Mostrar mensagens com a etiqueta Op Ametista Real. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Op Ametista Real. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23535: (Ex)citações (413): o mito da invencibilidade do Batalhão de Comandos da Guiné, quebrado em Cumbamori, segundo a versão do meu irmão mais velho, o sold 'comando' Cissé Candé, da 3ª CCmds Africanos (Cherno Baldé, Bissau)

Guião do Batalhão de Comandos da Guiné (1972/74)


Ficha de unidade: Batalhão de Comandos da Guiné
Identificação: BCmds
Crndt: Maj Cav Cmd João de Almeida Bruno | Maj Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folgues | Maj Inf Cmd Florindo Eugénio Batista Morais
2º Crndt: Cap Inf Cmd Raul Miguel Socorro Folques | Cap Inf Cmd João Batista Serra | Cap Cav Cmd Carlos Manuel Serpa de Matos Gomes | Cap Art Cmd José Castelo Glória Alves
Início: 2nov72 | Extinção: 7set74

Síntese da Actividade Operacional 

A unidade foi criada, a título provisório, em 2nov72, a fim de integrar as subunidades de Comandos da Metrópole em actuação na Guiné e também as CCmds Africanas, passando a superintender no seu emprego operacional e no seu apoio administrativo e logístico.

Em 1abr73, o BCmds foi criado a título definitivo, tendo a sua organização sido aprovada por despacho de 21fev73 do ministro do Exército.

Desenvolveu intensa actividade operacional, efectuando diversas operações independentes em áreas de intervenção do Comando-Chefe ou em coordenação com os batalhões dos diferentes sectores onde as suas forças foram utilizadas, nomeadamente nas regiões de:

  • Cantanhez (operação "Falcão Dourado", de 15 a 19jan73, e operação "Kangurú Indisposto", de 21 a 23 mar73); 
  • Morés (operação "Topázio Cantante", de 25 a 27jan73); 
  • Changalana-Sara (operação "Esmeralda Negra", de 13 a 16fev73); 
  • Morés e Cubonge (operação "Empresa Titânica'', de 27fev73 a 1mar73); 
  • Samoge-Guidage (operação "Ametista Real", em 20 e 21mai73); 
  • Caboiana (operação "Malaquite Utópica", de 21 a 22jul73 e operação "Gema Opalina", de 24 a 27set73); 
  • Choquernone (operação "Milho Verde/2", de 14 a 17fev74); 
  • Biambifoi (operação "Seara Encantada", de 22 a 26fev74):
  • Canquelifá (operação "Neve Gelada", de 21 a 23mar74), entre outras. 

As suas subunidades, em especial as metropolitanas, foram ainda atribuídas em reforço de outros batalhões, por períodos variáveis, para intervenção em operações específicas ou reforço continuado do  

Das operações efectuadas, refere-se especialmente a operação "Ametista Real", efectuada de 17 a 20mai73, em que, tendo sofrido 14 mortos e 25 feridos graves, provocou ao inimigo 67 mortos e muitos feridos, destruindo ainda:

  •  2 metralhadoras antiaéreas;
  • 22 depósitos de armamento e munições com:
  • 300 espingardas, 
  • 112 pistolas-metralhadoras, 
  • 100 metralhadores ligeiras, 
  • 11 morteiros,
  • 14 canhões sem recuo, 
  • 588 lança-granadas foguete, 
  • 21 rampas de foguetão 122, 
  • 1785 munições de armas pesadas, 
  • 53 foguetões de 122,
  • 905 minas 
  • e 50.000 munições de armas ligeiras.

Destacou-se também, pela oportunidade da intervenção e captura de 3 morteiros 120, 367 granadas de morteiro, 1 lança granadas foguete e 2 espingardas e 26 mortos causados ao inimigo, a acção sobre a base de fogos que atacava Canquelifá, em 21mar74.

Em 20ago74, as três subunidades de pessoal africano (1ª, 2ª e 3ª CCmds Africanos)  foram desarmadas, tendo passado os seus efectivos à disponibilidade. Em 7set74, o batalhão foi desactivado e exinto.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp.646/647.


