quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18987: Estórias do Zé Teixeira (47): Binta - a lavadeira do alfero Barbosa (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

1. Em mensagem do dia 1 de Setembro de 2018, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), enviou-nos mais uma das suas estórias, esta metendo parasitas difíceis de controlar.


ESTÓRIAS DO ZÉ TEIXEIRA

47 - A Binta 

Estávamos nos primórdios dos anos sessenta do século vinte. A Guiné vivia, segundo os políticos do Estado Novo, em paz. Uma paz podre, sobretudo depois do massacre do Pidjiguiti em que alguns trabalhadores portuários de Bissau se puseram na mira da Mauser da tropa colonial ao revindicar melhorias no seu salário de miséria que as empresas, protegidas pelo sistema colonial, lhes impunham. Os tiros assassinos fizeram acordar Amílcar Cabral e alguns guineenses. Havia muito a fazer para libertar um conjunto díspar de povos, unidos por uma força secular que lhes era estranha, tanto quanto a sua cor, os seus costumes, formas de ser e agir - os portugueses colonialistas, não o povo português, simples e afável que ele tão bem conhecera quando estudou em Lisboa.

Binta era uma bajudinha de nove anos, com corpo de mulher, esbelta de olhos negros e penetrantes, onde os seios teimavam em furar pela sua pele, indiciando o fruto que começava a amadurecer. Habituada desde pequenina a tratar dos dois irmãos mais novos, sentia agora a necessidade de olhar para si. Já era uma mulherzinha, disse-lhe a mãe com um sorriso preocupante, ao mesmo tempo que a apertava entre os seus braços, naquele fim de tarde em que estando as duas a tomar banho na bolanha, a mãe notou a sua mudança física.

Como ela gostava de cantar e dançar ao som do batuque que o Braima Cassamá, filho do chefe da tabanca vizinha, tão bem tocava acompanhado pelo assobiar estridente da pequena gaita que sustinha nos lábios! Era tempo de paz no Regulado. Todos os momentos eram bons para fazer festa. Quando a chuva caía e regava as lalas, ou o sol ardente persistia para amadurecer os frutos; nos tempos das semeaduras ou nos tempos das colheitas; quando alguém casava e quando alguém iniciava o ciclo da vida. Tudo era tempo para festas, até quando alguém partia para a eternidade. O ritmo que o Braima impunha através dos instrumentos que tangia ferozmente eletrificava-a e o seu corpo, todo ele gingava. Gingava como o gigante poilão que crescera no centro da tabanca, quando açoitado pelo vento da tempestade, para logo depois entrar na acalmia que permitia com que a passarada fizesse dos ramos o seu poiso e chilreasse harmoniosamente um hino ao criador. E sonhava...

O Braima, então com dezassete anos, andava de tabanca em tabanca animando as batucadas. Já tinha posto o olho na bajudinha e na sua graciosidade, quando se embrenhava no mato e ia até à sua tabanca para animar as festanças. Saltara-lhe à vista e até já tinha sonhado com ela. Ele, graças ao seu pai, era um jovem de vistas largas, tinha aprendido a ler e escrever nas freiras que abriram um externato para rapazes na sua tabanca. Dizia o pai que as horas que ele roubava ao trabalho na lala, havia de ser compensado no futuro longo e feliz que augurava para o rapaz, já de si esperto que nem um leão e ágil que nem uma gazela.

Mas tudo mudou quando chegaram os emissários do PAIGC. Falaram com o régulo e com os chefes de cada uma das tabancas. Disseram ao que vinham – libertar o povo da exploração colonial – Queriam a adesão da população ao seu projeto de luta, mas não foram entendidos, e muito menos atendidos. Aquele povo vivia em paz, a paz possível na terra, que com seu amanho ia dando o pão para matar a fome. – Para quê a guerra que ia destroçar o bem-estar? Para quê lutar, se nasceram portugueses, como tantos outros que já estão na terra da verdade? A guerra traz morte, traz fome, traz dor, insegurança e destruição. Rouba-nos a juventude e a alegria. destrói as nossas lalas. De que vamos viver? – assim falou o régulo, amante do seu povo, que leu o perigo que se avizinhava.

Os emissários violentaram alguns dos chefes de tabanca e ameaçaram com a morte os cobardes que se recusassem a aderir ao movimento pela libertação e independência da Guiné. Prometeram voltar e o povo ficou com medo.

Uns dias depois, um capitão do exército português rodeado por um grupo de soldados bem armados apareceu na região. Chamou o régulo e os chefes de tabanca. Imponente na sua farda, de pistola à cintura e pingalim na mão, começou por censurar asperamente os presentes, por terem dado ouvidos aos inimigos da Pátria – um bando de cobardes comunistas que querem destabilizar a província, mandatados e armados pela União Soviética e pela China que se querem apoderar da Guiné para a explorar os seus povos, agora, que está pacificada, graças a Deus. Ai daquele ou daquela que ousar dar-lhe ouvidos e cobertura! Nós não teremos dó nem piedade. Como Teixeira Pinto cortaremos a direito até à morte, se for necessário. – Assim falou o capitão a quem ninguém conseguiu ver a cor dos olhos, porque os óculos escuros o impediam. Respondeu-lhe o Régulo com a sua calma e conhecimento de causa. - Nós não queremos a guerra que só traz morte e desolação, queremos a paz, mas também não queremos imposições. Deixem-nos viver em paz, apenas pedimos isso. Muito pouco afinal -. O capitão partiu e o povo ficou em silêncio. Acabaram-se as festas, as batucadas. Fecharam-se nas moranças e choraram o futuro que se avizinhava.

E o PAIGC voltou. Juntou todos os homens grandes do Regulado. Alguns foram arrastados à força para ouvirem as “ordens” do chefe. A censura ao Régulo por ter acolhido e ouvido os militares colonialistas foi brutal. Se o voltassem a fazer seriam severamente castigados e como prova de que não estavam a brincar, ali mesmo deram violentas chibatadas em alguns dos presentes que ousaram defender timidamente a ligação aos portugueses. Depois, o chefe ditou as leis do Partido:
- As tabancas deviam, a partir daquele momento, obedecerem apenas ao PAIGC.
- Deviam recusar a pagar o imposto ao colonizador.
- Os colonialistas deviam ser expulsos à catanada, porque aquela terra não era dos portugueses.
- Os chefes de tabanca deviam tomar providências para enviarem os mancebos para servirem a pátria livre nas forças que se estavam a organizar para combater o opressor.
- A partir daquele momento deviam partilhar os seus produtos agrícolas, nomeadamente arroz, com as forças de libertação.

Como vieram, assim partiram, levando com eles alguns mancebos sob prisão para enfileirarem nas suas forças e os sacos de arroz que conseguiram localizar, deixando aquela gente apoderada pelo medo, e os chefes divididos entre aceitar as regras que o PAIGC impunha ou continuarem fiéis a Portugal e ao homem grande de Bissau.

Braima foi obrigado a partir integrado no grupo de mancebos raptados e ao despedir-se do pai, disse-lhe, ao ouvido, que queria casar com a Binta, a bajudinha filha do Iero Embaló. Mamadu, seu pai apertou-o contra o peito e jurou por Alah que ela seria a mulher do seu filho.

Reunido à volta do poilão com os chefes de tabanca e homens grandes, o régulo procurava as soluções possíveis, perante as ameaças do Partido e dos militares portugueses. As mães choravam os filhos que partiram para o desconhecido, exigiam soluções para que as suas crianças voltassem - Não queriam vê-los envolvidos numa terrível guerra que já adivinhavam. O régulo manteve-se fiel a Portugal e incentivou os presentes a manterem-se firmes enquanto ele ia à cidade falar com o Administrador e pedir apoio para defesa do seu povo.

Não teve tempo, pois logo apareceu o capitão com os seus homens, incluindo um civil. Berrou, berrou, distribuiu algumas coronhadas e por fim levou, presos para averiguações, o Régulo e dois chefes de tabanca. Quando regressaram uns dias depois ilibados de qualquer acusação, foram recebidos em festa que logo se desvaneceu. O “branco”, como eram conhecidos os portugueses, exigia fidelidade, ameaçava com violência e a destruição das tabancas se o Partido voltasse a ser recebido. Apenas promessas vagas de que estariam atentos e a tropa andaria por perto para defender as tabancas que lhe fossem fiéis. As outras seriam destruídas implacavelmente.

A Binta transformou-se numa linda bajuda. Seu corpo queimava e o seu espírito voava para o Braima, o seu amado que tinha desaparecido. Entretanto, o pai do Braima foi ter com o seu pai e contratualizou o casamento por duas vacas e três carneiros, logo que a Binta assumisse a sua condição de mulher, ou seja, tivesse as primeiras regras e o Braima voltasse...

