sábado, 16 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20979: Os nossos seres, saberes e lazeres (392): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
A Campânia, nome da região napolitana, tem uma poderosa herança da magma Grécia, inicialmente aqui falou-se grego, obviamente com a constituição da República Romana o latim ganhou foros de cidade. O amante da antiguidade clássica tem à sua disposição três sítios arqueológicos de elevadíssimo valor: Pompeia, o mais gigantesco dos sítios, com fórum, mercado, banhos, teatro, casas riquíssimas e uma atração muito especial que são os vestígios bem explícitos dos lupanares; Pestum, a antiga Poseidonia, fundada por colonos gregos de Sibaris, os entusiastas por arqueologia têm aqui templos magníficos e uma figura de referência, um fresco conhecido por um mergulhador; e a antiga Herakleion, de que estamos a falar. Mostram-se inicialmente imagens tiradas do alto, pela simples razão de que o local da antiga Herculano está bem abaixo do nível da cidade moderna.
É esta sumptuosidade de casas, traçado das ruas, frescos e marcas impressionantes da vivência quotidiana que aqui se pretende mostrar.

Um abraço do
Mário


Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (4)

Beja Santos

Não tendo a importância nem a magnificência de Pompeia, Herculano era uma cidade muito próspera. O traçado da cidade que as cinzas da erupção do Vesúvio soterraram em 79 d.C. foi planificado na primeira metade do século IV a.C., conheceu renovação urbanística durante a época de Augusto, sobretudo o teatro, a basílica, o aqueduto e até os templos, as termas e o ginásio. Herculano sofreu um terramoto devastador em 62 d.C., o Imperador Vespasiano contribuiu para a reconstrução. A superfície dentro das muralhas seria aproximadamente de vinte hectares e os habitantes quatro mil. As imagens que se vão mostrar têm a ver com as escavações a céu aberto de uma área modesta, não chega a cinco hectares. O que significa que o visitante não tem acesso a edifícios muito importantes, até porque uma parte deles já se encontra fora do parque arqueológico. A erupção do Vesúvio alterou profundamente toda a área, as águas eram muito próximas de Herculano, agora estão a centenas de metros. Em termos topográficos, como qualquer outra urbe romana, a estrutura da cidade organizava-se em eixos principais conhecidos por decumanos e com ruas transversais conhecidas por cardos. É um dos dados do génio arquitetónico romano e que perduraram na civilização europeia. Quem hoje percorrer Tomar verifica que o seu casco histórico, aprovado pelo infante D. Henrique, tem estrutura similar.




Entra-se no parque arqueológico num ponto ermo, o que permite tentar algumas panorâmicas, recordando sempre que é uma área menor aquela que está escavada. E antes de investir na visita ao que as escavações permitem ver, visitou-se uma exposição de peças encontradas e preservadas, o tema dominante eram os objetos de luxo da cidade romana, como vamos ver, optou-se por mostrar ourivesaria, moedas e belíssimos mosaicos.






As escavações de Herculano começaram em 1738, usou-se a técnica das galerias subterrâneas até que em 1828 começaram as escavações a céu aberto. O milagre de encontrar tantos sinais do que era a vida em Herculano deve-se aos cerca de dezasseis metros de materiais resultantes da erupção que conservaram não só o traçado da cidade como edifícios, azulejos e artefactos de toda a ordem. Após sucessivas escavações, vieram à luz do dia restos orgânicos num número impressionante, até uma embarcação foi descoberta em 1982 na velha praia. Os andares superiores dos edifícios permitem compreender cabalmente como eram os volumes dos mesmos e as técnicas de construção utilizadas.





Quem tem gosto por ver de perto os sinais de uma civilização do período da antiguidade clássica, encontrará aqui motivos de regozijo. Fez-se uma réplica dos esqueletos humanos que se descobriram em 1980 e que são o testemunho da erupção do ano 79 d.C. Eram habitantes de Herculano que fugiam para a praia com os seus objetos mais valiosos, mas não suportaram a elevada temperatura das nuvens ardentes emanadas do vulcão. Foi nesta zona que se encontrou uma embarcação romana de nove metros de comprimento. É inequívoco que a costa estava muito perto. Felizmente que o visitante tem ao seu dispor um pequeno guia que lhe é entregue à entrada e que lhe dá a possibilidade de identificar as termas suburbanas, a área sagrada, os templos, casas senhoriais, os locais da compra de comida, o ginásio, casas com portais ou átrios, oficinas, lojas, por toda a parte temos vestígios de estabelecimentos onde se vendiam bebidas e comida quente, já que os romanos almoçavam fora de casa.



Com o entusiasmo desta apresentação, o viandante dá conta que há muito mais em Herculano, falta ainda falar de certas casas, estabelecimentos e templos de grande beleza.
Fica para a próxima.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20956: Os nossos seres, saberes e lazeres (391): Em frente ao Vesúvio, passeando por Herculano e Ravello (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20978: FAP (120): Ainda o trágico acidente com o T6 - 1795. em Canquelifá, de que resultou a morte do fur mil pil Moutinho (Valdemar Queiroz / Abílio Duarte / Cândido Cunha, CART 2479 / CART 11, 1969/70)


Guiné > Região de Gabu > Canquelifá > Dezembro 9169 >  O Abílio Duarte examinando os restos do T6

Foto (e legenda): © Ab+ilio Duarte  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentários ao poste P20973 (*):

Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

É interessante verificar como se pode 'arranjar um abatido em combate', até parecia uma informação do PAIGC.

Eu, com o meu 4.º Pelotão cheguei a Canquelifá em 14 ou 15/12/1969. Fomo-nos juntar a outro Pelotão da nossa CART 11 reforçando a CART 2439 na defesa de Canquelifá que tinha sido fortemente atacada na semana anterior.

