram o Geba nas calmas. Quem se queixou disse claramente que cambaram o Geba em canoas. Eu não acredito que foram para a bolanha de S. Belchior. É longe, podem ser avistados do Xime. Temos que saber urgentemente o que se passou e dar-lhes caça. Estamos convencidos que para além dos apoios que eles recebem nos Nhabijões têm canoas e não devem ser poucas. Daqui a meia hora chega uma DO e vamos fazer um RVIS sobre todo o Geba. Pergunte tudo o que quiser, a seguir vai lá e rebenta com os barcos. Quero também lembrar que foi recentemente atacada uma embarcação para lá de Mato de Cão que felizmente não teve consequências dramáticas porque o piloto afastou o barco para a outra margem, mesmo com feridos estilhaçados pelas roquetadas. Vamos saber se eles cambam o Geba para lá de S. Belchior.

E assim foi. Saímos de Bambadinca e começamos a sobrevoar essa longa tripa que é o Geba estreito. Primeiro a imensa bolanha de Finete, segundo até Malandim. Nada, nenhuns vestígios, natureza intocada. Depois a bolanha de Gambana até Mato de Cão. Aqui sim, diferentes sulcos impunham-se nos arrozais agora infecundos. A DO cirandava e desceu a escassos metros do espelho de água. Sim, havia ali um madeirame estranho, a despontar dos lamaçais do tarrafe. A pesquisa prosseguiu pela bolanha de Saliquinhé, em cujo o termo se evidenciavam novos sulcos, perto do último pontão antes de S. Belchior. Interessava agora verificar as bolanhas da outra margem do Geba. Com toda a minúcia, procurámos sinais na extensa bolanha de Samba Silate. Pois bem, quase como no seguimento do que tínhamos avistado do lado de lá em Saliquinhé, vimos um trilho que prosseguia até às imediações de Nhabijão Cau, bem dissimulado. E igualmente, mais adiante, em frente à bolanha de Gambana indiciava-se um outro sulco até perto de Nhabijão Imbume. Regressámos, e acordou-se que eu partiria imediatamente para examinar a bolanha de Gambana, deixando para o dia seguinte a bolanha de Saliquinhé. Nos mesmos horários, grupos de CCAÇ 12 fariam o mesmo reconhecimento nos trilhos junto ao Geba, do lado dos Nhabijões.

Para nós não foi nada fácil, o Geba estava na vazante, tivemos de nos socorrer de cordas na cintura para chegar ao tarrafe. Encontrámos cinco canoas invertidas presas a estacas por cordas, tudo bem enterrado e escondido com vegetação. Retiraram-se as canoas, foram desfeitas à bala. Tudo coincidia: era impossível ver as canoas das picadas que habitualmente percorríamos de e para Mato de Cão; as gentes de Madina apagavam as marcas dos pés com folhas de árvore, os caminhos só eram usados quando faltava a rocha. Eles tinham atravessado para cá com as suas presas, não tinham tido ainda ensejo de voltar à pilhagem. Do lado dos Nhabijões, em frente a Gambana, encontrou-se uma canoa e vestígios de pontos de ancoragem. No dia seguinte, repetimos a operação em Saliquinhé, com idênticos resultados. Provisoriamente, as gentes de Madina tinham perdido a sua armada no Geba estreito. Para os lados de Enxalé, a questão era bem diferente, como se sabia do antecedente: vindos de lá do Morés, mesmo com o apoio de gentes de Madina/Belel, era entre Enxalé e Porto Gole se atravessavam peças de artilharia e mantimentos, tudo feito com a maior das discrições e pouco sobressalto, já que os patrulhamentos eram praticamente inexistentes.

Dentro em breve, irá começar o reordenamento dos Nhabijões, onde colaborámos, a partir do momento em que passámos à intervenção em Bambadinca. A armada de Madina nunca desapareceu, mudou de portos, adoptaram-se outras atitudes, era impossível destruir as cumplicidades do sangue.


Confissões íntimas de Queta Baldé

Pedi ao Queta para conversarmos sobre diferentes assuntos, desde o colapso nervoso do furriel Casanova até à nossa transferência para Bambadinca. O Queta que é tão meticuloso, incapaz de subverter assuntos, hoje pega em pontas distantes e vai-me avisando:
-Nosso alfero vai ouvir coisas que até agora não tive coragem para lhe dizer, nem a mim próprio.

Olhando-me bem nos olhos, tomando fôlego e compassando as frases do discurso, Queta confessa-se:
-Todos tínhamos medo, era uma questão de domínio ou da vontade de Deus. No Burontoni, em 1967, vi um soldado ficar maluco quando um camarada morreu à sua frente. O nosso alfero Azevedo ficou paralisado e nunca mais deu ordens quando o nosso bazuqueiro Mário Adulai Camará morreu em combate. O furriel Casanova estava muito cansado, via-se que não era um problema de coragem, o seu coração já não estava em Missirá, era a vontade de Deus. E um dia os nervos cederam, ele sentia que não tinha nada a dizer-nos, e por isso partiu doente e todos percebemos que nosso alfero ficara numa grande tristeza, com mais coisas para fazer. A guerra faz uma grande pressão, não é a nossa maneira de viver natural, nós às vezes julgamos que Deus nos põe à prova com sacrifícios que o corpo não pode aguentar. Então gritamos e fazemos disparates, já não queremos combater mais, não se pode resistir ao sofrimento. Passados estes anos todos, já não tenho a certeza do que é ser herói ou ter medo.

Capa do romance de Ilse Losa, Sob céus estranhos. Lisboa: Portugália. s/d. Capa de João da Câmara Leme.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Como está em maré de desabafos, Queta mostra perplexidade quando lhe volto a falar nas canoas escondidas nas margens do Geba, dá mesmo sinais de indignação:
-Eu sei que nosso alfero se recusa a acreditar que o PAIGC tinha aliados em Missirá e em Finete. Nunca aceitou que aquelas pequenas flagelações dos meses de Setembro, Outubro e Novembro eram só para o intimidar, aquele fogo sempre ao fim da tarde era combinado com os informadores. Durante o dia, havia pontos de encontro entre as patrulhas de Madina e os seus informadores no Cuor. Nem eu mesmo sabia que quando os civis diziam que iam visitar a família no Cossé ou iam a cerimónias ou aos choros, era tudo pretexto para passarem informações. Toda a gente tinha família no mato, pais, irmãos, gente do mesmo sangue que combatia nos dois lados. O PAIGC na verdade odiava os fulas pois nós éramos o povo que verdadeiramente os combateu. Por isso é que eles queriam a morte dos fulas.

Procuro desviar a conversa que ganha tons emotivos e proporções inquantificáveis e pergunto ao Queta porque é que o régulo Malã, naquele início de Outubro, quando soube que íamos partir , fora pedir ao comandante de Bambadinca para eu ficar no Cuor à frente de uma companhia de milícias, pedido extravagante, sabendo ele que existiam fortes laços entre mim e a malta do 52. A resposta de Queta não me deixou de surpreender:
- Malã e as populações do Cuor sabiam que era o Pel Caç Nat 54 quem ia para Missirá. Eles não gostavam desta tropa, pois no início de 1967 eram eles que estavam lá e não responderam ao ataque de Madina como devia ser. Nós os africanos tratamos os valentes como deuses, desprezamos quem não luta com toda a coragem. Mais tarde, Malã reconheceu que o 52 não podia estar mais tempo em Missirá e que aquele 54 era já um pelotão muito diferente do de 1967. Nós, no 52, também errámos, estávamos convencidos que íamos descansar para Bambadinca, afinal ficámos ainda muito pior!.

Combinei com Queta conversar para a semana sobre os preparativos da partida, os arranjos e as últimas obras, as conferências de material, as limpezas, as verificações de todos os livros de modo a passar a pasta para o Alves Correia sem faltas nem imprecisões graves. Como, felizmente, veio a acontecer.

Para além destes patrulhamentos, conto com a preciosa ajuda do Pires para deixarmos os livros das cargas e das contas em dia. Escrevo aos familiares do Casanova pedindo-lhes ajuda, ele está reticente a falar seja com quem for. A Cristina faz exames em Outubro, tudo parece estar a correr bem. Descobrimos de repente que o milícia Samba Embaló, vitimado pela a malária, está reduzido a pele e osso, teve que ser evacuado de helicóptero. As duas viaturas têm estado empanadas recuperaram subitamente a vontade de andar. Não tenho tempo de ir Bafatá saber do andamento da papelada indispensável ao casamento por procuração e, francamente, começo a estar empedernido diante de tanto correio que só traz desassossego e insídia. É agora que sinto que fraquejo, que estou abalado, suspendo no éter todos os meus compromissos para lá do oceano. Respondo com frenesim, convoco todas energias, é preciso deixar tudo feito, custe o que custar. Vou baixar as guardas à segurança, adoptarei comportamentos irresponsáveis. A resposta será dada com os amargores da mina anticarro, dentro de dias.

