segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19147: O nosso livro de visitas (197): Conheci em Angola o cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, ex-cmdt da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, que passou por Guileje (1968/69) e que esteve prisioneiro na Índia (1961/62), tendo falecido em 2014 (Fernando Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3380, 1972/74)


Guião do BCAÇ 2835 (Bissau e Nova Lamego, 1968/69): Mobilizado pelo RI 15, partiu para o TO da  Guiné em 17/1/1968 e regressou a 4/12/1969. Esteve em Bissau e Nova Lamego. Comandantes: ten cor inf Esteves Correia, maj inf Cristiano Henrique da Silveira e Lorena, e ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos. Subunidades de quadrícula: CCAÇ 2315 (Binar, Bissau, Mansoa, Mansabá, Mansoa, Nova Lamego, Dara, Madina Mandinga); CCAÇ 2316 (Bissau, Bula, Mejo, Guilejem, Gadamael, Bissau); e CCAÇ 2317 (Bissau, Bula, Mansabá, Guileje, Gandembel, Bula, Nova Lamego).


1. Comentário do nosso leitor e camarada Fernando de Sousa Ribeiro (*)

Chamo-me Fernando de Sousa Ribeiro e fui alferes miliciano em Angola, integrado na CCaç 3535, do BCaç 3880, entre 1972 e 1974 (**).

O primeiro oficial de operações e informações que o meu batalhão teve foi o capitão de Infantaria António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, mais conhecido por capitão Castel-Branco. Em comissão anterior, este capitão esteve na Guiné, onde comandou a CCaç 2316, do BCaç 2835, em Guileje.

A sua passagem por Guileje deixou-lhe profundas marcas psicológicas, que lhe afetaram de forma claramente visível o seu espírito. A sua posterior estadia no meu batalhão em Zemba, Angola, não melhorou em nada o seu estado mental e, ao fim de menos de um ano de comissão, veio evacuado para a Metrópole e internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Principal, como maníaco-depressivo.

Nunca, repito nunca, ouvi o capitão Castel-Branco fazer qualquer referência a Guileje e à sua experiência pessoal lá. Ele falava da Guiné em geral, contava casos passados em Bissau e noutros lados, mas a palavra "Guileje" nunca saiu da sua boca. Nunca. 

Talvez o facto de ele se ter sentido incapaz de "deitar cá para fora" as suas recordações e os seus sentimentos em relação a Guileje tenha contribuído de forma determinante para a sua degradação psicológica. De resto, tirando o seu estado de espírito alterado, o capitão Castel-Branco foi um oficial de operações muito competente e que deixou boas recordações em quem com ele conviveu em Angola.

Antes de Angola e da Guiné, o capitão Castel-Branco esteve na Índia como alferes ou tenente, encontrando-se em Goa quando se deu a invasão pela União Indiana. Foi prisioneiro de guerra. Enfim, como se costuma dizer, «a sua vida dava um filme».

O capitão Castel-Branco nunca falava de Guileje, mas falava, e muito, de Goa e da sua situação como prisioneiro na Índia. Para começar, ele aprovava a atitude do general Vassalo e Silva, que lhe salvou a vida. O que ele não aprovava, mas compreendia, foi a forma desordenada como se deu a rendição. Segundo o Castelo Branco, os militares portugueses puseram-se em fuga diante do inimigo, em vez de se entregarem, e só a contenção e disciplina das Forças Armadas Indianas impediu que muitos deles fossem mortos. Contou ele que foi uma situação deste tipo: «Onde estão os indianos, estão ali? Então fujo para acolá».

Em resultado de tudo o que viu e viveu, o capitão Castelo Branco ficou a admirar profundamente as Forças Armadas Indianas, cujo aprumo, disciplina e cavalheirismo terão sido irrepreensíveis. Segundo ele, a população civil goesa foi tratada com toda a deferência e os prisioneiros de guerra foram tratados no mais estrito cumprimento das convenções internacionais. Ele mesmo foi tratado como um oficial e não como um prisioneiro. Disse o Castelo Branco que quase a única diferença entre ele e um oficial indiano da mesma patente,  era que ele não podia comandar tropas e não podia voltar para casa. As saudades da família e a incerteza sobre a sua libertação é que foram o que mais lhe custou a suportar.

Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro


2. Há um primeiro comentário do Fernando de Sousa Ribeiro, sobre o cap Castel-Branco Ferreira, com data de 27/7/2018 (**)

Conheci em Angola o capitão de Infantaria António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, que terá rendido Joaquim Evónio de Vasconcelos no comando da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, em Guileje. O capitão Castelo Branco (como lhe chamávamos) foi o primeiro oficial de operações e informações que o meu batalhão (BCaç. 3880) teve em Zemba, no norte de Angola.

Logo desde o primeiro dia da comissão se notou que o capitão Castelo Branco "não batia bem da bola". «Ele esteve em Guileje, na Guiné», dizia-se. «Aquilo foi tão mau, que ele ficou maluco», acrescentava-se. E ninguém se atrevia a contrariar o Castelo Branco, não por receio do que ele pudesse fazer, mas por respeito por alguém que tinha comido o pão que o diabo amassou.

Como pessoa, o capitão Castelo Branco era bondoso e compreensivo, ou pelo menos assim parecia. Quando não se tem responsabilidades de comando de tropas, como ele não tinha, é relativamente fácil ser compreensivo. Não sei como ele se comportaria no comando de uma companhia.

Como militar, o capitão Castelo Branco deu provas de uma enorme competência. O maior êxito que o meu batalhão teve, e que valeu a promoção do comandante a coronel, deveu-se sobretudo à forma cuidada como o capitão Castelo Branco planeou uma determinada operação. Nessa operação, os guerrilheiros da FNLA foram completamente apanhados de surpresa, abandonaram uma vasta região e deixaram de exercer pressão militar sobre o distrito do Cuanza Norte.

À medida que o tempo foi passando, o estado de saúde mental do capitão Castelo Branco foi-se agravando cada vez mais. Ao fim de dez meses de comissão, mais ou menos, teve que ser evacuado para a Metrópole e internado no Serviço de Psiquiatria do Hospital Militar Principal. Vi-o uma vez em meados dos anos 90 e pareceu-me estar com excelente aspeto. Faleceu por volta de 2014.

3. Comentário do editor LG:

Obrigado, camarada Sousa Ribeiro, pelo depoimento... O nome do capitão António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira figura na lista dos ex-prisioneiros de guerra da Índia com direito a uma pensão, conforme despacho conjunto  dos ministros da defesa e das finanças.

Identifico igualmente o meu primo, de Ribamar, Lourinhã, Luís Filipe Maçarico... Não vejo o nome do general Vassalo e Silva, que nãio consta da lista pela simples razão de já ter morrido (em 1985).

Despacho conjunto 648/2004

A Lei 34/98, de 18 de Julho, regulamentada pelo Decreto-Lei 161/2001, de 22 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei 170/2004, de 16 de Julho, veio estabelecer um regime excepcional de apoio aos ex-prisioneiros de guerra, nomeadamente a atribuição de uma pensão.

Assim, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei 161/2001, de 22 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 170/2004, de 16 de Julho, e concluída que está a instrução dos processos pelo respectivo ramo das Forças Armadas, determina-se a concessão aos ex-prisioneiros de guerra constantes da lista anexa ao presente despacho, do qual faz parte integrante, a pensão a que se refere o artigo 4.º do referido decreto-lei.

O presente despacho produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2004.

15 de Outubro de 2004. - O Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Paulo Sacadura Cabral Portas. - O Ministro das Finanças e da Administração Pública, António José de Castro Bagão Félix.