Quando lá cheguei já tinha acontecido [, em 4/12/1969,]  o desastre com o T6 que resultou a morte do piloto Moutinho. Não me recordo de nenhuma conversa sobre o que aconteceu.

Recordo-me muitas vezes de Canquelifá por causa do meu amigo, já falecido, ex-fur.mil. Aurélio Duarte e da bonita tabanca com uma placa à entrada desejando 'Bem-Vindo às Termas de Canquelifá,  com o desenho do repuxo e tudo.


Abílio Duarte, foto abaixo: ex-fur mil, CART 2479, mais tarde CART 11 e, finalmente, já depois do regresso à metrópole do Duarte, CCAÇ 11, a famosa Companhia de “Os Lacraus de Paunca” (Contuboel, Nova Lamego, Piche e Paunca, 1969/70); está reformado como bancário do BNU - Banco Nacional Ultramarino]

Como já referi anteriormente, conheci este malogrado camarada, no dia do seu último aniversário e véspera do acidente.

Esteve connosco na nossa Messe, em Nova Lamego (Quartel de Baixo), onde o meu camarada Furriel Mecânico Pais de Sousa, era seu amigo.

Em relação aos comentários de agora, tenho a dizer o seguinte. Ele estava aquartelado no edifício do Batalhão, uns quarteirões mais acima, do nosso local. Não me apercebi que ele estivesse alcoolizado. Não acredito.

Os T-6, tinham ficado em Nova Lamego, toda a noite, e saiu no dia seguinte para Canquelifà, reabasteceu e voltou a levantar voo, tendo tido uma avaria, tentou regressar à pista e o avião despenhou-se, tendo ficado todo calcinado.

A outra versão que leio agora, estranho muito, pois estive em Canquelifá, por vários períodos (15 dias) em reforço da guarnição, e nunca ouvi comentar, que ele tenha sido atingido pelo inimigo.

Portanto, e até provas em contrário, para mim ele teve um problema no avião e não conseguiu aterrar em condições. Em anexo mostro uma foto onde eu estou vendo o T-6 destruído, e por lá ficou por muito tempo.


Espinho > Silvalde > Fevereiro de 1969 > CART 2479 / CART 11 > IAO, Instrução de Aperfeiçoamento Operacional > Uma "foto histórica" um "ninho" de lacraus, designação do pessoal da futura CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Piche) > O Cândido Cunha é o nº 3... Os restantes (cujas cabeças são visíveis); o Ferreira (vaguemestre) (10), o Abílio Pinto (11), o Manuel Macias (6), Pechincha (que era de operações especiais) (7) e o Abílio Duarte (5).

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guine.]


Cândido Cunha [, vd. foto acima]

O último voo do "T-6 1795" em Canquelifá

A causa da queda do T-6 em 4/12/1969, foi que, ao levantar voo ainda a baixa altitude, o nosso querido e malogrado piloto Alberto Moutinho, ao notar uma pequena falha e perda de potência no motor da aeronave, ao invés de tentar ganhar velocidade mantendo a altitude que já de si era perigosamente baixa, puxou para si o manche e, logo a aeronave caiu como uma pedra sobre uma tabanca, tendo uma velhota, que dela tinha saído, escapado por escassos metros.

Fomos dos primeiros a chegar ao avião envolto em chamas e vimos vários camaradas tentando partir a carlinga tentando retirar o querido e malogrado piloto. Entre eles o cozinheiro da 2439.

Copos, anti-aéreas e outras divagações, não. Por favor!

Abílio Duarte

Desconfiava que naquela altura havia lá gente da nossa Companhia, mas não tinha a certeza, se tu assististe à tragédia, é porque eu ainda não andava contigo e estava no 1º Pelotão, pois como sabes acabamos o nosso degredo no 3.º Pelotão.

Eu ainda hoje não consegui descobrir, porque é que passei do 1.º para o 3.º. Uma vez perguntei ao nosso falecido Capitão o porquê, e ele muito alentejano me disse "é a guerra Duarte... é a guerra".

Abraço, velho Lacrau. Por onde nós andamos... e ainda vamos por aí, depois de caganeiras, paludismos e toda a merda que havia, estamos agora em casa de prevenção. As voltas que a vida dá.

PS - Meu Caro Coronel Miliciano Lukas Titio, gostei que aparecesses aqui neste nosso blogue. Como diz o Valdemar, tu estiveste lá, nos piores dias da nossa CART 11, em Canquelifá. Bem hajas, abraço.


2. Segundo António Martins Matos [, ex-ten pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74[, "na zona de Canquelifá nunca houve AAA. Houve Strelas, mas isso já foi em 1974."

O António J. Pererira da Costa, por seu turno, confirma:

"Concordo com a afirmação do António Martins Matos. Nessa altura, o PAIGC dispunha de ZSU-23-4, mas só no Quitafine (próximo de Cacine). Creio que já não seriam muitas. A FAP tinha-as destruído uma a uma (cap pilav Jesus Vasquez e outros)." (*)
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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 14 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20972: FAP (119): O último voo do "T-6 1795" e a morte do Fur Mil Pil Alberto Soares Moutinho, em 4/12/1969. O acidente dever-se-á a pouco depois da descolagem o avião ter embatido com a ponta da asa numa árvore, despenhando-se de seguida (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12)

Vd. também poste de 13 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20968: FAP (118): O último voo do «T-6 1795» em Canquelifá, e a morte do fur mil pil Alberto Soares Moutinho, em 4/12/1969 (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P20977: Parabéns a você (1802): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CMDT da CCAV 8351 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20973: Parabéns a você (1801): António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493 (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 15 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20976: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (12): Mais umas dicas do "Chef" Joseph Belo, da Suécia tão exótica quanto erótica...