Capa do romance policial de Ellery Queen, O Crime da Raposa. Lisboa: Livros do Brasil, s/d. (Colecção Vampiro)de Cândido Costa Pinto

Capa do romance policial de E. C. Bentley, O último Caso de Trent. Lisboa Livros do Brasil, s/d. (Colecção Vamprio). Capa de Cândido Costa Pinto


Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Sob Céus Estranhos


Nunca tinha lido Ilse Losa, já ouvira falar dessa refugiada alemã que escapara à sanha e que escrevia histórias para crianças em língua portuguesa. Alguém me falara já de O Mundo em Que Vivi e Aqui Havia uma Casa. O romance Sob Céus Estranhos é sobretudo comovente pela a autenticidade que se pretende dar do judeu refugiado, da dignidade da sua sobrevivência, a sua capacidade de adaptação a pensar e agir em duas culturas distintas. Não sei qual é a dimensão autobiográfica do livro mas é impossível que este Josef Berger não seja uma réplica de Ilse Losa. Agarro-me a estes personagens do Porto, onde vai desembarcar Josef, as suas convenções de classe, a sua pobreza envergonhada, a pasmaceira das suas vidas. Josef vai resistir, dar aulas, escrever cartas comerciais, resistir à tentação de migrar para a América e casar com a Teresa. Quando termina o livro nasceu-lhes um filho que alterou tudo. Há uma pátria que ficou muito lá ao longe, na penumbra das recordações da infância e da adolescência. Este filho que acaba de nascer traz um apelo a novas raízes, até porque a guerra acabou, já nem há o pavor de que recomece a barbárie nazi, ao sonho de fazer uma editora, há amigos queridos, muitos outros pereceram nos fogos crematórios, é a Teresa e o nosso filho que nos lançam à procura de um outro futuro, ao lançar de novas âncoras. Não vale a pena esconder, Josef acredita num novo futuro mas vive sobre céus estranhos. Romance pungente que não vou esquecer tão cedo.

E leio romances policiais, pois claro. Primeiro, O Crime da Raposa, por Ellery Queen. O famoso detective volta de novo a Wrightsville para decifrar um crime que ocorreu há doze anos atrás e que se virá a descobrir que onde os homens consideram ter havido um crime não passara de um acidente. É Ellery Queen no seu melhor, voltando ao passado, reabrindo feridas de amores desavindos, denunciando mentiras e pequenas infâmias, reabilitando um falso culpado.

Aproveitei para reler O Último Caso de Trent, por Edmund C. Bentley, que muitos consideram ser o primeiro policial com estatuto de obra clássica, no séc. XX. Philip Trent é um jornalista e pintor que acidentalmente investiga casos policiais. Desta feita, é assassinado um multimilionário e tudo vai correr ao contrário da arquitectura do romance policial: o detective apaixona-se pela mulher do assassinado, ele que tantas dúvidas teve sobre o comportamento da senhora face aos meandros do homicídio; a sua previsão falha estrondosamente, ele julgara ter todas as provas contra o homicida, afinal o crime fora perpetrado por um seu grande amigo, que nunca estivera sob suspeita. Publicado em 1913, este romance é uma delícia, pela qualidade da prosa, pela virtuosidade com que se desenvolve a trama, e a espantosa surpresa do último acto.

São leituras a que me agarro para disfarçar a inquietação incontrolável da minha vida interior, da energia física levada à desmesura. Vem aí uma tragédia, eu não dou por nada. Parece que é assim em todas as guerras.

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Nota de L.G.:

(1) Vd.post anterior > 19 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2195: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (6): Hoje perdi o meu braço direito, o Casanova

Guiné 63/74 - P2217: Breve história do BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, Jolmete, Olossato, Bissorã, 1968/70 (Albino Silva)

Albino Silva (1),
ex-Soldado Maqueiro,
CCS/BCAÇ 2845,
Teixeira Pinto,
1968/70





Breve história do BCAÇ 2845

Depois de ter terminado o IAO em Santa Margarida, no dia 1 de Maio de 1968, o BCAÇ 2845 deixava este Campo Militar cerca da 1h00 da madrugada. Partimos de comboio para Lisboa e chegámos às 6h00 à Gare Marítima de Alcântara, onde já se encontravam muitos familiares e amigos para darem um abraço de despedida.

Depois de realizado o desfile perante as autoridades presentes, o Batalhão entrou no N/N Niassa.

Eram já 9h00 da manhã quando foram soltas as amarras do navio e este começou a afastar-se do cais suavemente, iniciando a descida no Tejo.


Brasão do BCAÇ 2845, cujo lema foi: Sempre Excelentes e Valorosos


Entre lenços brancos e gritos íamos assim deixando nossos familiares e amigos, e pouco tempo depois já em pleno Atlântico, só pensávamos naquilo que nos aguardava que era a Guiné.

Depois de uma viagem de cerca de 5 dias sulcando os mares, na espectativa de chegar breve ao destino, o N/N Niassa, arvorado em T/T, chegou finalmente ao largo de Bissau pelas 20h00 do dia 6 de Maio de 1968.

Após a chegada, o pessoal do Comando da CCS e da CCAÇ 2366 foi transbordado com as suas bagagens para a LDG Alfange que fez o transporte para Teixeira Pinto, onde desembarcou numa manhã cheia de luminosidade, com fé e esperança na alma, no dia 7 de Maio.

Em 8 de Maio de 1968, entrou o BCAÇ 2845 em Sector, tomando à sua responsabilidade uma vasta área situada no Noroeste da Província, designada militarmente por Sector 01A, até então confiada ao BCAÇ 1911. Nesse mesmo dia foram apresentados ao comando os cumprimentos de boas vindas, por parte das autoridades locais e população de Teixeira Pinto.

Recebeu o BCAÇ 2845 as seguintes Subunidades em Sector: CCAÇ 1622, CCAÇ 1681, CCAÇ 1682, CCAÇ 2313, Pel AML 1143, 05 Pelotões de Milícias e o PEL CAÇ NAT 58, localizados conforme o dispositivo adiante referido.

Por sua vez, as CCAÇ 2367 e CCAÇ 2368 do BCAÇ 2845 desembarcaram em Bissau no dia 7 de Maio 1968, ficando a última instalada durante alguns dias no Aquartelamento de Santa Luzia. A CCAÇ 2367 na data do desembarque seguiu em coluna auto para o Olossato a fim de fazer o treino operacional, onde posteriormente entrou em quadrícula.

Junto do Batalhão em Teixeira Pinto, para treino operacional, apenas ficou a CCAÇ 2366 que, em 5 de Junho de 1968, seguiu em escolta para Jolmete a fim de render a CCAÇ 1622.

A CCAÇ 2368 estacionada em Bissau após o desembarque, marchou por via marítima para o Cacheu, onde chegou a 16 de Maio, a fim de iniciar o treino operacional neste Sector, seguindo posteriormente para Bissorã.

De referir que não houve período de sobreposição para o Comando do Batalhão, tendo o BCAÇ 1911 regressado a Bissau em 8 de Maio, utilizando o mesmo transporte que nos trouxe até Teixeira Pinto, ou seja a LDG Alfange.

Para efeito de controle operacional o Batalhão ficou subordinado ao Agrupamento 2952, instalado em Mansoa.

Limites: O Sector 01A, foi confiado à responsabilidade do BCAÇ 2845 em 7 de Maio.
Situado na parte Noroeste da Província, é delimitado a Norte pelo Rio Cacheu, a Leste pelo limite do Sector 01 (Rio Ponate-Limite de Regulado-Rio Cajagal-Rio de Có-Rio Mansoa) e a Sul pelo Canal do Geba (Ilha de Bissau) e Rio Mansoa e a Oeste pelo Oceano Atlântico.
As Ilhas de Jeta e Pecixe fazem parte da Z.A. atribuída ao BCAÇ 2845, embora nelas não se encontre tropa estacionada.

Comando do BCAÇ 2845

Ten Cor José Martiniano Moreno Gonçalves - Comandante
Ten Cor Aristides Américo de Araújo Pinheiro - Comandante
Major Inf Guilhermino Nogueira Rocha - 2.º Comandante
Major Inf José Pedro Milheiriço Eitor Marques - Of Op Inf
Cap Inf Nelson João dos Santos - Of Pes Reab
Alf do QSG Manuel Joaquim Paulo Dias - Chefe de Secção
Alf Mil Médico Fernando António Maymon Martins
Alf Mil António dos Santos Ferreira - Of Transm
Alf Mil José Manuel Bessa Leite Faria - Of Man Mat
Alf Mil Mário Moreira da Silva Lamares - Chefe da Cont
Alf Mil Dinis Eduardo Lemos V. Corais - Tesoureiro do CA
Alf Mil Máximino José Vaz da Cunha - Médico
Alf Mil José Luis Pinto Bessa de Melo - Médico
Alf Grad Francisco da Costa e Silva - Capelão
Sarg Ajud António Maria Mano - Aux.Secret.