1. Comentário de  Cherno Baldé (nosso colaborador permanente, assessor para as questões etno-linguísticas, economista, Bissau) ao poste P23523 (*)

Caros amigos,

A batalha de Cumbamori (OP Ametista Real, Samoge-Guidage,20-21 mar 1973) mudou a  a minha/nossa percepção sobre a guerra da Guiné e, sobre os Comandos (Africanos) em particular, pois de regresso à nossa aldeia, depois de participar nesse ataque, o soldado comando Cissé Candé (3ª CCmds Africanos), na qualidade de irmão mais velho, disse-nos que, definitivamente, para se ser um bom Comando, também, devia-se saber correr e bem. 

Segundo Cissé, em Cumbamori os Comandos atacaram com a máxima força e coragem, mas receberam uma resposta ainda mais violenta da parte dos guerrilheiros, surpreendidos em sua prória casa, onde até as árvores disparavam contra os invasores. 

No fim, sem munições de reserva, tiveram que fugir, sim isso mesmo, fugir, perseguidos pelos donos da casa, incluindo carros blindados do exército senegalês chamados em apoio da guerrilha. 

Esta foi a versão que ouvimos na altura.  com  estas palavras do Cissé,  nessa noite nos perturbou o sono e mudou  a nossa forma de ver e sentir a guerra à nossa volta e de olhar para os Comandos Africanos da Guiné que afinal também eram mortais como todos os outros soldados.

Até aquele dia, estavamos inocente e firmemente convictos de que um Comando era um militar invencivel em quaisquer circunstâncias e que nunca virava a cara à luta fosse ela qual fosse, tal era a nossa crença na força e coragem dos mesmos, independentemente da propaganda de um e doutro lado.

No regulado de Sancorla (minha terra), quando uma criança (de sexo masculino) chorava no colo da mãe, esta consolava-a com a promessa de que a entregaria para fazer parte dos bravos Comandos quando crescesse e fosse homem, a fim de combater pela defesa da sua terra.


"Comando quer Comida ? NÃO !"

"Comando quer Bajuda ? NÃO !"

"Comando quer Bianda ? NÃo !"

"Comando quer Guerra ? SIM !"

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé (**)

___________

domingo, 14 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23523: In Memoriam (447): Gen João Almeida Bruno (1935-2022): cerimónias fúnebres na Academia Militar, capela do Palácio da Bemposta... E recordando também a sua memória da Op Ametista Real (Senegal, 1973), de que ele foi o comandante

 



Lisboa > Academia Militar > Palácio da Bemposta > 12 de agosto de 2022 > Cerimónias fúnebres do ten gen João Almeida Bruno (1935-2022). A capela da Bemposta estava cheia de familiares, amigos e camaradas; à hora em que se celebrou missa de corpo presente, às 14h00, seguindo-se o funeral para o Cemitério do Alto de São João, em Lisboa, a partir das 15h00. O nosso editor jubilado Virgínio Briote esteve lá e fez inclusive um vídeo que pode ser ser visto na página do Facebook da Tabanca Grande (12/8/2002, 19h34).

O nosso editor jubilado Virgínio Briote, ex-alf mil, ex-alf mil da CCAV 489/BCAV 490 (Cuntima) e alf mil 'comando, Comanos da Guiné, cmdt do Grupo Diabólicos, Brá; 1965/67), passou pela Academia Militar na primeira metade da década de 1960 e era amigo pessoal do falecido.

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na hora da partida do brilhante e corajoso militar quer foi o general de 4 estrelas na reforma, João Almeida Bruno (1935-2022), , recordemos aqui um texto já antigo (1995), da sua autoria, sobre a Op Ametista Real, de que ele foi o comandante (**):

Op Ametista Real, 

por João de Almeida Bruno (1995)


(...) A operação mais importante que comandei foi, no entanto, na Guiné. O nome de código foi Ametista Real - eu sempre dei nomes de pedras preciosas às operações que comandei. Penso que, na altura, foi a operação de maior envergadura daquele tipo, fora do território nacional. Comandava então o Batalhão de Comandos Africanos que foi, julgo, uma das unidades que ganharam o Guião de Mérito, um estandarte especial que penso só ter sido também atribuído à unidade do então capitão de Infantaria Maurício Saraiva, meu grande amigo. De qualquer modo esses guiões estão hoje na Amadora.