Nem sonhava que ele estava destinado a ser o seu marido. Quando a mãe lhe disse, só se lembra de ter chorado de alegria, mas as regras da comunidade exigiam recato e cuidados dobrados, agora que estava quase pronta para assumir o noivado. Não podia comunicar com o Braima, muito menos encontrar-se com ele. Que calvário! - pensou e as lágrimas começaram a deslizar pela face bronzeada sempre que conseguia isolar-se. Era o homem da vida dela. Que sorte a sua, tão diferente da da sua irmã que fora obrigada a casar com o Aliu. A segunda mulher de um homem velho que trabalhava para os portugueses e ganhava muito dinheiro, mas era um velho.

O tempo foi passando. O Braima fora levado para Conakry onde fez o treino militar e passados uns meses seguiu para a China para o curso de minas e armadilhas, enquanto o seu cérebro era bombardeado por toda uma doutrinação contra o branco português, que colonizava violentamente o seu país, massacrando o seu povo. Muitas promessas de liberdade pelo meio. Promessas que ele, nos primeirs tempos, não entendia, pois sempre se sentira um homem livre. Também não via violência no seu pequeno mundo, onde o branco só parecia para cobrar o imposto, e os comerciantes para levarem os produtos agrícolas que produziam na lala, deixando algum patacão como pagamento. Nesses dias havia sempre festa ao cair a noite.

Assim se perdia no tempo ao pensar no passado feliz que tivera junto dos seus. O coração traía-o continuamente. Lembrava-lhe os pais, os amigos, as batucadas que tanto gostava de animar, as chuvas que davam vida à terra, o sol que amadurecia os frutos do seu trabalho e... a Binta. Pois, a Binta?! Teria o seu pai cumprido a promessa? Como fazer para voltar à sua tabanca?

Mas se o Partido afirmava que o “tuga” era um colonialista explorador, então vamos expulsá-lo. Mesmo sem saber o sentido pleno destas palavras o Braima transformou-se num combatente da liberdade e ganhou a confiança dos seus superiores.

O Partido ganhou punjança, alimentado pela URSS e pela China com o apoio velado do mundo ocidental que há alguns anos, contrariamente ao que Portugal defendia, tinha optado por dar a “independência” aos povos africanos, que dominaram durante séculos. A guerra tornara-se uma realidade sangrenta. O PAIGC desenvolvia ataques sistemáticos contra as populações que não aderiram ao seu projeto. Duas tabancas foram queimadas e os habitantes foram raptados para engrossar as forças combatentes. Ficaram os velhos e algumas crianças que se refugiaram junto da tabanca do régulo. As F.A. de Portugal colocaram no local uma companhia de atiradores que se distribuíram por três tabancas, mantendo-se em movimento contínuo de vigilância, quer junto das populações que se afirmavam fiéis, quer na mata que as circundava para evitar, o mais possível, as surpresas dos “turras”. Os ataques iam-se sucedendo provocando sofrimento e dor. O número de feridos e mortos, bem como moranças queimadas ia crescendo, apesar dos “roncos” que a tropa e a milícia local faziam junto dos inimigos da pátria, como afrirmava o comandante militar. Não se vislumbrava o fim da terrível castástrofe que se abatera sobre aquele pacífico povo.

 - Binta! Binta!

O coração deu um pulo. Já se tinham passado uns anos, mas aquela voz estava-lhe gravada no coração. Era ele, o Braima que a chamava do meio da floresta, ou estaria a sonhar?! Tinha de se manter calma e avisá-lo do perigo. Olhou na direção do som. Fez um sorriso e mexeu os lábios pedindo silêncio. Não viu o Braima, mas sentiu-o a seu lado e o seu corpo vibrou de emoção. O coração quase a traiu, mas o Alferes Barbosa, que a cotejava, estava ali por perto a vê-la lavar a sua roupa, no pequeno riacho que passava ao lado da tabanca.

O Barbosa adorava a bajuda. Tentara todas as formas possíveis para a conquistar. A Binta defendia-se afirmando que estava comprometida com o filho do Mamadu Camará, o chefe da tabanca vizinha que era atualmente o sargento comandante da milícia na sua tabanca, sob o comando e orientação do Barbosa. Afirmava – mentido – que o seu noivo era soldado do exército português e cumpria tropa em Bolama. Mantinha-se assim intocável e respeitada pelos soldados de quem era lavadeira para ganhar algum patacão. Iria precisar de dinheiro para contituir família quando o Braima regressasse, pensava ela. Sofria em silêncio e acreditava que a guerra acabaria um dia, ou fugiria para o mato ao encontro do seu amado e prometido marido.

Tentou manter a calma. Acabou de lavar a roupa do alferes, enviou-lhe um sorriso matreiro e correu para casa. Pôs a roupa a secar, voltou ao rio para tomar banho e esperou pelo lusco-fusco. Então cobriu-se com o mais lindo pano, pôs o lenço mais garrido na cabeça e perfurmou o corpo. Aproveitando a hora do rancho dos militares, abandonou a tabanca. Embrenhou-se na mata e desapareceu para sempre dos olhos do Barbosa.

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Passados quarenta e dois anos, o Barbosa ganhou coragem e partiu com um grupo de antigos combatentes para a Guiné-Bissau numa romagem de saudade. Aquele povo ficara-lhe gravado na alma e com o correr dos tempos ganhou novas formas no seu coração, já cansado. Os locais onde sofrerera os horrores da guerra perseguiam-no. O olhar daquelas crianças assustadas, os gritos e as fugas para os abrigos bailavam na sua mente. Precisava de lá voltar, ver as pessoas, dizer-lhe que nunca as esquecera, que as amava. E a Binta! Ai a Binta, a mulher mais bonita que conhecera em toda a sua vida.
Onde estará?

Chegados a Bissau, logo alugaram uma viatura e partiram para o interior. Fixaram-se no Saltinho e partiram de novo em peregrinação pelas picadas de outrora, na Mata do Cantanhez, ao encontro das pessoas que ansiavam rever, numa ânsia de respostas a muitas perguntas que teimavam em lhe queimar os neurónios.

- Alfero Barbosa! Lembras-te do Mamadu Cassamá?

O Barbosa, procurou a voz que surgira atrás de si e deparou com uma senhora que lhe sorria. Bem constiuida, vestia um longo e colorido vestido, onde o verde alface predominava como fundo e as flores vermelhas parece que se projetavam no espaço ao encontro dos olhos espantados do Barbosa. O lenço colocado com todo o esmero dava-lhe um aspeto solene, de mulher dominante.

Quem será esta mulher que passados quarenta e dois anos me reconheceu? - foi a primeira pergunta que lhe surgiu. Enquanto a mirava, sentiu o coração estremecer de emoção.

- Sim lembro-me, respondeu com a voz trémula, era sargento da milícia, ainda é vivo? Gostava de lhe dar um abraço.
- Pois... E não te lembras de mim?
- Confesso que... O coração gritava-lhe qualquer coisa, mas não conseguiu decifrar a mensagem. Ficou confuso
- Não te lembras da Binta, a tua lavadeira?
- És tu?! Ó mulher da minha vida! Correu para ela e abraçaram-se longamente. As lágrimas, essas, não deram tréguas e deslizaram suavemente pelas faces de ambos. Seguiram de mão dada até à casa dela, onde o Braima, deitado na rede, fumava o seu cachimbo.
- Este é o filho do Mamadu, o meu marido. Braima Cassamá.
- O tal que estava na tropa em Bolama?
- Nunca estive em Bolama. Eu era bandido, estava ali na mata. Respondeu o Braima com um sorriso, estendendo-lhe a mão para um cumprimento efusivo.
- Ah! agora entendo porque desapareceste minha marota!

E juntaram-se os três num fraternal abraço.

José Teixeira
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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MARÇO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18383: Estórias do Zé Teixeira (46): Uma chapelada de piolhos (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 61/74 - P18986: Historiografia da presença portuguesa em África (129): Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Ainda não consegui apurar até que ponto estes relatórios elaborados por administradores e militares em resposta a um longo questionário formulado pelo Governador Oliveira Duque tiveram utilização posterior, no campo da investigação ou mesmo no corpo dos relatórios dos governadores da Guiné para os respetivos ministros. Mas não deixa de ser uma grata surpresa ver o cuidado do governador em juntar as peças do puzzle e a resposta que foi dada pelos seus colaboradores.
Dirão que há poucos dados novos, que o que aqui se reporta é matéria mais do que consabida. Atenda-se que o Tenente Ribeiro enviou este seu manuscrito, em fina caligrafia, no dia 1 de janeiro de 1915, a chamada pacificação dá os seus primeiros balbucios, o comandante em Mansabá teve escassos meses para recolher este acervo informativo. É um militar que sonha com a liberdade da mulher, acredita que a sua libertação recomporá as relações de modo a que o homem passe a trabalhar e ela deixe de ser escrava. Sente-se no documento que ali chegou a I República.