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3 > Sandochas suecas de camarão (Fotos 1, 2, 3)


Foti nº 4 > Sandocha de rena


Foto nº 5 > Sandoha de Alce


Foto nº 6 > Sandocha de Urso

Fotos gentilmente cedidas por J. Belo [e editadas pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]José Belo:


1. Depois de dois meses  de confinamento,   por causa da maldita pandemia de COVID-19, com a malta farta de comer pizas e conservas de atum,  já sabe bem experimentar outros sabores, como os da exótica (mas também erótica) Suécia... 

Eu, por mim, confesso-me: gosto mais da comidinha cá da nossa terra, mas à falta de melhor, também ia uma sandocha de alce... Em contrapartida, nesta "quarentena cinéfila", já vi ou revi os filmes todos do Ingmar Bergmam, de fio a pavio, e de trás para a frente... O último foi o "Mónica e o desejo" (em sueco, "Sommaren med Monika", um verão com Mónica), um filme de 1953, que passava nos nossos cineclubes, à porta fechada, e se tornou um filme de culto: na puritana Suécia do pós.guerra, e no estrangeiro, gerou polémica  pelas cenas de nu feminino  integral... Bergmam e a sua "piquena" Harriet Andersson,contribuiram em muito para a criar o mito  da Suécia como um "paraíso sexual"... Mas quem vê Bergmam não vê apenas a Suécia, vê a humanidade toda, nas suas misérias e grandezas... Setenta anos depois, este filme, com magnífica fotografia a preto e branco, continua a ser uma das obras-primas do mestre Bergmam.. Uma de muitas!...

Fiquemos então  aqui com as sugestões gastronómicas do Joseph Belo, o nosso régulo da Tabanca da Lapónia...

Pura alquimia, a que se faz na Tabanca da Lapónia:
vodca multidestilado que sai puríssimo, a 96%...
2. Recorde-se quem é o nosso luso-lapão, que, mesmo confinado, não deixa por mãos alheias  os seus predicados de "chef"... (Devo dizer que nunca fechou o restaurante da Tabanca da Lapónia, nem muito menos arrumou o seu alambique de cobre onde  se faz o melhor  vodca do círculo polar ártico):

José Belo:

(i) ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70;

(ii) manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década;

(iii) está reformado como capitão de infantaria do exército português:

(iv) jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, nem como nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, mas também Key-West, Florida, EUA;

(v) é o único régulo da tabanca de um homem só, a Tabanca da Lapónia (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães. dos seus alces e dos seus ursos);

(vi) "last but not the least",,, achamos que ele "é mais carneiro do que peixeiro", a avaliar pelas fotos de filetes de rena, alce e urso que nos mandou...
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Guiné 61/74 - P20975: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (2): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Abril de 2020:

Queridos amigos,
O fundibulário escreve uma primeira carta de agradecimento àquela intérprete que aceitou, com a maior das naturalidades, ser co-participante numa tentativa de romance, estavam distanciados, e ele escrevia-lhe para lhe contar a sua vida passada, durante o primeiro encontro ela manifestou a maior das surpresas quando ele lhe disse que tinha combatido na Guiné.
Como tudo isto é ficção, e porque se trata de um arremedo de romance, nada de significativo ficará de pé, houve que recuperar imagens do blogue, e importa confessar que se deu estremecimento ao visualizá-las, aconteceu qualquer coisa de tremendo na viagem pelo tempo, houve mesmo ressurreição de mortos e quem está vivo permanece mais vivo no meu coração, pois aquele tempo e aquele lugar tornaram-se indefetíveis de quem sou hoje.
E vamos continuar este arremedo, se me permitem.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (2): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Annette, não tenho palavras para lhe agradecer a sua disponibilidade em ajudar-me a preparar um arremedo de romance, algo que não tenho perfeitamente definido no espírito, como lhe disse no almoço, supus que teria interesse, passadas estas décadas, contar as memórias de uma vivência na guerra da Guiné. A sua disponibilidade tocou-me ainda mais quando se prontificou a ler as minhas recordações, no tal contexto forjado de que éramos duas pessoas que mantinham uma relação apaixonada mas estavam forçados à distância, com encontros presenciais esporádicos, nessa ficção. Ela por ser intérprete, a saltitar por vários países, ele obrigado a ganhar a vida e a dar apoio a três filhos já crescidos, dois com rendimentos precários e um ainda a estudar; foi ela, de nacionalidade belga, que instou ao amoroso português detalhes da sua vida, em encontros anteriores, e revelou o seu assombro quando ele lhe disse que era um antigo combatente numa guerra colonial; e ficou de pé o compromisso de ele lhe dar os tópicos, e se possível as imagens dessa guerra, ela limitara-se a ler, muitos anos antes, uma obra sobre Amílcar Cabral, e ficara impressionada com o vigor do seu pensamento, acrescido o facto de ele ter sido o construtor de uma nação… Annette, volto a Bruxelas no fim deste mês, até perto do Natal haverá reuniões sobre o impacto do euro, sabe melhor do que eu que a partir de 1 de janeiro de 2002 viveremos com a moeda única, a Comissão Europeia pretende que ao longo dos dois próximos anos se delineie uma estratégia de comunicação. Encontrei algumas imagens avulsas que lhe envio, mas começo por lhe dar o pano de fundo desta guerra, que teve condições singulares distintas das guerras que travámos em Angola e Moçambique.