A 16 de Maio de 1973 fui chamado de urgência ao Comandante-Chefe; o então general António de Spínola, que me traçou um panorama geral da guarnição militar de Guidage, junto à fronteira com o Senegal. Estava isolada por terra por causa dos fortíssimos campos de minas lançados pelo inimigo. As colunas logísticas, enquadradas por forças paraquedistas, não conseguiram romper. Era difícil o reabastecimento aéreo e a evacuação de feridos, por causa dos mísseis terra-ar Strela de que dispunha o PAIGC. E era grande o desgaste físico e psicológico da guarnição.

Tudo indicava que o inimigo pretendia lançar um assalto final a Guidage para tirar dividendos internos e externos. E, por isso, era necessário aliviar a pressão: o único caminho possível era pelo Norte, pelo território senegalês.

A missão foi dada de forma clara e simples: atacar a base inimiga de Cumbamory, que ficava uns cinco quilómetros a norte da fronteira. Era preciso, no mínimo, desarticular o dispositivo inimigo. Se possível, destruir a base ou, pelo menos, causar o maior número possível de baixas e destruir a maior quantidade possível de material.

Foi decidido transportar a força, em meios navais, de Bissau para Bigene. E lançar depois uma operação de curta duração, em terra, por forma a atacar a base inimiga a partir de uma base de ataque já instalada em território senegalês. "Limpar", por fim, a região de acesso a Guidage, recolhendo as nossas forças a essa povoação.

O apoio de fogos ficaria a cargo de seis baterias fixas de 10,5 e de helicanhões. Verificou-se que não eram possíveis reabastecimentos e evacuações por helicóptero. Os mortos e os feridos teriam de ser transportados para Guidage sem meios auxiliares, e a haver reabastecimento de munições ele teria de ser feito nos paióis inimigos detectados. Nada se sabia quanto à localização exacta do objectivo, a não ser que era na área da povoação senegalesa de Kumbamory.

Na tarde de 19 de Maio (de 1973) o batalhão embarcou para Bigene, onde chegou pouco antes do pôr-do-sol. Foram constituídos três agrupamentos, com uma companhia de comandos cada um. Eram comandados pelos capitães Raúl Folques (que ficaria gravemente ferido) e Matos Gomes e pelo capitão paraquedista António Ramos. Este comandava o agrupamento a que ficou adstrito o grupo especial comandado pelo alferes Marcelino da Mata, especializado em demolições.

Nele me integrei, o batalhão entrou em território senegalês pelas seis da manhã do dia 20. A artilharia de Bigene concentrava entretanto o seu fogo sobre o objectivo, mais como manobra de diversão do que como forma de destruição, uma vez que não era conhecida com rigor a localização da base inimiga. Hora e meia depois os agrupamentos estavam dispostos na base de ataque, a sul da povoação senegalesa.

Foi necessário cortar a estrada que corria paralela à fronteira e «reter» o comandante de um batalhão de paraquedistas senegalês que chegara entretanto em missão de reconhecimento. A conversa entre mim e ele foi cordial e amistosa. E franca, claro. O comandante senegalês sabia perfeitamente da existência da base do PAIGC, mas argumentava que ela ficava em território português. Pedia assim que abandonássemos rapidamente o Senegal e garantia que não iria haver nenhum incidente diplomático. E não houve.

Pelas oito horas a Força Aérea iniciou um pesado bombardeamento, a que se seguiu o assalto. Um pouco à sorte, já que não se sabia onde ficava a base. E a sorte foi decisiva.

Quase de imediato os dois agrupamentos que iam à frente detectaram vários depósitos de material de guerra. O terceiro agrupamento, que estava em reserva e logo deixou de estar, envolveu-se em violento combate com um forte grupo inimigo que dispunha de canhões sem recuo e de metralhadoras pesadas: defendia o depósito principal, o de foguetões de 122 mm.

Não é fácil descrever a acção. A tónica principal deve ter sido a confusão, não só a própria da batalha, como a decorrente do facto de se enfrentarem adversários da mesma cor e com armamento semelhante, e de ser impossível delimitar claramente a frente. E foi nesta grande confusão que o posto de comando aéreo teve um papel decisivo: os agrupamentos, correndo embora o risco de serem referenciados, iam indicando a sua posição com sinais pirotécnicos. Pela rádio, o posto de comando aéreo ia-me informando do movimento das tropas. Pelo meio-dia, a missão estava cumprida.

