Vagos > 13 de janeiro de 2018 > Tomada de posse dos corpos sociais da Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata a Racha (biénio de 2018-2019). O António Manuel Sucena Rodrigues, já doente, é o segundo a contar da direita... Sabemos pouco sobre a sua vida pessoal, a não ser que era professor reformado, tendo-se formado em engenharia; e era um apaixonado pela gastronomia da sua região natal, a Bairrada, pertencendo nomeadamente esta confraria bairradina e à sua direção, exercendo o cargo de vice-presidente mordomo.
"A Missão da Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata à Racha é preservar, promover e divulgar os rojões da Bairrada, assim como outras iguarias, genuinamente locais e tradicionais, que sejam produtos diferenciadores das demais regiões, podendo constituir uma alavanca para o desenvolvimento socioeconómico local."
(Fonte: página do Facebook da Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata à Racha. Com a devida vénia, a foto aqui reproduzida foi editada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).
1. Em Samba Silate, Xime, Setor L1, no pós 25 de abril, fazendo a paz depois da guerra
por A. M. Sucena Rodrigues
[ex-fur mil inf, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1972-1974]
Cumpri a minha comissão de serviço na Guiné de 23 de junho de 72 a 30 de julho de 74. Apanhei lá o 25 de Abril, como se pode concluir, e por isso tive oportunidade de viver a transição da guerra para a paz. Guardo disso algumas recordações (...).
Foi um ataque ao cair da noite como normalmente acontecia, com características algo diferentes daquilo que era habitual. Durou mais tempo, com disparos da artilharia inimiga (ou RPG), mais espaçados. Curiosamente uma dessas granadas atingiu uma árvore de grande porte por cima da tabanca, tendo os estilhaços ferido alguma população. Foram de imediato tratadas na enfermaria (às escuras). Lembro-me, pelo menos, de duas mulheres, uma delas grávida já quase no fim do tempo, e de algumas crianças. É de realçar que nem as mulheres nem as crianças disseram um 'ai' que fosse, antes, durante ou depois dos tratamentos. Isto mostra um conformismo com o sofrimento e uma capacidade impressionante de suportar a dor, certamente adquirida pelo 'calo' da guerra. Imaginem se fosse cá. (...)
Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > "Para a posteridade aqui ficou uma foto tirada em Samba Silate, a única vez que lá fui, em que me apresento com as barbas que mantenho há 40 anos. Apenas mudaram de cor"... Ao centro, um guerrilheiro do PAIGC e à esquerda, na ponta, um soldado.
Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Visita do guerrilheiro à tabanca de Samba Silate, sua terra natal. De pé, pode ver-se o guerrilheiro (segundo a contar da esquerda), o Jamil (de braços cruzados) e o capitão Simão (de camisola branca e com a mão no cinturão).
Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) > Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Continuação da visita à tabanca de Samba Silate. É curioso observar, pela imagem, que a população não era certamente de etnia Fula nem Mandinga, muçulmana, mas sim Balanta, devida à prática da suinicultura...
de idade, na sua terra natal, depois de ter voltado à Guiné-Bissau e aos seus "balantas de Samba Silate", a seguir à independência.)
Fotos, legendas e texto : © António Manuel Sucena Rodrigues (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Não foi por acaso que se tratou de um ataque diferente dos habituais. Enquanto estávamos debaixo de fogo, verificámos que havia disparos de RPG tracejantes nas nossas costas e algo distantes, o que nunca tinha acontecido. É que ao mesmo tempo foi atacada a tabanca de Samba Silate (...)
Esta tabanca recebia população refugiada, vinda das chamadas zonas libertadas. Era colocada ali porque, dada a sua localização, tornava-se muito difícil sofrer um ataque de retaliação por parte da guerrilha. De um lado, tinha a estrada [, alcatroadA,] Bambadinca-Xime e, do outro, a bolanha e o rio Geba. Pode-se dizer que executaram uma operação bem planeada. Impediram-nos de sair do quartel, atacando-nos durante o tempo necessário, enquanto outro grupo destruía parte da tabanca de Samba Silate.
Esta tabanca recebia população refugiada, vinda das chamadas zonas libertadas. Era colocada ali porque, dada a sua localização, tornava-se muito difícil sofrer um ataque de retaliação por parte da guerrilha. De um lado, tinha a estrada [, alcatroadA,] Bambadinca-Xime e, do outro, a bolanha e o rio Geba. Pode-se dizer que executaram uma operação bem planeada. Impediram-nos de sair do quartel, atacando-nos durante o tempo necessário, enquanto outro grupo destruía parte da tabanca de Samba Silate.