ANEXO

(...) António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira

Caro Sousa Ribeiro, vejo que és leitor, mais ou menos assíduo do nosso blogue, e já não é o  primeiro contributo que dás para a partilha de memórias entre todos nós que fizemos a guerra do ultramar / guerra colonial (**).  O nosso blogue integra camaradas que passaram por outros teatros de operações, incluindo Angola. Não há fronteiras rígidas. Por razões de "mera economia de tempo e espaço", este blogue tem-se centrado na experiência operacional dos militares que passaram pela Guiné, entre 1961 e 1974. Mas temos falado também de outros territórios, incluindo Angola, Cabo Verde, Índia...

Obrigado por nos teres trazido notícias de um camarada da Guiné, o então cap inf Castel-Branco Ferreira que não conheci, e infelizmemte já falecido, como dizes, em 2014.  Deve ter-se reformado como coronel de infantaria. Conheci, isso sim, em 1969, o oficial que o foi substituir na CCAÇ 2316, o cap art Octávio Manuel Barbosa Henriques, mas noutras funções, como instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga (Setor L1, Bambadinca),

Nessa medida venho-te convidar para te juntares à nossa "caserna virtual" onde cabe sempre mais um camarada e/ou amigo da Guiné. Somos 779 entre vivos e mortos. Tu poderás ser o 780 a sentares debaixo o nosso mágico e fraterno poilão...Só tens que mandar as duas fotos da praxe (uma atual e outra do tempo da tropa), mais o teu endereço de email. Um alfabravo. Luís Graça

4. Ficha de unidade: CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835 

Foi mobilizada pelo RI 15, partiu para o TO da Guiné em 17/1/1968 e regressou a 4/12/1969. Esteve em Bissau, Bula, Mejo, Guileje, Gadamael e Bissau. Teve 4 comandantes:

(i) cap inf Joaquim Evónio Rodrigues de Vasconcelos;

(ii) cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira; 

(iii) cap art Octávio Manuel Barbosa Henriques;

 e (iv) cap cav José Maria Félix de Moraes.

O BCAÇ 2835 esteve em Bissau e Nova Lamego. Tinha como subunidades, além da CCAÇ 2316, a CCAÇ 2315 e a CCAÇ 2317.  Comandantes: ten cor inf Joaquim Esteves Correia; maj inf Cristinao Henrique da Silveira e Lorena; ten cor inf Manuel Maria Pimentel Bastos.

Temos 14 referências à CCAÇ 2316 no nosso blogue, e 20 ao BCAÇ 2835.

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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P19146: Notas de leitura (1115): Quem mandou matar Amílcar Cabral, reportagem publicada no Expresso em 16 de Janeiro de 1993 (2) (Mário Beja Santos)

Capa da revista do Expresso de 16 de Janeiro de 1993


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
À pergunta de quem mandou matar Amílcar Cabral, manda a probidade que se responda que não há provas concludentes sobre a natureza dos mandantes. Sabe-se que havia organização, assassinado o fundador do PAIGC os sublevados repartiram-se em diferentes atividades, é óbvio que havia um plano.

 Desapareceram ou continuam religiosamente escondidas as conclusões das comissões de inquérito. Mesmo que um dia venham a aparecer, também se poderá pôr em causa o que ali vem escrito, já houve testemunhos suficientes de que foram arrancadas declarações ao sublevados da forma mais bárbara, à altura das polícias políticas mais torcionárias.

Não deixa de embaraçar quem analisa os factos a situação chocante de duas fações distintas, cabo-verdianos e guineenses, estes apresentam-se a Sékou Touré alegando que estão fartos de ser dominados pelos cabo-verdianos, por quem nutrem uma hostilidade multissecular. Creio que não se pode ir mais longe sem exibição de provas. Mas reconheça-se que para os velhos nostálgicos da unidade Guiné-Cabo Verde continua a saber bem alegar que foi Spínola e a PIDE/DGS em Bissau que dirigiram a manobra. 

E, por fim, convém não esquecer que a morte do fundador do PAIGC é o início de um mito poderosíssimo: o que teria acontecido ao país independente sob a liderança de Amílcar Cabral?

Um abraço do
Mário


Quem mandou matar Amílcar Cabral, reportagem publicada no Expresso em 16 de Janeiro de 1993 (2) 

Beja Santos  (*)

A reportagem de José Pedro Castanheira publicada na Revista do Expresso em 16 de Janeiro de 1993 teve o mérito de reacender em bases de investigação proba e rigorosa a investigação histórica quanto às motivações e constituição do complô que levou ao assassínio de Amílcar Cabral. 

Anos depois de José Pedro Castanheira ter dado forma de livro à sua importantíssima reportagem aparecia na imprensa portuguesa um livro-testemunho de análise irrecusável. Oscar Oramas, embaixador cubano em Conacri, ao tempo dos acontecimentos, tecia um rasgado elogio ao homem Amílcar Cabral e ao génio construtor de nações. É uma biografia, infelizmente cheia de imprecisões: atribui uma falsa importância a Juvenal Cabral na formação de Amílcar, pura mistificação; faz de Cabral um deportado pelo Governador Mello e Alvim, quando ele fazia o recenseamento agrícola, está demonstrado que Cabral regressou à pressa com a mulher a Portugal, estavam gravemente doentes com paludismo… 

O antigo embaixador estudou a história muito à pressa, atrevendo-se a dislates como dizer que o território da Guiné foi descoberto por navegadores portugueses nos finais do século XV… A despeito deste quadro de perniciosas imprecisões, coube-lhe assistir de perto ao assassinato de Cabral. O fundador do PAIGC vinha a insistir de que havia um processo de sabotagem dentro do partido e advertia que a maquinação era incentivada pelas forças coloniais que se aproveitariam de traidores e delinquentes. Minutos depois dos tiros assassinos, Otto Schacht, chefe da segurança do PAIGC telefona a Oramas, pede a sua comparência. No local do assassinato, o segurança cubano que acompanha o embaixador adverte que há um grupo escondido.

E ele escreve no seu livro “Amílcar Cabral para além do seu tempo”, Hugin Editores, 1998: “Mais tarde soube-se que escondido atrás daquelas árvores estava também Osvaldo Vieira”

Oramas procura um dirigente guineense, Bacary Ghibo, este telefona a Sékou Touré, Oramas conversa com o presidente da Guiné-Bissau. Entretanto, Oramas conversa com o embaixador soviético e acerta-se numa estratégia para procurarem recuperar Aristides Pereira que fora sequestrado por sublevados e levado numa lancha. 

Oramas assiste no palácio presidencial à reunião de Sékou Touré com a delegação de sublevados. Entre os conjurados estão Momo Touré e Inocêncio Kani que “explicam que a direção do PAIGC tem estado controlado pelos cabo-verdianos em detrimento dos guineenses que são os que lutam de armas na mão contra os portugueses. Dizem ter denunciado esta situação em várias oportunidades mas Amílcar nunca lhes deu importância. Acrescentam que não queriam matar Amílcar, apenas conversar com ele, convencê-lo a mudar, mas como resistiu, na confusão foi liquidado”.

Esta leitura dos acontecimentos vistos por uma testemunha privilegiada dão conta de uma tensão profunda que se procurava camuflar, embora diversos dirigentes do PAIGC tenham vindo a declarar, pouco depois do assassinato, que a atmosfera em Conacri era irrespirável, era patente que se urdia uma conjura cabo-verdianos e guineenses já não sentavam à mesma mesa.

No seu relevante trabalho, Castanheira houve opiniões díspares. Por exemplo, o Coronel Carlos Fabião era de opinião que fora a PIDE a montar o esquema. Fragoso Allas nega qualquer envolvimento. O respetivo ministro, Silva Cunha declara que não houve intervenção portuguesa. Alpoim Calvão também atira achas para a fogueira, envolve a PIDE. Nas suas investigações dos arquivos da PIDE, nenhum dos documentos trabalhados por Castanheira permite aduzir envolvimento da PIDE no complô, igualmente não há um papel incriminatório para Spínola.