Distribuição da População por Etnias

Sem existir um censo rigoroso da População, os habitantes do "Chão Manjaco", distribuem-se mais ou menos, como se segue:

Manjacos...46.000
Brames (Mancanhas)...6.000
Balantas ...5.000
Felupes...500
Outra Etnias...2.500


Área de maior concentração demográfica (Habitantes)

Costa de Baixo - Teixeira Pinto - 15.000
Caió - Pecixe - 10.000
Canhobe - Tame - 8.000
Bassarel - Calequisse - 6.000
Có - 5.000
Pelundo - 4.000

Albino Silva
Ex-Sold Maqueiro
CCS/BCAÇ 2845
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Nota do co-editor CV:

(1) Vd. Post de 13 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2168: Tabanca Grande (36): Apresenta-se Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro (CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70)

Guiné 63/74 - P2216: Os nossos vídeos (1): Feliz Natal e até ao meu regresso (Tino Neves)

Download:
FLVMP43GP


Guiné > Bissau > Natal de 1970 > O Com-Chefe, General António Spínola, desejando festas felizes aos seus homens e às suas famílias, bem como aos antigos combatentes da Guiné. Para Spínola, era o seu terceiro Natal, passado na Guiné.

Vídeo: 1 m 39 ss. Alojado no You Tube > Nhabijoes



Download:
FLVMP43GP



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Natal de 1970 > o 1º Cabo Escriturário Constantino Neves falando para as câmaras da RTP.Vídeo: 23 ss. Alojado no You Tube > Nhabijoes Vídeos: © Tino Neves / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

(Nota dos editores: um especial agradecimento ao Rui Gonçalves, filho do nosso camarada Gabriel Gonçalves, que fez a conversão dos ficheiros.wav do Tino Neves e colocou os filmes, à nossa disposição, no You Tube).

1. Mensagem do Tino Neves:

Camarada Luís:

Aqui te envio os 2 vídeos de que te falei [, no dia da estreia do fime As Duas Faces da Guerra, na Culturgest], sobre as mensagens de Natal do ano de 1970.

O primeiro é o General António de Spinola, que faz a entrada na reportagem da RTP, desejando um bom Natal a todos os militares, incluindo a Marinha e a FAP, que combatiam ou combateram na Guiné.

O vídeo original tem cerca de 30 minutos, com as mensagens recolhidas no Aquartelamento de Nova Lamego (velho), em que se incluem as mensagens do Comandante do Batalhão de Caçadores 2893, o Exmo Sr Ten Cor(na altura) Fernando Carneiro de Magalhães, e do Cmdt da CCS, o Sr Capitão Miliciano Herlânder Loureiro Rodrigues, no final de todos os outros. Só envio apenas o meu pequeno registo.
Trata-se, pois, de um extracto da cassete de vídeo, que eu comprei à RTP.

Nota: Tinhamos acabado de há 2 ou 3 semanas atrás, no dia 15 de Novembro de 1970, de ser flagelados - estória essa já publicada no blogue (1). Nesse ataque houve bastantes mortos e feridos, na sua maioria civis, mas também 2 militares, da minha Companhia, a CCS, além do Sargento Cabo Verdiano Enfermeiro Cipriano, pertencente a Canjadude ( CCAÇ 5, os Gatos Negros, companhia do camarada José Martins) (2).
Esta acção do IN tinha sido noticiada na Metropole, em títulos de caixa alta ("Chacina em Nova Lamego - Guiné"). Daí nós, ao vermos os reporteres da RTP, pensarmos logo que isso seria para mostrar, em Lisboa, que apesar da flagelação estavamos todos bem.

Luís, como te tinha dito, envio-te já os videos, mas fica ao teu critério a data da sua edição.

Um abraço a todos

Tino Neves
Almada
2. Esclarecimento posterior do José Martins:
Caro Tino

Li o post 2216 de hoje. O 2º Sargento Miliciano Enfermeiro Cipriano Mendes Pereira, que prestou serviço durante mais de dois anos na CCAÇ 5 - Gatos Pretos, quando morreu estava colocado posteriormente no Hospital Militar 241 em Bissau. Não era Cabo Verdiano. Era Guinéu, da etnia Manjaca.

Ver post 839 de 04JUN06

Um abraço

José Martins

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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1160: Lembranças de Nova Lamego (Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893): A fatídica noite de 15 de Novembro de 1970
(...) Nesse dia fatídico, fazíamos um ano que tínhamos embarcado, na Rocha Conde de Óbidos, no navio Uíge. O nosso Comandante resolveu fazer uma festa, em comemoração desse dia, convidando um Oficial, um Sargento e um Praça em representação dos aquartelamentos mais próximos, pois, para além dum jantar melhorado para todos os presentes, também foi organizada uma festa de variedades no edifício do cinema da vila.
Como é natural, festa que se preze, não pode prescindir de um momento de fogo de artifício... Apesar de ninguém ter pensado e esperado que isso acontecesse, tivemos uma visita inesperada: sem que fossem convidados, os Turras vieram contribuir com a sua parte (...).

(2) Vd. post de 4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P839: O valente Sargento Enfermeiro Cipriano, da CCAÇ 5, morto em Nova Lamego (José Martins)
O Sargento era manjaco e não caboverdiano (L.G.).
(...) Elementos recolhidos da História da CCaç 5 – Gatos Pretos – Canjadude. Pesquisa e compilação de José Martins – Fur Mil Tms Inf (1968/1970)
Cipriano Mendes Pereira, 2º Sargento Enfermeiro, número mecanográfico 82034859, já se encontrava ao serviço da Companhia em finais de 1969, tendo assumindo as funções de Comandante da Secção de Saúde.
Além das actividades inerentes à sua função, colaborou na construção do edifício destinado a Posto de Socorros e Enfermaria. Foi também professor das escolas primárias das crianças que residiam na povoação.
Foi abatido ao efectivo da Unidade em 10 de Outubro de 1970 por ter sido transferido para o Hospital Militar 241 / CTIG, em Bissau.
Veio a falecer em 16 de Novembro de 1970, em consequência da flagelação a Nova Lamego. [ A esposa também morreu, tendo ambos sido atingidos por um morteiro que caiu no quintal da casa; deixaram duas crianças órfãs].
O filho do sargento Cipriano é hoje oficial do Exército da Guiné-Bissau, provavelmente já com a patente de Major ou Tenente-Coronel. (...).

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2215: Cusa di nos terra (11): Suzana, Chão Felupe - Parte VI: Princípio e fim de vida (Luís Fonseca)

Guiné> Região do Cacheu> Susana> Vista aérea do Aquartelamento

Foto: © Major J.Mateus (BCAV 3846) (2007). Direitos reservados

1. Em mensagem do dia 22 de Outubro de 2007, o nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73), enviou-nos a VI Parte de Suzana, Chão Felupe (1).

Caros camaradas
As minhas notas anteriores disseram respeito ao Casamento.
Agora é a vez da sequência lógica: Princípio e Fim da Vida.

2. Comecemos pelo "Princípio".

Quando uma mulher engravida, a sua actividade sexual é interrompida até que nasça a criança. O mesmo não acontece nas suas actividades normais, mesmo as mais pesadas, que se prolongam práticamente até ao acto de parir.

Existem alguns tabus, quanto ao nascimento. O costume é a mulher prestes a dar à luz ir para um local reservado da tabanca (maternidade?). Ela é semi-despida na entrada do local, sendo as suas roupas abandonadas no exterior para depois serem removidas e queimadas.

O marido não é informado desta deslocação, nem tão pouco do seu estado de saúde ou do sexo do bébé, até que a mãe volte para casa com a criança.

A mãe e o filho apenas podem aparecer em público quando o cordão umbilical cair e, para tal aparecimento, ambos terão a cabeça rapada.

Se a criança nascer morta ou morrer antes da apresentação pública, o seu corpo é enterrado sem qualquer cerimónia especial e o pai é informado de que não nasceu filho algum.

Se a mãe morrer durante o parto, o seu corpo é levado para casa tendo lugar uma cerimónia pública.