A presença portuguesa neste local da Costa Ocidental de África foi episódica entre os séculos XV e XIX, havia umas praças, uns fortins, uns presídios, comércio de escravos numa base de grande concorrência com espanhóis, franceses, ingleses e holandeses. Chamava-se a esta área a Senegâmbia, que se foi reduzindo até que, depois da Conferência de Berlim, finalizada em fevereiro de 1885, começou uma certa ocupação num espaço muito parecido àquele que negociámos com os franceses em 1886, entregou-se uma região do Norte, que deixou muita mágoa, o Casamansa, e definiram-se fronteiras com as quais se descobriu que afinal tínhamos andado na orla, nalguns pontos dos rios mais propícios ao comércio, e recebíamos um interior completamente desconhecido. A reação dos autóctones foi em muitos casos violenta, já tinha sido antes na definição das fronteiras com os franceses, esta região da Guiné era administrada por Cabo Verde, houve nos anos 1870 um verdadeiro desastre, um massacre numa localidade chamada Bolor, num território (chamado “chão”) de uma etnia, os Felupes. Um dos aspetos mais aliciantes desta colónia é o mosaico étnico, nos dias de hoje conheceu fortes mudanças mas mantém os seus aspetos essenciais desde as grandes alterações demográficas do século XIX, depois das guerras entre as etnias Fula e Beafada. O território está encravado entre duas antigas colónias francesas, uma independente em 1958 e outra dois anos depois, a Guiné Conacri e o Senegal. Amílcar Cabral preparou jovens quadros que tinham feito formação sobretudo na China, isto a partir de 1961, a subversão foi desencadeada no segundo semestre de 1962, e a guerra propriamente dita iniciou-se em janeiro de 1963. A visão de Amílcar Cabral colheu de surpresa os meios militares portugueses, esperavam algo parecido ao que se tinha passado em Angola, nada disso aconteceu. A superfície da colónia era de pouco mais de 36 mil quilómetros quadrados, eu depois mostro à Annette o mapa para ver os aspetos peculiares da região, tropical e húmida, com inúmeros braços de mar, com marés aparatosas, há momentos, na baixa-mar, em que a Guiné cresce, na preia-mar mingua, passa de 36 mil para 28 mil quilómetros. Há a tal diversidade de etnias, muitas delas são animistas, as restantes são predominantemente islamizadas, o cristianismo só recentemente é que passou de um dígito para dois. Logo em 1963, a guerrilha começou a estabelecer-se em pontos nevrálgicos do Sul, acoitava-se em matas densas, mesmo a aviação não era capaz de distinguir os santuários da guerrilha, do ar só se viam os trilhos, muitas vezes a fazer uma teia impressionante; estendeu-se ao Centro-Norte e criou sérios sobressaltos na região Leste. E nunca mais parou de crescer, depois de, em 1964, ter havido uma pronunciada demarcação entre todos aqueles que preferiram passar para a guerrilha ou ficar sobre a proteção portuguesa, isto tudo a par de um drama que eu também vivi, as populações sobre duplo controlo.

Cheguei à Guiné em finais de julho de 1968, dois meses antes houvera substituição de Governador e Comandante-Chefe, quem chegara, de nome Spínola, já Oficial-General, era tratado como o homem providencial, preocupava-se muito com os problemas dos soldados, visitava diariamente de manhã os aquartelamentos, descia em locais onde se estava a combater, recebia as tropas recém-chegadas à Guiné com discursos calorosos, afastava oficiais superiores com o pretexto de que eram incompetentes. E prometia profundas alterações no posicionamento no terreno. Desembarco com dois baús carregados de livros, discos e gira-discos, uma mala e dois sacos com outros haveres. Fui em rendição individual. Mais tarde explicarei a Annette o que sucedera antes, eu tinha regressado de Ponta Delgada, Açores, para formar batalhão numa localidade perto de Lisboa, Amadora, houve um sério conflito com o meu comandante de companhia, era um homem que dizia abertamente que um preto aguenta perfeitamente um interrogatório com trezentas agulhas no corpo e então dá-nos as informações de que precisamos, contestei as práticas, foi uma escalada que levou ao meu afastamento, fui apurado de “ideologicamente inapto para a guerra de contraguerrilha, mormente no Ultramar Português”. Aguardei a minha sorte, o meu destino, foi-me ditado poucos dias depois de eu ter chegado, ia para o Cuor, um regulado frente a Bambadinca, portanto já no Leste, teria a responsabilidade de um Pelotão de Caçadores Nativos e dois Pelotões de Milícias, em duas localidades, Missirá e Finete, ambas com população civil, não sabiam dizer-me ao certo mas tudo somado andaria pelas 400 pessoas, ou talvez menos.

É essa a narrativa que eu vou contar a Annette, com todos os pormenores de que me lembro, guardei uma boa parte da correspondência que recebi, a então minha namorada conservou centenas de aerogramas, outros familiares, sobretudo a minha mãe e a minha irmã, ofereceram-me o correio que lhes enviei, inclusivamente as imagens. Perdeu-se uma boa parte do espólio, houve uma potente flagelação em Missirá, na noite de 19 de março de 1969, arderam dois terços das habitações, iria então começar aquele que ainda hoje considero que foi o maior desafio da minha vida, voltar a pôr Missirá de pé. Hoje não a canso mais, mostro-lhe só algumas imagens, depois conto-lhe quando voltarmos a conversar, se acaso for possível já no fim de outubro, dar-lhe-ei mais detalhes quanto aos preparativos da minha ida para a Guiné, falaremos os dois com estas fotografias na mão. Não tenho palavras pelo que está a fazer por mim, alguém que lhe bateu à porta da cabine de interpretação e que lhe pediu para almoçarem juntos e que lhe contou uma história de um possível romance que só seria escrito com a imprescindível colaboração de alguém com o seu perfil. E parece que acertei em cheio. Receba toda a gratidão e o reconhecimento do Paulo Guilherme Morais Ferreira.


Annette, eu vivia nesta casa (diz-se morança), não dá para perceber a vastidão do desastre que ocorreu em 19 de março de 1969, felizmente, pode ver do lado esquerdo, ficou de pé o edifício dos nossos abastecimentos, ao fundo vê também uma cozinha que ardeu e mais longe o abrigo onde estavam as nossas guarnições. Estou a escrever este comentário, caminho para os 55 anos, e parece que foi ontem que tudo isto aconteceu.