Castanheira vai até Conacri ao local do crime e escreve:  

“É um círculo de cimento, de dois metros de diâmetro, pintado de branco. À volta, um murete baixo, igualmente caiado. No meio, desenhada com pedras do tamanho de uma unha, uma estrela de cinco pontas. Foi ali que caiu Amílcar Cabral a escassos metros da residência, junto à majestosa mangueira que filtra a luz quente e clara do sol africano. Durante anos, aquele punhado de terreno esteve simplesmente protegido por uma cerca de arames velhos e enferrujados. Foi preciso esperar por 1988 para que o local passasse a estar assinalado com alguma dignidade. Em Maio de 1960, Amílcar instalou-se em Conacri, ao PAIGC foram concedidas as quatro casas que hoje são património da embaixada da Guiné-Bissau (…) os quatro imóveis, simples, funcionais, de um único piso, faziam parte de um vasto conjunto urbanístico erguido, no final dos anos 1950, pela Société Minière”.


Neste preciso local foi assassinado Amílcar Cabral ao fim da noite de 20 de Janeiro de 1973

No final da reportagem, Castanheira ouve Nino Vieira. Desconhece-se o número dos fuzilados, mas diz que houve muito mortos, admite mesmo que houve inocentes mortos e comenta: “No congresso de 1984, Fidélis Almada declarou publicamente que foi mandatado para acusar muita gente”. Interpelado quanto ao facto do grupo dos conspiradores ser composto por guineenses, não ilude a clivagem que se estabelecera, mas pensava que a causa principal da morte de Amílcar fora a infiltração, era coisa trabalhada pela PIDE. Não adiante provas. Aqui e acolá, faz a sua crítica azeda a Aristides Pereira e a Luís Cabral.

Esta reportagem de José Pedro Castanheira veio abrir espaço a diferentes interpretações quanto a organizadores. Acrescente-se que não há provas nenhumas sob a natureza dos mandantes: não se sabe quem foi o cérebro do complô guineense, que houve complô demonstra-se pela capacidade de manobra dos revoltosos ao sequestrar Aristides Pereira, ao prender todo o grupo cabo-verdiano, ao querer captar as simpatias e aquiescência de Sékou Touré. Sobre esta matéria, o relato de Oscar Oramas é muito pobre, está constantemente a invocar o que veio na reportagem de José Pedro Castanheira. 

Mas Oramas revela profundo ceticismo quanto ao comportamento de Sékou Touré, pergunta mesmo como é que os conspiradores chegaram ao palácio no meio de uma grande mobilização militar que começou logo quando o embaixador cubano conversou telefonicamente com Sékou Touré. E está comprovado que naquela manhã de 20 de Janeiro um alto funcionário guineense, a mando de Sékou Touré, vai informar Amílcar Cabral que está uma intentona em marcha, este chama Mamadu N’Diaye e pede-lhe cautelas redobradas, como hipótese de trabalho terá sido esta determinação de Amílcar que levou os conspiradores a prontamente a entrar em ação.

Enfim tudo no campo das hipóteses mas há factos iniludíveis, de um lado, estavam cabo-verdianos e, do outro, guineenses, foram estes que se sublevaram em número elevado e ninguém acredita que Momo Touré e Inocêncio Kani tivessem estofo para pôr tanta gente em movimento naquele complô. A segunda morte de Cabral será confirmada a 14 de Novembro de 1980, quando os cabo-verdianos forem definitivamente arredados do poder, na Guiné-Bissau.
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Notas do editor

Guiné 61/74 - P19145: Blogoterapia (289): Aquele toque a finados é uma coisa que me arrepia... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

1. Mensagem de Virgílio Teixeira (, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69; natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já mais de 90 referências no nosso blogue):

Data: domingo, 28/10/2018 à(s) 11:54
Assunto: Dia do Exército - Celebrações em Guimarães

Bom dia, Bom amigo Luís,

Hoje é o Dia do Exército e ainda não vi um Poste alusivo a esta efeméride. Não sabia também, talvez pela mudança da hora, alterou os meus circuitos electrónicos.

Estava a fazer a barba, a minha mulher estava na cozinha, como sempre almoçamos em casa.
Ela tem a TV ligada na RTP1. E depois vem a missa de Domingo, que ela segue religiosamente enquanto trabalha.

Quando dou conta, ela tem a TV no máximo, estava a tocar aquele hino ao mortos, pela banda militar.
Como isto me arrepia, vim logo ver e ouvir a cerimónia, embora não em trajes militares... Aquele toque a finados, é uma coisa que me arrepia, ela sabe que eu gosto disso, nem precisa dizer nada, depois diz-me que é o Dia do Exército, e estava a ser celebrado numa igreja algures em Guimarães.
Não sei se estava lá o CEME, ou CEMGFA, havia muitos galões de General.

Esta noite tive novamente mais outro pesadelo. Estava a chegar à Guiné, para uma nova comissão...
E ainda me lembro que no sonho eu disse quando lá cheguei, sozinho, que ia para Nova Lamego!
De onde vêm estes sonhos, que apesar de tudo não são pesadelos, estava a encarar tudo bem, até disse lá à malta que já conhecia aquilo tudo, tinha já estado lá, depois acordei, não sei porquê, eram horas de acordar.

Desculpa estar a ocupar o teu tempo com estas merdices, num Domingo de sol e frio, ainda não fui à rua, mas já o sinto. Mas tenho de desabafar com alguém que me compreenda, os meus já não têm paciência, eu traumatizei-os ao longo dos tempos.

Ontem tivemos um dia muito mau, com um funeral de um amigo dos meus filhos, que também era quase 'filho' da casa, com 46 anos. O Padre Bártolo foi quem fez as cerimónias, às 10 horas da manhã. Veio de carro fúnebre da Alemanha, onde vivia, estava casado com uma mulher da Geórgia, ela também estava cá. A família estava num caos, são nossos conhecidos e amigos, o meu filho foi um dos seus melhores amigos, e carregou também à frente, a urna, juntamente com outros.

Um bom dia para ti junto da tua família.

Abraço,
Virgílio
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domingo, 28 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19144: Armamento (6): Morteiro médio 81 e morteiro pesado 107 (Luís Dias / Luís Graça)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) > O espaldão do morteiro 81.

Foto (e legenda): © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Cacheu > São Domingos > 1968 > CCS/ BCAÇ 1933 (1967/69) >  Espaldão do morteiro 10.7 (tubo com estrias, enquanto o morteiro 81 tem a alma lisa...).

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Guiné > Região de Quínara > Buba > c. 1969/71 > O Fernando Oliveira, "Brasinha", ex-sol apont Arm Pes Inf, Pel Mort 2138 (Buba, Aldeia Formosa, Nhala, Mampatá e Empada, 1969/71) pesadas de infantaria, do Pel Mort 2138 (Buba, 1969/71), no espaldão do morteiro 81, com uma granada.

Foto (e legenda): © Fernando Oliveira ("Brasinha") (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > Montando segurança próxima do "porto fluvial": o morteiro 81, na margem direita do rio Fulacunda...

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. A malta sabia pouco das "armas dos outros": os infantes, por exemplo, não sabiam nada de artilharia (por ex., obuz 10.5,  obus 14, peça 11.4)... Os "artilheiros", por sua vez,  não sabiam (nem tinham que saber) nada de morteiros, uma arma de infantaria...  E por aí fora, até chegar aos pilav, aos fuzos, aos páras...

Os "atiradores" sabiam da sua "canhota", a G3 (, desmontra, limpar, montar, usar...)  e chegava... Hoje, já de nada disso nos serve, saber a distinção entre tubos de alma lisa (morteiro 81) e tubos com estrias (morteiro 107), por exemplo, São coisas que, felizmente, não vão ser precisas lá no Olimpo dos deuses e dos heróis, onde todos temos um lugar reservado, pelo menos os camaradas da Guiné. Por outro lado, estas armas são hoje peças de museu...