Fim de vida

Quando morre um Felupe, o seu corpo é enterrado, no máximo, no fim do dia seguinte ao falecimento. Toques de bombolom são o meio utilizado para anunciar o acontecimento e todos os que podem interrompem o seu trabalho para visitar a família do falecido, cujo corpo é lavado, vestido e exposto.

O toque de bombolom era utilizado para este fim e muitos outros, embora para o meu ouvido, habituado aos Beatles e aos Rolling Stones, o toque fosse sempre igual. Só para o fim da comissão é que comecei a detectar algumas (poucas) diferenças.
Se o morto é um adulto, todos, exceptuando os familiares dançam. Quem não tem vontade ou não quer ou não pode dançar, canta. O corpo é envolto em panos e depois numa esteira sendo levado ao terreiro da dança.

Para os Felupes a morte de um adulto é um sinal de que o Emitai havia decidido que o seu ciclo de passagem terrena tinha sido concluído. Daí haver lugar a Ronco (festa), podendo ser morto um animal em honra do defunto.

Se pelo contrário, a morte for de uma criança ou adolescente, incluindo mulher nova mas casada, haverá lugar para Choro, que será de dois dias se se tratar de um recém -nascido.

Tive a oportunidade de assistir a alguns. O choque foi grande, mormente no primeiro. Devo dizer, por ser verdade, que não estava preparado para aquele tipo de cerimónias, muito embora estivesse avisado do que se iria desenrolar.

A presença de militares graduados era, desde que suficientemente discreta, considerada uma honra para a família. Não me apercebi em qualquer das situações da presença de outras etnias, embora vizinhos.

No primeiro funeral, em Bujim, a falecida foi colocada sentada sob o maior poilão da tabanca, vestida com pano novo, que pode ser substituído pelo pano que ela mais gostava em vida, nada diferente do que se passa em muitos dos funerais realizados nas nossas terras.

O tempo do funeral é, se possível, de um dia solar. Durante todo esse tempo um pequeno grupo de mulheres roda em circulo, no sentido contrário ao ponteiro do relógio, para os Felupes no sentido do ocaso para o nascer do sol. Um outro circulo exterior ao referido e com um número mais elevado de mulheres roda no sentido oposto.

Todas as mulheres pertencem à família da falecida, à tabanca onde tinha morança ou eram amigas da família. O significado, tal como me foi explicado, é bem simples. O circulo interior (menor número de mulheres) representará a morte, o retrocesso. O circulo maior, exterior, representa a vida, o seu contínuo avanço, a vitória. E a vida leva sempre a melhor.

Existe uma diferença significativa entre um Choro de um recém-nascido e o de uma criança ou adolescente. A diferença é que no do recém-nascido não existem circulos de mulheres, aparecendo apenas os familiares e amigos com a cabeça coberta de lama, sinal de luto.

Devem situar-se, normalmente, na periferia do terreiro onde se realizam as cerimónias do funeral.

O tumulo é circular, alargando abaixo da superfície. Foi-me referido que a posição final seria a sentado na posição de nascimento (posição fetal). Foi-me impossível confirmar tal facto, bem como se acompanham o morto quaisquer objectos ou alimentação, embora tal me fosse sugerido.

Foto 1> Túmulo circular Felupe

Foto 2> Familiares de Felupe falecido


Tudo o que tenho escrito corre o risco de não corresponder à total realidade.

Os motivos são vários e podem ir da minha falta de percepção até erros de tradução fortuitos ou involuntários.

Devo acrescentar que a jornalista Isabel Silva Costa, fez um óptimo trabalho em meados dos anos 90, do século passado, exactamente sobre o funeral de Mulher Grande na etnia felupe.

Por hoje terminado
Kassumai
Luis Fonseca
ex-Fur Mil Trms
CCAV 3366

Texto e fotos: © Luís Fonseca (2007). Direitos reservados)
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Nota do co-editor CV:

(1) Vd. Posts anteriores desta série:

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luís Fonseca)

31 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luís Fonseca)

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luís Fonseca)

16 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luís Fonseca

6 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2156: Cusa di nos terra (10): Susana, Chão Felupe - Parte V: Casamento (Luís Fonseca)

Guiné 63/74 - P2214: Historiografia de uma guerra (1): A questão (polémica) do início da luta armada (Abreu dos Santos)

Guiné > Região de Quínara > Buba > Fevereiro de 1968 > Uma das famosas imagens que ilustram o livro de Basil Davidson, Liberation of Guine (*). Segundo a legenda original, trata-se de um ataque do PAIGC ao ao aquartelamento de Buba. À direita, vê-se Lando Mané, comandante de um bri-grupo. Foto: World in Action, Granada TV (com a devida vénia...).

Vd. sítio criado por Brad Sigal, City College, New York, em Abril de 1999 > Amilcar Cabral and the Revolution In Guinea-Bissau


1. Mensagem, com data de 20 de Outubro de 2007, do nosso leitor Abreu dos Santos, que é um estudioso da guerra do Utramar, e amigo de ex-combatentes que fizeram a guerra da Guiné (**).

Boa tarde, Luís Graça:

No que respeita ao post 2190, editado por Virgínio Briote e por si publicado em 18 de Outubro de 2007 (***): as fontes que desde há décadas referem como início da «luta armada do PAIGC», um ataque ao quartel de Tite no dia 23 de Janeiro de 1963, em meu entender são equívocas, porque uníssonas. Provêm todas do PAIGC, ora reproduzidas por jornalistas (como por exemplo Basil Davidson), ora por historiadores (como por exemplo Norrie MacQueen) que se radicam em "história oral" e bibliografia da(s) mesma(s) origem(s).

Certo que, se à época do conflito armado, todas as armas eram admissíveis, entre elas a informação e a contra-informação, a agit-prop de um lado (as NT) e do outro (o IN), o empolamento das vitórias de uns era (e ainda é em conflitos vários) considerado estrondosa derrota por parte dos outros, etc., etc., não parece curial mantermo-nos, nós, portugueses, sujeitos a estórias "escritas pelos vencedores".

O modesto contributo que anexo – e que deixo à sua consideração para publicação –, constitui brevíssimo extracto de pesquisa pessoal há largos anos desenvolvida (e ab initio não limitada ao TO da Guiné). A fixação de texto, a que corresponde o anexo extractado (referente ao dia 23 de Janeiro de 1963), está desde 12 de Agosto de 2002 consolidada e, de então ao presente, não obtive quaisquer outras informações, fidedignas, que obrigassem a alterar o conteúdo.

(Considerando a lembrança da efeméride haver sido no foranada recém-recordada por Virgínio Briote, vai este e-mail reendereçado para conhecimento àquele co-editor).

Breve contributo para uma historiografia da Guerra na Guiné - (anexo ficheiro Guinala.doc)

Saudações cordiais,
do
Abreu dos Santos

2. Breve contributo para uma historiografia da Guerra na Guiné
por Abreu dos Santos

1963 – Janeiro.23 (4ª feira)

Em Conackry, o presidente Sekou Touré ordena o encerramento de todos os centros culturais estrangeiros e a submissão de todas as publicações estrangeiras à aprovação do directório do seu PDG (partido único), continuando uma parte do comité central do PAIGC enclausurada em Camp Boiro.

Por essa ocasião no sudoeste da vizinha Guiné, em desforço pela detenção de parte do seu comité central, um dos primeiros grupos (1) do PAIGC infiltrados procura desesperadamente lançar «a luta armada»: sob a chefia de Arafan Mané e armados com AK-47, Simonov, PPSH e um lança-rockets RPG-7, preparam em vésperas de lua-nova um ataque nocturno ao destacamento militar instalado em Budon no armazém de mancarra da Companhia Comercial Ultramarina. Para aquele efeito e sob orientação do guia balanta Diallo, na picada Guinala-Buba montam uma emboscada à patrulha que habitualmente ao entardecer regressa àquele acantonamento, causando-lhe 2 mortos (2) e 5 feridos; mas uma parte da guarnição da CCAÇ 152 desloca-se rapidamente ao local, repele o grupo terrorista e recolhe os mortos e feridos, voltando para o aquartelamento que não chega a ser atacado.