O agrupamento, que era comandado pelo capitão Folques ficou, a dada altura, praticamente sem munições. Foi então dada ordem de retirada, o que equivalia a continuar na direcção de Guidage. Foi um movimento lento, interrompido por vários e violentos combates, até que, pelas quatro da tarde, o inimigo abandonou o terreno.

Pelas seis da tarde as nossas tropas chegaram a Guidage. Depois continuaram a pé, até serem recolhidas, no dia seguinte, pela Marinha de Guerra, no rio Cacheu.

Os resultados conseguidos foram assinaláveis e foi aliviada a pressão sobre Guidage, cuja guarnição militar recuperou a iniciativa depois de rendidos os seus efectivos.

Não é sem uma ponta de orgulho que me vejo forçado a afirmar que nesta operação ficou patente o alto espírito agressivo dos Comandos Africanos, a sua capacidade excepcional de orientação na selva e a sua invulgar resistência física. Ficou também patente que os quatro oficiais europeus que comandaram a acção foram decisivos nos momentos mais difíceis, sobretudo pelo bom senso e capacidade de decisão que revelaram.

O inimigo sofreu 67 mortos. As nossas tropas 14 mortos (dos quais dois alferes), onze desaparecidos, mais tarde confirmados como mortos, e 23 feridos graves (dos quais três oficiais e sete sargentos). Ao inimigo foram destruídos 22 depósitos de material de guerra.(...)

Fonte: Autores vários - "Os Últimos Guerreiros do Império". Lisboa: Edições Erasmos. 1995, pp. 72-75. (Excertos, reproduzidos com a devida vénia...) (**). Na altura (1995), o autor era tenente-coronel.
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de agosto de  2022 > Guiné 61/74 - P23515: In Memoriam (446): Gen João Almeida Bruno (1935-2022), que esteve connosco no CTIG, foi comandante da mítica Op Ametista Real, à frente dos seus bravos Comandos da Guiné, e participou depois no 25 de Abril

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23515: In Memoriam (446): Gen João Almeida Bruno (1935-2022), que esteve connosco no CTIG, foi comandante da mítica Op Ametista Real, à frente dos seus bravos Comandos da Guiné, e participou depois no 25 de Abril


Lisboa >  2009 >  Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten general 'comando' ref Almeida Bruno (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné, e ambos Torre e Espada) e o saudoso grã-tabanqueiro Amadu Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




João Almeida Bruno (19935-2022)


1. Mensagem do nosso amigo e camarada Mário Vitorino Gaspar:

Data - 11 ago 2022 9h18

Assunto - Morreu o general Almeida Bruno, capitão de Abril 

Caras Amigas e Caros Amigos

Estive mais uma vez hospitalizado no Hospital das Forças Armadas (HFAR), e tive a companhia, na mesma Enfermaria, do General Almeida Bruno.

Tive Alta a 8 de agosto e o Capitão de abril faleceu a 10.

Paz à sua alma (*)…

Mário Vitorino Gaspar
 

2. Presidente da República evoca General Almeida Bruno

10 de agosto de 2022

O Presidente da República evoca, com respeito, admiração e amizade, o General João de Almeida Bruno, apresentando as suas condolências à Família e ao Exército Português, que serviu com independência, sentido de missão e devoção integral.



3.  Recorte do Diário de Notícia, de  10 ago 2022, às 18h42 (com a devida vénia):

Morreu o general Almeida Bruno, que a PIDE tentou matar a um mês do 25 de abril

(...) Morreu esta quarta-feira o general João de Almeida Bruno, aos 87 anos, no Hospital das Forças Armadas.

Um dos mais condecorados oficiais da Guerra Colonial, participou no Golpe das Caldas, em que se tentou acabar com a Ditadura que vigorava em Portugal, um mês antes da revolução do 25 de abril de 1974. Nessa altura, foi alvo de uma tentativa de homicídio por parte da PIDE.

Almeida Bruno incorporou o Exército em 1952 e serviu as Forças Armadas ao longo de mais de quatro décadas, tendo estado na Guiné-Bissau e em Angola durante a Guerra Colonial e integrado o curso de oficiais da Academia Militar em 1953, ao lado de Loureiro dos Santos, Gabriel Espírito Santo, Ernesto Melo Antunes e Ramalho Eanes.