Mesmo assim, ainda há um uns "maduros", como eu, que vão gastando o seu latim com a discussão do sexo dos anjos... Já não me pergunto nem respondo à pergunta se vale a pena... Se perguntasse e respondesse, já tinha fechado a loja... (Felizmente, que o não posso fazer, porque o blogue não é meu, é do Luís Graça & Camaradas da Guiné, do Carlos Vinhal, do Virgínio Briote, do Eduardo Magalhães Ribeiro, do Jorge Ara+ujo e tantos mais, ao todo, 779, entre vivos e mortos.)

De qualquer modo, o saber não ocupa lugar nem aumenta o peso da alma... Quando formos para os anjinhos, vamos todos nuinhos, sem botas, bem farda, sem quico, sem a G3, sem os cantis, o cinturão, as cartucheiras... Mas nunca se sabe se o sacrista (sem ofensa...) do São Pedro nos prega a partida e não nos obriga a fazer um teste de conhecimentos  ou até mesmo um teste psicoténico... É que nem todos entram, e há quem se atreva a meter cunhas...

Pelo sim, pelo não, tomem lá boa nota das características das duas armas: sobre o morteiro 81 temos já uma dúzia de referências; sobre o morteiro 107 (, que não existia em todos os aquartelamentos, contrariamenet ao morteiro 81) temos menos referências: não chegam à  meia dúzia  (LG). (*)

O TPC é do Luís Dias, de quem já não tenho notícias há muito , e para quem mando um grande alfabravo (***).

MORTEIRO MÉDIO BRANDT m/931 de 81mm

Tipo:  Morteiro médio
Origem: França
Calibre: 81, 4 mm
Comprimento do cano ou tubo: 126 cm
Peso do cano: 20, 7 Kg
Peso do bipé: 18, 5 Kg
Peso do prato base: 20, 5 Kg
Peso do aparelho de pontaria: 1,3 Kg
Peso total em posição de fogo: 61 Kg
Alcance: 4 000 m
Alinhamento de tiro: Recurso a aparelho de pontaria apropriado
Capacidade de fogo: Variável, entre 15 a 30 granadas por minuto
Funcionamento: Ante carga, com percutor fixo e de tubo de alma lisa. O disparo dá-se por queda da granada sobre o percutor e o lançamento por acção dos gases da carga propulsora e das cargas suplementares, se as houver.
Munição: Variada: granada explosiva normal (3, 2 Kg), explosiva de grande potência (6, 9 Kg), de fumos, iluminação e de treino... As granadas podiam levar cargas suplementares presas nas alhetas que lhe davam um maior alcance. Havia granadas que armavam por inércia e só depois disso é que rebentavam ao contacto e outras que rebentavam pelo contacto da mola do nariz.

Tudo isto desmontadinho, dá 60 kg, fora as granadas... Agora imaginem o que é levar tudo isto às costas em operações no mato!... Com turras, abelhas, formigas carnívoras e capim a arder, atrás de nós!... (**)

Diz o nosso especialista em armamento, o Luís Dias (***), que o principal morteiro médio utilizado na guerra colonial foi o Brandt m/931, desenvolvido por esta firma em França, no final dos anos 20 (1927), (ainda que baseado no desenho do morteiro Stokes, de origem inglesa,) e conhecido como o Brandt 81 mm ml/27/31 (por ter sido redesenhado em 1931). Foi o morteiro das forças francesas na II Guerra Mundial. Depois da ocupação nazi foi utilizado pelas forças alemãs a contento e deu origem a um morteiro do mesmo tipo norte-americano e muitas cópias pelo mundo fora.

MORTEIRO PESADO M2 M/951 [ou M2 4.2 inch mortar]

Tipo: Morteiro pesado
Origem: EUA
Calibre: 107 mm
Comprimento do cano: 121,92 cm
Peso do cano: 48 kg
Peso do bipé: 24 kg
Peso do prato base: 79 kg
Peso total em posição de fogo: 151 Kg
Alcance máximo: 4 400 m
Alcance mínimo: 515 m
Alinhamento de tiro: Recurso a aparelho de pontaria apropriado
Capacidade de fogo: 5 granadas por minuto, por períodos de 20 minutos.
Funcionamento: Ante carga, com percutor fixo
Munição: Granada explosiva (11,1 Kg c/3,6 Kg TNT) e de fumos.

O primeiro morteiro pesado M2 entrou ao serviço das forças dos EUA, em 1943, embora o primeiro morteiro de 107mm, o M1, tenha sido introduzido em 1928. O M2 entrou em serviço na Campanha da Sicília e com grande êxito, seguindo o acompanhamento da evolução da IIª Guerra Mundial até ao seu término. Fez ainda a Guerra da Coreia e, a partir de 1951 foi, gradualmente, sendo substituído pelo morteiro M30, também de 107mm. No exército português foi nesta data que entrou ao serviço e acompanhou toda a campanha de África da guerra colonial.
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

15 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19102: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLVII: Armamento: Morteiro 81 e morteiro 60, São Domingos, 1968

4 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18283: Buba e os pelotões de morteiro 81 no período entre 1964 e 1974: um espaldão com história (Jorge Araújo)

19 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18226: Memória dos lugares (370): Buba e o espaldão do morteiro 81 onde eu dormia... (Fernando Oliveira, "Brasinha", ex-sol apont Arm Pes Inf, Pel Mort 2138, Buba, Aldeia Formosa, Nhala, Mampatá e Empada, 1969/71)

(**) Vd. poste de 8 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)

(...) Participaram na Op Tigre Vadio as seguintes forças (num total de 300 homens, incluindo carregadores civis que transportaram 2 morteiros 81, granadas de morteiro 81 e de bazuca, ... mas alguém se esqueceu dos jericãs com o precioso líquido chamado... água!) (...)

21 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5682: Armamento (1): Morteiros, Lança-Granadas, Granadas e Dilagrama (Luís Dias)

Guiné 61/74 - P19143: Blogpoesia (591): "O serrador", "Entusiasmo" e "Os enigmas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


O serrador

Duas serras e dois cavaletes eram a ferramenta.
De colete e botas.
Trabalhava à jorna.
Dois preços.
De comer ou a seco.
Chegava ao monte pela manhãzinha.
Pelo chão, espalhados, estavam os toros do eucalipto.
Mais os ramos.
Um cheirinho de invejar.
Escolhido o sítio, vinha a tarefa de pôr o toro sobre os cavaletes.
Sem ajudas.
À altura dum homem.
Em dois lances, uma força bruta,
e o toro jazia pronto para a serração.
Lá no alto, um pé à frente e outro atrás,
Derreado, apontava a serra ao tronco,
Já descascado.
E, vai de força, de cima abaixo,
Daquele jeito que só o mestre sabe,
Zás... Zás... Zás...
O serrim caía no chão e fazia tapete.
Uma tábua surgia e depois outra
E outra, até à última.
Aí, umas dez, conforme a grossura.
Era o primeiro.
A seguir o descanso. O suor escorria.
Ia ao bornal.
Uma caneca de tinto, um naco de broa e um chouriço.
Ao fim do dia, vinha o patrão.
Tarefa pronta.
Satisfação de ambos.
Madeira prá casa.
Quinze mil réis.
Graças a Deus!...

Berlim, 23 de Outubro de 2018
10h8m
Jlmg

********************

Entusiasmo

Não se compra nem vende o entusiasmo.
É um estado de alma.
Não se sabe donde vem.
É luz acesa. Sem ele, tudo apaga.
Nada tem sabor.
A apatia vem.
Reagir é o remédio.
Dar um passeio.
Pela montanha ou até ao mar.
Refrescar os olhos. Ver além.
Ouvir música.
Alegre e colorida.
Um bom vinho.
Abrir a janela.
Olhar o céu.
Tomar um duche.
Ir ao café.
Na esplanada.
Ver gente.
Ir a uma feira.
Estou certo.
Fica melhor.
Pode ser que tudo passe
E volte a sorrir...