– «Houve uma fase preliminar de um ano e meio de “acções directas”, designadamente actos de sabotagem e desobediência civil, que coincidiu com um período de intensa mobilização política entre os camponeses do sul do país, levada a efeito pelos quadros do PAIGC que estavam fixados ao longo da fronteira com a Guiné-Conackry. [...] A fase militar [!?] da campanha do PAIGC começou a 23 de Janeiro de 1963 com o ataque [!?](3) ao aquartelamento português de Tite [!?], no sul [!?] do território.» (4)

– «A guerra começou com a dimensão mais fruste: actos esporádicos de sabotagem de pequena dimensão e significado. Osvaldo Vieira descreve (5) deste modo o primeiro [!?](6) desses actos: “Tínhamos 3 armas e éramos 10. Fizemos uma emboscada a 3 veículos deles e matamos-lhe 7 homens. Capturámos 8 armas”.» (7)

– «Sabedores de que grande parte da direcção está presa em Conackry, alguns combatentes que se encontram no interior da Guiné decidem-se pelo salto em frente: em 23 de Janeiro de 63, atacam um quartel [!?] do Exército português, em Tite [i.e, no sul da circunscrição administrativa de Fulacunda]. Esta acção, de raiva e desespero, conduzida mais pelo coração do que pela razão, tem um duplo efeito. Por um lado, como há-de assinalar Luís Cabral, convence Sekou Touré “que o combate continuava e que as armas que tinham transitado clandestinamente por Conackry começavam a dar os seus frutos”; a consequência, é a libertação dos detidos. Por outro lado, marca o início [!?] da luta armada e da guerra [i.e, guerrilha] contra Portugal.» (8).

3. Comentário de L.G.:

Agradeço ao Abreu dos Santos as suas notas (eruditas) sobre a polémica questão do início da guerra... Concordámos em publicá-las, autonomamente, em post dele e num nova rubrica a que eu vou chamar Historiografia de uma Guerra... e que fica à espera dos contributos de todos os amigos e camaradas da Guiné que, de uma maneira ou de outra, acompanham a investigação (historiográfica, jornalística, militar, sociológica, etc,) sobre a guerra de 1963/74.

O nosso blogue não tem propriamente uma vocação académica (logo, elitista), mas acolhe com todo o gosto e interesse o contributo dos estudiosos da guerra da Guiné, como o Abreu dos Santos... Temos já, inclusive, publicado textos de investigação historiográfica original, como por exemplo, os do historiador e nosso tertuliano Leopoldo Amado (que - aproveito para o dizer em primeira mão - irá em princípio publicar, proximamente, em livro, uma versão mais ligeira da sua tese de doutoramento, na editora Campo das Letras, Porto).

Registo aqui a posição do Abreu dos Santos sobre a minha sugestão editorial: "Acabo de ler a sua resposta, que agradeço, e bem assim o acolhimento que entendeu proporcionar a perspectivas diversas. Anteriores esclarecimentos mútuos, directos e indirectos, levam-me a poder considerar que, ambos, prosseguimos numa busca pela verdade, histórica e independente da formação académica e das particulares inclinações de cada qual".
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Notas de L.G.:

(*) Há tradução portuguesa: DAVIDSON, Basil > A libertação da Guiné / Basil Davidson ; trad. António Neves Pedro. Lisboa : Sá da Costa, 1975. 209 pp.

Fonte: Mémória de África

(**) Vd. post de 17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2185: Álbum das Glórias (31): 13 brancos maduros do Puto em almoço de homenagem a Marcelino da Mata (Abreu dos Santos)

(***) Vd. post de 18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC: Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)
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Notas de Abreu dos Santos:

(1) Treinados em Nanquim, com inspiração na guerrilha norte-vietnamita e apoio logístico de Conackry, tendo sido o primeiro armamento e munições doado pela URSS, China, Checoslováquia, Argélia, Coreia do Norte, Jugoslávia, Alemanha Oriental e Cuba.

(2) Veríssimo Godinho Ramos (nat freg. Vale de Cavalos, conc. Chamusca), soldado, mobilizado pelo RI6-Porto e integrado no BCAÇ 237 (sediado em Tite), a 7 meses do final da comissão; e Bajo Sambu (nat. Empada, circunscrição de Fulacunda), chefe de cipaios, mobilizado pelo CTIG como guia civil, a título póstumo agraciado com uma Cruz de Guerra de 4ª classe);

(3) Hão houve, de facto, ataque a quartel algum nesta data; a primeira tentativa de assalto verifica-se no destacamento de Salancaur-Cul (17km NE Bedanda) em 6 de Fevereiro de 1963, exactamente uma semana depois, com recurso a cerca de 200 balantas sem quaisquer armas de fogo; desse ataque, resultam 2 mortos e 3 feridos nas NT.

(4) Norrie MacQueen, in "A Descolonização da África Portuguesa - A revolução metropolitana e a dissolução do Império", pp.59 e 45 (Editorial Inquérito, Lisboa, Junho 1998).

(5) a Basil Davidson; cit in "A política da luta armada - Libertação Nacional", pp.58 (ed. Caminho, Lisboa, 1979).

(6) a 1ª acção armada na Guiné, tentada contra tropas portuguesas, havia sido levada a efeito junto à fronteira noroeste em 21 de Julho de 1961, por dissidentes do FLGC [

(7) António de Almeida Santos, in "Quase memórias", vol.II pp.8 (ed. Círculo de Leitores, Lisboa, Setembro 2006).

(8) José Pedro Castanheira, in "Quem mandou matar Amílcar Cabral?", pp.42 (ed. Relógio d'Água, Lisboa, 18 de Abril de 1995).

Guiné 63/74 – P2213: Dando a mão à palmatória (2): Rui Fernandes, o fotógrafo do pintor Augusto Trigo (Virgínio Briote)





Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > 2007 > Antigo restaurante e café, hoje em ruínas. O painel Luta Felupe é da autoria do artista guineense Augusto Trigo, que vive em Portugal. A foto é de Rui Fernandes, nosso prezado leitor.

Fotos: © Rui Fernandes (2007). Direitos reservados

1. Mensagem de Rui Fernandes, com data de 25 de Outubro último, enviada ao editor do blogue:

Exmo Dr Luís Graça:

Desde há vários dias que ando para lhe escrever sobre um artigo saído no blogue, sobre o artista Augusto Trigo (1). Somente agora tenho essa oportunidade.

Foi com satisfação que li este artigo sobre o autor de várias pinturas e painéis, algumas das quais se encontram na Guiné-Bissau, seu país natal, principalmente em Bissau.

Achei estranho, no entanto, não ser em lado nenhum referida a fonte das mesmas. Desde há cerca de dois anos e meio que sou leitor assíduo do blogue e sempre verifiquei a identificação do autor das fotos, muitas das quais com a indicação de direitos reservados.

As fotos agora divulgadas - embora fique bem assente que em nada estou contra, antes pelo contrário, julgo o artista ser merecedor deste singelo tributo - , deveriam referir terem sido retiradas do sítio AD-Bissau.

Fui eu o autor das mesmas e cedi-as à AD. Para algumas foi necessária a intervenção de terceiras pessoas para que me permitissem a obtenção das mesmas, tendo sido para duas delas o amigo Pepito.

O painel "Etnias da Guiné" encontra-se em Bissau, no Ministério do Comércio, organismo oficial.

O painel "Painel de 1977" e a "Paisagem" encontram-se, o primeiro na sala de reuniões de um Banco-BCAO e o outro num hall do mesmo, também em Bissau.

O painel que retrata o porto, encontra-se na Casa do Estivador, junto ao Forte da Amura.
Paisagem, de Augusto Trigo

O mural "Luta felupe" encontra-se numa parede de um ex-restaurante-café em Varela.

Etnias, de Augusto Trigo


Necessitei de cerca de 3 meses, nas horas vagas, para através de um programa de imagem recuperar digitalmente este mural. O edifício em que se encontra, está abandonado há anos e em avançado estado de degradação. Situado junto à falésia de Varela sofreu já a derrocada parcial do pátio devido à erosão marítima. A parede em que se encontra o mural está a abrir brechas e sofre a influência das chuvas devido a infiltração das mesmas através das falhas de telhas. Não tardará muito, sofrerá a derrocada final, com perda total deste património.

Sendo este blogue frequentado por elementos de várias profissões, penso que seria engraçado numa próxima ida à Guiné de alguém com experiência na matéria verificar da viabilidade de recuperação do mesmo. Não será fácil, penso eu, mas aqui fica uma dica.

Envio-lhe em anexo a foto original da qual recuperei este mural.

No site da AD encontram-se mais duas fotos:

(i) Tá-Mar- painel retratando uma imagem da Nazaré e localizado na sala de jantar do restaurante

(ii) Tá-Mar em Bissau-velho.

(iii) Ladrilhos- localizado num prédio de quem sai do edifício dos Correios pela esquerda da sua fachada, passa a lateral do Mercado Central e é no quarteirão a seguir depois do actual Bonjour (supermercado).