Algures, em meados de 1969, tive que ir a Bissau depor num julgamento de um soldado de milícia que deixara fugir um prisioneiro. Dois dos meus camaradas de Missirá estavam de férias, alguém nos tirou a fotografia, a Annette não vai acreditar na história que lhe irei contar acerca do 1.º Cabo Barbosa, à esquerda, lamentavelmente esqueci o nome de quem está vestido à civil, porventura amigo de um deles, à minha esquerda está o António Fernando Ribeiro Teixeira, o 1.º Cabo de Transmissões, tenho por ele uma gratidão desmedida. Neste tempo, estava em plena forma, rodado de uma viagem diária de 25 quilómetros, entre Missirá e Mato de Cão, depois explico-lhe o porquê destas viagens diárias, como elas eram cruciais para o abastecimento das tropas da chamada Região Leste.


Cedo, o meu relacionamento com a população civil ganhou intimidades. Arranjou-se professor para além do padre que tinha a sua escola corânica, de nome Lânsana Soncó, adorava convites que lhe fazia para bebermos chá Príncipe com pãozinho quente e cubos de marmelada. Uma destas crianças, o segundo menino a partir da direita, é tratado como meu irmão, é já sexagenário, vive em Portugal, daqui não pode sair, depois de dois enfartes do miocárdio. É o filho mais novo do régulo Malam Soncó. O mais crescido da foto, acocorado, é Tumblo, vive em Bissau, teve um AVC, recuperou ligeiramente, estou neste momento a vê-lo, tal como se vê na fotografia, a caminhar a meu lado, a caminho de Finete, com uma espingarda Mauser a tiracolo. Eu depois falo à Annette destas crianças, há muito para contar.



Quebá Sissé, conhecido por “Doutor”, o cozinheiro de Missirá. Fotografia do início do março de 1969, todo aquele fundo irá desaparecer, dias depois, como lhe disse. Ao fundo, do lado direito, pode ver o nosso balneário, uma estrutura indescritível, aquelas chapas rasgavam a carne a qualquer descuidado. Do lado esquerdo, vemos crianças que ajudavam na confeção das refeições, assistia-lhes o tal direito de ficarem com as sobras. Um dia, vi uma criança a esfregar as mãos no interior de uma panela e a levar ao nariz. Achei aquilo insólito e perguntei o que é que havia de especial, respondeu-me que havia ali restos do esparguete da refeição, nunca tinha comido esparguete e achava aquele cheiro muito bom.


A Mesquita de Missirá, onde fui várias vezes rezar. O local é o mesmo, a estrutura é nova, do meu tempo, e obra nossa, é a construção ao lado, a escola, não estava fechada, as crianças precisavam de luz, com a independência ter-lhe-ão dado outro aproveitamento. Envio esta fotografia à Annette para dar conta do profundo respeito com que tratávamos os muçulmanos, neste Cuor, fundamentalmente em Missirá, eram todos muçulmanos.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20953: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (1): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P20974: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXVIII: Pedro Rodrigo Branco Morais Santos (Vila Nova de Gaia, 1942 - Moçambique, 1971)





1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).

Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972 ]
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Guiné 61/74 - P20973: Parabéns a você (1801): António Eduardo Ferreira, ex-1.º Cabo CAR da CART 3493 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20958: Parabéns a você (1800): Fernando Valente (Magro), ex-Cap Mil Art do BENG 447 (Guiné, 1970/72) e Henrique Matos, ex- Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52 (Guiné, 1966/68)

quinta-feira, 14 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20972: FAP (119): O último voo do "T-6 1795" e a morte do Fur Mil Pil Alberto Soares Moutinho, em 4/12/1969. O acidente dever-se-á a pouco depois da descolagem o avião ter embatido com a ponta da asa numa árvore, despenhando-se de seguida (Mário Santos, ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12)


Guiné > Bissalanca > BA 12 > Novembro de 1969 > Na foto, a contar da esquerda estão António Gomes, Alberto Cruz, Galinha Dias, Cartaxo (à civil) José Ramos, Heleno e por último o Moutinho.

Foto (e legenda): © Mário Santos (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, Bissalanca, 1967/69), com data de 13 de Maio de 2020:

Caro Carlos Vinhal... 

Espero que te encontres bem, e continues escondido do bicho... 

Relativamente ao acidente referido em epígrafe e postado hoje dia 13-05-2020[1] no blogue, envio-te em anexo uma foto onde se encontra o malogrado Furriel Pil / Av Alberto Soares Moutinho alguns dias antes do fatal acidente que lhe tirou a vida [, em Canquelifá, 4/12/1969]. O Soares Moutinho é o último da direita.

Pelo que sei, segundo a informação do Comandante de Esquadra do Piloto, o acidente deverá ter acontecido, devido à sua pouca experiência. Pouco depois da descolagem embateu com a ponta da asa numa árvore e despenhou-se de seguida... 

Grande abraço
Mário Santos
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Notas do editor:

[1] - Vd. poste de 13 de Maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20968: FAP (118): O último voo do «T-6 1795» em Canquelifá, e a morte do fur mil pil Alberto Soares Moutinho, em 4/12/1969 (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P20971: 16 anos a blogar (11): Poema de João Afonso Bento Soares, maj gen ref, sobre a sua terra natal: "Meimoa, Princesa da Cova da Beira"


Penamacor > Meimoa > c. 2001 > Ponte Romana sobre o rio Meimoa, afluente do rio Zêzere


Foto (e legenda): © JA Bento Soares  (2020). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 


MEIMOA, Princesa da Cova da Beira

Pergunto o que sou e o que fiz

Questiono, da vida, o seu sentido 
Interrogo o que penso e o que quis 
Indago porque aqui terei nascido.

Percebi que há nascer, há primaveras,
Houve mesmo as maleitas estivais;
Colhi outonais frutos, quais quimeras,
Perdido em sonhos que não sonho mais.

Mas ficou, da Meimoa, o chamamento,
Bendigo suas gentes e seu chão
Verdejando ou terreando em seu lamento... 

Deixando-lhe estes versos numa reza
Ergo uma prece, um voto, uma oração
A quem, da Cova da Beira, é Princesa!

Dia da Senhora da Póvoa – 4 de Junho de 2001 –
João Afonso


[João Afonso Bento Soares, ex-capitão eng trms, STM / QG / CTIG (1968/70), hoje maj gen ref, nosso grã-tabanqueiro nº 785; vive em Oeiras, tem sete referências no blogue]


2. Trocando mensagens pascais, já em plena pandemia de COVID-19,  recebi do João Afonso  a seguinte mensagem:

 sábado, 11/04, 17:58



Bem haja, e que tudo vá correndo bem aí para baixo. Eu vivo nos arredores de Lisboa, mas nasci na Beira Baixa, numa aldeia chamada Meimoa (concelho de Penamacor) e a ela (que um irmão meu mais velho baptizou de "Princesa da Cova da Beira") fiz os dizeres em anexo, na qualidade de mui fraco bardo (...)
 
Mais um Abraço

JA Bento Soares
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Nota do editor:

Último poste da série > 1 de maio de  2020 > Guiné 61/74 - P20928: 16 anos a blogar (10): Independências - Parte II (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR)

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20970: Da Suécia com saudade (70): O verdadeiro rei das florestas escandinavas, o alce ("älg") (José Belo)


O alce [älg,  na língua local; moose, em inglês], um verdadeiro ícone da vida selvagem na Suécia.

Fotos gentilmente cedidas por J. Belo [e editadas pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de José Belo que deve estar a fazer o "desconfinamento" na sua Tabanca da Lapónia. e seguir viagem até Key-West, Florida, EUA:

José Belo:

(i) ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70;

(ii) manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década;

(iii) está reformado como capitão de infantaria do exército português:

(iv) jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, nem como nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, mas também Key-West, Florida, EUA;

(v) é o único régulo da tabanca de um homem só, a Tabanca da Lapónia (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães. dos seus alces e dos seus ursos);

(vi) last but not the least,,, achamos que ele "é mais carneiro do que peixeiro", a avaliar pelas fotos de filetes de rena, alce e urso que nos mandou...


Date: domingo, 3/05/2020 à(s) 16:20
Subject: O verdadeiro rei das florestas Escandinavas

O símbolo, aqui por todos aceite,como sendo o mais representativo dos suecos,  é sem dúvida o Alce.
Numa área 14 vezes superior à portuguesa, e com o mesmo número de população, compreende-se que vastas extensões do território nada mais tenham que florestas, lagos, rios e uma riquíssima fauna selvagem.

Em quantidade, dispersão,e não menos em tamanho, os alces ocupam o primeiro lugar.

Existem, segundo cuidadosas estatísticas Estatais, entre 300.000 a 400.000 alces nas florestas suecas.
Em cota anual 100.000 são abatidos, tanto para consumo da carne como para manter um nível saudável entre esta espécie.

A cota de 100.000 não é escolhida ao acaso mas antes por se ter em conta que em média nascem cerca de 100.000 alces no ano seguinte.

Quanto ao consumo da carne, as receitas tradicionais, que se perdem na noite dos tempos, muito para além dos Vikings, säo fantásticas.

Um animal adulto pesa cerca de 700 quilos, tem mais de 2 metros de altura média e cerca de 3,5 metros de comprimento. Tem pernas muito altas que lhe permitem deslocar-se com relativa facilidade quando a neve é profunda.

Um adulto é maior que um cavalo. Os cornos,que, ao contrário das renas, só os machos têm, crescem em média 2,5 centímetros por dia (!). Atingem enorme dimensöes quando os animais têm entre os 6 e os 12 anos.

Colocados em cima da cabeca de um tão alto animal ainda o tornam maior à vista.

Pode viver até aos 25 anos, mas devido a ser abatido (e obviamente são sempre escolhidos os maiores por causa da carne) vive em relidade uma média de 10 anos.

Deslocam-se com facilidade 30 quilómetros por dia. Ao correrem podem atingir os 60 km/hora.

Tendo uma aparência  pacífica, são bastante agressivos quando as fêmeas acompanham crias, ou quando são surpreendidos na floresta.

Quando se dão contactos , e ao contrário do que se poderia esperar, tendo em conta os enormes cornos (mais usados para combate entre machos), é com as longas patas frontais que escouceiam, rápida e violentamente em típico movimento de "bicicleta". Com isto procuram atirar ao solo o homem, cão, ou lobo, para depois o pisarem com os seus 700 quilos.   alce, em sueco, diz-se älg; em inglês, moose].

Quanto ao urso,  procuram dentro do possível evitar o contacto. São os ursos que os buscam (de preferência animais velhos ou doentes). Devido ao peso dos ursos, são os cornos a arma então usada como defesa.

Ao imaginar-se um animal maior,  mais alto e mais encorpado que um cavalo, a inesperadamente escoucear com as patas da frente (!) compreende-se que alguns destes encontros sejam fatais para os humanos.

Näo säo estes encontros que em geral causam  as mortes, mas sim os resultantes de acidentes de viação quando os alces procuram, durante a noite, atravessar estradas . E estes acidentes, mortais para os humanos dentro das viaturas,säo muitos.

Nas estatísticas oficiais é apresentado o número de humanos mortos em tais acidentes no ano de 2017 como o de 7.300 (!). Em média. nos outros anos, os números são semelhantes.

Parece impossível mas torna-se ainda mais grave ao considerar-se as estatísticas que mostram que a cada morto por acidente correspondem mais de seis casos com consequências clínicas graves do tipo 
paralisias, cegueiras, etc,etc,etc.

O cinzento acastanhado da cor da pele destes animais torna-os muito difícil de ver nas escuras, enevoadas e cheias de nevões noites escandinavas,mesmo com os potentes faróis que aqui se usam.
Em outro detalhe interessante,os olhos dos alces,ao contrário da maioria dos animais selvagens frente aos farois de um carro, não refletem a luz dos mesmos.