Berlim, 25 de Outubro de 2018
8h33m
Jlmg

********************

Os enigmas

No começo, tudo está bem.
O sol e o vento são bons.
A chuva e o mar se dão bem.
Não pergunto o que haverá para lá daquela serra.
Me contento com o que tenho ao redor do meu quintal.
Uma bola, de trapos me contenta. De borracha será melhor.
Não importa a cor da camisola ou da camisa.
O que interessa é brincar.
O comer aparece sobre a mesa quando vem a fome.
Se alguém me fez mal digo ao meu pai.
É tão bom viver.
Sem perguntas. Está tudo certo.
Mas, depois vem a escola.
Letras e algarismos trazem dúvidas.
Traduzir a voz em sinais gráficos é uma meada muito envencilhada para decifrar.
Vem a história com suas histórias.
Os réis que já não há.
Suas façanhas sempre a mal.
A geografia a falar de rios e de continentes.
Já me bastava o regato da minha aldeia
e o lago de Sestais.
A aritmética das contas sempre a dar erradas.
Escrever sem erros é uma epopeia.
Depois, a religião a falar do que se não vê.
Para que serve acreditar?
De vez em quando há alguém que morre.
O corpo vai para o chão.
Para onde vai a alma do pensamento.
Dizem que é imortal.
Acreditar sem ver não é bem do nosso agrado.
Os preceitos do bom viver. Qual a fonte?
Porquê o prémio e o castigo, já me chega o que chamam a consciência?
Enfim. Um emaranhado de mistérios.
Se não fossem bem explicados,
Mais valia não haver...

ouvindo Secret Garden- Música para el espíritu - Luty Molíns
Berlim, 26 de Outubro de 2018
8h 56m
Jlmg
____________:

Nota do editor

Último poste da série de 21 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19124: Blogpoesia (590): "No meio da geometria", "Não tem pele a alma" e "Estado de alma", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P19142: Manuscrito(s) (Luís Graça) 147): Tinha 14 anos em 1961, o "annus horribilis" de Salazar e da Nação... Depois do desastre da Índia, em 18-19 de dezembro de 1961 e de cinco meses de cativeiro, o general Vassalo e Silva e outros oficiais foram expulsos das Forças Armadas, em 22 de março de 1963... Era um aviso sério para os que combatiam em África.



Primeira página do "Diário de Lisboa", de 22 de março de 1963. O jornalismo, censurado, que se fazia em Portugal, o jornalismo das notas oficiosas e dos comunicados do Governo.


Citação:
(1963), "Diário de Lisboa", nº 14464, Ano 42, Sexta, 22 de Março de 1963, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_15253 (2018-10-28)

(Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivis > Fundo: Documentos Ruella Ramos)


O gen Vassalo e Silva, no cativeiro. Foto do Paris Match,
c. 19 de dezembro de 1961.
 Fonte: A toponímia de Lisboa 
(com a  devida vénia...)
1. Com a devia vénia, ao autor do  blogue Archive of Goan Writing Portuguese [Arquivo de Escritos Goeses em Português],  Paulo Melo e Castro,  leitor de Estudos Portugueses [Portuguese Studies],  Universidade de Leeds,  Departamento de Espanhol, Português e Estudos Latino-Americanos [ Department of Spanish, Portuguese and Latin American Studies]...

O blogue esteve ativo desde dezembro de 2010 até abril de 2015. Foram publicados 460 postes, neste período, com destaque para os anos de 2011 (n=212),  212 (n=127) e 2013 (n=86).

Fomos lá descobrir este inesperado poema, da autoria de Khnata Kharana Kabba, datado de 1980, e em que se defende o general Vassalo e Silva (Torres Novas, 1899 - Lisboa, 1985),  o último governador de Estado Português da Índia,  que se rendeu às forças indianas 36 horas depois da invasão dos territórios de Goa, Damão e Diu, contrariando ordens terminantes do chefe do Governo Português, para resistir até ao último homem... É, como se sabe,  um episódio patético da nossa história do séc. XX, que abriu uma crise grave entre o regime do Estado Novo e as Forças Arnadas.

Este poema terá aparecido na imprensa goesa em 1980. O seu autor, que se expressa em português quase perfeito, é um  nacionalista, indiano de origem goesa, mas que nem sequer tem um nome português. Aqui fica, para conhecimento e apreciação, crítica, dos nossos leitores:



Archive of Goana Writing Portuguese

Monday, 22 August 2011

Khanta Kharma Kabha:

Os que [se] opõem ao Camões ou Vassalo e [Silva,
Só por não serem indianos, mas portugueses,
Saibam que eles só merecem um Viva!,
Por serem amigos de Goa e dos Goeses.

Foi Vassalo quem salvou a nossa Goa
Das ordens da sua destruição
E, quando regressou a Lisboa,
Sofreu a sua condenação.

Não é verdadeiro nacionalista
Quem não o souber admitir e homenagear
E, na sua estreiteza de vista,
Não [o] reconhecer como “political-sufferer”.
Camões, Shakespeare ou Tagore,
Qualquer deles é indiano e universal,
Não há lugar, portanto, para o rancor
Contra Camões por ser de Portugal.



[Revisão e fixação de texto: LG. Nota: "political-sufferer": vítima da política e dos políticos, da injsutiça social e económica, etc.; expressão muito usada na Índia]


2. Comentário de LG:

Eu tinha 14 anos em 1961, ia fazer 15, em 29 de janeiro de 1962... e já  "sabia" que ia parar a África como soldado do Império... quando chegasse a minha vez. Premonições... Lia os jornais, ouvia rádio, via a televisão... Seguia com apreensão o que se passava em Angola, na Índia, na Metrópole... Hoje, tenho a convicção de que foi um "annus horribilis" paar todos nós, e não apenas para o regime...

Manuel  António Vassalo e Silva (Torres Novas, 1899 - Lisboa, 1985), general do exército, foi o último Governador  do Estado Português,e comandante-chefe das forças armadas naquele território, aquando da invasão, pela União Indiana. em 18 de dezembro de 1961.

Uma invasão, de resto, há muito anunciada..., por uma força caricatamente desmesurada (um exército de 45 homens; 1 porta-aviões, 1 cruzador, 3 contra-torpedeiro e 4 fragatas; 50 caças e bombardeiros), contra um punhado de homens mal armados e mal equipados, que estavam a mnaius de 8300 km de distância de casa...

Em 36 horas foi posto  um fim à presença histórica dos portugueses, no subcontinente indiano, de quase 5 séculos (desde 1492, o ano da chegada de Vasco da Gana à Índia). (*)

Vassalo e Silva desobedeceu às ordens de Salazar para lutasse até ao último homem. Ao render-se, salvou cerca de 3300  vidas, a sua e as dos seus subordinados (que vão ficar 5 meses em cativeiro, bem como evitou o massacre da população e a destruição do património de Goa, Damão e Diu (. hoje classificado pela UNESCO como como património mundial da  humanidade, as Igrejas e os Conventos de Goa). É isso que o poema celebra.

Em 22 de março de 1963, Vassalo e Silva (, que ficará com a alcunha do "Vacilo e Salva", entre os  seus homens, )  é  expulso das Forças Armadas Portuguesas. Será reabilitado a seguir ao 25 de Abril de 1974.  A História o julgará.  A História nos julgará. Afinal os regimes, mais do que os povos, precisam de heróis, mártires e vilões... (**)
______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

17 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9219: Efemérides (82): A invasão da Índia Portuguesa em 18 de Dezembro de 1961 (José Martins)

(...) No inicio de 1961, o Coronel Francisco da Costa Gomes, na sua qualidade de Subsecretário de Estado do Exército (56.º Ministério, cargo que ocupou de 14 de Agosto de 1958 a 13 de Abril de 1961), sugeriu a redução dos efectivos naquelas paragens [Goa, Damão e Diu]  para cerca de 3.500 homens, em virtude de se ter constatado que aquele território seria indefensável, perante uma, mais que provável, invasão. Esses efectivos foram deslocados para África, onde se tinham iniciados os conflitos que se prolongariam por cerca de treze anos, e que se propagou a três frentes de combate.