Com os meus cumprimentos,
Rui Fernandes


2. Comentário do co-editor vb:

As nossas desculpas ao Rui Fernandes pela omissão cometida. E os nossos agradecimentos pelo trabalho e o esforço que teve em trazer ao nosso conhecimento o Augusto Trigo, para muitos de nós, um artista guineense desconhecido. Oxalá surja algum mecenas, português ou guineense, que salve da morte anunciada o belíssimo painel Luta Felupe. O Rui terá sempre aqui um espaço, aberto, generoso, solidário, para divulgar e defender os artistas guineenses, nomenadamente os artistas plásticis. vb

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Nota de vb:

(1) Vd. post de 14 de Outubro de 2007
Guiné 63/74 - P2177: Artistas guineenses (1): Augusto Trigo, nascido em 1938, em Bolama

Guiné 63/74 - P2212: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (3): Portugueses da diáspora também querem ver (João G. Bonifácio)

1. Mensagem do nosso camarada João G. Bonifácio, que pertenceu à CCAÇ 2402 (1968/70) e vive hoje no Canadá (1):

Luís:

Olá! Os melhores cumprimentos. Não sei se alguém pode ajudar, mas aqui vai a minha questão. Há uns dias a RTP1 transmitiu no programa "Prós e Contras" a situação da chamada Guerra do Ultramar, para além de outros nomes que lhe chamaram.

Todos vós devem ter visto. Eu acompanhei no Canadá atraves da RTPi. No dia
16 foi iniciada a nova série, A Guerra (2), com um primeiro documentário, relacionado com o mesmo tema acima indicado.

Escrevi para a Dra Fátima e produção, com a intenção de saber se estes mesmos documentários poderiam ser mostrados, para além da RTP1 mas igualmente na RTPi. Até hoje não mereci qualquer resposta.

Lembrei-me de escrever, pois já somos muitos nesta Caserna, para saber se
alguém pode saber se estes documentarios serão passados na RTPi ou passados
a DVD. Nós, no estrangeiro, pouco ou nada merecemos.

Um abraço para todos vós e o meu obrigado.

Obrigado, Luís.

João Gomes Bonifácio
Ex-Fur Mil do SAM
CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851
, Mansabá, Olossato
1968/70

2. Comentário de L.G.:

A estreia da série semanal A Guerra (argumento e realização de Joaquim Furtado) foi auspiciosa para a RTP. De facto, foi o programa mais visto em 16 de Outubro, batendo os programas de entretenimento que, a essa hora (21h00), pasassavam na concorrência (SIC e TVi).

O programa registou um share de 32,9 e uma audiência média de 13,6, segundo os dados divulgados pela Marktest. O que quer dizer que foi visto por cerca de 1 milhão e 300 mil portugueses. Infelizmente, não chega aos portugueses da diáspora. Esta série, que levou - ao que parece - um decénio a fazer (!), merece chegar o mais longe possível. Apelamos aos amigos e camaradas da Guiné para façam saber isso aos responsáveis da estação pública. Nós, aqui, estamos solidários com os nossos camaradas que vivem no estrangeiro. Um abraço. L.G.

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Nota dos editores:

(1) Vd. post de:

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1331: Blogoterapia (9): Quando a Pátria não é Mátria para ti (João Bonifácio, Canadá, antigo vagomestre da CCAÇ 2402)

(...) Meu caro João /My dear John:

1. Fico muito sensibilizado com a tua mensagem… Eu sei que a Pátria não foi Mátria para ti, foi madrasta... E eu sou o primeiro a ser solidário contigo, eu que decidi ficar na terra que me viu nascer... Sei que isso não te vai servir de consolo, mas não imaginas o rol de reclamações que recebo neste pequeno canto da blogosfera!... Enfim, o importante é que hoje estejas bem, nesse grande país que eu admiro… Mas as tuas raízes, a tua identidade, o teu passado estão aqui, estão connosco… Nenhum de nós terá futuro, se não souber preservar e até alimentar o passado. A Guiné marcou-nos a todos, com o seu ferrete... Mas foi em português, na língua de Camões, que exprimimos os sentimentos mais nobres ou dissémos os palavrões mais horríveis. João: não adianta. Não se escolhe a Pátria, não se escolhem os pais nem os irmãos, não se escolhe a língua materna... Mas dessa ao menos eu tenho (e tu tens, nós temos) orgulho... É em português, e em bom português, que comunicamos na blogosfera, neste blogue, na nossa tertúlia, nesta caserna virtual onde todos cabemos, de Lisboa a Bissau, de Viana do Castelo a Toronto, de Coimbra a Luanda" (...)

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2211: O monumento da CCAÇ 1623, Canquelifá, 1966/68 (Francisco Palma, CCAV 2748, 1970/72)

Guiné > Zona Leste > Canquelifá > CCAV 2748 (1970/72) > O Francisco Palma posando junto ao brazão da CCAÇ 1623 (1966/68), na altura em belíssimo estado de conservação. O lema da CCAÇ 1623 era Vontade e Valor, como se pode ler.

Foto: Francisco Palma (2007). Direitos reservados

1. Mensagem do Francisco Palma:

Dr. Luís Graça , os meus respeitosos cumprimentos.

Os meus sinceros agradecimentos, em nome da CCAV 2748, Guiné 70-72 Canquelifá, pela divulgação dos nossos convívios, etc. (1)

Li, no seu blogue, e agora não consigo encontrar onde, que um ex-Combatente da CCAÇ 1623, Canquelifá 66-68, perguntava saber se o emir da sua Companhia ainda lá estaria.

Quando de lá saí , em Maio 1972, ainda lá ficou e junto da mesma tenho uma foto que anexo. Para que ele veja o bom estado de conservação [do brazão] naquela altura.

Atentamente
Francisco Palma

CCAV 2748
Canquelifá
1970/72

2. Comentário de L.G.:

Caro Francisco: Desculpa o atraso na publicação da tua mensagem. Obrigado pela foto e pela tua mensagem. Tens que me explicar, entretanto, o que é o emir... Confesso que desconhecia o uso do termo nesta acepção (monumento com as insígnias de uma unidade militar). Tu queres dizer braão, é isso ? Há aqui um lapsus linguae, coisa que acontece a qualquer um... Dá-nos mais notícias de Canquefilá e da malta com que conviveste. Um abraço. L.G.
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Nota de L.G.:

(1) Sobre esta unidade ver os seguintes posts:

10 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2093: Convívios (28): CCAV 2748, Canquelifá, 1970/72 (Francisco Palma)

7 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2035: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (José M. Martins)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2012: Em busca de... (7): Meu irmão, Guido de Ponte Brazão da Silva, alferes, morto em Canquelifá, em 1970 (Conceição Brazão)

Guiné 63/74 - P2210: Estórias avulsas (1): Soldado Clarim Serraninho (Ferreira Neto)

Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjabari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69).

Estórias avulsas (8) > Soldado Clarim Serraninho
por Ferreira Neto (1)

Esta aconteceu em Novembro de 1967, antes da nossa partida para a Guiné.

Em pleno treino operacional, algures nas imediações de Torres Novas, tínhamos o nosso acampamento montado com os toques de clarim, para marcar as diversas fases do decorrer do dia.

Tínhamos um Cabo Clarim e dois Soldados especialistas do mesmo instrumento. Só que o clarim Serraninho, de seu nome, era uma verdadeira nódoa no seu mister.

Era, no entanto, bem recebido o seu toque de alvorada, já que o dito soldado consumia-se para produzir o som conveniente e suficientemente afinado, para o identificar com o evento.

Era um gargarejar de sons, intercalados por pausas, soluços e provavelmente suspiros. Era um desunhanço tal que lhe permitia ser ouvido por todos nós que, muito bem dispostos, acordávamos.

Mas, não há bela sem senão, uma manhã o toque de alvorada não se fez ouvir, nem bem, nem mal.

Após a expectativa normal pela falta do nosso divertimento matinal, ouvimos gritos cuja intensidade aumentava e por fim tornaram-se perceptíveis. Eis o que ouvimos:
- Acordem, acordem todos, que já tocou a alvorada!

Fácil de entender, o Serraninho naquela manhã não tinha sequer conseguido arrancar um gemido ao seu clarim. Então, num momento de desespero por não conseguir cumprir a sua missão, lançou-se a correr, acampamento fora, nos termos atrás relatados.