As longas pernas do animal colocam-no, aquando da colisãio a alta velocidade, nãoo à altura dos para-choques ou mesmo do motor mas sim à altura do para-brisas contra o qual os 700 quilos são violentamente atirados, penetrando grande parte do corpo no veículo.

É por tudo isto que (para curiosidade e espanto dos turistas que visitam a Suécia vindos de automóvel) ao longo de todas (!) as auto estradas suecas,e de ambos os lados das mesmas,corre uma vedação em rede grossa com mais de 3 metros de altura para deste modo procurar evitar, pelo menos nas auto-estradas, este tipo de acidentes mortais.

Tendo em conta a área da Suécia, e que a mesma está coberta de auto-estradas, pode-se calcular o custo desta rede de proteção.

De qualquer modo estas "alimárias" sempre encontram maneira de enganar a rede, sejam elas junto a saídas da auto estrada, bombas de gasolina,ou restaurantes, isto mesmo que as aberturas sejam mínimas.

É certo que os lusitanos já estäão a pensar que os sacanas dos suecos näo querem mesmo que se entre nas auto-estradas sem se pagar!... Mas elas aqui säo gratuitas.

Ou, a ser-se mais concreto,a sua manutenção é paga pelos cidadãos ao Estado, anualmente, através dos impostos.

Mas, e com saudade do meu querido Portugal, pergunto-me :
- Quantos metros de rede seria retirado todas as noites para fazer capoeiras na minha santa terrinha?

Um grande abraço,
J. Belo.

PS1 - Dá uma saltada ao Youtube....Älg på Svanvik ....(também funciona com o teclado portuguës Alg pa Svanvik). Poderás aí ver como o alce procura escoucear o cäo com as patas fronteiras.
Num outro video colocado junto com o nome de Älgen på Utby  pode-se ver um alce calmamente a comer maçãs num quintal. É pena que não mostrem o que acontece aos alces horas depois de comerem as maças,quando estas fermentam no estômago do animal e o álcool lhes provoca bebedeiras que os fazem movimentar-se como um Chaplin Bêbedo!) 

PS2 - Cada vez menos sei se estas coisas "exóticas" que me rodeiam,  aí dizem algo que valha a pena ser lido.São realidades tão dísparas das portuguesas que muitas vezes me pergunto o que eu pensaria delas se aí tivesse continuado a viver. As análises editoriais são, quanto a mim, fundamentais quanto a este tipo de participação "fora de contextos".

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P20969: Historiografia da presença portuguesa em África (209): “Madeira, Cabo-Verde e Guiné”, por João Augusto Martins, 1891 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Lê-se e não se acredita como um depoimento deste teor aparece omisso na chamada bibliografia fundamental da Guiné. O autor é médico, acompanhou a delimitação de fronteiras depois da Convenção Luso-Francesa de 1886, tem comentários cheios de vitríolo, como aquele de na sua visita a Bolama ter encontrado o edifício mais sumptuoso, "pertencente a esse nomeado Gouveia, que veio para aqui há nove anos como Guarda Fiscal e que hoje representa o Rotschild da terra, à custa do trabalho".
Visitou a região sul ao pormenor, empolga-se com a beleza feminina, desvela o estado lastimável em que se encontrava a vila de Bissau e profere alguns dos mais amargos comentários que alguém escreveu sobre o desprezo em que era tida aquela colónia de belezas admiráveis e de recursos inexplorados. Absurdo não incluir este testemunho de João Augusto Martins entre o que de mais significativo se escreveu quando a colónia da Guiné se autonomizou de Cabo Verde.

Um abraço do
Mário


“Madeira, Cabo-Verde e Guiné”, por João Augusto Martins, 1891 (2)

Beja Santos

No descritor reservado à Guiné-Bissau, na Biblioteca Nacional (com centenas de obras consultáveis), dá-se nota de uma publicação que nunca se vira referenciada em nenhuma bibliografia. Trata-se de uma edição da Parceira António Maria Pereira, a data é 1891, tem ilustrações primorosas para os três territórios visitados, acicata-se a nossa curiosidade, a Guiné autonomizara-se recentemente de Cabo Verde, que surpresas nos reserva este autor, que se descobrirá, mais adiante, que colaborou no levantamento das fronteiras da Guiné Portuguesa?

Pauta-se por uma escrita cuidada, novecentista e sem travessuras, não esconde João Augusto Martins que está rendido às belezas naturais. Ficou em suspenso, no texto anterior, o que ele nos diz sobre a vila de Bissau, que ele caracteriza por “pequena, acanhada, de construções raquíticas e vulgares, imunda de todo o indiferentismo das municipalidades de África, somada a todas as inalações do lodo, da catinga e do azeite de palma”.
Dá-nos um quadro movimentado da vida comercial:
“Existem aí casas francesas, alemãs, americanas e inglesas, além de muitos pequenos negociantes, na maior parte de Cabo Verde, e concorrem à praça todos os dias, não só os povos que a avizinham, mas muitas das tribos afastadas que a abordam em grandes canoas sui generis pela construção, os quais vindo permutar por tabaco, aguardente, fazendas, etc., os produtos de agricultura e objectos originais da indústria indígena, dão um cambiante nitidamente selvagem a esse limitado quadro da vida africana, curiosíssimo pela variedade de penteados e costumes de seus personagens, interessante pela tatuagem com que se enfeita o preto, pitoresco pela diversidade dos tipos, dos penachos, das gesticulações e das vestimentas, profundamente impressionista no género grutesco, e constituindo no todo um espectáculo original.
Para todo esse importante comércio de permutações que se avalia em centenas de contos de réis, tem apenas como meio de acesso as duas portas de Pidjiquiti e Puana, abertas na face oeste e este da muralha, e uma raquítica ponte de cibes pertencente à casa Buttman, que, sendo pouco extensa, apenas pode ser utilizada na praia-mar, o que obrigou a mim e aos meus companheiros de viagem a sermos desembarcados às costas de um preto”.
E tece ainda o seguinte comentário, falando da fortaleza de S. José da Amura:
“É nesta superfície de algumas centenas de metros quadrados, roubada toda ela sem método e sem plano à vegetação pujante que a povoava outrora, que reside hoje mais ou menos desconfortavelmente instalados, desde o Governador até esse formigueiro de empregados subalternos que a padrinhagem e o critério de anichamento nacional sabe acomodar em todas as nossas províncias ultramarinas, sem escolha de aptidões nem escrúpulo de competências, e que constituem o motivo preponderante do relaxamento no serviço e a principal causa do depauperamento dos cofres públicos”.