Um abraço do
Mário


Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (1)

Beja Santos

Através de uma circular publicada no Boletim Oficial da Guiné Portuguesa, em 1914, o Governador Oliveira Duque determinava a todos os responsáveis da administração civil e dos comandos militares que elaborassem um detalhado relatório contemplando um número apreciável de itens tais como: raças que habitam a região; organização social e política dos povos aí instalados; respeito para com os velhos; tribunais e julgamentos; contratos e seu cumprimento; relações com os povos vizinhos; qualidades guerreiras e armas usadas; constituição da família; formalidades que precedem o nascimento; fanado e sua cerimónia; consideração com a mulher; formalidades e cerimónias do casamento; adultério e sua punição; mortes, cerimónias, enterro e luto; administração da propriedade, sua transmissão; tratamento das doenças; práticas religiosas; vestuário e adornos; indústrias indígenas; formas de povoamento, casas e sua constituição; desporto; instrução; alimentação e bebidas; agricultura e seus produtos e que indivíduos estão ligados à agricultura; ferramentas e utensílios; épocas das diferentes formas de cultura; utensílios de uso doméstico; caça, gado, água potável; plantas especiais de aplicações úteis, e algo mais.

Desconhecia a circular, e mais adiante só vejo utilidade em a referir, há ainda instalado o preconceito da inexistência de inventários ou pouco cuidado dos governantes em identificarem as grandes questões da colónia, como se vê não foi necessário chegar ao importantíssimo mandado de Sarmento Rodrigues para tentar obter o perfil identitário da Guiné.

Quem vai responder a partir de Mansabá é o Tenente Barbosa, com uma caligrafia mais do que harmoniosa. O documento foi cedido à Sociedade de Geografia de Lisboa pelo Capitão Carlos Alberto Soares que serviu longos anos na Guiné, e está na secção dos reservados.

O nosso relator aborda em primeiro lugar as raças, fala nos Soninqués e Fulas. Os Soninqués são designados por “mouros” quando são convertidos à religião maumetana ou por Sonincas, os não convertidos. Sempre desfiando o que vai na caligrafia do Tenente Barbosa, ele avança que os Soninquenses são de origem Mandinga, cuja língua falam, foram os primeiros a estabelecerem-se na região, os Fulas terão vindo da atual circunscrição de Geba, estavam estabelecidos no Oio há cerca de um século, com consentimento dos Soninquenses, pagavam-lhes tributo.

Quanto à organização, Soninquenses e Fulas viviam em grupos de famílias sempre em tabancas. O chefe da morança é o seu fundador e proprietário. Cozinham por famílias, mas juntam os cabaços de comida e comem em três grupos distintos: homens, rapazes e mulheres e raparigas.

É grande o respeito para com os velhos, é um atentado desconsiderar um velho, a sua experiência é sempre tida em conta pelos mais novos. Os homens, logo que começam a aparecer os cabelos brancos, são considerados grandes e conhecerão uma redução no trabalho.

Não tinham tribunais. Os chefes não fazem justiça alguma por sua conta, com receio do que possa vir a suceder-lhes. Antes da ocupação, porém, quando algum indivíduo cometia um delito era capturado e levado para casa do régulo, onde continuava preso para responder pelo crime de que era acusado. O régulo consultava a sós dois grandes íntimos, seguia-se pois uma reunião dos grandes da Tabanca, havia exposição dos factos, decretava-se a sentença, quase sempre o pagamento de um certo número de vacas ao régulo.

Segundo o nosso Tenente, todos procuravam o cumprimento dos contratos, excecionavam-se os contratos de casamento e um ou outro sobre compra de gado, todos os contratos ficavam, em geral, logo liquidados.

Registava-se uma nova atitude de relações com os povos vizinhos. Ao tempo, os Soninqués do Oio não mantinham boas relações com os povos de Geba e Mansoa, mas mantinham boas relações com Farim e os Balantas de Bissorã, sendo estes últimos quem os auxiliava nas guerras. Mas depois da ocupação houvera uma melhoria de relacionamento com todos os povos vizinhos, daí estas etnias se conservarem pacíficas, sem demonstrações de guerra entre elas. Os Oincas eram guerreiros de nomeada, tendo rechaçado várias colunas que tentaram submete-los. Somente uma coluna de irregulares, com um pequeno núcleo de tropa, sob o comando do Exmº. Chefe do Estado Maior, Capitão Teixeira Pinto, conseguiu reduzi-los à submissão completa. Antigamente usavam espingardas de pedreneira e de espoleta e espada mandinga. Agora não lhes é permitido o uso de qualquer arma, com exceção para a defesa de gado contra os animais ferozes.

O relatório fala agora da família, é geral um homem ter várias mulheres. Quando morre um homem casado as mulheres são divididas pelos irmãos, principiando a divisão pelos mais velhos. A mulher, para o homem, vale tanto mais quanto mais filhos tiver, é na quantidade de filhos que é verdadeiramente lucrativa. As mulheres são escravizadas pelo trabalho. A mulher levanta-se, em média, das 3 para as 4 horas da manhã, para pilar o milho ou o arroz e preparar a primeira refeição; depois de comer, vai para as lavras de arroz, auxiliando ainda noutras lavras. É sobre ela que recaem todos os trabalhos pesados. Daí o comentário do Tenente Barbosa: “Chega a ser um crime o excesso de serviço das mulheres, comparado com a ociosidade dos homens”. Sente-se que os ideais republicanos devem atravessar a mentalidade do Tenente José Ribeiro Barbosa que conjetura tempos melhores para a vida das mulheres: “Uma vez abolido o pagamento da mulher e dada a esta a livre escolha do homem, este dedicar-se-ia necessariamente ao trabalho, desaparecendo a ociosidade e a origem das mais importantes questões”.

Na sequência, o relator aborda as formalidades que precedem e se seguem ao nascimento. Oito dias após o nascimento, corta-se o cabelo ao nascituro e dá-se-lhe nome. Quanto ao fanado, todos os Oincas o praticam, no homem e na mulher.

Quanto à consideração para com a mulher, a atenção que o homem lhe dispensa é só pela falta que ela lhe faz para o trabalho. Nenhuns cuidados especiais têm com as mulheres grávidas, estas trabalham até à ocasião do parto.

Neste quadro de desapego, abunda o adultério, devido à educação e meio em que são criadas às mulheres e principalmente à obrigação de viverem com um homem de quem às vezes não gostam.

(Continua)


Nos arquivos do BNU encontrei estes dois curiosos documentos de 1923 e 1925, é Governador da Guiné, Jorge Frederico Velez Caroço, que vive em permanente estrangulamento financeiro e com os comerciantes também em permanente protesto, tudo por causa dos impostos e dos cambiais. Em 23/7/1923, o Governador solicita ao Ministro das Colónias um empréstimo que seria canalizado através do BNU em Bolama; em 1925, estando trabalhos em curso, volta a pedir ao governo um contrato com o BNU, um empréstimo gratuito.

Litografia de Abel Bravo da Mata para o novo edifício do BNU (hoje Caixa Geral de Depósitos), situado entre Avenida 5 de Outubro e a Rua Laura Alves, projeto do arquiteto Tomás Taveira.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18946: Historiografia da presença portuguesa em África (127): Duas publicações sobre a Guiné na Fundação Mário Soares (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18985: Parabéns a você (1494): José Marcelino Martins, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 5 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18979: Parabéns a você (1493): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18984: Agenda cultural (648): lançamento do livro "Moçambique: guerra e descolonização, 1964-1975", de Manuel Bernardo, na biblioteca municipal de Faro, dia 18 de setembro de 2018, pelas 18h00





Convite que nos foi endereçado pelo autor, cor inf ref Manuel Bernardo-

Nota biográfica:

(i) nascido em Faro, em 193, vive em  Carnaxide, Oeiras

(ii) endereço de email:  manuel.bernardo258@gmail.com

(iii)  Carreira militar: 

Curso da Academia Militar (1959).

Durante 36 anos, desempenhou funções de comando e chefia de pessoal militar e civil, sendo oito em África (Angola e Moçambique), nas quatro comissões por imposição (escala) que cumpriu em 1961/73 (alferes e capitão). 

Após o 25 de Abril, com o posto de major, esteve colocado no Batalhão de Comandos (depois Regimento), a proceder à liquidação do Regimento de Infantaria n.º 1, entretanto extinto, tendo feito parte do Posto de Comando, na Amadora, que coordenou as acções militares de contenção do golpe de 25 de Novembro de 1975. 

Desempenhou as funções de Director de Instrução do Regimento de Infantaria de Angra do Heroísmo, durante mais um deslocamento por imposição, nos Açores (1977/78).

 Foi Oficial de Operações e 2.º Comandante do então Batalhão n.º 2 da GNR, com área de actuação nos distritos de Lisboa, Setúbal, Santarém e Leiria (1979/85).

Após desempenhar as funções de Subchefe do Estado-Maior, no Quartel General da Região Militar Sul, em Évora, esteve colocado nos Tribunais Militares Territoriais de Lisboa, onde foi Promotor de Justiça e Juiz Vogal/Presidente, durante cerca de oito anos (1987/95).

(iv) é diplomado com o Curso Complementar de Ciências da Informação da Universidade Católica Portuguesa (1990/93).