Ferreira Neto
ex-Cap Mil
CART 2340
_______________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. Posts anteriores desta série:

9 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2168: Estórias avulsas (7): Cabra Maria (Ferreira Neto)

26 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2134: Estórias de vida (6): A minha convocação para o Curso de Capitães Milicianos (Ferreira Neto)

25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1875: Estórias avulsas (6): Há coisas na guerra que só se podem fazer com 'boa educação' (Joaquim Mexia Alves)

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1193: Estórias avulsas (4): O fantasma-cagão da 3ª Companhia do COM, EPI, Mafra, 1966 (A. Marques Lopes)

1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)

16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P2209: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (11): Um regresso emotivo ao passado (João Tunes)

1. Mensagem do nosso camarada João Tunes (ex-alf mil de transmissões, Pelundo e Catió, 1969/71) (1), enviada à Diana Andringa, com conhecimento aos nossoss editores, e que tomamos a liberdade de reproduzir aqui:

Cara senhora,

Assisti ontem, no cinema Londres, à exibição do documentário de que é co-autora com o Flora Gomes, sobre a guerra de libertação dos guineenses. Foi-me muito emotivo, para mais com a explêndida fruição estética do vosso filme, regredir quase 40 anos da minha vida a acontecimentos que marcaram o desperdício de dois daqueles que podiam, e deviam, ter sido dos melhores anos da minha juventude. A que se somou a dor e a contradição de já antes ser, e depois assim continuar (com maior convicção), um militante anti-colonial.

Já várias vezes tendo pensado e programado voltar a pisar o chão da Guiné ainda não o consegui fazer e a desistência já a tenho como adquirida. Voltei agora ao chão da Guiné através do vosso filme. E de que maneira! Tanto mais que nele passam locais onde estive (incluindo Guileje). Convosco fiz uma revisita que não consigo fazer através de presença física. Mas o cinema, o bom cinema, também para isso serve. Obrigado, pois.

À saída do Londres quis dizer-lhe isto, fazer-lhe este sincero discurso de agradecimento. Mas a comoção era tanta que só consegui soltar-lhe um sumido "obrigado" quando a cumprimentei. Fica aqui dito o que tinha para lhe dizer. E que está mais ou menos replicado aqui:

Água Lisa (6) > 21 de Outubro de 2007 > Cara e coroa de uma guerra que marciou a (nossa e deles) história

A sua obra jornalística e a sua militância por causas são méritos seus já consagrados. Parabéns pelo resultado de ter investido também o seu talento no campo do cinema. E está obrigada, por nós, os seus admiradores, a insistir com a máxima contumácia.

Aceite os melhores cumprimentos do
João Tunes

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2208: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (10): Dina Andringa comenta algumas das nossas críticas

Lisboa > DocLisboa2007 > Culturgest > Grande Auditório > 19 de Outubro de 2007 > Estreia do filme de Diana Andringa e Flora Gomes As Duas Faces da Guerra. Na imagem, os nossos camaradas A. Marques Lopes, Xico Allen, Álvaro Basto e esposa. Na fila a seguir, os coronéis na reforma Vasco Lourenço e Carlos Matos Gomes. A foto foi tirada pelo Helder de Sousa. À hora do início da sessão a sala (650 lugares) ficou cheia.

Lisboa > DocLisboa2007 > Culturgest > Hall > 19 de Outubro de 2007 > Estreia do filme de Diana Andringa e Flora Gomes As Duas Faces da Guerra. Na imagem, da esquerda para a direita: a esposa do Virgínio Briote, o Virgínio, o Inácio Silva e a esposa. De costas, o Mário Fitas.

Fotos: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.

1. Resposta da Diana Andringa a alguns dos comentários até agora produzidos por alguns de nós, os da Tabanca Grande:

(i) Escreve o Mário Fitas:

"Ainda sobre Guiledge, palavras do comandante Pedro Pires (3): Guerra é Guerra... Julgo que foi uma expressão pouco feliz de um homem com as suas responsabilidades."

Ora o comandante Pedro Pires - hoje Presidente da República de Cabo Verde - não diz isso. Sobre Guileje, diz que, se os portugueses ficassem no quartel, teriam de erguer bandeira branca. E que terem escolhido saír foi "a solução mais sábia".

"Guerra é guerra" é a frase de um guineense que vivia no quartel de Guilege, cuja irmã e avó foram mortas pelo PAIGC, respondendo à minha pergunta: "Estes homens foram os que dispararam sobre si, a sua irmã, a sua avó. E agora?" É aí que ele diz que "guerra é guerra", que os guineenses se dividiram em dois lados durante a guerra, mas agora a guerra acabou e são de novo uma família.

(ii) Escreve o Inácio Silva:

"Embora o filme não o refira, verificou-se, igualmente, o apoio dos nativos Guineenses às tropas portuguesas, muitos deles recebendo treino militar e integrando companhias de combate."

O filme refere. Na história atrás, contada por quem estava dentro do quartel, num filme de arquivo sobre a incorporação de nativos, nas declarações de Marques Lopes sobre as companhias africanas (e o seu pelotão de balantas), na referência à coragem (e à violência) dos comandos africanos, nas imagens...

Há, com certeza, muitas coisas que gostariam de ver no filme e não estão lá. Mas essa referência está lá.

Não está, é verdade, o que refere o Mário Fitas, " Um "D" que não foi tocado, a situação dos militares brancos e negros que serviram o Exército Português e cujos problemas se mantêm pior que há quarenta anos".

O documentário centra-se nos anos da guerra. Mas talvez que o lembrar dessa guerra - só no DocLisboa2007 passam 3 documentários que abordam a guerra colonial: além do nosso, o da Luísa Marinho sobre a história de José Bação Leal e um estrangeiro sobre os cubanos nas ex-colónias portuguesas e há a série Guerra, de Joaquim Furtado, na RTP - seja útil à resolução dos problemas dela derivados.

Saudações e obrigada a todos pelas críticas,

Diana Andringa

2. Resposta do Inácio Silva:

Cara Diana,
Caros Amigos e ex-camaradas:

As minhas desculpas por, no meu comentário, ter escrito: "Embora o filme não o refira, verificou-se, igualmente, o apoio dos nativos Guineenses às tropas portuguesas, muitos deles recebendo treino militar e integrando companhias de combate."

Na verdade, depois da Diana lembrar que: "O filme refere. Na história atrás, contada por quem estava dentro do quartel, num filme de arquivo sobre a incorporação de nativos, nas declarações de Marques Lopes sobre as companhias africanas (e o seu pelotão de balantas), na referência à coragem (e à violência) dos comandos africanos, nas imagens...", fico com uma ténue ideia de ter ouvido falar nisso...

Talvez pudesse colmatar a minha imprecisão com uma segunda passagem do filme, o que não aconteceu...

Aqui está uma prova de que só não erra quem não faz.

Os meus cumprimentos.

Inácio Silva
Guiné, Mansabá, CART 2732 (1970/72)

Guiné 63/74 - P2207: As Nossas Tropas - Quem foi quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril


Lisboa > DocLisboa2007 > Culturgest > 19 de Outubro de 2007 > Os coronéis na reforma Vasco Lourenço e A. Marques Lopes, na estreia do filme de Diana Andringa e Flora Gomes As Duas Faces da Guerra. Os dois tugas que estiveram na Guiné, e que participam neste filme, com os seus depoimentos sobre a experiência da guerra. Vasco Lourenço, que comandou a CCAÇ 2549 (1969/71), e foi um dos grandes capitães de Abril, é actualmente presidente da Direcção da Associação 25 de Abril. O nosso camarada e amigo A. Marques Lopes é um dos responsáveis pela Delegação Norte. Infelizmente, não temos nenhum representante da CCAÇ 2549 na nossa Tabanca Grande.

Foto: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.

Vasco Lourenço (n. 1942), comandante da CCAÇ 2549 (1969/71)

(i) Nasceu em 19 de Junho de 1942, em Lousa (Castelo Branco).

(ii) Ingressou na Academia Militar em 1960.

(iii) Após o tirocínio na EPI em Mafra, foi colocado no RI2 em Abrantes (1964), onde seria promovido a alferes.

(iv) Voltando à EPI em 1965, onde foi instrutor do Curso de Oficiais Milicianos (COM), foi transferido nesse mesmo ano para o RI5, nas Caldas da Rainha.

(v) Promovido a tenente (1966) e a capitão (1968), é mobilizado para a Guiné.

(vi) Na Guiné, comanda a CCAÇ 2549, integrada no BCAÇ 2879, nos anos de 1969/71.

(vii) Regressado da Guiné, foi colocado no BC5 em Lisboa.

(viii) Daí foi para o BRT onde adquiriu a especialidade de Criptólogo, em 1972.

(ix) Fundador do Movimento dos Capitães, coordenou a organização da sua primeira reunião, em 9 de Setembro de 1973.

(x) Membro da Direcção do Movimento dos Capitães e do Movimento das Forças Armadas (juntamente com Vítor Alves e Otelo Saraiva de Carvalho), onde era responsável pela ligação interna e pela área operacional.

(xi) Em 25 de Abril de 1974 encontrava-se colocado no QG da Zona Militar dos Açores, para onde seguira em 15 de Março desse ano, depois de um conturbado processo, que incluiu a oposição do Movimento dos Capitães à sua transferência, a simulação do seu rapto, a sua entrega às autoridades militares e a sua prisão na Casa de Reclusão da Trafaria (10 a 15 de Março).