Mas a história não acaba aqui. Não nos podemos esquecer que já tinha acontecido o 25 de Abril. Porém a paz oficialmente ainda não tinha sido acordada entre as novas autoridades portuguesas e a direcção do PAIGC. Ainda não tinham começado as primeiras conversações em Londres, com Mário Soares do lado de Portugal e Pedro Pires do lado do PAIGC. Passaram mais umas duas ou três semanas e apareceu na tabanca do Xime, pela primeira vez, um guerrilheiro fardado e desarmado. (...)
Foi ter à tabanca de um africano, homem magro e alto, salvo erro de etnia balanta, que se chamava Jamil (talvez algum camarada me possa confirmar o nome), mas que era pouco falador e bem conhecido entre nós porque sempre suspeitámos que se tratava de um informador do PAIGC (...). Foi ele que levou o guerrilheiro à presença do nosso capitão Simão.
No dia seguinte, a pedido do guerrilheiro, fomos visitar a tabanca de Samba Silate, pouco antes atacada (...). Aproveitei para ir na comitiva e tirar as fotos que agora recordo. Foi a primeira vez e única que lá fui, e estava ali tão perto...
Esse guerrilheiro contou-nos um pouco da sua história: era de lá, e mostrou-nos, com alguma emoção, as ruinas da tabanca onde tinha nascido e vivido enquanto jovem. Falou-nos também numa cruz em cimento, ainda intacta, a qual, segundo ele, havia sido construída, por um tal padre António [Grillo], missionário que lá viveu antes da guerra (...). Também mostrou as ruinas da tabanca onde viveu esse missionário (...). Cumprimentou várias pessoas da tabanca, sem grande euforia, mas sempre com respeito. (...).
Esse guerrilheiro contou-nos um pouco da sua história: era de lá, e mostrou-nos, com alguma emoção, as ruinas da tabanca onde tinha nascido e vivido enquanto jovem. Falou-nos também numa cruz em cimento, ainda intacta, a qual, segundo ele, havia sido construída, por um tal padre António [Grillo], missionário que lá viveu antes da guerra (...). Também mostrou as ruinas da tabanca onde viveu esse missionário (...). Cumprimentou várias pessoas da tabanca, sem grande euforia, mas sempre com respeito. (...).
Foi uma visita simples mas significativa que durou toda a manhã. Foi a oportunidade de reencontrar um passado que a guerra quase fez esquecer mas que na verdade estava bem presente. A vontade de acabar com a guerra não era exclusiva de uma das partes em conflito. Foi uma manhã emocionante. Todos os que, no mato, pegaram em armas, quer de um lado da barricada quer do outro, eram pessoas de corpo e alma, com sentimentos. Só os mandantes supremos é que não sabiam isso. Isto ficou demonstrado neste episódio simples mas significativo. (...)
Após a visita regressámos ao Xime e o guerrilheiro, não me lembro se nesse dia ou num dos seguintes, regressou ao mato tal como de lá veio, sem que dessemos por isso. Nos encontros amigáveis e de reconciliação que posteriormente realizámos no mato, em Madina Colhido, ele não esteve presente por razões que nos foram explicadas pelo comandante máximo do PAIGC na zona. É que a tal garrafa de uísque que o capitão Simão lhe entregou, era para oferecer ao dito comandante que, com os seus homens, deveriam festejar a paz. Acontece que, no auge das emoções, ele bebeu-a só, logo 'enfrascou-se', e por isso foi castigado com prisão. Quem havia de dizer?! (...)
[Seleção, revisão e fixação de texto: LG]
2. Reações de alguns camaradas após a notícia da sua morte (**)
(i) António Duarte:
(...) Já depois de regressar da Guiné, fez em Coimbra o curso de Engenharia Electrotécnica, tendo sido professor do ensino secundário até à reforma, que ocorreu em 2016.
Casado com a Rosa Pato, professora do ensino básico, sua namorada dos tempos da Guiné, tem dois filhos e 3 netos.
Vivia em Oliveira do Bairro, tendo sido operado em Coimbra no início do ano, aquando da deteção da doença.
Era habitual estar presente nos almoços da nossa Tabanca Grande, em Monte Real. Este ano já não foi por não estar bem.
Que permaneça vivo nas nossas memórias, já que se trata de um bom Homem, com participação em causas para ajuda dos mais desfavorecidos, estando sempre pronto a ajudar o próximo de forma desinteressada. Era voluntário do Banco Alimentar e de mais algumas organizações locais de ajuda a terceiros.