Após o 25 de abril, o general assumiu o cargo de diretor da Academia Militar. Entre 1994 e 1998, antes de passar à reforma, foi presidente Supremo Tribunal Militar.

Ao longo da carreira foi distinguido com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, com as medalhas de Valor Militar e da Cruz de Guerra, e com a Ordem Militar de Avis, entre outras condecorações. (...)



O comandante da mítica Op Amestista Real 


4. Na sua página do Facebook, escreveu hoje, às 8h53,  o Carlos Matos Gomes (ambos participaram na mítica Op Amestista Real, de que o major Bruno Almeida era o comandante, à frente dos seus bravos Comandos da Guiné):

No falecimento do general Almeida Bruno.

Acima de tudo a tristeza de ver partir um amigo, mas depois a de ver partir um ser excecional de generosidade, de coragem e de afetos, Ficarei com a memória de momentos muito difíceis partilhados e da sua atenção para com os amigos.
 
As Forças Armadas perdem um dos seus melhores. A democracia e a nova posição de Portugal no mundo após o 25 de Abril devem-lhe muito (mais do que é comum ser dito).  Um dia será reconhecido.

Eu perco uma voz e uma presença com quem cada momento era de cumplicidade e de respeito.

Até sempre, comandante. Encontramo-nos em Cumbamory, em Madina, no Estoril, na Amadora, em Caxias, em Brá, no Jóquei, na Colina. Uma bela coincidência, esta, a do nome do último restaurante onde nos encontrávamos.


5. Comentário do editor LG:

Não convivi com o gen (capitão no meu tempo, 1969/71) Almeida Bruno. Era então ajudante de campo do gen Spínola (que, entre as várias alcunhas que tinha, também era conhecido como o "Aponta, Bruno").

Para além das anedotas e dos "faits-divers" (e dos pequenos "desaguisados", das "frases menos felizes", etc.) ficam os homens, os portugueses que honraram Portugal, seja nas armas seja nas artes, nas letras, na ciência, no desporto, na política, etc... O Almeida Bruno já lá estará no "céu dos guerreiros" e no "cantinho dos portugueses"...

Que a família, os amigos do peito e os camaradas mais próximos saibam suportar a dor da sua perda.  
A Tabanca Grande, que representa o blogue dos amigos e camaradas da Guiné, apresenta condolências à família e aos camaradas que com ele combateram ou privaram de mais perto. 

sábado, 18 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23364: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (5): um "annus horribilis" para ambos os contendores: O resumo da CECA - Parte IV: Op Ametista Real, de 17 a 21 mai73, destruição da base de Cumbamori, no Senegal


Raúl Folques, com o posto de major foi o último comandante do Batalhão de Comandos Africanos, antes do 25 de Abril de 1974, mais exactamente entre 28 de Julho de 1973 e 30 de Abril de 1974, tendo sido antecedido pelo major Almeida Bruno (2 de Novembro de 1972 a 27 de Julho de 1973), e imediatamente seguido pelo Cap Matos Gomes (1 de Maio a 12 de Junho de 1974). Os dois aparecem aqui na foto, à esquerda, o Matos Gomes, e à direita o Folques.

Foto editada, extraída de Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010, p., 240 (com a devida vénia...)

Estes três oficiais, juntamente com o cap paraquedista António Ramos, foram os únicos europeus a participar, com os militares do Batalhão de Comandos Africanos, e o Grupo do Marcelino da Mata, na célebre Op Ametista Real, de assalto à base do PAIGC em Cumbamori, no Senegal, em 19 de Maio de 1973, e cujo sucesso permitiu aliviar a pressão sobre Guidaje. Nessa dramática operação, o major Folques foi ferido. Os números oficiosos apontam para 9 mortes, 11 feridos graves e 23 ligeiros, entre as nossas força.




Lisboa >  2009 >  Da esquerda para a direita, o cor inf 'comando' ref Raul Folques e o ten gen 'comando' ref Almeida Bruno (os dois primeiros comandantes do Batalhão de Comandos Africanos da Guiné) e o saudoso grã-tabanqueiro Amadu Jaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015).

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

O Amadu Jaló tem onze páginas (pp. 248-258), no seu livro "Comando, Guineense, Português" (edição da Associação dos Comandos, 2010), de grande intensidade dramática, sobre a Op Ametista Real, e nomeadamente sobre a retirada dos comandos africanos até Guidaje e depois até Bigene, com o Raul Folques ferido e amparado pelos seus soldados.