(v)  Actividade Literária

Publicou em 1977, com o pseudónimo de Manuel Branco, o livro «Os Comandos no Eixo da Revolução; Crise Permanente do PREC; Portugal 1975/76» (352 pp) na Editorial Abril (seis semanas no quadro dos best-sellers).

Colaborador de alguns jornais diários e semanários lisboetas (1975/1980).

Redactor da revista Mama Sume da Associação de Comandos (1989/1993).

Colaborador do Semanário (1991), do Combatente, da Liga dos Combatentes, desde 1991, do semanário regional O Algarve em 1994-2004 e do Boletim da AFAP. (Associação da Força Aérea Portuguesa)

(vi) Publicações não-periódicas:

1.  «Marcello e Spínola – a Ruptura; As Forças Armadas e a Imprensa na Queda do Estado Novo; Portugal 1973-1974» (456 pp). Lisboa, Editora Margem, 1994 (em 2.ª edição na Editorial Estampa (368 pp), em 1996. Apresentada pelo Dr Luís Villas-Boas, em 13-10-2011, uma 3.ª edição actualizada (300 pp), no Museu Militar, em Lisboa, com o prefácio do Gen. Vasco Rocha Vieira. (Versbrava Editora – Edium - Porto).

  2. «Equívocos e Realidades; Portugal 1974-1975» (2 vol. 1 012 pp). Lisboa, Editora Nova Arrancada, 1999, com o prefácio do Eng.º Paulo Valladas. Lançado no Dia Internacional do Livro, na Livraria Municipal Verney, em Oeiras.    3. «Timor – Abandono e Tragédia; “A Descolonização” de Timor (19741975)», (271 pp) em co-autoria com o Coronel Morais da Silva.(falecido) Lisboa, Editora Prefácio, 2000, com posfácio do Comandante Virgílio de Carvalho (falecido).

  4. «Combater em Moçambique; Guerra e Descolonização 1964-1975» (452 pp). Lisboa, Editora Prefácio, 2003, com prefácio do Prof. Adriano Moreira.

  5. «Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975» (740 pp). Lisboa, Editora Prefácio, 2004. Foi lançado no Dia Internacional do Livro, integrado nas comemorações do 30.º aniversário do 25 de Abril, é uma edição revista e actualizada de “Equívocos e Realidades 1974/75 (…)” e tem um prefácio do Prof. Artur Anselmo, actual Presidente da Academia das Ciências.

  6. «25 de Novembro; Os “Comandos” e o Combate pela Liberdade» (521 pp), em co-autoria com o Prof. Dr. Francisco Proença Garcia e o SargMor “Comando” Rui Domingos da Fonseca. Lisboa, Edição da Associação de Comandos assoc.comds@mail.telepac.pt . 2005. Tem o prefácio do General Tomé Pinto e o posfácio do General Ramalho Eanes e foi lançado no Instituto de Defesa Nacional, em 25-11-2005, nas comemorações do 30.º aniversário do 25 de Novembro, com apresentação do Prof. Barbosa de Melo, ex-Presidente da Assembleia da República.

  7. «Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros; Guiné 1970-1980».(410 pp) Lisboa, Editora Prefácio, 2007, com prefácio do General Ricardo Durão. Foi lançado em 29-11-2007, na Sociedade Histórica para a Independência de Portugal/Lisboa e em 13-12-2007, na Biblioteca Municipal de Faro.                                                                       

  8. «Grades de Papel; Caxias 1975; Condomínio Fechado» (182 pp), em coautoria com o Coronel Joaquim Evónio Vasconcelos (falecido). Porto, Versbrava (Edium) Editora, 2013. Apresentado na SHIP/Lisboa, pelo General Loureiro dos Santos, na Biblioteca Municipal de Faro pelo Almirante José Cabeçadas e na Biblioteca Municipal de Quarteira, em 2013, pelo Dr. Cristóvão Norte (falecido).

  9. «Moçambique; Guerra e Descolonização; 1964-1975», 2018 (382 pp), edição actualizada de obra anterior, na editora Âncora e integrada no Programa Fim do Império (Liga dos Combatentes, Comissão Portuguesa de História Militar e Câmara Municipal de Oeiras). Tem o prefácio do General Chito Rodrigues e a apresentação esteve a cargo do General “Comando” Júlio Oliveira, na Livraria Municipal de Oeiras, 15-05-2018.   Vai ser apresentado em Faro, na Biblioteca Municipal, em 18 de Setembro de 2018, pelas 18h00, pelo Dr. Luís Villas-Boas.

Fonte: dados fornecidos pelo autor, agosto de 2018. [Revisão / fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Guiné 61/74 - P18983: Convívios (871): Tabanca de Matosinhos, restaurante Espigueiro (ex-Milho Rei), rua Heróis de França, 721, Matosinhos: amanhã, 4ª feira, a partir das 12h, almoço de homenagem aos grã-tabanqueiros Joaquim Peixoto (1949-2018) e Margarida Peixoto


Joaquim e Margarida, em Monte Real, 2010. Foto de
Manuel Carmelita / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
1. Ontem às 10:38, a Tabanca Matosinhos  publicou a seguinte mensagem na sua página do Facebook:

 O Joaquim Peixoto merece a nossa homenagem.

Na próxima quarta feira dia 5 de Setembro,  à hora do costume ([, a partir das 12h,] no Restaurante Espigueiro ( ex-restaurante Milho Rei) em Matosinhos, vamo-nos reunir à sua volta e recordar o que ele foi para cada um de nós e como a sua forma de ser e estar n

a vida nos marcou.


2. A Tabanca Grande, a mãe de todas as tabancas, associa-se a esta singela  mas justa homenagem,  e  apela à participação de todos os camaradas, que estejam por aqui perto, disponíveis e solidarários.  

É possível que a viúva, Margarida Peixoto, porfessora do 1º ciclo do ensino básico, reformada, e também nossa querida grã-tabanqueira, possa estar presente. Ela é uma mulher que soube enfrentar. com os seus 2 seus filhos,  esta tragédia da doença e morte do seu marido, com uma enorme coragem e dignidade, um exemplo para todos nós e nossas famílias.

Levem as vossas companheiras. Eu e a Alice, ainda cá pelo Norte, estaremos lá connosco!... Haverá mais companheiras nossas. A Tabanca de Matosinhos tem um reservado próprio onde cabe muita gente. E o restaurante é amplo. Não há inscrições prévias, é só chegar e sentar-se à mesa.

Para quem não sabe, o Restaurante Espigueiro ( ex-Milho Rei) fica na Rua Heróis de França, 721, Matosinhos 4450-159, Portugal, telef +351 22 938 5685.

A referência é o Memorial do Passos Manuel, na Avenida da República. É o quarteirão a seguir,  à direita, quando estamos virados para o mar.

3. Seria interessante e proveitoso, para todos nós,  que os amigos e camaradas que privaram mais com o Joaquim Peixoto (bem como com a Margarida)  pudessem, depois da refeição, usar da palavra justamente para "recordar o que ele foi para cada um de nós e como a sua forma de ser e estar na vida nos marcou", de acordo com a sugestão do(s) régulo(s) da Tabanca de Matosinhos.

Luís Graça dá aqui o mote, poético, com o primeiro quarteto do soneto que faz questão de dizer amanhã ao saudoso amigo e camarada Joaquuim:

Joaquim, bom amigo e camarada,
nunca quiseste estar entre os primeiros,
mas, por nós, tens presença reservada
lá no Olimpo dos deuses e guerreiros.
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Nota do editor:

Último poste da série >  21 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18943: Convívios (870): Encontro e almoço do pessoal da CCAV 3366/BCAV 3846, a levar a efeito no próximo dia 8 de Setembro de 2018 no Parque das Nações, em Lisboa (Delfim Rodrigues, ex-1.º Cabo Aux Enf)

Guiné 61/74 - P18982: In Memoriam (321): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018): dois poemas, um de Josema (José Manuel Lopes) e outro, de Luís Graça


Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018), professor do 1º ciclo do ensino básico, reformado, ex-fur mil ap arm pes inf, MA, CCAÇ 3414 (Sare Bacar e Bafat´, 1971/73). Foto: cortesia da Agência  Funerária Santa Marta Lda, com sede em Penafiel.


Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > A "última morada"....


Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  As flores da nossa saudade


Penafiel >  3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  3 camaradas da Tabanca Grande: Zé Teixeira, Álvaro Basto, António Carvalho


Penafiel >  3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > O Silvério Lobo (à esquerda)  e o José Manuel Lopes (à direita)


Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Aspeto parcial da fachada da Igreja das Freiras (ou Igreja do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição), do séc. XVIII, na Rua Conde Ferreira.


Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Ao centro, o José Rodrigues, da Senhora da Hora, Matosinhos.


Penafiel >  3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Ao meio o Edurado Moutinho dos Santos,  mais a esposa; à esquerda, o  Zé Teixeira.


Penafiel >3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  À esquerda , o Zé Manuel Cancela e o Xico Allen.


Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  Camaradas junto à Igreja das Freiras


Penafiel >  3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Mais camaradas, junto à Igreja das Freiras.


Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) >  Cerimónia com acompanhamento religioso > Aspeto já do final da cerimónia  > Descansa em paz, camarada!


 As tabancas aqui do Norte, Tabanca de Matosinhos, Bando do Café Progresso, Tabanca dos Melros... estiveram em peso, no funeral do nosso Joaquim. Estimei em cerca de meia centena os ex-combatentes da Guiné que quiseram vir despedir-se do nosso camarada.

No emotivo, intimista e brilhante improviso que fez, ainda dentro da Igreja das Freiras, e que mereceu as palmas dos presentes,  a Margarida mostrou-se grata às nossas tabancas pelo muito bem que fizeram ao seu marido... Alguns camaradas, como  o Zé Cancela, estavam inconsoláveis. O Cancela era provavelmente o melhor amigo  e companheiro de viagens do Peixoto. Chegou a ir aos Açores com ele (e as respetivas esposas) num dos convívios da açoreana CCAÇ 3414.

Se não erro, o único camarada da CCAÇ 3414, que esteve no funeral, foi o Brito da Silva, outro grande companheiro e amigo do Joaquim, natural de Baião (e, portanto, vizinho da Tabanca de Candoz)  e a residir na Madalena, Vila Nova de Gaia, Gostava que ele integrasse a Tabanca Grande, convite que de resto já lhe fiz há anos.

O Manuel Carvalho falou-me do papel "agregador" do Joaquim: ele era contra todas as "clubites", incluindo as pequenas, triviais, anedóticas rivalidades entre tabancas... O Joaquim  pertenceu pelo menos àquelas três tabancas, para além da Tabanca Grande...

Outro grande companheiro foi o Manuel Carmelita, e a esposa, sem esquecer o Zé Manel, da Régua, e a Luísa Valente... Grande parte do seu círculo de amigos eram camaradas da Guiné... 

Na próxima 4ª feira, amanhã, marcámos encontro na Tabanca de Matosinhos, que se fez reperesenta pelos 3 régulos, Zé Teixeira, Moutinho e Álvaro Basto...

Até sempre, Joaquim!... Agora é a altura de tu, lá do alto, velares pela tua Margarida, pelos teus filhos e netos, o que já fazias, como bom marido, pai e avô... Temos o João Rebola, em fase muito adiantada de doença... Temos todos nós, teus camaradas e amigos, a queixarem-se de mil e uma mazelas.  Passas agora para a lista da Tabanca Grande onde estão aqueles que da lei da morte já se foram libertando... E já são 64 contigo, num total de 776 grã-tabanqueiros

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Já no leito de morte, no  IPO do Porto, o Joaquim Peixoto recebeu a visita, por duas vezes, do seu camarada e amigo do peito José Manuel Lopes, um raro privilégio que ele só concedeu a alguns amigos mais íntimos (*).

Numa das vezes, o Joaquim disse que gostava muito do poema "Recuso dizer uma oração / ao deus que te abandonou" (**)... Pediu ao Zé Manel para o voltar a dizê-lo, em volta...  e no fim, uma lágrima furtiva soltou-se-lhe do rosto... 

O Zé Manel contou-me esta "cena", em Penafiel, à hora em que o caixão com o corpo do nosso saudoso amigo e camarada saía da igreja, a caminho do cemitério municipal de Penafiel, a escassas centenas de metros.  E eu prometi logo republicar o poema em memória do nosso amigo e camarada comum... 

Recorde-se que este é um da escassa meia centena de poemas que sobreviveram à fúria autodestruidora do poeta, depois de regressar da Guiné. É assinado pelo Josema, pseudónimo literário de José Manuel Lopes, da Quinta da Senhora Graça, no Alto Douro Vinhateiro,  ex-fur mil op esp, da CART 6250 (Mampatá, 1972/74) (**)


Recuso dizer uma oração
ao deus que te abandonou,
não sei se é do nó
que me aperta a garganta,
ou da revolta que brota do meu peito,
só sei que não consigo
desculpar...

Sinto ganas de arrancar
o fio preso ao teu pescoço
e atirar dentro da mata essa cruz
no local...
onde encontraste a tua,
onde perdeste a vida
e eu a minha fé entorpecida.

Recuso deixar de pensar
no que aqui nos trouxe,
para onde nos levam,
quero encontrar respostas
a todas as perguntas
que se soltam em turbilhão
dentro de mim,
quero encontrar
algo que justifique,
achar uma razão,
por pequena que seja,
irmão,
para acalmar esta dor
e não encontro
e não encontro...não.

Bolama 1972
josema




2. Também eu deixei um poema, meu, na nossa página do Facebook, à memória do Joaquim Peixoto, (1949-2018), ex-fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 3414 (Saré Bacar e Bafatá, 1971/73)

Dies iræ, dies illa!

Cavalgam caudalosos os rios pela terra adentro,
enquanto fluem ruidosos os dias da guerra.

Rios que não são rios, mas rias,
entranhas ubérrimas, fustigadas pelo vento,
rias baixas pela manhã, pedaços, braços de mar,
restos de tsunamis, pontas de fuzis, 
palavras acérrimas, imprecações ao Grande Irã,
picadas minadas de ir e não mais voltar.

Dias que não são dias, circadianos,
mas fragmentos,
ora ledos ora amargos enganos,
estilhaços de tempo,
riscos nas paredes sujas dos bunkers,
repentinas emboscadas, breves finais de tarde,
instantes, flagelações, 
balas tracejantes
sob o céu verde e vermelho
enquanto o capim arde.

Narciso, revejo-me ao espelho, quebrado,
vou nu, de camuflado,
de azul, celestial,
ao encontro do anjo da morte, em Jugudul.
E não há estrelas, à noite,
mas a bússola indica o norte, sideral,
nunca o sul,
nunca o nascer nem o morrer.

Dies irae, dies illa,
dia de ira, aquele,
em que subiste o cadafalso do Niassa,
ou do Uíge ou do Ana Mafalda,
dias de ira, aqueles,
os da guerra!
Calai-vos,
rápidos do Saltinho, rápidos de Cussilinta,
vós que mais não sois
do que canoas loucas, desenfreadas,
levadas pelo macaréu da nossa raiva,
entre o Geba e o Corubal.

Braços que não são braços, amputados,
mas apenas tatuagens, traços,
letras de fado pungentes,
pontes que são miragens,
tentáculos, serpentes,
lianas, cortadas pela catana, a eito,
pela floresta-galeria,
inferno tropical, túneis, tarrafo,
bolanhas, lalas, bissilões,
curvas da morte do Cacheu ao Cumbijã,
apocalípticos palmeirais,
pontas de punhais cravadas no peito,
irãs acocorados no alto dos poilões.

E depois o silêncio, o impossível silêncio.
o silêncio das partituras,
dos mapas dos argonautas,
partículas, pausas, pautas,
cartas de tiro com claves de sol,
desidratação,
a ogiva do obus,
o medo da avestruz,
o roncar do helicanhão,
gritos do djambé, e do macaco-cão,
gemidos de kora,
espasmos de balafon,
rajadas de kalash
ecos do bombolom,
bombas de fragmentação
que correm no dorso dos cavalos
desde o Futa Djalon.

Não vou poder ouvir o silêncio do Cantanhez,
nem quero ouvir o grito da morte,
outra vez!


Terras do Demo, 27-29 de dezembro de 2011;
Madalena, Vila Nova de Gaia, 30-31 de dezembro de 2011;
Revisto, Penafiel, 2 de setembro de 2018.
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Guiné 61/74 - P18981: Agenda cultural (647): Inauguração da exposição "Gestos de Liberdade - Retrospetiva de Pintura de João António", a ter lugar no dia 7 de Setembro de 2018, pelas 18 horas, na Sede da Associação 25 de Abril, em Lisboa

C O N V I T E

INAUGURAÇÃO DA EXPOSIÇÃO "GESTOS DE LIBERDADE - RESTROSPETIVA DA PINTURA DE JOÃO ANTÓNIO"

Dia 7 de setembro de 2018, pelas 18 horas, na sede da Associação 25 de Abril, em Lisboa

Organização de Patrícia e Carla, filhas do artista João António




A expoição estará patente até ao dia 21 de setembro de 2018 e pode ser vista de segunda a sexta das 12,00 às 19,00 horas

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João António [1950-2010] | Auto-didacta


Nasceu a 7 de Dezembro de 1950 em Memória, Leiria. 
Nos anos 60 matriculou-se no Liceu, em Leiria, onde teve o primeiro contacto com desenho (geométrico e decorativo). Nessa época, viu reconhecido pela primeira vez o seu mérito num trabalho sobre o Natal de 1963, pelo seu Mestre, o arquitecto Célio Cantante.

Mobilizado para a Guerra Colonial entre 19 de Abril de 1972 e 12 de Maio de1974, esteve como sargento miliciano na Guiné, Aquartelamento de Brá (Batalhão do Serviço de Material, Chefia do Serviço de Material do Quartel General - CTIG). Colaborou na ilustração de algumas revistas editadas na sua Unidade.