Com uma guarnição de pequena dimensão, mal armada e pouco municiada, dá inicio a alguns combates esporádicos, com forças da União Indiana, em 17 de Dezembro de 1961. Porém, no dia 18, uma força de cerca de 45.000 homens, mantendo na retaguarda como reserva cerca de mais 25.000, dá inicio à invasão simultânea dos três territórios ainda em poder efectivo de Portugal. (...)

(...) 19 de Dezembro de 1961 – O contingente português acabou por se render, tendo o governador, general Vassalo e Silva, ordenado a “suspensão de fogo” às suas tropas. Mais de três mil militares portugueses foram feitos prisioneiros, entre eles o próprio Comandante. O Presidente do Conselho, Dr. Oliveira Salazar que queria “Só soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”, puniu e perseguiu alguns dos oficiais em serviço na Índia, o que abriu dolorosa ferida nas Forças Armadas Portuguesas e foi uma das raízes do derrube do regime Salazar, doze anos depois da queda de Goa, Damão e Diu. (...)


(...) Recorde-se que a generalidade dos antigos prisioneiros da Índia (cerca de 3500) foram, no regresso á Pátria, mal tratados, humilhados, abandonados, ostracisados, esquecidos... Para o regime político da época, e para sua opinião pública, eles pura e simplesmente deveriam ter-se deixado imolar no altar da Pátria na defesa da Índia Portuguesa, a "joia da coroa". Por não ter sabido resistir, até á última gota de sangue, Vassalo e Silva, o governador geral da Índia e comandante chefe da simbólica força expedicionária estacionada nos territórios de Goa, Damão e Diu, fui expulso do exército... (...)


(...) Em memória dos camaradas de armas tombados em nome de Portugal, deixamos o registo dos seus nomes, para que a História e os Homens, os não esqueçam, e não se tornem em SOLDADOS ESQUECIDOS:

Militares tombados em Defesa da Índia Portuguesa

Abel Araújo Bastos – Soldado
Abel dos Santos Rito Ribeiro – Alferes Miliciano de Infantaria
Alberto Santiago de Carvalho – Tenente Infantaria
Aníbal dos Santos Fernandes Jardino – Marinheiro
António Baptista Xavier - 1.º Cabo
António Crispim de Oliveira Godinho - 1.º Cabo
António Duarte Santa Rita - 1.º Sargento da Armada
António Fernando Ferreira da Silva - 1.º Cabo
António Ferreira – Marinheiro
António José Abreu Abrantes – Alferes Miliciano Infantaria
António Lopes Gonçalves Pereira – Alferes Miliciano Engenharia
Cândido Tavares Dias da Silva - 1.º Cabo
Damuno Vassu Canencar – Soldado
Fernando José das Neves Moura Costa - Soldado
Jacinto João Guerreiro – Soldado
João Paulo de Noronha - Guarda 2.ª classe
Jorge Manuel Catalão de Oliveira e Carmo - 2º Tenente Armada
José A. Ramiro da Fonseca - Furriel Miliciano
José Manuel Rosário da Piedade - 1.º Grumete Armada
Joviano Fonseca - Guarda-Auxiliar
Lino Gonçalves Fernandes - 1.º Cabo
Manuel Sardinha Mexia – Soldado
Mário Bernardino dos Santos – Soldado
Paulo Pedro do Rosário - Guarda Rural
Tiburcio Machado - Guarda-Rural

OBS: Esta lista pode estar incompleta.

Os Soldados da Índia só foram “reabilitados” do ostracismo a que foram votados, após o 25 de Abril. Todos os prisioneiros de guerra, foram condecorados com a Medalha de Reconhecimento  (...)  em 03 de Maio de 2003, pelo então Ministro de Estado e da Defesa Nacional Dr. Paulo Portas. (...)

(**) Último poste da série >  26 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19138: Manucrito(s) (Luís Graça) (146): Tinha eu sete anos quando começou a guerra colonial, com a invasão e a ocupação dos "anexos" de Dadrá e Nagar-Aveli, Estado Português da Índia, em 22 de julho de 1954...

Guiné 61/74 - P19141: Parabéns a você (1516): Jorge Fontinha, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2791 (Guiné, 1970/72) e Coronel Inf Ref Luís Marcelino, ex-Cap Mil Inf, CMDT da CART 6250/72 (Guiné, 1972/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19119: Parabéns a você (1515): Fernando Súcio, ex-Soldado Condutor do Pel Mort 4275 (Guiné, 1972/74) e Rogério Cardoso, ex-Fur Mil Art da CART 643 (Guiné, 1964/66)

sábado, 27 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19140: Os nossos seres, saberes e lazeres (290): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (9): A viagem de regresso, tijolo e muito Património da Humanidade (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Agosto de 2018:

Queridos amigos,
Sai-se de casa com boas intenções, aquele museu des Augustins tem suficiente riqueza para lá passar uma boa parte do dia, esclareça-se que só a riqueza em capitéis românicos é de primeiríssima classe, está ali Património da Humanidade. Mas o diabo tece-as, o viandante ia disposto a flanar, e flanou mesmo, de modo que chegou tarde ao museu des Augustins, e quando lá entrou apercebeu-se que tinha à sua espera uma prodigiosa exposição, é a compensação que o museu dá enquanto se fazem obras na secção das Belas-Artes.
Prepare-se o leitor, pois, para os próximos capítulos.

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (9): 
A viagem de regresso, tijolo e muito Património da Humanidade

Beja Santos

O viandante passeia-se pelo Canal do Midi, anda nostálgico, em breve acabarão tão dulcificantes férias. Hoje não sai do burgo, tem muito que fazer em Toulouse, passa pela gare ferroviária, mais um dia de greve, por isso viajou tanto de autocarro, às vezes tem as suas vantagens.



Não se veio a Toulouse à procura da capital do reino Visigótico, sabia-se, consta mesmo do Guia Michelin, que há muito tijolo nesta arquitetura, basta pensar na Basílica de St-Sernin, nas esculturas românicas do Museu des Augustins, onde hoje se volta por causa de um património ultra valioso, os capitéis de templos religiosos que foram demolidos no século XIX e houve um espírito previdente de os guardar e preservar.



Vai o viandante a caminho do Museu dos Augustins, prato de substância para hoje, mas não resiste a bisbilhotar fachadas, praças, houvesse tempo e até se poria um pé dentro do Museu da Aeronáutica, Toulouse tem o seu nome associado à aventura aérea, lembre-se Antoine de Saint-Exupéry, o escritor e piloto que nos deu o Principezinho, ou Jean Mermoz, o pioneiro da linha Rio de Janeiro – Santiago do Chile, foi ele que estabeleceu a primeira ligação postal com a América do Sul; há também o Museu de História Natural de Toulouse e um Museu do Cartaz, tem patente uma exposição de cartazes de transatlânticos, para já não falar da Fundação Bemberg, que permite ao visitante conhecer um conjunto excecional de pinturas de Pierre Bonnard. Paciência, não se pode ter tudo.



Passou-se de raspão pela praça do Capitólio, hoje é dia de feira, o viandante por ali anda a admirar bijuteria marroquina, tudo a dez euros, parecem tesouros saídos da caverna de Ali Babá, bijuteria refulgente, diga-se em abono da verdade que tem o seu quê de impressionante, é um grande bazar a céu aberto.