1. Guidaje, Guileje e Gadamael, os famosos 3 G... Daqui a  um ano, em 2023, a "batalha dos 3 G" vai fazer meio centenário...

Será que já está tudo dito, escrito e lido sobre os 3 G ?  Não, ainda há muito coisa para dizer, ler, ouvir e aprender, sobretudo aqueles de nós que não viveram na pele as agruras daqueles longos, trágicos mas também heróicos dias de maio e junho de 1973... Dias que não se podem resumir à contabilidade (seca) das munições gastas ou das baixas de um lado e do outro (e foram muitas, as baixas, as perdas).

Nestes dia que correm de fim de primavera, em que passam 49 anos sobre a Op Amílcar Cabral, em que o PAIGC jogou forte (em termos de meios humanos e materiais mobilizados) contra as posições fronteiriças de Guidaje (no Norte) e Guileje e Gadamael (no Sul), pareceu-nos oportuno repescar alguns postes e comentários que andam por aí perdidos... E publicar novas histórias ou informção de sinpose dos aconteimentos.

Daí esta série "Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra?"...

Felizmente que ainda temos muitos camaradas vivos, que podem falar "de cátedra! sobre os 3 G, Guidaje, Guileje e Gadamael... Outros, entretanto, já não estão cá, que "da lei da morte já se foram libertando"... Do lado do PAIGC, por seu turno, é cada vez mais difícil poder-se contar com testemunhos, orais ou escritos, sobre os acontecimentos de então.

Damos continuação à publicação de um excerto da CECA (2015) sobre estes acontecimentos (*).


CAPÍTULO III > ANO DE 1973 > 2. Nossas Tropas >

 2. 2. Operação Ametista Real - 17 a 21Mai73


(...) A partir da segunda semana de Maio de 1973 a situação na área de Guidaje foi-se agravando, quer pelas flagelações inimigas ao aquartelamento, quer pelos ataques lN às colunas de reabastecimentos vindas de Farim.

Houve a notícia de movimentações de tropas do PAIGC junto à fronteiran com a República do Senegal e existiram dificuldades em evacuar os feridos em combate devido às limitações de emprego dos meios aéreos.

Estes factos levaram o Cmdt-Chefe a decidir avançar com uma operação de grande alcance para conter as forças do PAIGC que atacavam Guidaje e abrandar a tensão sobre este aquartelamento a fim de possibilitar o reabastecimento da guarnição militar e a evacuação dos feridos.

A missão de executar a operação foi atribuída ao Batalhão de Comandos da Guiné.

Transcreve-se o relatório da operação elaborado pelo Cmdt do BCmds em 25Mai73. Estão omitidos os Anexos A, B, C e D.

Relatório da Operação "Ametista Real"

Realizada de 17 a 21Mai73 na Região de Guidaje - Bigene - Binta. Referência: Folhas da Carta de Guiné: Guidaje - Bigene - Binta. Escala 1/50.000

1 - Situação

a. Forças Inimigas

- O mencionado na ordem de Operações "Ametista Real"

b. Forças Amigas

- COP 3 Bigene; Guidage. | COP 2 Binta | BA 12 6 aviões "G-91", alerta em Bissau.

2 -Missão

Aniquilar ou, no mínimo desarticular os elementos ln na região compreendida ntre Guidaje e Bigene.

3 - Forças Executadas

a. Comando: Cmdt/Oper - Maj Cav, "Comando" João de Almeida Bruno.

b. Composição e Articulação de Forças

- Agr Centauro (3ª CCmds a 6 Gr Cmds) | Comandante Cap Inf"Comando" Raul Folques.

- Agr Bombox (2ª CCmds a 6 Gr Cmds) | Comandante Cap Cav "Comando" Matos Gomes.

- Agr Romeu (1ª CCmds a 6 Gr Cmds + 1 Gr COE) | Comandante Cap Para António Ramos.

c. Meios:  13 CCmds; 2ª CCmds; 3ª CCmds; 1 Gr COE; 4 helis ALL III - TEVS; 2 helis ALL III - armados; 6 aviões G-91 - ATIP e ATAP (alerta em Bissau); 4 aviões DO-27 - DCON.

d. Alterações à Orgânica Regulamentar - Nada.