À família e amigos mais chegados, presto os meus sentidos pêsames, com a certeza que sempre recordarei os momentos vividos com ele na CCAÇ 12 e, mais recentemente, em encontros em Oliveira do Bairro e Lisboa, em conjunto com as nossas Companheiras de uma vida. (...)
(ii) Jorge Araújo:
(...) Camarada António Duarte, foi, de facto, uma má notícia aquela que acabas de me/nos dar - a morte do camarada António Rodrigues. Com ele partilhei missões conjuntas nas matas do Fiofioli, durante os anos de 1972/1973, eu, na CART 3494, ele (e tu) na CCAÇ 12.
O que se pode fazer agora? Nada! É que a natureza do tempo aliada à natureza humana comportam-se, lamentavelmente, de forma impiedosa. (...)
(iii) Tabanca Grande Luís Graça:
O que se pode fazer agora? Nada! É que a natureza do tempo aliada à natureza humana comportam-se, lamentavelmente, de forma impiedosa. (...)
(iii) Tabanca Grande Luís Graça:
António: que tão má e tão triste notícia nos trouxeste, ontem, ao fim da tarde, vinha eu em viagem do Norte. E só hoje, de manhã, a li. Obrigado, mensageiro, alguém tem que nos dar a notícia da morte dos nossos camaradas que não resistem à usura do tempo... E às vezes até parece que os camaradas da Guiné são os mais vulneráveis... Já tivemos 8 mortes, comhecidas, este ano... A nossa Tabanca Grande está cada vez mais pobre!
Eu sabia que o camarada Sucena Rodrigues estava doente, não tendo já vindo ao nosso último encontro, em Monte Real. Vem agora o desfecho, inelutável. Um duro golpe para todos nós, família (esposa, filhos, netos), amigos e camaradas...
Faço aqui um primeiro comentário, já que se tratava de um camarada da minha CCAÇ 12, da 3ª geração, um "neto", como eu gostava de lhe dizer, a brincar, a ele e ao António Duarte...
Já pedi ao António Duarte que transmita à família as condolências dos camaradas da Guiné, reunidos sob o poilão da Tabanca Grande.
O Sucena Rodrigues tem 12 referências no nosso blogue, com informações notáveis sobre o Xime e Samba Silate, do tempo em que a CCAÇ 12 passou a unidade de quadrícula, com sede no Xime, por volta do 1º trimestre de 1973 (...)
Até sempre, camarada Sucena Rodrigues! (...) (***)
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Eu sabia que o camarada Sucena Rodrigues estava doente, não tendo já vindo ao nosso último encontro, em Monte Real. Vem agora o desfecho, inelutável. Um duro golpe para todos nós, família (esposa, filhos, netos), amigos e camaradas...
Faço aqui um primeiro comentário, já que se tratava de um camarada da minha CCAÇ 12, da 3ª geração, um "neto", como eu gostava de lhe dizer, a brincar, a ele e ao António Duarte...
Já pedi ao António Duarte que transmita à família as condolências dos camaradas da Guiné, reunidos sob o poilão da Tabanca Grande.
O Sucena Rodrigues tem 12 referências no nosso blogue, com informações notáveis sobre o Xime e Samba Silate, do tempo em que a CCAÇ 12 passou a unidade de quadrícula, com sede no Xime, por volta do 1º trimestre de 1973 (...)
Até sempre, camarada Sucena Rodrigues! (...) (***)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 1 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19060: In Memoriam (324): António Manuel Sucena Rodrigues (1950-2018), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (1972/74)
(**) Vd. poste de 20 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14055: Memória dos lugares (279): Samba Silate, no pós 25 de abril de 1974: As saudades que a guerra não conseguiu apagar mesmo nos guerrilheiros do PAIGC (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)
(***) Último poste da série > 2 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19063: In Memoriam (326): João Rebola (1945-2018)... Homenagem dos amigos e camaradas. Fotos de Manuel Resende... O funeral é hoje, às 15h00, na igreja da Senhora da Hora, Matosinhos.
(*) Vd. poste de 1 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19060: In Memoriam (324): António Manuel Sucena Rodrigues (1950-2018), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (1972/74)
(**) Vd. poste de 20 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14055: Memória dos lugares (279): Samba Silate, no pós 25 de abril de 1974: As saudades que a guerra não conseguiu apagar mesmo nos guerrilheiros do PAIGC (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)
(***) Último poste da série > 2 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19063: In Memoriam (326): João Rebola (1945-2018)... Homenagem dos amigos e camaradas. Fotos de Manuel Resende... O funeral é hoje, às 15h00, na igreja da Senhora da Hora, Matosinhos.