É fatal como o destino, passar pela Basílica de Saint-Sernin exige uma visita de médico, o viandante já confirmou existir uma admirável harmonia das escalas, esta igreja de peregrinação construída no século XI e, claro está, com acrescentos até ao Renascimento e obras de restauro no século XIX impõe-se pela abside, o cruzeiro, as naves, mesmo as laterais, o deambulatório e aquele espetacular altar do século XI, oferta papal. O viandante anda por ali de olho arregalado, é como se estivesse a visitar S. Pedro ou a Basílica de Assis, são impressões esmagadoras, para diante da magnificência do altar-mor, são horas de partir para os Augustins.





São João Evangelista e Santo Agostinho, por Perugino

Quem diria que se iria encontrar tanta opulência, escultura gótica, escultura românica, salas de pintura, estamos num convento transformado em museu, é um exemplar de grande beleza arquitetónica gótica meridional, construído entre os séculos XIV e XV. Uma parte fundamental do museu está em obras, oferece-se ao visitante uma exposição fabulosa, Toulouse no Renascimento, que o leitor que tem a paciência de acompanhar estas deambulações se acautele, vêm aí iluminuras surpreendentes, vitrais, escultura em pedra e em bronze, relicários, manuscritos espantosos. O viandante volta já.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19122: Os nossos seres, saberes e lazeres (289): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (8): Em Pau, com chuva torrencial, à procura de Henrique IV, aqui nascido (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19139: Efemérides (294): Há 49 anos, neste dia 24 de Outubro, no RAP 2, soube que estava mobilizado para a Guiné (António Tavares, ex-Fur Mil SAM)

Porta de Armas do Quartel da Serra do Pilar - Rua Rodrigues de Freitas


1. Mensagem do nosso camarada António Tavares (ex-Fur Mil SAM da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72), com data de 25 de Outubro de 2018:

Camarigos,
Há 49 anos neste dia 24 de Outubro soube que estava mobilizado para a Guiné. Era o meu dia de “Casamento” com o Teatro de Operações do Comando Territorial Independente da Guiné.

A proclamação foi publicada na Ordem de Serviço n.º 250 de 24.10.1969 do RAP 2, que transcrevo:

Nomeação de pessoal para o Ultramar
- Que segundo nota n.º 52400, Pº. 6/4 - HC de 13.10.1969 da RSP/DSP/ME, o pessoal abaixo indicado foi nomeado para servir no Ultramar nos termos da alínea c) do Art.º 3.º do Dec. 42937 de 22/4/60
BCaç.2912/C.Caç.2699, 2700 e 2701/RI 2
B. Caç.2912
ALIMENTAÇÃO – RI 2/RAP 2 ANTÓNIO CARLOS S. TAVARES – 2989/69 – NM 03175469.  

Ao longo dos anos outros nomes e números foram escritos em Ordens de Serviço. Com certeza só a alínea c) do Art.º 3.º do Dec. 42937 de 22/4/60 era comum e aterradora para um jovem em idade militar.

O Quartel de Vila Nova de Gaia – RAP 2 – viu partir milhares de jovens para a Guerra Colonial.
Recebia os Soldados de toda a região Norte mortos no Ultramar.

Nos três meses que estive no RAP 2 vi partir e regressar muitos militares.
Não sei qual o momento mais emotivo a que assisti. A partida era uma incógnita para o desconhecido… Para a Guerra!
Os familiares acompanhavam os militares até aos cais de embarque: Estação das Devesas ou um Cais Marítimo de Lisboa.
A chegada talvez fosse mais emotiva ao receber os Heróis do Ultramar.

As ruas de Rodrigues de Freitas e dos Polacos enchiam-se de pessoas. Estas, quando avistavam os camiões da coluna auto, que transportavam os regressados militares, gritavam e choravam de emoção a chamar os familiares que estiveram na guerra durante dois e até mais anos.
As barreiras colocadas no perímetro da Porta de Armas facilmente eram derrubadas pelo mar de gente.

 Rua dos Polacos

Os Comandos do quartel davam ordens para os militares, que faziam a segurança, recolherem ao quartel. Assim aconteceu com o meu pelotão.

Para todos uma infinidade de tempo decorria entre os períodos em que o militar entrava no RAP 2 e o que abraçava a família.
Militar que regressava diferente do Homem que tinha partido.
A chamada Peluda ficava para uns meses mais tarde.

O Quartel da Serra do Pilar ao longo dos anos teve vários nomes, a saber:
- Maio 1889 a 1897 – Brigada de Artilharia de Montanha;
- 1897 a 1911 – Baterias Destacadas do RA6, RA4 e RA5;
- 1911 a 1926 – Regimento de Artilharia n.º 6;
- 1926 a 1927 – Regimento de Artilharia n.º 5;
- 1927 a 1939 – Regimento de Artilharia Ligeira n.º 5;
- 1939 a 1975 – Regimento de Artilharia Pesada n.º 2;
- 1975 a 1993 – Regimento de Artilharia da Serra do Pilar;
- 1993 a Julho 2014 – Regimento de Artilharia n.º 5 e
- a partir de Agosto de 2014 - Quartel da Serra do Pilar.

Um Quartel onde assentaram Praça gerações familiares talvez predestinadas para a arma de Artilharia.

 Obuses na Parada General Torres

“ E AQUELES QUE POR OBRAS VALOROSAS SE VÃO DA LEI DA MORTE LIBERTANDO” 
Monumento aos Mortos na Guerra Colonial na Parada General Torres. 
O General Torres foi o 1.º Comandante da Fortaleza da Serra do Pilar.

 
A Caserna dos Polacos da Serra que se distinguiram durante a Guerra Civil (entre as tropas de D. Miguel e D. Pedro IV) e o Cerco Porto (entre Julho de 1832 e Agosto de 1833)

 Monumento na Parada General Torres, evocativo das Invasões Francesas

A minha despedida do Quartel de Galomaro, nas matas do Leste do Teatro de Operações do Comando Territorial Independente da Guiné, em Março de 1972.

Abraço do
António Tavares
Foz do Douro, Quarta-feira 24 de Outubro de 2018
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19135: Efemérides (293): Homenagem aos paraquedistas que completaram 50 anos de brevet (1968-2018): Tancos, 27 de setembro de 2018 (Jaime Bonifácio Marques da Silva, ex-alf mil pára, 1ª CCP/BCP 21, Angola, 1970/72)

Guiné 61/74 - P19138: Manucrito(s) (Luís Graça) (146): Tinha eu sete anos quando começou a guerra colonial, com a invasão e a ocupação dos "anexos" de Dadrá e Nagar-Aveli, Estado Português da Índia, em 22 de julho de 1954...




Mapa de Portugal Insular e Ultramarino. Porto: Editora Educação Nacional, [1939]. Excerto: Mapa de Damão, e enclaves de Dadrá e Nagar-Avelli.  Era usado na minha escola Conde de Ferreira, na Lourinhã.


Cartoon de Sant Ana. Diário de Lisboa, 28 de julho de 1954 (com a devida vénia ao autor e editor...): o 'Pandita' Nehru (1889-1964) lançando,com uma fisga, uma pedra ("Dadrá") à cara do gigante Vasco da Gama (Sines, 1469 — Cochim, Índia, 24 de dezembro de 1524), sob o olhar estupefacto do rei Sol... Convenhamos: não terá sido o primeiro "insulto", de parte a parte...

Em 1783, Nagar-Aveli foi cedida aos portugueses, como reparaçãp patrimonial,  pelo afundamento de um navio português pela marinha marata. Dois anos depois, em 1785, os portugueses  compram Dadrá, inserindo o novo território no Estado Português da Índia.(LG)







Diário de Lisboa, 28 de julho de 1954.