4 - Planos estabelecidos para a Acção

Foram estabelecidos contactos pessoais com a REPOPER, REPINFO, COAT/BA 12 CMDDEFMAR.

5 - Desenrolar da Acção

Dia 17Mai73:  18h00- Saída de Bissau para Bigene em LDG.

Dia 18Mai73: 23H50 - Saída de Bigene para a base de ataque.

Dia 19Mai73

06h20 - Chegada à base de ataque.

08h20 - Início do bombardeamento da FAP e exploração da zona de objectivos.

09h05 - Estabelecido o primeiro contacto com o lN.

14h10 - Estabelecido o último contacto com o lN. ln estimado em 500/600 elementos armados, com apoio de mort 82 mm, canhões s/recuo e foguetões.

14h30 - Início da progressão para a base de recolha.

18h20 - Chegada a Guidaje.

Dia 20Mai73

08h30 - Saída para Binta.

19h30 - Chegada a Binta.

Dia 21Mai73

07h30 - Saída de Binta para Bissau.

16h00- Chegada a Bissau.

6 - Resultados obtidos

(1) Obtidos pelas NT sobre o lN

a. Baixas causadas ao ln

- Mortos (confirmados) 67.

- A FAP deve ter provocado com os seus bombardeamentos elevadas baixas ao lN que se estimam, dado o facto de o último bigrupo lN referenciado ser de efectivo de cerca de 150 elementos, entre 100 a 150 elementos.

b. Material destruído e capturado:

Material destruído

- Depósito de Material 16

- Paiois (bombardeados pela FAP) 6

- Mort AA (bombardeados pela FAP) 2

- Munições de armas ligeiras 50 mil

- Esp aut Kalashnikov 300

- Pist metr PPSH 112

- Gra mão 560

-Minas A/C  505

- Minas A/P  400

- Metr Lig  Degtyarev 100

- Mort 82 mm 11

- Canhão s/r  14

- LGFog RPG-7 138

- LGFog RPG-2 450

- Gran Canhão s/r  1.100

- Gran mort 60 mm 225

- Gran mort 82 mm 406

- Gran LGFog  RPG-7 54

- Rampas de foguetões 122 mm 21

- Foguetões de 122 mm 53

Estes números são estimados, embora tenha havido o cuidado de, tanto quanto possível, contar o material destruído.

Os paióis destruídos pelos bombardeamentos da FAP devem triplicar o material destruído mas não é possível estimar nem o seu volume nem a sua natureza, embora se pense que seriam na sua grande maioria munições de morteiro e de canhão s/r, dados os violentos rebentamentos que provocaram.

c. Material capturado

- Anexo B

d. Documentos

- Nada

e. Objectivos lN destruídos

A FAP e as FT devem ter destruído quase na totalidade a organização militar lN sediada na Zona. No entanto julga-se que o lN ainda ficou com algumas instalações que não poderam ser
referenciados na altura.

(2) Baixas causadas às NT pelo lN

a. Pessoal

- Anexo C

b. Material

- Anexo A

(3) Baixas sofridas pelas NT por outras causas.

a. Pessoal

- Nada.

b. Material

- Anexo A

(4) Munições consumidas

- Anexo A

7 - Serviços

- Ração de reserva para 4 dias | Água para 4 dias.

8 - Apoios

O COATIBA 12 apoiou a Operação em ATAP e ATIP com aviões G-91

9 - Ensinamentos colhidos

a. Referentes ao lN

- Revelou-se muito forte e organizado, defendendo a todo o custo as suas posições.

- Além de enquadramento cubano (?), foram referenciados 4 elementos da Mauritânia (3 mortos e 1 ferido que veio a morrer posteriormente).

b. Referentes às NT

- Necessidade de armas de apoio (mort 81 mm e canh s/r  5,7 cm).

10 - Diversos

a. Citações

- Anexo D.

ANEXOS

A - Mat das NT extraviado, danificado e consumido.

B - Mat capturado ao lN.

C - Baixas sofridas pelas NT.

D - Citações [... ]"

Execução"

"As forças do batalhão de comandos saíram em 17 de Maio de Bissau numa LDG, apoiadas por duas LFG, e desembarcaram em Ganturé nessa tarde. 