Exerceu a actividade bancária entre 1974 e 2000. Nesse período, colaborou na ilustração de vários programas culturais alusivos ao Natal na instituição bancária. 
Em 2000 reformou-se passando então a dedicar-se intensamente à obra pictórica aqui representada. 
A morte em 2010, veio ditar um fim abrupto de uma obra em plena expansão e entusiasmo.

Mostras Realizadas:
 Dezembro 2000: SIMBOLOGIA NAS IDEIAS – Mostra individual de Pintura e Desenho na Biblioteca Mouzinho de Albuquerque, na Batalha;
 Agosto 2001: SIMBOLOGIA NAS IDEIAS II – Mostra individual de Pintura na Galeria da Biblioteca Afonso Lopes Vieira, em Leiria;
 Setembro 2001: VIAGENS DO TEMPO – Exposição individual de Pintura no Centro Cívico Casinet D’Hostafrancs, Bairro de Sants, em Barcelona.
 Junho 2003 – Exposição colectiva de Pintura no Regimento de Artilharia n.º4, em Leiria;
 Setembro de 2004 – Exposição colectiva de Pintura nas Galerias Jardins do Lis, em Leiria;
 Abril de 2011: PINTO O QUE SINTO: EXPOSIÇÃO RETROSPECTIVA DA PINTURA DE JOÃO ANTÓNIO – Exposição individual, a título póstumo, na Livraria Arquivo Bens Culturais, em Leiria;

Representado em:
 Biblioteca Afonso Lopes Vieira – Leiria (Portugal)
 Câmara Municipal da Batalha (Portugal)
 Câmara Municipal de Leiria (Portugal)
 Câmara Municipal de Barcelona – Ajuntamento de Sants, Catalunha (Espanha)
 Jornal “Notícias de Colmeias” - Leiria (Portugal)
 Junta de Freguesia de Memória – Leiria (Portugal)
 Regimento de Artilharia n.º4 – Leiria (Portugal)
 Colecções particulares
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Notas do editor:

Vd. poste de 31 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18968: Em busca de... (289): Camaradas de armas do ex-Fur Mil João António (1950-2010) do Batalhão do Serviço de Material da Guiné (Brá, 1972/74), de quem vai ser inaugurada uma exposição de pintura na Associação 25 de Abril, em Lisboa (Dulce Afonso/A25A)

Último poste da série de 15 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18923: Agenda cultural (646): Conferência "História da Pesca do Bacalhau na Terra Nova", sexta-feira, 24 de agosto, às 20H00, no Ateneo Ferrolan, Madalena, Ferrol, província da Corunha, Galiza, Espanha (Capitão Aveiro)

Guiné 61/74 - P18980: Blogpoesia (583): "Eu amo", poema de Júlio Corredeira, Piloto Aviador Reformado (Mário Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69), com data de 31 de Agosto de 2018:

Caro Carlos.
Com votos de que encontres bem, daqui te envio para publicação em tempo oportuno, mais um poema do meu bom amigo Piloto/Aviador reformado Júlio Corredeira.
Um hino ao amor e à vida que merece ser lido por todos que apreciam a beleza da palavra escrita com todo o seu esplendor e significado.

Grande abraço,
Mário Santos

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Eu amo

Eu amo a Natureza e tudo
o que ela encerra:
O mar, os rios, o límpido ribeiro,
As campinas de searas que enchem o celeiro
Ou a neve a cair nos píncaros da serra.

Amo as aves do campo que bicam a terra
Ou a terna andorinha que apanha o argueiro,
E deleitam-me as flores de aromático cheiro
E os animais da selva cuja voz me aterra.

Porém amo bem mais o sorrir da criança
Tão cheio de ternura, pleno de esperança,
Que, ás vezes, me parece uma vera miragem.

E amo todo o ser, um reflexo do amor
Que manifesta em si o dedo criador,
Mas, acima de todos, o Homem, sua imagem.

jc
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE SETEMBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18972: Blogpoesia (582): "Brilhantina espanhola", "Magia das manhãs" e "O regato da serra", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18979: Parabéns a você (1493): Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 488 (Guiné, 1963/65); José Câmara, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56 (Guiné, 1971/73) e Torcato Mendonça, ex-Alf Mil Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69)



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Nota do editor

Último poste da série de 3 de Setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18976: Parabéns a você (1492): Luís Gonçalves Vaz, Amigo Grã-Tabanqueiro, ex-Fur Mil PE (EPC - 1983/84)

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P18978: In Memoriam (320): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018) (Luís Graça / Alice Carneiro / Tabanca de Matosinhos / Francisco Baptista / Joaquim Mexia Alves / Ana Sequeira)



Leiria > Monte Real > Palace Hotel Monte Real >  26 de Junho de 2010 >  V Encontro Nacional da Tabanca Grande  > Uma foto para a eternidde... Uma foto, muito feliz, do Manuel Carmelita, grande fotógrafo, e grande amigo do casal: o Joaquim e a Margarida Peixoto, o nosso casalinho de professores de Penafiel, apanhados num belíssimo momento de descontracção e de ternura... (*)

Foto: © Manuel Carmelita (2010). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O professor do 1º ciclo do ensino básico Joaquim Peixoto e um grupo de alunos. S/d, s/l. Foto do arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


O escritor (José Ferreira) e... o professor (Joaquim Peixoto). Em segundo plano, ao fundo, ao centro, o José Cancela. um velho amigo e vizinho dos Peixoto (Joaquim e Margarida). O José Ferreira escreveu sobre ele uma história deliciosa, publicada aqui no nosso blogue, e a tradicional cortejo do carneirinho, em Penafiel, tradição única no país, que remonta ao ano de 1880.


Vila Nova de Foz Coa > Restaurante do Museu do Côa > 3 de setembro de 2013 >  O meu cunhado, Augusto Pinto Soares e o Joaquim Peixoto, numa visita que fizemos juntos, com as nossas mulheres, ao Museu do Coa, com viagem de comboio até ao Pocinho.

Foto: © Luís Graça  (2013). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Alguns dos seus amigos e camaradas da Guiné com quem convivia regularmente: da esquerda para a direita, José Manuel Moreira Cancela, Joaquim Peixoto,  José Manuel Lopes, Antonio Carvalho, Isolino Gomes e Manuel Carvalho. Foto de Manuel Carmelita, outro dos seus grandes amigos.

Fonte: página do Facebook do  Joaquim Carlos Rocha Peixoto.


Tabanca de Guilamilo, freguesia de Polvoreira, concelho de Guimarães... 21 de Agosto de 2011 > Sete magníficos (a contar da direita, Carvalho de Mampatá, Zé Rodrigues, Zé Manel Lopes, Zé Cancela, Joaquim Peixoto - régulo da tabanca-, Manuel Carmelita, Brito da Silva) mais um (Luís Graça, o fundador da Tabanca Grande)...

Foto (e legenda): © Luís Graça  (2011). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Tabanca de Guilamilo, freguesia de Polvoreira, concelho de Guimarães > 21 de Agosto de 2011 > A arte de bem receber e partilhar  do casal Peixoto > À hora refeição, em que participou também o resto da família Peixoto (o filho e a filha da Margarida e Joaquim, mais o genro, marido da Joana).

Foto (e legenda): © Luís Graça  (2011). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Cinfães, Porto Antigo, albufeira da Barragem do Carrapatelo > 29 de Agosto de 2011 > A Alice, o Joaquim Peixoto e a Margarida... O casal Peixoto veio à Tabanca de Candoz (Quinta de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses) retribuir a nossa, minha e da Alice, visita à Tabanca de Guilamilo,  no passado dia 21 de agosto de 2011.

Foto (e legenda): © Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Vizela > 30 de agosto de 2010 > Santuário de São Bento, a 410 metros acima do nível do mar, ao pôr do sol... Dois camaradas da Guiné, Joaquim Peixoto e Luís Graça, os dois primeiros inscritos na Tabanca de Guilamilo....

Foto (e legenda): © Luis Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquin Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949- Porto, 2018), Foto da página no Facebook.


Obrigado, Joaquim, pelo privilégio de te termos  conhecido... E até um dia, lá no Olimpo dos deuses, dos heróis, e dos amigos e camaradas da Guiné!... 



1. Conheci o Joaquim e a Margarida Peixoto por ocasião do IV Encontro Nacional da  Tabanca Grande, na Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria, em 20 de junho de 2009. Por um feliz acaso, apresentei-os à Alice  por que serem da mesma região; eles, de Penafiel, a Alice, do Marco de Canaveses... Ficámos, para sempre, bons amigos, os dois casais.

A Alice proporcionou logo a seguir, na sua casa, nesse verão o reencontro da senhora professora Margarida Peixoto com alguns dos seus antigos meninos e meninas...  A escola primária de Passinhos /Foz, no Marco de Canaveses, em 1972, foi o seu primeiro ano de atividade como professora. (**)

Eu e o Joaquim estivemos naturalmente presentes... Encantados. Foi um momento único, irrepetível. Como têm sido, para muitos de nós, alguns momentos aqui proporcionados pelo nosso blogue... De tal modo que já paga direitos de autor a frase O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande.