(xii) Membro da Comissão Coordenadora do Programa do MFA; membro do Conselho de Estado; membro do Conselho dos 20; membro do Conselho da Revolução, durante toda a sua vigência, onde desempenhou a função de moderador das suas reuniões.

(xiii) Para além disso, foi também membro do Conselho da Arma de Infantaria.

(xiv) Desempenhou as funções de Porta-voz do Conselho de Estado, da Assembleia do Exército, da Assembleia do MFA, do Conselho dos 20 e do Conselho da Revolução.

(xv) Foi o primeiro subscritor do Documento dos Nove, em Agosto de 1975.

(xvi) Membro das Comissões que elaboraram os dois pactos MFA – Partidos.

(xvii) A sua nomeação para comandar a Região Militar de Lisboa desencadearia o 25 de Novembro de 1975.

(xviii) Manteve-se como Governador Militar de Lisboa e Comandante da Região Militar de Lisboa, de Novembro de 1975 a Abril de 1978 (para o efeito foi graduado em brigadeiro, 27 de Novembro de 1975, e em general, 11 de Agosto de 1976).

(xix) Nos finais de 1982, terminado o período de transição e extinto o Conselho da Revolução, regressou ao Exército, como major e foi colocado na Cheret, onde foi promovido a tenente-coronel (1984).

(xx) A seu pedido, passou à reserva em 1987; face à posterior alteração da legislação foi passado à reforma em 1994; ao abrigo da lei nº 43/99, foi promovido a coronel, em Abril de 2002, com antiguidade de 1990.

(xxi) Presidente da Comissão Organizadora do 25 de Abril – Dia da Liberdade, em 1979.

(xxii) Presidente da Comissão Instaladora da Associação 25 de Abril.

(xxiii) Obteve o curso de Defesa Nacional, em 1981.

(xxiv) Foi membro da Comissão Executiva das Comemorações Oficiais do 25º aniversário do 25 de Abril.

(xxv) É autor de dois livros: (i) No Regresso Vinham Todos (conta a experiência da guerra colonial na Guiné, em co-autoria com vários militares da CCAÇ 2549); (ii) MFA – Rosto do Povo (entrevista sobre o 25 de Abril de 1974, feita em princípios de 1975). (1)

(xxvi) Possui várias condecorações, de que se destacam a grã-cruz da Ordem da Liberdade e a grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

(xxvii) É casado e tem uma filha.

(xxviii) Presidente da Direcção da Associação 25 de Abril (desde a sua fundação em Outubro de 1982).

Fonte: Adapt. de Avenida da Liberdade > Vasco Lourenço (com a devida vénia...)

Vd. também:

Dossiê Expresso 25 de Abril > O puro dos puros, texto de Clara Ferreira Alves


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Nota dos editores

(1) Vd. post de 12 Julho 2005 > Guiné 69/71 - CV: Bibliografia de uma guerra (1) (Jorge Santos)

(...) Título: No Regresso Vinham Todos.
Autor: Vasco Lourenço.
Editor: Editorial Notícias.
Ano: 1978.
Resumo:

Mais do que a narração da guerra, este livro, escrito por um dos capitães de Abril, descreve-nos pequenos acontecimentos de uma comissão na guerra colonial, na Guiné (onde foi comandante da CCAÇ 2549), e sobretudo dá-nos conta das emoções, dos sentimentos, dos medos, dos passatempos, que passaram pela mente, pelo coração e pela vivência de um punhado de homens atirados para essa guerra.

No Regresso Vinham Todos é bem um testemunho da forma como a guerra colonial se desenrolou. A maioria dos portugueses que a ela eram obrigados, faziam-na com a ideia fixa no regresso, sãos e salvos, e nunca com a convicção da sua justeza e da sua razão de ser.

Guiné 63/74 - P2206: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (9): Saí do filme muito melhor comigo (Virgínio Briote)

Guiné > Bissau > 1965 > A equipa de comandos do Alf Mil Virgínio Briote desembarca do heli, pronto para a acção.

Foto: © Virgínio Briote (2006). Direitos reservados.

1. Com a autorização do co-editor Virgínio Briote (1), transcreve-se a seguir o mail que ele enviou à Diana Andringa, co-realizadora do filme "As Duas Faces da Guerra":


Gostei muito do vosso trabalho. Do seu e do Flora Gomes (2). Da Diana estou habituado a ver obras empenhadas, sem faltar ao rigor. Do Flora, vi dois filmes que passaram na RTP. Por isso, não foi surpresa, para mim, a qualidade que mostraram.
Das Duas Faces da Guerra, alguém pode dizer que é um trabalho de um face e meia. Porquê? Porque da nossa presença mostra apenas a face da guerra. Não mostra nada do outro trabalho que foi feito junto das populações. Casas, assistência médica, higiene, alimentação. Muitos dizem que em 11 anos de guerra se fez mais pela população que nos séculos anteriores. Mas esse facto também fazia parte da guerra. Fazia parte da chamada psico-social. Não digo aquela que era determinada pelas Neps militares. Era a que os nossos militares, localmente, podiam fazer por eles e para eles e que se estendia à população. Claro que isso não foi muito mostrado. Nem provavelmente era esse o objectivo do documentário e 1 hora e 40 minutos é 1h40', não dá para tudo.

O documentário é belo, saí da lá como gostaria de ter saído. Com mais paz dentro de mim e se fosse possível a gostar ainda mais daquela gente. Saí de lá em 1967. Pertenci a uma força ofensiva, quando íamos para o mato o nosso objectivo era destruir o então chamado IN.

Deixei a Guiné mal comigo. A odiar-me e a procurar esquecer a Guiné e aquelas gentes. Nos anos a seguir, envolvido na minha actividade profissional, quando alguém falava da guerra colonial, o assunto não me dizia respeito. Eu não queria lá ter estado, por isso eu não estive lá. Como se quisesse esconder de mim próprio o facto de ter lutado empenhadamente do lado errado.

Ver aquela gente falar sem rancor, aqueles a quem eu acordava de madrugada com tiros e granadas, foi uma lição para mim. Não me absolveu, mas como escrevo atrás saí de lá melhor comigo.
Que mais posso dizer, Diana? Que gostei, é tudo.

vb
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Nota do editor L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1943: Virgínio Briote, novo co-editor do blogue

Blogue do Virgínio Briote > Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas Guiné. Ir e voltar. 1965 e 1967. Histórias baseadas em factos reais, mas vistas por um certo olhar. Outras vistas por esse olhar e que mais ninguém viu . (Fevereiro de 2006 / Fevereiro de 2007).

Aqui fica um cheirinho de um dos blogues mais intimistas sobre a experiência, humana e operacional, de um oficial miliciano, comando, na Guiné...

Fevereiro 26, 2006

Um guia

22. TRADIÇÃO É PARA QUEBRAR TAMBÉM!

Tinha sido capturado numa emboscada que a tropa fizera junto a Mantida. Ouvira um tuga, branco de barba preta, dizer a outro, amarra o gajo, amarra-o já, eu vou-me àquele. Nem sentira as cordas que lhe prenderam nas mãos, que as pernas não precisavam. Deitaram-no numa maca, camisa e calças em sangue, atordoado, só se lembrara que caíra para trás, sem forças. Deram-lhe uma injecção, nem sentira, só vira a seringa na mão do soldado de cigarro na boca, cinza a cair por ele abaixo. Adormecera logo, mal o transporte arrancou. (...)


(2) Vd. post anteriores:

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2202: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (8): Voltei a Cufar e a chafurdar nas bolanhas e rios de maré (Mário Fitas)

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2200: A nossa Tabanca e As Duas Faces da Guerra (7): Comentário de Inácio Silva, da CART 2732, Mansabá, 1970/72

21 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2199: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (6): A crítica de Leopoldo Amado

21 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2198: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (5): Agradecimento de Diana Andringa

20 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)

19 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2196: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (3): Para a petite histoire do filme (Diana Andringa)

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2189: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (2): Febre de guerra ? Espero pelo filme em DVD (Torcato Mendonça)

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2187: A nossa Tabanca Grande e o filme As Duas Faces da Guerra (1): Estou interessado em comprar o DVD (Fernando Inácio)

Ver ainda:

19 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2194: Pensamento do dia (13): É na guerra que se revela o pior e o melhor das pessoas (Diana Andringa, Visão, nº 763, de ontem)

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2186: Uma guerra, duas vitórias: entrevista de Diana Andringa à RTP África (Luís Graça)

8 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2165: As Duas Faces da Guerra, filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, no DocLisboa2007 (18-28 Outubro 2007)