Sublinha-se a vermelho a Paliçada da Puana, no lado oposto ao Pidjiquiti.

Não deixa de comentar a farsa da vida administrativa, o quadro de dissolução e rebaixamento moral em que ninguém confia nos direitos que são conferidos pela lei. Lembra figuras patrióticas como Honório Pereira Barreto, lamenta o ostracismo a que está votada a Guiné, o desprezo com que Lisboa trata os médicos, os farmacêuticos e o pessoal dos hospitais que procuram defender a saúde em climas tão inóspitos como o da Guiné. Descobrimos que João Augusto Martins é médico, foi a Bolama para socorrer as vítimas da epidemia de varíola que tantos danos acarretou à Guiné, mostra-se tocado pelo acolhimento que obteve e formula nova crítica:  

“Esta província tida e mantida na nossa elaboração nacional como um depósito para onde despreocupadamente se esvazia desde muito o lodo e as imundícies colhidas nas dragagens da nossa rotina legislativa, sob a forma militar de incorrigíveis e de devassos deportados civis, a Guiné, constituindo-se em província independente, plagiou desde logo a toilette pretensiosa da sua vizinha, enfeitando-se de todas as complicações burocráticas possíveis e fazendo construir na sua capital desde a igreja onde exibe o seu Deus ao som dos clarins e das músicas marciais até ao hospital onde agasalha os seus doentes à luz de uma parca economia, tíbia de conforto e de consolações. Edificou a ferro e tijolo um edifício pesado, desprotegido de sombras, sem quarto de banhos, sem casa de autópsias, sem casa mortuária, sem meios de esgotos, nem canalização de águas, e continuou a sustentar ao mesmo título esse pardieiro a derrocar-se, onde se agasalham em Bissau os desgraçados doentes que preferem morrer à sombra, mesmo em risco de desabamentos prováveis. É ali, nesse pavilhão e nesse estábulo da patologia, que se acotovelam indistintamente à temperatura média de trinta graus…”.

Não esconde o seu pesar pelo facto de a Convenção Luso-Francesa de 1886 nos ter subtraído a parte da Senegâmbia chamada Casamansa, considera que a delimitação da Guiné foi um ato de leviandade política, confessa que chorou amargamente quando arreou a bandeira portuguesa em Zinguinchor e fala da outra fronteira:
“Ao sul e a leste ficámos cercados pelo território de Ia-Ia e Almami e pelos franceses na zona do litoral onde têm um posto em Kaki, ponto onde começa a linha de delimitação sul. Isto segundo o Tratado de Paris, sem sabermos, nem podermos asseverar, por não estar isto deliberado, se os franceses conseguiram ou não ficar senhores do rio Secujak, afluente sul da Casamansa. Tendo, pois, os franceses, o rio Casamansa ao norte, o rio Nunes ao sul, e as facilidades que lhe conferem as influências sabiamente exercidas sobre Almami, rei do grande território dos Futa-Djalon, é claríssimo que devia suceder, como efectivamente está sucedendo, que as nossas pautas, os nossos impostos, deixassem de ter uma aplicação prática pela larga franquia que dão ao comércio as extensas fronteiras indefesas e que derivar-se toda a concorrência dos indígenas, dos nossos mercados para outros pontos onde as mercadorias de principal consumo (tabaco e álcool) não estão sujeitas aos exorbitantes impostos diferenciais e onde a catequese de uma sábia diplomacia os sabe angariar.

Daqui o facto reconhecido e provado da decadência última a que chegou a Guiné; daí o terem desaparecido subitamente um grande número de casas estrangeiras estabelecidas em Bolama; daí o ter-se anulado quase o seu comércio; daí finalmente a morte irremediável de uma província com tantos elementos de riqueza e que trazendo à metrópole um encargo anual de 128.500$000 réis, continua com um estadão de secretarias e funcionalismo ocioso, mas que não tem uma orientação nem vida própria e que ninguém trata de fazer viver.
Ora quando um país sem condições de garantia nem de interesse, pouco a pouco se desmembra em benefício de outras nações, dá lugar a que todos tenham o direito de supor que desmoralizado e enfraquecido não pode mais utilizar com seus esforços de colonização a parte territorial de que se sequestra. Dá lugar, indiscutivelmente, a que todo o português de hombridade e de carácter tenha o direito de pedir a venda das colónias improdutivas, como todo o médico tem o dever de pedir a amputação de um membro esfacelado quando todo o organismo enfraquecido já o não pode galvanizar de vida”.

E não deixa de comentar o cinismo daqueles que gritavam contra o Ultimato Inglês e protestam contra as espoliações a que Portugal fora submetido.
A despeito de se tratar de um comentário pessoal, é de uma enorme riqueza de observação e fica-se com o quadro claríssimo do estado crítico da Guiné no arranque da sua autonomização de Cabo Verde.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20948: Historiografia da presença portuguesa em África (208): “Madeira, Cabo-Verde e Guiné”, por João Augusto Martins, 1891 (1) (Mário Beja Santos)