Em 11 de julho desse ano,  já se havia apresentado formalmente à Tabanca Grande  o Joaquim Carlos Rocha Peixoto, ex-fur mil inf,  com o curso de Minas e Armadilhas, da CCAÇ 3414 (Bafatá e Sare Bacar, 1971/73 (***).
CCAÇ 3414: Joaqiim Peixoto e Fernando Ribeiro (c. 1973)

Mas os nossos contactos remontavam já a 2007, quando o Joaquim respondeu a um pedido de
informação  nosso sobre o seu camarada Fernando Ribeiro, natural de Condeixa, morto em 1973 numa emboscada na estrada de Binta-Farim (****)

O nosso malogrado camarada Joaquim Peixoto (1949-2018) nasceu em Canelas, Penafiel. O pai era um conceituado comerciante. Também tinha um irmão que já morreu.

Segundo os dados que constam na sua página no Facebook, andou no Colégio João de Deus, no Porto,  e frequentou o Liceu Nacional de Guimarães. Já depois depois de regressar da Guiné, e por conselho da sua namorada e futura esposa, fez o curso de professor  no Magistério Primário de Penafiel (*****).

Era casado, pai de um filho e uma filha, avô de dois netos (de 3 e 5 anos) que o adoravam. Foi professor do 1º ciclo do ensino básico, tendo-se reformado no Agrupamento Escolar de Penafiel Sul. Leccionou durante anos na Casa do Gaiato, em Paços de Sousa. Aí o professor também foi aluno, recebeu lições grandes de vida, por que naquela instituição acolhem-se e educam-se meninos da rua, alguns dos quais com dramáticas histórias de abandono, violência, exclusão social...

Sempre o conheci como  um homem simples, bom, discreto, sensível, reservado (mas nem por isso menos alegre e brincalhão), hospitaleiro, amigo do seu amigo, enquanto a Margarida, também nossa grã-tabanqueira (***),  é uma típica nortenha, de verbo fácil e a sensibilidade à flor da pele. Tive o privilégio de estar com eles, na sua belíssima casa nessa belíssma terra, que é Penafiel, da qual então era então um sítio de passagem, a camimnho de Candoz, desde 1975... O pouco que sabia, do tempo da guerra colonial,  é que Penafiel era a capital do vinho verde. Ora é muito mais do que isso: rica de história, património e gente boa. Uma terra que ele amava e de que tinha orgulho  (******).

Também passei, duas vezes, pela Quinta de Guilamilo, muito ligado à memória do seu pai, que ele estava a recuperar, e onde gostava de receber os amigos, e em especial dos camaradas da Guiné.


2. Depoimentos sobre o Joaquim Peixoto

(i) Luís Graça & Maria Alice Carneiro (*******):

Estivemos, ontem à noite, na Igreja das Freiras, em Penafiel, a despedirmo-nos do nosso amigo Joaquim, e a acompanhar na dor a Margarida, a sua filha e o seu filho... Apesar de tudo, era uma família que mostrava uma grande serenidade e dignidade... O Joaquim esperara por eles para morrer, em paz, ao fim da manhã!... Lucidamente, apenas com a morfina para lhe aliviar as dores físicas!...

Desgraçadamente era uma "morte anunciada"... Morre-se sozinho, sendo este o ato mais solitário da vida, mas a companhia dos que nos amam é um bálsamo!... Não há melhor morfina do que o amor e a compaixão!... Que lição extraordinária, esta, para todos nós que receamos esse momento derradeiro e fatal... Como iremos morrer? Às três da manhã, sozinhos, numa cama do hospital, o "terminal da morte", ou lúcida, digna, corajosamente, de mão dada com os que nos amam?... 

Que melhor despedida podia querer um homem bom e um grande camarada da Guné como o Joaquim?!

Soubemos pela Margarida, quanto bem lhe fez, em vida, o nosso blogue e as amizades que ele criou e alimentou na Tabanca Grande, na Tabanca de Matosinhos, na Tabanca dos Melros e na Tabanca de Guilhomil, em Guimarães, de que ele era o generoso e hospitaleiro régulo.

Obrigado/a, Joaquim, pelo privilégio de te termos conhecido... E até um dia, lá no Olimpo dos deuses, dos heróis, e dos amigos e camaradas da Guiné!... 

Malta da Tabanca de Matosinhos, vamos fazer-lhe a nossa homenagem de despedida no almoço de 4.ª feira? Eu e a Alice alinhamos, ainda estamos por cá esta semana!... E ver-nos-emos, mais logo, com certeza, às 15 horas, na derradeira despedida do Joaquim desta "terra da alegria".

À Margarida e à sua família apresentámos também os votos de pesar da Tabanca Grande e demais tabancas, incluindo a de Candoz.


(ii) Tabanca Matosinhos

Um Camarada que parte para a eternidade.

Joaquim Carlos Rocha Peixoto

Um camarada que parte deixa-nos sempre um pouco de si. O Peixoto deixou-nos muito de si:
- Deixou-nos a amizade profunda que sabia cultivar, enriquecida pela alegria, o seu sorriso, a sua meiga palavra de acolhimento...


A sua forte vontade de viver e saborear o que a vida tem de bom era contagiante.
O Peixoto partiu. Deixou-nos mais pobres. Paz à tua alma, bom amigo. Bem mereces.

À sua esposa Margarida e demais família as nossas profundas condolências e a nossa amizade.



(iii) Francisco Batista (*******):

Aos homens bons, aos melhores homens de todos nós, desejamos uma vida longa para podermos usufruir, se possível até ao limite, a sua companhia tão agradável e relaxante.

A perda do amigo Joaquim Peixoto, que ainda há poucos meses era um homem saudável, bom, alegre, transparente, vai criar em mim um vazio que ninguém poderá preencher. Tenho a certeza que o mesmo acontecerá a muitos camaradas e amigos que o conheceram e que conviveram com ele.
A minha mulher que o conheceu, a ele e à esposa Margarida, num almoço na quinta do poeta da Régua [, José Manuel Lopes e Luisa Valente], e gostou muito do casal, gostaria muito ir ao funeral amanhã. Eu, por maioria de razões, mais conhecimento e mais convivência gostaria muito de estar presente, mas porque a minha mulher está bastante adoentada, embora por doença passageira segundo me dizem, terei que lhe fazer companhia e não vamos poder ir. 

À Margarida enviamos um grande abraço de pêsames, sabemos que a sua dor é grande, nós compartilhamos dela e tal como nós uma multidão de homens e mulheres que o conheceram que o estimaram e se sentiram felizes e honrados com a sua convivência.


(iv) Joaqim Mexia Alves (********)

(...) Pergunto-me se o conhecia assim tão bem e chego à conclusão de que não, mas a sua bonomia, a sua simpatia, o seu olhar sereno, confiante, camarigo, ligado ao da sua mulher, Margarida, transporta-me para uma realidade que queria longe de mim e que é o saber que nós, os camarigos, vamos partindo, e que não sei se deixamos história, se deixamos sentimentos, se deixamos alma lusa, para motivar os vindouros, que já cá vão estando!

O Joaquim Peixoto era a serenidade em pessoa, pelos menos para mim, e na sua partida, chora-me o coração de camarigo, mas anima-se a minha alma de cristão: Ao homem bom, Deus recebe sempre no seu amor!

Sirvo-me da expressão popular e desejo que a “terra lhe seja leve”, porque aos homens bons Deus toma-os nos seus braços e leva-os para a eternidade!

A ti, meu amigo, camarigo, Joaquim, como eu, junto-me em oração à tua Margarida, à tua família, e espero que lá no “assento etéreo a que subiste”, nos relembres sempre junto daqu’Ele que é a vida, para que também nós a ti nos juntemos um dia, fazendo de um bocadinho do Céu, uma porção de Guiné! (...)