Citação:
(1954), "Diário de Lisboa", nº 11368, Ano 34, Quarta, 28 de Julho de 1954, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_19456 (2018-10-26)

(Cortesia da Fundação Mário Soares > Casa Comum > Fundo: Documentos Ruella Ramos)



1. A censura impediu a notícia da ocupação, por voluntários nacionalistas indianos, do enclave de Dadrá , a 22 de julho de 1954 (e não 14 de junho, como refere alguma da nossa historiografia militar...), pelo "United Front of Goans" [Frente Unida dos Goeses], liderada por Francisco Mascarenhas; são assassinados Aniceto do Rosário, o sub-inspetor do posto de polícia de Dadrá, e o soldado António Francisco Fernandes. (Aniceto Rosário,  herói desconhecido, de origem goesa, mascido em 1917, será depois condecorado a título póstumo com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; tem nome de rua em Lisboa.)

A 28 de julho, mais um punhado de nacionalistas [, do Exército Livre de Goa (Azad Gomantak Dal, AGD, liderado por Prabhakar Sinari) e da Organização Nacional dos Voluntários (Rashtriya Swayamsevak Sangh, RSS; liderada por Raja Wakankar)   cercaram Naroli e  neutralizam as escassas forças policiais que defendiam o território. Não havia forças do exército.

A polícia portuguesa, sob o comando do administrador Nagar-Aveli, o capitão Virgílio Fernandes Fidalgo, concentra-se em Silvassa, e resiste entre 2 e 8 de agosto. Com centena e meia de polícias e alguns voluntários, as forças portuguesas retiram para Khanvel. Encurralado, o capitão Fidalgo acaba por assinar a rendição das suas forças,  em Udva, a 11 de agosto de 1954, em troca da garantia de que os seus cento e cinquenta homens e os que haviam sido feito prisioneiros pelos indianos, pudessem chegar  até Damão, em segurança. Consuma-se a queda de Nagar-Aveli...

A 15 de agosto (, data com grande simbolismo para os indianos, já que comemora a independência da Índia em 1947, e que era desde 1858 a "joia da coroa" britânica), um grupo de "satyagrahis" ocupa temporariamente o forte de Tiracol, a norte de Goa.

Em 10 de agosto de 1954, Salazar dirigiu-se ao país, através dos microfones da Emissora Nacional, falando sobre Goa e a União Indiana.

Acrescente-se mais umas pitadas de história: o território de Nagar Aveli paasou a pertencer à coroa portuguesa, em 10 de junho de 1783. já no reinado de D. Maria I; na sequência do Tratado de Amizade celebrado em 17 dezembro de 1779, no reinado de Dom José I, e como reparação por danos causados à fragata portuguesa Santana pela marinnha do Império Marata, em 1772.   Dois anos depois, em 1785, é feita a compra de Dadrá.  A soberania portuguesa sobre estes "exclaves" de Damão, ereforça-se com a derrota do império marata, em 1818, infligida pelo exército britânico, na III Guerra Anglo-Marata. Entretanto, a Índia torna-se independente da Grã-Bretanha, em 1947, incorporando a nova república todos os territórios até então submetidos à coroa inglesa.  Os territórios franceses são integrados em 1954. Portugal era a última potência colonial na Índia, depois da Ingaterra, da Holanda e da França...


2. Entre 22 de julho e 11 de agosto de 1954 são invadidos e ocupados  os dois enclaves do Estado Português da Índia, situados a sudeste de Damão (também conhecidos como exclaves de Damão, no coração do Guzerate).

Os invasores pertenciam a diferentes grupos nacionalistas (, conhecidos por "satyagrahi", ou seja, reclamando-se dos princípios da resistência não-violenta de Gandhi, a "satyagraha"). Sabemos que beneficiaram da "proteção" das forças da União Indiana que cercavam os enclaves.

Estes acontecimentos podem considerar-se como o início da "guerra colonial" e do "fim do império"...Poucos portugueses ainda se lembram destes topónimos e menos ainda sabem do que é que se passou nestes territórios que faziam parte do mítico Portugal pluricontinental e plurarracional de que ia do Minho a Timor... 

Quando entrei para a escola primária, no ano letivo de 1954/55, ainda tive que decorar estes topónimos e saber apontá-los no mapa... E comecei a ver os meus vizinhos, mais velhos,  a partir para a Índia, "em defesa da Pátria".

(...) Havia o drama dos soldados  que partiam para as Índias,
Goa, Damão e Diu 
(sem os enclaves de Dadrá e Nagar-Aveli
que o “Pandita” Nehru  já nos tinha usurpado!),
de caqui e farda amarela e botas de polaina,
capacete de aço e mauser,
e as mães da rua dos Valados,
comprida, do cemitério ao largo das Aravessas,
que, desgrenhadas, roucas, histéricas,
rasgando véus e saias e arrancando cabelos, 
gritavam, imploravam, praguejavam e  até invetivavam Deus  e a santa da sua mãe, 
para que os dois (, juntos, sempre tinham mais força!),
velassem por eles, os seus meninos,
e os trouxessem de volta, sãos e salvos,
no veleiro de torna-viagem.(...)

In: Luís Graça - Autobiografia: com Bruegel, o Velho, domingo à tarde.
Texto poético, inédito, 2005, c. 50 pp.


3. Recorde-se que em 11 de junho de 1953, Lisboa e Deli cortam relações diplomáticas. Nehru decreta, no final desse ano, o bloqueio económico aos territórios portugueses.  Não havia, por isso, nenhuma força militar em Dadrá e Nagar-Aveli.

Em 18 de dezembro de 1961, a União Indiana invade e ocupa militarmente os restantes territórios, Goa, Damão e Diu, com uma força caricatamente desmesurada (um exército de 45 homens; 1 porta-aviões, 1 cruzador, 3 contra-torpedeiro e 4 fragatas; 50 caças e bombardeiros). 36 horas foi o suficiente para pôr um fim à presença histórica dos portugueses, no subcontinente indiano, desde 1492, o ano da chegada de Vasco da Gana à Índia.

Em 1955, Portugal tornara-se membro da ONU e logo vai interpor recurso, ao Tribunal Internacional de Haia, com vista a recuperar os territórios de Dadrá e Nagar-Aveli. A sentença,  lavrada cinco anos depois, em 1960, é "salomónica": condena como ilegal a invasão, reconhece a soberania portuguesa sobre os territórios de Dadrá e Nagar-Aveli, mas a União Indiana tem todo o direito... de impedir qualquer acesso (de pessoas e bens) aos enclaves... 

Na Assembleia Geral das Nações Unidas, Portugal começa a ser cada vez mais um país internacionalmente isolado... A intransigência de Salazar (ou a sua incapacidade em negociar uma solução historicamente honrosa com a União Indiana) vai desembocar no "orgulhosamente sós" e na guerra colonial...

 O recrudescer da guerra fria e o peso do movimento dos não-alinhados, a par do apoio da União Soviética e da "neutralidade" da administração Kennedy e do Vaticano, ajudam também a explicar e compreender o desastre (anunciado) de 18 de dezembro de 1961.

Alguns dos meus vizinhos e parentes da Lourinhã ficaram lá prisioneiros, cinco meses, juntamente com mais 3300 camaradas.  Menos de oito anos depois, em 24 de maio de 1969, eu partiria no T/T Niassa (com o Jerónimo de Sousa, hoje líder do PCP, e tantos outros camaradas que ficaram anónimos...) para a Guiné, em missão de soberania... LG

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Fontes consultadas:

Filipa Alexandra Carvalho Sousa Lopes - As vozes da oposição ao Estado Novo e a questão de Goa.
Porto: Faculdade de Letras, Universidade do Porto, 2017 (Tese de doutoramento em Ciências da História, 432 pp, disponível em Repositório Aberto da Universidade do Porto, FLUP - Faculdade de Letras, FLUP - Tese : http://hdl.handle.net/10216/108453)


E ainda "Ìndia, Estado da", in: Dicionário de História de Portugal (coord. António Barreto e Maria Filomena Mónica), vol VIII, Suplemento F/O, Lisboa: Livraria Figueirinhas,1999, pp. 255-261,

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Nota do editor: