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domingo, 16 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21260: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (19): O Sousa da Ponte… de Pedra



1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, intitulada "O Sousa da Ponte... de Pedra.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 17

O SOUSA DA PONTE... DE PEDRA

Quem não se lembra da história do “Sousa da Ponte”? Sim, o Sousa tripeiro que, “numa proba de nataçon, nos primeiros 50 metros já lebaba 100 d’abanço”? Esse mesmo, o que ficou para trás “debido ao inchaço da “âncora” que tocaba no fundo do rio Daouro”?
(https://www.youtube.com/watch?v=AC3EyhWpTTI)

Pois eu encontrei o Sousa da Ponte, mas da Ponte de Pedra, aquela d’ao pé da Ponte Duarte Pacheco, sobre o Rio Tâmega, perto da Barragem do Torrão.

Após almoço frugal (mas recomendável), precisamente junto a essa ponte mandada construir por um grande Ministro de Obras Públicas do antigo regime, fomos, eu e o meu amigo e vizinho Zé Pedrosa, à Barragem do Torrão tentar quebrar o enguiço desse mau dia de pesca.
O dia estava muito quente, a hora não era a melhor e resolvemos ir até Bitetos, ali perto de Alpendorada e muito próximo da Ilha dos Amores (fomos nós, os canoístas de Crestuma, que lhe demos esse nome), outrora chamada Ilha do Pecado.


Pois por mais modernices aplicadas nestes quarenta anos, onde se destaca o cais para os grandes e pequenos barcos de turismo, a implantação da praia fluvial, com parque de estacionamento à sombra das árvores e o grande bar de apoio, eu sempre “poisei” no tasco da curva, hoje um bar moderno com ar condicionado, luzes especiais e uma chuva miudinha interior, artificial, para refrescar. Para nós continua a ser um ponto de encontro, desde os tempos em que o “soalho” era de… terra batida.
Conhecemos bem aquela zona, dos encontros e provas da canoagem, das aventuras na praia,das investidas à ilha e das subidas do Rio Paiva.

A “etnia” do Náutico de Crestuma vem ocupando parcialmente a Ilha dos Amores ao longo de quarenta anos.

- Boa tarde – dissemos para a mesa onde estavam três reformados. (Via-se bem que eram).
- Boa tarde – responderam os três ao mesmo tempo, ao mesmo tempo que nos miravam com olhos de RX.

Pensando que eles gostariam de saber mais qualquer coisa sobre os estranhos forasteiros (nós), enfrentei-os provocadoramente:
- Então, como é isso, ninguém de máscara? Não me digam que estão vacinados pela injecção de cavalo que lhes deram antes de irem para a guerra?
- Claro, respondeu o careca de bigode à Lech Walesa. Andei lá no duro, no norte de Moçambique. Era guarda-costas dos Comandantes da CCS nº. XX.
- Guarda-costas numa CCS? - observei.
- Sim, Companhia de Comando… e Serviços!

Viu-me admirado e continuou:
- Como era cabo, tinha a responsabilidade de ir buscar os géneros para a Companhia. Eu é que mandava na coluna.
- Não me diga que também se “orientou” e gamou umas coroas?
- Eu não, mas os soldados que iam comigo abusavam. Traziam coisas e vendiam-nas. Mas isso era lá com eles. Eu… nem pensar!
- E andou mesmo aos tiros?
- Estávamos lá no norte, perto da fronteira. Quando vinha o avião que trazia o correio, punha-se às voltas, para irmos para a pista e às vezes demorávamos e os turras iam lá assaltar o avião. Tínhamos que disparar para eles fugirem.

E continuou:
- Mas quem deu muitos tiros, foi aqui o Afonso, que já fez oitenta anos e foi dos primeiros a ir para Angola. Não foi pá?
- Hã? Sim, sim. Mais um de maduro branco. - respondeu o Afonso dobrado sobre a mesa, enquanto levantava ligeiramente o copo vazio, com a mão direita.
O Afonso ouvia muito mal…

E voltou o Sousa (o tal de bigode à Walesa):
- Houve lá um combate em que só sobraram seis de uma Companhia! Foi por riba das Pedras Pretas, lá prós lados do “Nabugandongo”! Não foi, ó Afonso?
- Sim, já sabes. Branco fresco. Maduro.

As aventuras multiplicam-se nas proximidades da Ilha dos Amores

- É só “filmes”. – disse o Arlindo – Eu também estive lá fora, andei lá longe na de zona de Tomar. Ás vezes atacávamos no Castelo de Almourol. Mas que ricas tardes, que por lá passei!
- Então teve sorte?
- Não, eu acho que tive azar. Já não fui preciso. Mas gostava de ter ido defender a nossa Pátria. Aqueles cobardes fizeram a revolução do 25 de Abril para eles e só nos tem prejudicado.
- Olhe que não, olhe que não…
- Entregaram tudo aos movimentos comunistas, sem saberem o que lá se passava. Nem respeitaram a nossa História de 500 anos! Olhe que ainda hoje, a maioria daquela gente gostava de estar ligada com Portugal. E vivem pior.
- Não diga isso. Cada povo merece a sua independência. Veja que nunca mais houve guerra e vivemos todos em paz.
- Nós vivemos em paz, mas eles não. Foram abandonados e entregues a outros interesses, nada patrióticos. Fomos cobardes. Temos tido muito azar. Aqui também passámos mal. É só ladrões. Precisávamos de outro Salazar. Grande Homem aquele! O mal foi juntarem tanto ouro, com tanto sacrifício, para estes gajos o foderem todo.

Aí diz o Sousa:
- Sou todo vermelho por dentro; na política e no futebol. Mas o político português que eu mais admiro é o Salazar. E o outro Marcelo também não era mau. Assim como o Porto e o Pinto da Costa, também gosto muito. Grande clube e grande Homem do norte! É um bocado benenoso, mas tem toda a razão. Até parece mentira, mas é verdade: sou benfiquista porque dizem que um homem até pode mudar de mulher, mas de clube não. E como sou muito Homem, não vou virar a casaca.

E continuou:
- Tínhamos tanto ouro e tanto dinheiro mas o Passos Coelho fodeu tudo. Olhem que foi ele que deu as reformas de duzentos e tal €uros.
- Pois, e esses se calhar não deviam receber nada, porque não descontaram. Estão a tirá-lo a quem sempre trabalhou e sempre descontou.
- Ai foda-se! Eu trabalhei sempre legal e dei trabalho a dois filhos e os ciganos que não trabalham recebem mais que eu! A culpa é desse Coelho que deu tudo aos ricos e nos deixou sem ouro e sem dinheiro.

Interrompeu o Arlindo:
- Ó morcão, és tão amigo do Costa e ele não resolve nada?
- Q’ssafoda, pedi um exame médico lá em Valadares, para um apoio extra de cento e tal €uros e não mos deram. Se o Costa fosse esperto já tinha mandado fabricar mais dinheiro. Não se admite que neste governo tão grande não haja gente capaz de resolver isto. Tomo 22 comprimidos por dia, já minguei quinze centímetros e estou a ver que vou morrer à sede. Se não fosse a minha filha, estava refodido.
- Cuidado camarada, não vamos desanimar. Um militar não se deixa ir abaixo.
- Eu? Nem pensar! Fui sempre uma máquina! Casei com 19 anos e quando fui para a guerra já tinha 3 filhos. A mulher engravidou aos 15. O meu sogro queria me matar, mas, se me matasse, ia ser pior para a filha. Ou não era?
- Ah leão! Que perigo!
- Em Moçambique, dei muita foda. Com um cigarrito, já comia uma mulher. Um maço dava para vinte fodas. Até tenho saudades daquele tempo. Dava-me tão bem com o Alijó! Andávamos sempre juntos, até diziam que parecíamos um casal. Um dia, queríamos foder e fomos para o caminho onde as pessoas passavam e combinámos que eu ia com a primeira e ele com a segunda que aparecesse, fosse quem fosse. Calhou-me uma velhota com as mamas sequinhas, penduradas até aqui… abaixo da cintura. A ele calhou um gajo e a coisa não correu lá muito bem. Mas parece que se pegaram. Quando entrámos no quartel, o capitão olhou p’ra ele e disse: - Ó Alijó, que é que te aconteceu para andares assim com as pernas abertas? E eu respondi-lhe que ele se tinha pegado à porrada com um gajo.

A afluência à Praia de Bitetos, verificada na Quinta-feira, dia 06.Ago.2020, em plena crise COVID.

Uns dias depois, voltei lá a procurar o Sousa. Eu queria saber mais alguns pormenores da sua história. Em termos de provocação disse-lhe:
- Falei para Alijó e o seu amigo deu a entender que foi a ele que calhou a velhota, porque ele é que era o primeiro.
- O caralho é que foi! Ele não pode dizer isso porque sabe bem o que se passou e o que ficou combinado!

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21241: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (18): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte II)

domingo, 9 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21241: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (18): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte II)

As Quedas do Duque de Bragança são quedas de água situadas na província de Malange. Estão localizadas no rio Lucala, o mais importante afluente do Rio Kuanza. Fica a 80 km da cidade de Malanje, capital da província e a 420 km de Luanda, a capital do país. Com uma extensão de 410 metros e uma altura de 105, são as segundas maiores de África.[1][2] 
Desde 1975 tomaram o nome de Quedas de Calandula


1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada ao "retornado" Laurindo Arriaga.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 16

LAURINDO ARRIAGA, O RETORNADO

PARTE II

O Manel, o filho mais velho, estava para Luanda, a estudar mecânica e os outros dois frequentavam a escola de Malange. E lá continuaram no Liceu Nacional Adriano Moreira. Estavam hospedados na casa da D. Palmira, cujo marido era o Pinto taxista. Como ele se meteu no negócio dos diamantes e enriqueceu rapidamente, despachou-os para casa da cunhada D. Rosa.


O Tio Quim ambientava-se facilmente com o pessoal indígena. Depois de uma relação ligeira com uma rapariga, abdicou dela em favor do irmão Tono, que era mais introvertido. Juntou-se então com a Mariquinha, com a qual tiveram um Quinzinho. O “Quissuto” não era branco nem negro, mas o pai gabava-se da sua semelhança, através do abonado pirilau.

O Tio Tono, que veio a casar por procuração com a Isaura, assumiu a paternidade de uma lindíssima miúda, a Madalena, que foi muito acarinhada. Em tons de brincadeira íntima (ou copito a mais), o Tio Quim confessava que não se sabia bem qual deles era o verdadeiro pai.
Foram tempos de grande progresso na fazenda que muito rentabilizava pela sua excelente produção. Vivia-se bem. Faziam-se bons piqueniques e grandes patuscadas. O Laurindo já mandara fazer o projecto para uma boa casa lá no cimo do monte.

Angola desenvolvia-se excepcionalmente, independentemente de se saber que existiam os chamados movimentos de libertação.
Naquela zona, apesar de se falar na força dos diamantes, não se sabia da dimensão política que ali se vivia. E na fazenda S. José ninguém se manifestava.

Quando surgiu a revolta do 25 de Abril, o Arriaga era mais conhecido pelo “Kambuta do Pungo Andongo”.
Aquele elo que o prendia ao nome do grande democrata português, quase há meio século, já não tinha o mesmo significado. Já se havia adaptado às circunstâncias e já não via necessidade de alterações no poder e na ordem pública. Julgava como crença generalizada, que Angola estava pacificada e no bom caminho e que, mesmo que se desligasse da administração portuguesa, continuaria no seu rumo de sucesso.
No entanto, sentiu alguma satisfação pelo acontecimento e pela esperança de melhoria dos portugueses.

Porém, na minha modesta opinião, as coisas afastaram-se muito das previsões. Os interesses internacionais sobrepuseram-se facilmente e o novo poder de Lisboa limitou-se a seguir pressões/orientações ideológicas, negociadas ao mais alto nível. Em pouco tempo, a revolta pelos interesses reivindicados pela classe dos capitães do quadro, que passou a ser a luta pelos ideais de Abril, foi habilmente instrumentalizada pela experiência e militância dos ex-perseguidos políticos.
A apologia aos regimes comunistas/socialistas propalada pelos detentores da revolução, levou-nos candidamente para uma orgulhosa alienação esquerdista. Assim, assistimos pacificamente à entrega das províncias ultramarinas aos movimentos de libertação ligados ao poder soviético, com o apoio incondicional das nossas forças armadas. E para que os portugueses (brancos) não pudessem contrariar ou reivindicar qualquer estatuto/direito, foi-lhes retirado o apoio devido, forçando-os a uma ponte aérea para Lisboa. 

Independentemente da sua possível justificação, interpretação ou desmentido, ficam-nos três testemunhos para perdurarem dessa fase terrível da nossa democracia:
1 – Os portugueses não brancos e não comunistas; “…ex-militares guineenses que permaneceram na Guiné-Bissau após a saída das tropas portuguesas e que acabaram massacrados pelas autoridades daquele Estado. Desta maneira, embora não se possa afirmar que Portugal se tenha furtado às suas responsabilidades para com aqueles militares portugueses (e que haviam sido assumidas no Acordo de Argel), a verdade é que não curou de acautelar os seus interesses e, no limite, a sua própria sobrevivência.” 
Fonte: OS MILITARES PORTUGUESES NA GUINÉBISSAU: Da Contestação à Descolonização

2 – Os detentores do poder político forçaram uma solução antidemocrática, sem nunca terem estado/convivido no terreno;

Publicação de “A Rua” em 2 de Junho de 1977, baseando-se num artigo de “O Estado de S. Paulo”, de 15 de Maio, que se referia a afirmações de Mário Soares, proferidas no Brasil em 1973. Acrescente-se que o Der Spielgel, de 19 de Agosto de 1974 publicou afirmações similares, obtidas ao mesmo Mário Soares, já como MNE.

Nota da Avaliação do Polígrafo em programa da SIC: Em suma, é muito difícil afirmar de forma concludente que Mário Soares efetuou esta afirmação - mas dizer o contrário também seria um exercício especulativo.

3º - A cobardia de um poder militar submisso, cruel e antipatriótico.


Referido por: António Barreto -13.04.08, artigo com o título “Angola é nossa!”, jornal Público
Documento pouco credível por ser desnecessário, para caracterizar a acção antipatriota do “Almirante Vermelho”.

Pouco a pouco foi-se notando alguma preocupação quanto ao futuro de Malange. A partir de Março de 1975, quando se desentenderam, os movimentos de libertação passaram a lutar entre si pela sua afirmação. Apareceram então elementos ligados a movimentos de libertação que, mesmo sem experiência se exibiam a manejar armas modernas.
As fazendas grandes tinham algum armamento antiquado, ligado à OPVDCA. No caso da Fazenda S. José só havia duas armas de caça. Chegaram a ter duas armas e algumas granadas, mas enterram tudo isso, quando entregaram as caçadeiras. O Laurindo, por precaução, colocou em Malange, na casa da D. Rosa, a Barbara com o Zezito e a cunhada Isaura com a pequena Madalena e o bebé Joãozinho, nascido recentemente na sua deslocação à Metrópole para o parto.

Um dia em que o Laurindo havia saído, para os lados do Cacuso, houve escaramuças entre MPLA e UNITA e quando regressava, foi interceptado e impedido de prosseguir. Mudou de percurso outras vezes, e voltou a acontecer o mesmo. Em Malange, os familiares refugiaram-se no quartel militar. E quando o Laurindo lá chegou, eles já tinham seguido em coluna militar, para Nova Lisboa.
O Tio Quim e o Tio Tono ficaram na Fazenda sem saber o que fazer. Os empregados já não trabalhavam e alguns fugiram. O Laurindo conseguiu contactar com a Fazenda Cahombo e pediu-lhes que, de avião, recuperassem os seus cunhados e o filho Toninho, que lá continuavam isolados.
Em Luanda, o filho Manuel, que havia casado com a angolana Ana Maria acabava de ser pai do Zézinho, o primeiro neto do Laurindo. A criança ficou com a mãe e eles arrancaram de carro para Nova Lisboa.

Logo que se descobriram em Nova Lisboa, meteram-se a caminho de regresso, em coluna de carros em fuga, com destino a Luanda. Já lá estava o Tio Tono, mas choroso porque o pequeno avião não pudera trazer o Tio Quim e o Toninho. Viviam-se os momentos mais dramáticos daquela crise. O Laurindo teve muitas dificuldades em conseguir que os fossem buscar. Meteu-se na sede do antigo patrão Manuel Vinhas até convencer que um amigo piloto lhe resgatasse o filho e o cunhado Quim.
Este ficou bastante abalado porque lá deixara o Quissuto e sua mãe Mariquinha, sem saber o que fazer.

O Zézito, então com 13 anos, que sempre acompanhara a mãe Barbara, viveu momentos marcantes, que ainda hoje tem dificuldade em recordar.
Ele viu coisas horríveis. Ele recorda os mortos abandonados na via pública, os militares da Unita a divertirem-se disparando de cima do terraço para as ruas, sem oposição e as corridas que fazia no turbilhão de gente desesperada, atrás das viaturas dos militares, de onde atiravam pequenas embalagens de bolachas, batatas fritas, chocolates e outros alimentos apanhados em lojas e mercados.
Lembra ainda a última refeição preparada pela mãe Barbara. Lá em Malange, na casa da D. Rosa, ela havia feito um arroz malandrinho de lulas. Fez comida a mais para a poder oferecer a mais alguém. Só que a D. Rosa, que já tinha vários familiares e amigos ali refugiados, fê-los invadir a cozinha e pôs-se a matar a fome a todos eles, sem que a bondosa mãe Barbara reclamasse. E lembra o olhar da mãe como se lhe estivesse a pedir desculpa e a pedir sua compreensão.

Também viveu muito preocupado com a exposição do pai, que não parava, nem descansava, na procura de assegurar o salvamento dos seus. Por vezes, não se sabia dele, se comia e se dormia.
Em Luanda, despidos de tudo que possuíram, despidos do orgulho que os alimentava e despidos dos sonhos que os guiavam, apenas queriam sobreviver.


Vieram em 27 de Setembro de 1975, no auge da Ponte Aérea. Exactamente no dia em que o Zezito “festejava” o seu 14.º aniversário!
Pouco trouxeram além da roupa vestida. Os casados seguiram para junto das famílias das mulheres. Porém, o cunhado Neca, que veio mais cedo, limitou ainda mais o espaço na casa da Mãe Linda. O Laurindo, a Barbara, os três filhos, a nora e o primeiro neto já lá não cabiam. Mesmo assim, chegaram a dormir 17 pessoas naquela casa.


A boa fama de gente humilde e trabalhadora contribuiu para que, em poucos dias, muito se tenha resolvido. Como a casa do vizinho Sância era grande, foi-lhes facultado o abrigo durante alguns anos. A proprietária Dona Generosa justificava o nome, com a generosidade que demonstrava.

Todavia, ela soube bem aproveitar as aptidões dos Arriaga, dando-lhes trabalho nos seus terrenos.
No entanto, o Laurindo queria mais. Arranjou um pequeno tractor e nunca mais parou. Toda a gente admirava a vitalidade do Senhor Laurindo. Ele fazia de tudo com aquele tractor.

Dos terrenos ocupados (estaleiro dos camiões, caterpillars e campos de lavoura), ele quis destacar uma parte para fazer casa. Foi fácil o entendimento e a respectiva compra ao “Sôraugusto”, filho da Dona Generosa.
Em poucos anos, vimos aquele homem reconstruir exemplarmente uma grande família.


Foram anos de muito trabalho, mas também, de grande sucesso. Com alguma animosidade dos políticos de esquerda, os retornados também enfrentaram muito os invejosos. Possivelmente o maior invejoso de Crestuma, teve o azar de se meter com o Arriaga, junto à tasca do Arouca. Ainda hoje se ouve, lá no tasco: - "o baixote Arriaga, já com mais de 70 anos e uns 20 acima do invejoso, arreou-lhe duas lambadas no focinho que o pôs a gaguejar como um anjinho”


Como meus bons vizinhos, como admirador do seu grande trabalho e como solidário com o heróico esforço dos retornados, eu teria que ter uma boa relação com a família Arriaga. Ainda hoje, subo a escada, entro na porta, sem chave, na enorme sala, sento-me junto a uma grande mesa, onde raramente está vazia. É este tipo de abertura e de franca amizade que muito caracteriza quem viveu em Angola, independentemente da situação de maior ou menor poder material ou social de cada um.

Quando a “Sôrabarbara” caiu de cama, acentuaram-se as nossas visitas. O “Sôlaurindo” estava sempre por perto. Dessas carinhosas visitas temos muito gratas recordações. Ali, a pretexto de se ver os jogos do Porto juntos, vinham outros amigos que nos proporcionavam bons serões de convívio. Eram todos portistas, mas havia sempre discussões acesas, visto uns simpatizarem mais que outros nas decisões do treinador ou na “azelhice” de alguns jogadores. Porém, todos unidos no slogan “contra tudo e contra todos”. Até a “Sôrabarbara” murmurava baixinho: - O vermelho é cor do diabo.

O “Sôlaurindo” esforçava-se sempre por ter companhia. A sobrinha Emília – “Milita” (filha do tio Neca) que casara com o primo Zezito, também gostava de nos ver por lá e logo colocava na mesa excelentes petiscos caseiros. É uma joia de pessoa. Tem um coração de oiro. Está sempre a cuidar dos outros. Ela largou o emprego para se dedicar inteiramente ao cuidado dos tios (também sogros).
O Laurindo sentava-se sempre no mesmo canto, perto da lenha, para abastecer o fogão de sala. Estava sempre de ferro na mão, feito engenheiro de fogueiras, atento ao controlo das achas que iam ardendo. E eu, sempre friorento, colocava-me frente a ele. Gostava dele, porque o admirava muito. E gostava também quando ele contava coisas extraordinárias da sua vida. E sobre Angola, lamentava muito a sua difícil evolução. Dizia-me às vezes:
- Ó “Sôjosé”, aquilo nunca mais se endireita. Mandaram de lá para fora pr’aí um milhão de pessoas que lhes fazem muita falta. Meu Deus, ele há tanto que fazer naquela terra tão rica! Saíram de lá os que mais gostavam de trabalhar. E agora, o que vemos? Os amigos que lá voltaram, não aguentaram tanta corrupção e tanta miséria. Dizem que já ninguém respeita ninguém. É só vigários, pessoas sem escrúpulos e oportunistas. O dinheiro do petróleo, mesmo que fosse distribuído, não chega para alimentar tanta gente. Mas primeiro estão os políticos e os militares. Os que foram agora para lá roubar são acarinhados pelo governo como cooperantes e os que lá trabalharam honestamente, como verdadeiros angolanos, são apelidados de colonialistas. Coitados dos amigos quimbundos, tenho tanta pena deles!

Também me repetia orgulhoso a história de uma empresa de alfaias agrícolas que confiou nele, sem qualquer garantia. Creio que era de um Sr. Herculano, ali dos lados de Aveiro. Foi lá comprar umas aivecas para o ajudar a lavrar e veio de lá com um atrelado novo e cheio. Foi marcante e decisivo esse apoio inicial, que ele tanto agradecia.

Vivia orgulhoso pelo que fizera, mas mais orgulhoso pela família que o rodeava. Mesmo depois da crise da imobiliária, mantinham a boa ambiência. Dos três filhos e sete netos, destaco o filho Zezito que, com a Milita e os dois filhos: o Hugo (Conde das Cavadas) e a “Princesa” Bárbara (Babita) sempre viveram junto do exemplar Casal Arriaga, a quem dedicaram um carinho inexcedível e um amor enorme.

Lembro que o neto Zezinho, filho do Manuel e Ana Maria, nascido naquele Setembro negro de 1975, foi o primeiro a ser pai. Vive perto dos pais, desde que se instalaram lá para o Fundão.

Era uma alegria imensa vê-los todos juntos em dias especiais: aniversários, casamentos e baptizados. Também era agradável vê-los a visitar a Mãe Bárbara que acamara durante vários anos. Todos eles, pessoas de bem que muito honram a família Arriaga.

O filho Zézito sempre viveu com a mãe Bárbara e sempre lhe deu um carinho excepcional.

José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21236: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (17): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte I)

sábado, 8 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21236: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (17): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte I)

As Quedas do Duque de Bragança são quedas de água situadas na província de Malange. Estão localizadas no rio Lucala, o mais importante afluente do Rio Kuanza. Fica a 80 km da cidade de Malanje, capital da província e a 420 km de Luanda, a capital do país. Com uma extensão de 410 metros e uma altura de 105, são as segundas maiores de África.[1][2] 
Desde 1975 tomaram o nome de Quedas de Calandula


1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada ao "retornado" Laurindo Arriaga.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 16

LAURINDO ARRIAGA, O RETORNADO

PARTE I

Nasceu em 1927, junto à povoação ribeirinha de Arnelas, com o nome de Laurindo Ferreira Pedrosa, mas logo ficou conhecido coma alcunha de Arriaga, herdada do pai, Manuel Ferreira Carvalho. O Manel Arriaga era casado com a Maria de Oliveira, ambos agricultores na Quinta do Casalinho. Mudaram-se para a Quinta de Rio do Lobo, onde permaneceram.
O pai Manel apanhou a alcunha de Arriaga ainda era adolescente. Entusiasmado com a efervescente e anormal movimentação política de então, chamava a atenção a sua forte simpatia pelo primeiro Presidente da República Portuguesa, Dr. Manuel de Arriaga, que tanto admirava.

Esse Grande Presidente, nascido no Faial, manifestou-se na oratória, nas letras e na política, mas afirmou-se pelo seu comportamento humano e como republicano e democrata. Filho de gente rica, fidalga, burguesa e monárquica, teve de trabalhar para continuar a estudar em Coimbra, quando lhe foi retirado o apoio por se manifestar activamente na luta política a favor da república e da democracia.

“Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue (Horta, Matriz, 8 de julho de 1840 — Lisboa, 5 de março de 1917) foi um advogado, professor, escritor e político de origem açoriana. Grande orador e membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, foi dirigente e um dos principais ideólogos do Partido Republicano Português. A 24 de agosto de 1911 tornou-se no primeiro presidente eleito da República Portuguesa, sucedendo na chefia do Estado ao Governo Provisório presidido por Teófilo Braga. Exerceu aquelas funções até 29 de maio de 1915 e é recordado em centenas de nomes de ruas e praças.” (Fonte: Wikipédia)

Manuel Carvalho e Maria Oliveira ”faziam” as terras da Quinta do Rio de Lobo, em Olival. Naqueles tempos era muito difícil sobreviver à luta pelo sustento familiar e, ao mesmo tempo, pagar as rendas ao senhorio. Por mais que se esforçassem, a Quinta não produzia rendimento para tanto encargo.
O Laurindo não queria aceitar tanto esforço familiar, não compensado. Gostaria de ir para a escola primária, mas a ajuda do seu trabalho na lavoura tornara-se imprescindível.

Por volta dos anos 40, ali perto de Olival, fervilhava de crescimento industrial a pequena freguesia de Crestuma, muito favorecida pelo Rio Douro como importante via fluvial e pelo aproveitamento da energia hidráulica produzida pelas quedas do Rio Uíma, ali perto da sua foz no Douro. Nessa altura, destacavam-se as indústrias têxtil, metalúrgica e do papel.



A Companhia de Fiação de Crestuma continuava a sua expansão e já muito longe das suas origens (1754). Tornara-se num pequeno império. Dava trabalho a largas centenas de pessoas ligadas e aí se especializavam e faziam carreira na indústria têxtil. Na sua origem dedicara-se ao fabrico de arcos de ferro para os pipos e, noutra fase, funcionou como fundição.
Também dava ocupação a lavradores, no aproveitamento dos vastos terrenos aráveis, adjacentes. Outra actividade permanente que ocupava muita gente era a do alargamento de instalações fabris (e sociais) e na construção de muros de suporte das terras e na vedação de quase toda a Quinta.

O Laurindo convenceu o pai que poderia auxiliar mais a família indo para lá como ajudante dos pedreiros do Silva de Lever. E ficou lá alguns anos. Tal como o pai, foi muito gozado devido ao uso do apelido Arriaga. Se, por um lado, sentia algum orgulho por ser portador do apelido tão honroso, por outro, lado notava o ridículo a que era exposto, dado o extremo contraste com a ilustre personalidade.
De vez em quando lá ouvia ele:
- Ó Arriaga, vê se vais a Lisboa prender os teus amigos, aqueles filhos da puta que nos governam.

Ele era muito interessado em tudo que o rodeava. Falava pouco, mas teimava nas suas opiniões. Por ser analfabeto, perdia quase toda a credibilidade, até que um dia, num contacto mais alargado com um senhor que andava a apontar a obra e a colher as horas de trabalho, falaram na possibilidade de ele o ensinar a ler e a escrever minimamente.
E foi através de galos, galinhas, ovos e coelhos, que ia subtraindo lá em casa, que iniciou a sua aprendizagem escolar. Ávido de conhecimento, logo que juntou as letras, devorava tudo que pudesse ler. Então, nem parecia o mesmo. Até de poesia falava.

Quando regressava a Olival, tinha que passar por Fioso, no alto de Crestuma. Ali, no lugar dos Aidos havia uma família numerosa, conhecida por Os do Estrada. O Serrador Jaquim do Estrada era casado com a Deolinda, a “Mãe Linda”.Também eram conhecidos pela sua boa disposição e pelo gosto de cantar.
Por vezes, nesses regressos do trabalho pelo Regato de Soutelo e Vale da Cana, coincidia serem feitos ao mesmo tempo que uma das filhas do Joaquim do Estrada, que vinha da fábrica do papel do Tavares da Fontinha. Era a jovem Barbara Francisca Gonçalves (1925) que, apesar de introvertida, evidenciava muita beleza e simpatia.

E um dia, quando ela cantarolava, em jeito de marcha, “Ó Crestuma tecedeira”, o Laurindo acrescentou, na sua voz grossa: “Das fitas que nos enlaçam”. Olharam-se e continuaram em coro: “Dos apitos a vibrar dos operários que passam…” Era uma marcha musical muito em voga naquela fase das consoadas, em favor da construção da igreja nova de Crestuma. A letra era do famoso poeta local Eugénio Paiva Freixo (1919) e a música do compositor António Ferreira Alves (1915).

Casaram pouco tempo depois. Ficaram a viver lá na casa dos do Estrada. Amavam-se intensamente e tiveram logo o filho Manel. Poucos anos depois, nasceu o Toninho.
A vida estava difícil e o Laurindo queria melhor e o seu tempo parecia que lhe estava a fugir. Ouvia falar muito das boas oportunidades em Angola e viu esse escape como a melhor solução para o salto que ansiava para a sua vida.
Foi pedir uma declaração profissional ao Delegado do Sindicato, mas, com grande surpresa, este não o atendeu. O nome Arriaga não o abonava junto dos lacaios do Estado Novo.

Chegado a Luanda, sem habilitação profissional, conseguiu trabalhar de ajudante de motorista. Já com alguma prática, conseguiu tirar a carta de pesado profissional. E foi trabalhar como motorista, para as estradas do Huíla.

Curvas da Serra da Leba 

Como não era essa a vida que desejava viver com a família por perto, aproveitou uma proposta para trabalhar numa fazenda agrícola, a Fazenda Dona Amélia, junto ao Pungo Andongo, perto de Cacuso.


Em pouco tempo, o Laurindo mostrou gratas qualidades e foi nomeado encarregado nessa Fazenda. Com a vida estabilizada, veio a Crestuma buscar a mulher e os dois filhos.


Viveu, então, alguns anos felizes. E foi ali que lhe nasceu o filho mais novo (27.09.1961). A cerca de 80 Km de Malange, onde a Bárbara esperava vir a ter a assistência médica desejável no parto, teve que se limitar à ajuda momentânea e inesperada da Mãe Nêga, uma velhinha muito experimentada na matéria. Mas a Bárbara, sempre serena, confiante e resistente, mostrou bem o calibre da sua raça.

Gratos às forças divinas, festejaram o baptismo do Zézito, precisamente no cume mais sagrado das Pedras Negras do Pungo Andondo, junto à Fonte dos Passarinhos, depois da cerimónia religiosa na capelinha.


Entretanto, convidaram o Laurindo para a grande Fazenda Cahombo, do grande empresário Manuel Vinhas, o dono da cerveja Cuca.

O Laurindo como anfitrião de um grupo de Furriéis que vieram ali caçar. 

Estava no melhor das suas capacidades e gozando a estabilidade que sempre ansiou. Mandou “chamar” os cunhados Manuel, Joaquim e António (Neca, Quim e Tono).
O Neca, que era fundidor, ficou em Luanda e o Tono (carpinteiro) e o Quim (enfardador) foram se juntar ao Laurindo.



Faltava-lhe ainda concretizar um sonho: criar uma fazenda. E como conhecia bem a zona, chamou para sócios os dois cunhados, que ali viveram nessa fazenda. Deu-lhe o nome de Fazenda S. José, em homenagem ao filho mais novo, o 100% angolano. Tinha a água do Rio Céu e espaço arável mais que suficiente para o cultivo de girassol e de algodão. Caça também não faltava.
No seu início, o Laurindo construiu a casa com adobes de barro negro, feitos pelas suas próprias mãos e cobriu o telhado com chapas de zinco. Ainda sem casa, a família cozinhava à sombra de uma enorme figueira brava e dormia na carrinha Austin.

Esta carrinha viria a ser apelidada de “Carrelha dos Mausmosteiros”, em homenagem aos carros de bois que circulavam na rua da “Mãe Linda”, a matriarca da família dos “Do Estrada”. Já fora das picadas, a carrinha funcionou muito bem como galinheiro. 

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21115: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (16): A DGS boa ou má e outras siglas, ou Lembrando a resistência dos meus conterrâneos

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21192: In Memoriam (368): José Barreto Pires (1945-2020): "termina uma vida, nasce uma saudade", a de um homem bom, grande camarada e indefetível barrosão, que muito amou a sua aldeia, Gestosa, Couto Dornelas, Boticas... Era membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande.


José [Manuel] Barreto Pires (1945 - 2020): "termina uma vida. nasce uma saudade": é com estas singelas palavras, deixadas na sua página do Facebook, que a família, conterrâneos,  colegas, camaradas e amigos se despedem deste homem  bom, grande camarada e indefetível barrosão,  que, profssionalmente. foi economista e quadro superior do Bamco de Portugal (, com trabalho feito, na éra da cooperação, com alguns PALOP).

No TO da Guiné, foi alf mil, da CART 2412 (Bigene, Guidage e Barro - 1968/70)

Tinha casa no concelho de Torres Vedras. Morreu ontem de doença prolongada, do foro oncológico. (*)





José Barreto Pires, "Zé, o morgadinho de Gestosa" (, na expressão do José Ferreira da Silva), nasceu há 75 anos, em Gestosa, Couto Dornelas, Boticas... :Era casado com a professora primária Maria da Luz Pires. O casal não tinha filhos.  O poema "A minha terra", de José Barreto Pires, em coautoria com a sua sobrinha Clara Pires (, doutorada em gestão, professora do ensino superior), musicado por outro filho da terra, António Teixeira (, também ele da colheita de 1945 e antigo combatente da guerra do Ultramar, residente em Cabeceiras de Basto), pode ser aqui visualizado.

Vídeo 5' 43'' > You Tube / António Teixeira (com a devida vénia...)



1. Os "bandalhos" Jorge Teixeira e José Ferreira da Silva, e o nosso coeditor Carlos Vinhal, já ontem prestaram a devida homenagem a um dos bravos da Guiné que acaba de nos deixar (*). Era membro da primeira hora da nossa Tabanca Grande (*) e pertencia igualmente ao grupo "O Bando [do Café Progresso]", de que é "secretário-geral" o Jotex [Jorge Teixeira].

Em jeito de derradeira homenagem. ficam aqui dois excertos de postes do José Barreto Pires, publicados em 2006 no nosso blogue:

(...) Amigos Tertulianos, é com grande satisfação que, doravante, me considero aderente à nossa Congregação e, em sequência, recebo e darei todas as informações possíveis e disponíveis.

Na sequência do almoço-confraternização [do pessoal da CART 2412] de sábado p.p. [20 de Maio de 2006], após ter vadiado algum tempo por terras transmontanas, viajei para Alenquer, onde resido, e a viagem foi agradável, porquanto a boa disposição, decorrente de algum descanso e boas recordações, dificilmente poderia ter outro desfecho.


Obrigado pelas demais informações, que confirmo na sua generalidade. De facto, de Binta para Guidage apenas conheci a picada mencionada. Julgo estar certo que se outra existiu e/ou existia, corresponderia aos designados corredores que os Nativos ( dos quais, alguns... ditos Turras...) utilizavam para o transporte das suas mercadorias, essencialmente no sentido

Norte-Sul.

Quanto à célebre península do Sambuiá, porque as pisei, sempre em circunstâncias especiais, porquanto tratava-se de terreno considerado deles (Nativos), não subsiste dúvida da existência das picadas referenciadas.


Mas, sobre esta problemática, gostaria de questionar: Como será hoje? Circular-se-à, embora com dificuldade, claro, entre as diversas localidades, através das referidas picadas? Como seria interessante ver e saber como se apresentam esses locais e os respectivos meios de circulação, nos dias que correm!!!


Estou certo, por razões óbvias, que o momento certo e adequado já expirou há muito tempo...De qualquer forma, eis-me totalmente disponível para, integrando um grupo fixe, dar umas voltas por essas bandas. (**)

__________________

(...) Tertuliano desde de alguns meses a esta parte, tenho me remetido quase ao silêncio, não obstante de ter apreciado bastante os duelos estabelecidos e as notícias transmitidas.Entre os imensos temas trocados,impressionaram-me sobre maneira os de alguns dias atrás sobre Telegrama e Guidaje, não fosse eu um homem de Guidaje, ou melhor dito, que não tivesse andado efectivamente por essas bandas...

De facto, integrei a CART 2412, que comandei mais de 50% do tempo que permaneceu em terras de Guiné. Fomos alcunhados como Os sempre diferentes e de facto eramos, pelo que indo ao desafio do Telegrama, porque existem imensas coisas para contar, julgando-me, de certa forma, apresentado, passarei a colaborar, semanalmente, com um episódio dos imensos vividos nessa experiência que, de facto, não é minha...nem é tua...mas foi de todos nós...Segue para a semana... (***)


__________________


À  viúva, à sobrinha e demais família, bem como aos amigos e camaradas, deixo aqui a minha solidariedade na dor pela perda do José Barreto Pires.

O editor Luís Graça


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Notas do editor:

terça-feira, 21 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21190: In Memoriam (367): José Manuel Barreto Pires (1945-2020), ex-Alf Mil da CART 2412 (Bigene, Guidage e Barro - 1968/70) (Jorge Teixeira / José Ferreira da Silva)

IN MEMORIAM


José Manuel Barreto Pires (1945-2020)
Ex-Alf Mil; CMDT do 2.º GComb da CART 2412 - "SEMPRE DIFERENTES"


1. Mensagem emotiva do nosso camarada Jorge Teixeira, (ex-Fur Mil Art, CART 2412, Bigene - Guidage e Barro, 1968/70), com data de hoje, 21 de Julho de 2020, dando a triste notícia do falecimento do seu camarada, e também Bandalho, José Manuel Barreto Pires, ex-Alf Mil da 2412:

Amigo Vinhal

Uma triste notícia.

Se fizeres o favor de a publicar em meu nome pessoal, da CART 2412 e do Bando, agradeço, mas só tenho isto:


Morreu ontem, dia 20-07-2020, o nosso camarada, mas acima de tudo um grande amigo e companheiro, José Manuel Barreto Pires, que foi Alferes Milº Cmdt do 2º GComb da CART 2412 SEMPRE DIFERENTES..

À família enlutada, especialmente à sua digníssima esposa Maria da Luz, apresentamos em meu nome pessoal, da sua CART 2412 e do Bando do Café Progresso, de que ele orgulhosamente fazia parte, as nossas mais sinceras condolências.

Paz à sua alma. Que descanse em paz.

Comentário que publiquei no facebook:

Estou completamente destroçado. Em tão pouco tempo, dois grandes amigos, companheiros e bons camaradas, o Mário Vale e agora o José Barreto Pires. As minhas muito sentidas condolências. Os meus sentimentos à esposa Maria da Luz, sobrinha Clara Pires e demais familiares. Paz à sua alma. Que descanse em paz.

Amigo Carlos, desculpa, estou completamente destroçado e não tenho cabeça para mais nada, aliás nem me estava a lembrar se não fosse o Zé Ferreira.

Altera se quiseres e compõe como melhor entenderes.

Obrigado e um abraço.
cumprim/jtex

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Alf Mil José Barreto Pires

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2. Por sua vez, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos, também hoje, e ainda a propósito do falecimento do nosso camarada, uma mensagem em que lembrava uma visita a Gestosa de Boticas, à casa do Barreto Pires, nas encostas da Serra do Barroso, texto e fotos publicados no P20932 de 2 de Maio de 2020:[1]

Em 27 de Abril de 2020, no Blogue Luís Graça, foi publicado o texto “Confinamento II”, em que José Ferreira, se referia assim divertidamente ao isolamento do seu amigo, entusiasta da pesca da truta, nas fraldas do Barroso:


Curioso é o confinamento em Gestosa de Boticas, nas encostas da Serra do Barroso. O José Bandalho Pires, que é o Morgado e dono de quase toda a aldeia, impôs-lhe o seu total isolamento (mais rigoroso que em tempos de grande nevão). Todavia, obriga ao convívio diário de todos os seus 9 habitantes. Desde então, as lareiras têm funcionado continuamente, com as respectivas panelas de ferro ao lume, consumindo os artigos de fumeiro com que ornamentam as cozinhas.


Quando o convívio é bom,
Merece o fabrico do pão!

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3. José Barreto Pires, ex-Alf Mil da CART 2412, apresentou-se à tertúlia no dia 26 de Maio de 2006.[2]

À família enlutada, aos seus camaradas e amigos em geral, a tertúlia deste Blogue apresenta as mais sentidas condolências.
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Notas do editor

[1] - Vd. poste de 2 DE MAIO DE 2020 > Guiné 61/74 - P20932: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (9): “Operação Confinamento II"

[2] - Vd. poste de 26 DE MAIO DE 2006 > Guiné 63/74- P803: Tabanca Grande: José Barreto Pires (CART 2412)

Último poste da série de 9 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21156: In Memoriam (366): José Maria da Silva Valente (1946-2020), ex-Fur Mil Art da CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) (José Ferreira da Silva)

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21158: Tabanca Grande (497): José Maria da Silva Valente (1946-2020), natural de São Roque, Oliveira de Azeméis, ex-fur mil, CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69): senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 811


José Maria Silva Valente (1946-2020), fur mil,
CART 1689 / BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel 
e Canquelifá, 1967/69). 
Foto: José Ferreira da Silva (2020)


1. A notícia da sua morte chegou-nos ontem, por email de um amigo e camarada de armas, o José Ferreira da Silva:

Aconteceu hoje, pelas onze horas, no Hospital de Oliveira de Azeméis. Foi um dos seus filhos gémeos quem me deu a notícia. Fiquei chocado e um pouco desorientado, com a notícia deste desfecho inesperado.

Logo ele, aquele militar que eu tanto admirei na nossa guerra da Guiné! Logo ele, cuja acção e comportamento temerário suplantavam o apelido que teve por nascimento!

Pois, é esse mesmo, o José Maria da Silva Valente que tanto se dedicava à pesca e que há 4 anos caiu na Barragem de Castelo de Bode, de onde foi preciso tirá-lo quase inconsciente. Nunca mais ficou bem, devido ao ferimento sofrido na cabeça.

Para que conste no património das minhas memórias, caracterizei-o e registei-o no segundo livro que publiquei. E é esta pequena homenagem que lhe presto, através do texto que vai junto, pois quero recordá-lo na força da vida. (*)



2. Comentário de outros camaradas (*);

(i) Alberto Branquinho:

Não posso deixar de escrever duas ou três palavras porque o Valente foi um dos dois furriéis do meu pelotão [, o 1º Gr Comb / 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel  e Canquelifá, 1967/69).

O outro, também já falecido e também lembrado aqui pelo Silva, foi o António Pedro Carneiro de Miranda.

Pois o Valente era destemido, temerário até,  e arrastava com ele, agachado e aos berros, os soldados da secção que lhe estavam mais próximos, mesmo em situações de fogo frontal.

Tive, muitas vezes, que lhe moderar os ímpetos ou chamar-lhe, depois, a atenção, porque achava que se deveria, antes, fazer uma análise mínima das situações. Por essa razão (e outras,  de comportamento) as nossas relações não eram as melhores, ao contrário do que acontecia com o furriel Miranda.

Há que referir que, quando embarcámos para a Guiné, ele tinha acabado de ser pai de dois gémeos, só com alguns meses de vida.

A pesca era para ele uma paixão e, na parte final da sua vida, um descanso e uma fuga dos muitos problemas que teve na vida empresarial.

Deixa uma lembrança muito forte e muito grande. Adeus, Valente!


(ii) José Marcelino Martins:

Condolências à família e aos amigos.

Ocupa o teu lugar no poilão, Valente, o lugat dos combatentes da Guiné, também é neste local de encontro. Até sempre. 

(ii) Hélder Sousa:

O Valente já fez a sua última caminhada entre nós. Certamente outros se seguirão, pois é esse o nosso "destino comum".

No entanto a sua memória perdurará enquanto os amigos (e familiares, naturalmente) quiserem, com a preciosa ajuda deste tipo de homenagens em que o Zé Ferreira é um bom construtor.

Que descanse em paz.




3. Em 15 de janeiro de 2011,   o Hélder Sousa havia seguinte, em comentário a esta "história boa da minha memória",do José Ferreira,  o seguinte (*):

Caro camarigo J. Ferreira da Silva

Esta tua história, que pretende homenagear a valentia do Valente, faz ressaltar também outras coisas. Por exemplo, a necessidade de se ser firme ao enfrentar os superiores e demonstrar a justeza da nossa razão, quando caso disso.


E também ressalta a importância de se ter um bom relacionamento com os comandados para a partir daí se poder ir, como escreves, 'até ao inferno'.


4. O Silva  foi talvez o camarada mais próximo do Valente: embora tendo personalides diferentes e  pertencessem a grupos de combate diferentes,  eram amigos, iam sozinhos à caça e à pesca juntos,  gostavam de fazer os seus petiscos (, um caçava, o outro pescava), andavam juntos pelas tabancas... e  sobretudo conviveram bastante nos últimos anos. 

O Silva ganhou o gosto da pesca (nos rios e albufeiras) com o Valente, e nomeadamente a pesca do achigã. Além disso, eram vizinhos: o Valente, de São Roque, Oliveira de Azeméis,  o Silva, de Fiães, Vila da Feira...

Ao telefone, o Silva confidenciou-me que o Valente era um militar, como qualidades e defeitos, como qualquer um de nós, com uma deficente instrução militar, etc., mas inegavelmente destemido e um graduado capaz de galvanizar os homens da sua secção.

Depois na vida civil, procurava destacar-se em tudo o que fazia, deste o futebol e aos negócios e até na pesca. Tinha o gosto pela competição e subestimava os riscos. Foi um pequeno empresário da indústria de calcado, com relativo sucesso até à crise de 2008/09...  Um acidente na pesca há uns quatro anos afetou-o muito, o Silva ainda o trouxe a um convívio com os seus camaradas da CART 1689. Todavia a sua morte, mesmo esperada, não deixa de ser pesarosa, para os amigos e camaradas que o estimavam.

O Silva relembra ainda o Valente nestes termos (**):

(...) Foi dos últimos a integrar a nossa Companhia. Chegou a Viana do Castelo antes duas ou três semanas de partirmos para a Guiné. Era muito franzino, branquito e sem barba. Não pesava mais de 50 quilos e teria uns 155 centímetros de altura. 

Até metia pena, pensar que aquele imberbe, também iria para a guerra. Porém, conforme se veio a verificar, a aparência não condizia com a realidade. Curiosamente, alguns dias depois, já ele tinha “presa pela beiça” uma adolescente que trabalhava na nossa Pensão. Todavia, ele demarcou-se logo e fez questão de nos comunicar que era casado e que já tinha dois gémeos, (acabados de nascer). Inicialmente não acreditámos, mas viemos a confirmar que era verdade.

Pois o Furriel Valente, oriundo de Oliveira de Azeméis, foi um militar de primeira. Cumpridor, corajoso e abnegado, ele, temerariamente, surgia na frente de combate sempre que “elas” começavam a cantar. Foram vários os combates em que ele se destacou. Por isso era muito respeitado na CArt 1689, especialmente pelos seus soldados que o seguiriam até ao inferno, caso fosse preciso. (...)


5. Por proposta do nosso editor Luís Graça, o Valente passa a sentar-se, simbolicamente, à sombra do nosso poilão no lugar nº 811. (***)

O Valente foi um dos nossos, e vai continuar a sê-lo: graças ao Zé Ferreira da Silva e ao nosso blogue, não vai ficar na vala comun do esquecimento. 

Uma das suas paixões era a pesca. Como muitos outros camaradas, não tinh email pessoal, nem página no Facebook, nem muito menos terá visitado alguma vez o nosso blogue. Como ele haverá 99 em cada 100 dos homens que passaram pelo TO da Guiné entre 1961 e 1974.

Mais uma razão para o Valente passar a ser lembrado, aqui, ao nosso lado. 

Para mais morre em plena pandemia de COVID-19, sendo o seu funeral condicionado pelas restrições em vigor, e pela vontade expressa da família, não podendo contar por isso  com a presença  dos amigos e camaradas que gostariam de poder despedir-se dele.

Esta é, em alternativa,  a maneira dos seus camaradas da Guiné lhe dizeram adeus.  Nós, bem como os seus filhos e netos, e demais amigos, vamos continuar a ter orgulho nele e a recordá-lo,

Obrigado, Zé, pela singela, mas sentida e fraterna  homenagem que fazes ao Valente, que travou ontem o seu último combate: 'Logo ele, aquele militar que eu tanto admirei na nossa guerra da Guiné! Logo ele, cuja acção e comportamento temerário suplantavam o apelido que teve por nascimento!'

Um abraço de solidariedade na dor aos filhos e demais familiares do Valente, em nome de toda a Tabanca Grande.



S/d  ], anterior a 2016] > O Grande Valente, numa “bolanha do vale do Mondego”,  prepara-se para dar mais uma aula de bem pescar ao colega, amigo e vizinho Silva, companheiros de grandes lutas pela honra e dignidade dos militares da Cart 1689. Em 2016 sofreu um acidente grave, quando pescava na albufeira da barragem de Castelo Bode (****)


S/d  [, anteriror a 2016] > O Silva com o Valente nas pescarias do rio Douro, Porto Antigo, Cinfães




Guiné > Região de Tombali > Catió > CART 1689 > Convívio “meio balanta”, na messe de sargentos. O Valente está de cachimbo.



Guiné > Região de Tombali > Catió > CART 1689 >   Messe de sargentos. O Valente   é o sorridente de camisa branca. O Valente brilhou também como o melhor gerente da messe de sargentes. Durante um mês,  comeu-se bem e do melhor (manga de bom peixe fresco, pescado à granada).


Guiné > Bissau > CART 1689 > Grupo de furriéis, no fim da comissão. O Valente é o 3º, de pé, da esquerda para a dieita.

Fotos: Cortesia do José Ferreira (2020)



Vila Nova de Gaia > Crestuma > 10 de junho de 2016 > Da esquerda para a direita, o Valente, o Zé Ferreira, o Neves  e o Jorge Portojo. Os quatro passaram por Catió.  Recordes-se que o  o nosso querido e saudoso Jorge Teixeira (Portojo) (1945-2017) oi vur mil  do Pelotão de Canhões S/R 2054, Catió (1968/70). O Neves, por sua vez, pertencia à CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69), tal como o Victor Condeço (1943-2010), furriel mecânico de armamento.  A CART 1689 também pertencia ao BART 1913.


 Foto do Jorge Teixeira (Portojo) (2016).




Vila Nova de Gaia  > Crestuma  >  17 de dezemrbo de 2016 >  Apresentação do 1º volume do livro do José Ferreira, "Memórias Boas da Minha Guerra". O Valemte, de pé.


 Vila Nova de Gaia  > Crestuma  >  17 de dezemrbo de 2016 >  Apresentação do 1º volume do livro do José Ferreira, "Memórias Boas da Minha Guerra" > O Valente, à esquerda.
As fotos são da autoria do nosso saudoso  Jorge Portojo (2016) (*****)





Gondomar > Fânzeres > Tabanca dos Melros > 2016 > O Valente, já debilitado junto do ex-Cap Manuel Maia (hoje General  reformado Manuel Maia), no almoço do pessoal da CART 1689.


Foto: Cortesia do José Ferreira (2020)

(***ª) Vd. poste de 9 de agosto de  2016 > Guiné 63/74 - P16374: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): Relatório de Operações do último almoço-convívio da CART 1689


(...) A certa altura, abeirei-me do Valente, que eu havia ido buscar a Oliveira de Azeméis e que já não pode conduzir viaturas em virtude de um acidente sofrido numa pescaria na Barragem de Castelo de Bode, e perguntei-lhe:
- Está tudo bem? Porque estás tão calado?
- Olha, Silva, desta vez estou para aqui a observar a malta e verifico que o nosso fim está próximo. Lembras-te de quantos homens tinha a nossa Companhia? 153!... Sabes quantos estão aqui? 19! A maioria são familiares e a gente nem repara. Cada vez vêm mais familiares a acompanhar-nos, e sabes porquê? Porque nos vêm trazer e amparar. Andam a dar-nos as últimas alegrias.

Logo o tentei animar:
- Deixa-te de merdas, a malta está contente, vê se pensas em coisas boas e se tratas do “isco especial”, para voltarmos a pescar. (...)

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21156: In Memoriam (366): José Maria da Silva Valente (1946-2020), ex-Fur Mil Art da CART 1689 / BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) (José Ferreira da Silva)

 IN MEMORIAM

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de hoje, dia 9 de Julho de 2020, com a triste notícia do falecimento de mais um dos nossos camaradas que combateram na Guiné, desta vez o ex-Fur Mil José Maria da Silva Valente, camarada de Companhia do José Ferreira e seu amigo para o resto da vida.

Caros Camaradas
Faleceu o Valente!


Aconteceu hoje, pelas onze horas, no Hospital de Oliveira de Azeméis. Foi um dos seus filhos gémeos quem me deu a notícia. Fiquei chocado e um pouco desorientado, com a notícia deste desfecho inesperado.
Logo ele, aquele militar que eu tanto admirei na nossa guerra da Guiné!
Logo ele, cuja acção e comportamento temerário suplantavam o apelido que teve por nascimento!

Pois, é esse mesmo, o José Maria da Silva Valente que tanto se dedicava à pesca e que há 4 anos caiu na Barragem de Castelo de Bode, de onde foi preciso tirá-lo quase inconsciente. Nunca mais ficou bem, devido ao ferimento sofrido na cabeça.

Para que conste no património das minhas memórias, caracterizei-o e registei-o no segundo livro que publiquei. E é esta pequena homenagem que lhe presto, através do texto que vai junto, pois quero recordá-lo na força da vida.

Nota: A família aconselha a que não nos desloquemos, pois que o funeral terá lugar somente com a presença de familiares próximos.

********************

2. Recordemos então, em jeito de homenagem póstuma, o que escreveu o José Ferreira acerca do seu camarada e amigo, José Maria Valente, em 13 de Janeiro de 2011[*]:


Outras memórias da minha guerra (6)

O Valente era mesmo valente

Foi dos últimos a integrar a nossa Companhia. Chegou a Viana do Castelo antes duas ou três semanas de partirmos para a Guiné. Era muito franzino, branquito e sem barba. Não pesava mais de 50 quilos e teria uns 155 centímetros de altura. Até metia pena, pensar que aquele imberbe, também iria para a guerra. Porém, conforme se veio a verificar, a aparência não condizia com a realidade. Curiosamente, alguns dias depois, já ele tinha “presa pela beiça”, uma adolescente que trabalhava na nossa Pensão. Todavia, ele demarcou-se logo e fez questão de nos comunicar que era casado e que já tinha dois gémeos, (acabados de nascer). Inicialmente não acreditámos, mas viemos a confirmar que era verdade.

Pois o Furriel Valente, oriundo de Oliveira de Azeméis, foi um militar de primeira. Cumpridor, corajoso e abnegado, ele, temerariamente, surgia na frente de combate sempre que “elas” começavam a cantar. Foram vários os combates em que ele se destacou. Por isso era muito respeitado na Cart 1689, especialmente pelos seus soldados que o seguiriam até ao inferno, caso fosse preciso.

Silva, Valente, Faria e Jaime - Passeando na Av. de Bissau


Valente também era dançarino


Em Bissau, vindos de férias. O Valente triste no regresso a Catió

Em zona de combate era normal distribuírem-se rações de reforço, para as refeições. Eram diferentes das rações normais. Dizia-se que na contabilidade da Companhia as rações normais eram pagas como refeição normal e as outras não. Ora isto dava azo a um lucro jeitoso, mas isso não era tão mau para os militares que, como eu, até preferia as rações de reforço. O problema maior surgia quando, estando fora do quartel, tínhamos a percepção de que não regressaríamos mais cedo, para não reivindicarmos a refeição quente. Alguns barafustavam, em surdina, mas isso era perigoso.

Estávamos instalados no cruzamento de Camaiupa, perto de Cufar. A coluna auto de abastecimento a este quartel já havia terminado há mais de duas horas e, portanto, a segurança ao itinerário já não era necessária. Nós aguardávamos ali o regresso das viaturas que nos transportariam para Catió. Elas só sairiam ao nosso encontro, depois da ordem do nosso capitão, que estava ali sentado, segundo se suponha, a empatar o tempo. Era o período mais quente do dia e já passava das 14 horas. O Valente, como o alferes estava ausente, reclamava junto do capitão que estava muito calor e que deveríamos regressar. Porém, o capitão aconselhava a esperarmos mais um bocado.

- Meu capitão, saímos de madrugada, estamos cansados e o que queremos é ir embora, para tomar banho, refrescar e descansar – reclamava o Valente. – Pois todos nós também – refutava o capitão. E pouco tempo depois, voltava o Valente: - Mas, ó meu capitão, nós não queremos comer, porque já nem temos fome e não estamos aqui a fazer nada. Isto é que não tem jeito nenhum.

O capitão apercebeu-se, pelo apoio geral, de que o Valente estaria a mexer numa ferida sensível e não deixou agravar mais a situação. Virou-se para o Valente e disse-lhe num tom mais elevado: - Se Você está assim com tanta pressa, não quer ir andando? - pensando que o Valente se calaria.

- Pensa que temos medo, meu capitão? - Atenção à minha Secção – gritou logo o Valente - Formem aqui imediatamente. – E continuou: - Firme, Sê..ooope. Meu capitão dá licença? O capitão já estava de boca aberta ao ver a reacção, parecia não ter outra alternativa, e respondeu: - Sim. E o Valente ordena: - Esquerda, aaarche… E lá seguiram.

Do cruzamento de Camaiupa até ao quartel de Catió eram cerca de oito quilómetros, com perigo de emboscadas.

O capitão, já preocupado, accionou logo a mensagem para as viaturas começarem o movimento.
Todos nós ficámos também preocupados com a situação, embora existissem militares emboscados, ao longo da estrada, em alguns locais estratégicos e mais perigosos, para protecção à passagem das colunas auto.

Quando alcançámos o Valente já ele estava às portas de Priame, a povoação dos milícias comandados pelo João Bacar Jaló, encostada a Catió.

E quando os carros pararam junto deles para entrarem, tiveram a resposta: - Agora? F...-se!

Silva da Cart 1689

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À família e amigos do nosso malogrado camarada José Maria Valente, os editores e a tertúlia deste blogue endereçam as suas mais sentidas condolências.
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Notas do editor

[*] - Vd. poste de 13 de janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7609: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (6): O Valente era mesmo valente

Último poste da série de 5 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21042: In Memoriam (365): António Lúcio Vieira (1943-2020), ex-Fur Mil Cav da CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67) (Carlos Pinheiro)