(ii) Ana Sequeira

 Joaquim Carlos Rocha Peixoto, obrigada pela tua amizade! Jamais me esquecerei do teu sorriso e boa disposição! Obrigada pelo teu companheirismo e apoio tão paternal quando cheguei à cidade de Penafiel!! Sou muito grata por te ter conhecido, por termos feito parte de uma equipa fantástica na Escola Básica de Guilhufe, de ter privado contigo e os teus momentos que guardarei eternamente na minha memória e no meu coração! Descansa em paz! Voltaremos a estar juntos, um dia! Beijinho desta tua "filha"...
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(**) Vd, blogue A Nossa Quinta de Candoz >  10 de setembro de  2009 > A homenagem da professora aos seus primeiros alunos (Escola de Passinhos, 1972)




(******) Vd. poste de 18 de outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5126: Um Casal Garcia, para desinfectar o dente... (Joaquim Peixoto, ex-Fur Mil, CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73)

Guiné 61/74 - P18977: Notas de leitura (1097): Relendo uma obra soberba - "Vindimas no Capim", por José Brás; Publicações Europa-América (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julno de 2016:

Queridos amigos,
Quis o feliz acaso ou a fortuna que descobrisse em Vila Facaia, concelho de Pedrógão Grande, na manhã de domingo, 12 de Junho, num mercado onde se vendem, roupas usadas, cds, mil imensos bibelôs, agrícolas biológicos, pão feito por alternativos alemães, o prodigioso "Vindimas no Capim", que em tempos aqui exaltei e pela mesmo ordem de razão aqui volto a ovacionar.
Na verdade, naquele década de 1980, os combatentes, chegados aos 40 e 50 anos, deram para falar de si com uma estonteante sinceridade. Assim aconteceu, no caso da Guiné, com Álamo de Oliveira, Cristóvão de Aguiar e José Brás.
A brutalidade do romance de José Brás é por vezes arrepiante, uma brutalidade que lembra "Nó Cego", de Carlos Vale Ferraz ou "Olhos de Caçador", de António Brito. O testemunho violentíssimo de "Estranha Noiva de Guerra" de Armor Pires Mota tem outras vertentes, há também muita brutalidade (recorde-se a descrição inultrapassável do ataque a Mansabá) mas perpassa pelo seu livro um doloroso lirismo de um herói a quem se lhe nega aquela estranha noiva de guerra. José Brás pode orgulhar-nos por este seu livro soberbo, exclamativo, nunca escamoteando o jargão da caserna.
Abençoada a hora em que me decidi em ir aquele mercado de velharias e reencontrei o nosso admirável José Brás.

Um abraço do
Mário


Relendo uma obra soberba: Vindimas no Capim, por José Brás (1)

Beja Santos

Um acaso feliz permitiu-me adquirir um exemplar de “Vindimas no Capim”, estava a fazer uns dias de férias em Pedrógão Pequeno e foi um bálsamo reencontrar-me com a prosa, encontrada num mercado de velharias que funciona todos os domingos em Vila Facaia. O que é muito bom lê-se com imenso prazer, o que é muitíssimo bom, numa segunda ou terceira leitura, e distante que estamos da descoberta de uma gema preciosa, permite ver a originalidade, cerca de três décadas depois da sua publicação.

O que há de verdadeiramente distinto neste romance avassalador do nosso confrade José Augusto dos Santos Brás? Em seu nome irá falar Filipe Bento, oriundo de um meio rural, onde pontificava o machismo, a rudeza, a praga. Tempos não muito distantes, mas Filipe é solene a desvelar o teatro de origem:
“Vocês talvez não saibam, mas quem já teve a profissão de cavador, digo a profissão, não o passatempo de horas livres em pequena horta de brincar, o ofício mesmo, de levantar às cinco, cinco e meia da matina, ir à porta do patrão, caminhar os quilómetros necessários para estar no rego ao nascer do Sol, almoçar às dez, recomeçar às onze, quando não às dez e três quartos, jantar da uma às duas e largar com o pôr-do-sol, caminhar outra vez para casa, para, no dia seguinte e nos milhares de dias seguintes, repetir o gesto e isto dito assim, num repente, pode até enganar quem lê e da vida de cavador não teve notícia nunca, ou se teve foi só de raspão”.
Adrede a esta apresentação, vem um texto antológico, não é a primeira vez que o reproduzo e com muita ufania, admiração por quem o escreveu:
“Uma enxada não é só aquele pedaço de ferro retangular, moldado em meia-lua de bicos afiados num dos lados menores e encimada de um pequeno anel chamado ‘olho’, no outro lado. A enxada compra-se completa com mais dois ferros: o pescaz e a cunha.
E o que é isso do pescaz e da cunha?
Um pescaz é um pedaço de ferro alongado, com sete ou oito centímetros de comprimento por um e meio de largura, mis ou menos, com uma cabeça ligeiramente desbordada onde assentará a porrada do martelo quando se for aplicar na enxada, pontiagudo para entrar melhor no olho, entre o cabo e o ferro, atrás. A sua função é graduar o ângulo formado pela pá da enxada e pelo cabo. E esse ângulo deve ser mais aberto ou mais fechado, consoante o trabalho que se for realizar: cava, descava, sachola, abrir rego para feijão, covacho de batata, semear ou enterrar ceseirão, enterrar esterco, semear fava, tremoço ou tremocilha, ou grão preto ou branco, ou milho, ou trigo”.
Tudo começou para Filipe Bento em S. Jerónimo do Ermo, neste preciso mundo rural, não se pode falar da tropa e sobre a guerra sem ter de se falar de outras coisas.

E depois vem a parada, a ordem unida, a disciplina, andar de quartel em quartel antes de embarcar no Niassa, o destino é o Sul da Guiné. Não há artifícios para a linguagem, o nosso furriel vai para Cutima Fula e passado um mês tudo se revirara na sua vida mas que o leitor não se acanhe para além da sua preparação naquele mundo áspero, onde pontifica a virilidade, aprendeu muito com o professor Leiria, e o seu filho militar, mais a mais major, aprendeu que existia a Legião Portuguesa, que havia maroscas, pequenos e grandes poderes entre oficiais, sargentos e praças, vagomestres ladrões.

Este o pano de fundo, a superfície preparatória de uma viagem que começou em Bissau até Buba e que se espraiou por vários locais do Sul da Guiné. É uma linguagem coloquial, um tu cá tu lá com o leitor, ele que se aguente cada vez que é necessário discorrer sobre uma expressão pertinente, caso de “no cu de Judas” que ele tinha lido num livro celebérrimo de Lobo Antunes.
E o discurso que se segue é frenético entre consonâncias e dissonâncias das diferentes guerras que cada um viveu, como segue:
“A porra toda é que se para o Lobo Antunes os cus de judas eram os casinos e os dancings da Ilha de Luanda, onde kamanguistas, comerciantes do planalto, roceiros, cauteleiros da Baixa, gente se ocupação definida, se babava nas mamas de velhas putas lisboetas e cariocas, vociferando contra os cabrões que não lhes deixavam “tratar da saúde aos pretos”; se para ele os cus de Judas eram Malange e a baixa do Cassanje, o algodão que os agricultores não podiam vender se não à empresa que lhes fornecia os fatores de produção e a que estão presos por dívidas eternas, aumentadas ano a ano, colheita após colheita, e por leis do governo de Lisboa, pela vigilância de sobas e cipaios, da O.P.V.C.D.A. e da PIDE; se para ele os cus de Judas eram o Leste de Angola, Gago Coutinho, Luso, Chiúme, Marimba, Cambo; se para ele os cus de Judas eram o deserto de areia e a chana, onde soldados Ferreiras e cabos Pereiras deixavam as pernas e as tripas e militarzinhos quase crianças se enfastiavam daquela merda de morte em vida e disparavam em si próprios; se para o Lobo Antunes os cus de Judas são os percursos entre Mangando, Marimbanguengo, Bimbe e Caputo, o servilismo de sobas e de gentes gingas, a explosão da carne da lavadeira Sofia, a cama da hospedeira da TAP no Bairro Prenda, para mim cumpriu-se os cus de Judas naquela confusão de selva e água, de batelões e LDGs, de CUF e libaneses, e comércio de mancarra com agricultores igualmente esfarrapados, igualmente ligados a dívidas e a leis e a vigilâncias de cipaios e de traidores e de milícias e pides; o meu cu de Judas foram Buba e Cutima-Fula, e Nhala e Colibuia e Cumbijã e Cajamba e Mampatá e Saltinho e Madina e Gandembel e Gadamael-Porto e Cacine, tudo terras de morte de raivas contidas no calor das tardes vazias, nas garrafas de uísque e de gin, e de conhaque e do caralho, nos ataques aos quartéis, nas emboscadas, na humidade linfática daquele ar irrespirável entre as dez e as quatro da tarde; na descarga do intestino revoltado; para mim, os cus de Judas eram as idas a Buba ou a Gadamael, trinta quilómetros para cada lado, a caçar minas, a chupar emboscadas, atascados na lama das bolanhas, todo o caminho a inventar pontes, camiões cavalgando troncos de árvores num prodígio de circo para repor o stock do vagomestre e do bar com comes-e-bebes que depois se vomitavam na caganeira, quando o estômago aguentava a corrida, ou logo ali à saída da porta se a golfada saltava sem aviso”.

E prossegue a sua toada a estabelecer diferenças, que também as havia, por exemplo a proveniência da mina, seja anticarro ou antipessoal, até houve um caso em que a mina lhe estava destinada, quis a roda da fortuna que lerpasse o cabo Júlio, e por hoje aqui ficamos com tal pungente descrição:
“Os olhos do Peniche abriam-se espantados. Ali aos pés tinha o volume do resto daquilo que fora o corpo do Júlio, meio aterrado, com os cotos dos braços e das pernas a fumegarem estorricados, apontados ao alto. A pele da barriga esticara, rebentando, e mostrava um amontoado de carvão. Toda a cabeça encolhera e as feições haviam desaparecido. O crânio estava repuxado e aberto também”.

E agora vamos vê-lo a viver em Cutima-Fula.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE AGOSTO DE 2018 > Guiné 61/74 - P18967: Notas de leitura (1096): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (49) (Mário Beja Santos)