Depois de briefing em Bigene, saíram pelas 23h50 para norte, pela seguinte ordem: agrupamentos Bombox, Centauro e Romeu.

Pelas 05h30 de 19 de Maio, a testa da coluna alcançou o itinerário que apoiava a base de Cumbamori, objectivo principal da operação. O agrupamento Bombox passou para norte da estrada, o agrupamento Centauro ocupou posições a sul e o agrupamento Romeu instalou-se à retaguarda, numa pequena povoação.

Às 08h20 iniciou-se o ataque aéreo com aviões Fiat G-91, que destruíram os paióis da base, tendo as munições explodido durante algum tempo.

Às 09h05, o Agrupamento Bombox executou o assalto inicial, provocando o primeiro contacto com as forças do PAIGC. Estes combates desenrolaram-se até às 14h10, quando o comandante da operação deu ordem para o Agrupamento Centauro apoiar uma ruptura de contacto entre as suas forças e as do PAIGC.

Foi uma operação de grande dificuldade, porque os combatentes de um e de outro lado se encontravam muito próximos. O comandante do Agrupamento Centauro  [Raul Folques]
 ferido, mas conseguiu realizar essa separação [... ]. 

Às 14h30 o batalhão de comandos iniciou o movimento para a base de recolha e às 18h20 os seus primeiros elementos chegaram a Guidaje. 

Em 20 de Maio, o mesmo batalhão saiu de Guidaje para Binta, a pé, deixando ali os seus feridos e os militares que não se encontravam em condições de prosseguir a marcha. Em Binta, embarcou numa LDG de regresso a Bissau".

[Nota: Aniceto e Gomes, Carlos de Matos, "Guerra Colonial" ... pp. 506-507. ]

(Continua)


Fonte: Excertos de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo ads Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 313/319. (Com a devida vénia...)

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos e itálicos, pata efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

______________

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20275: Notas de leitura (1229): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (29) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
O BCAV 490 entrou num torvelinho de operações e ocupa território, dá segurança às populações, faz renascer a vida. É o que Armor Pires Mota nos conta na sua passagem para Jumbembem. Há terríveis acidentes, virou-se um bote de borracha a caminho da península de Sambuiá, um pelotão de morteiros perdeu oito praças. É nisto que o acompanhante do bardo deu um salto no plinto da memória e foi até Guidage, a Guidage do cerco onde Salgueiro Maia nos deixou um relato dos mais pungentes que aquela guerra ofereceu. A história da unidade também refere uma companhia que faz parte da quadrícula, a CCAÇ 675, a companhia do Capitão do Quadrado, ele está em Binta, chega e vai metodicamente arrumando a casa, fez-se respeitar pela guerrilha, deu proteção a quem dela precisava, abriu itinerários até então intransitáveis.
Vamos contar.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (29)

Beja Santos

“Na cabeça foi atingido
este amigo e companheiro
João Félix na flor da idade
foi morto por um bandoleiro.

Era um homem operacional
que de nada tinha medo
e no meio daquele arvoredo
teve este golpe fatal.
Foi evacuado para o hospital
num transporte que foi pedido;
coitado, deu muito gemido,
quando o seu sangue perdia,
pois às 5 horas do dia,
na cabeça foi atingido.

Eram muitas as rajadas
para cima da nossa gente.
Ele levantou-se de repente,
jogando algumas granadas,
quando as tinha já acabadas
pediu mais granadas de morteiro,
e houve então um bandoleiro
que um tiro no rapaz deu
e logo nessa noite morreu
este amigo e companheiro.

Pela nossa Pátria querida
este soldado lutou,
muito sangue derramou
dando a sua própria vida.
Tanta fera enraivecida,
que só tem ruindade,
foi com grande barbaridade
que este crime praticaram.
De Samora Correia mataram
João Félix na flor da idade.

As suas famílias gritavam
quando dele se despediram.
Foi a última vez que o viram,
parecia que adivinhavam,
mas maiores gritos lançavam
ao chegar-lhes junto o carteiro.
Ele acalmou-os primeiro
e leu-lhes a má comunicação:
seu filho do coração
foi morto por um bandoleiro.”

********************

A história da unidade refere efetivos, a disposição e quadrícula e as operações. Em 12 de julho de 1964 houve uma ação nas matas de Ponta Caeiro, houve fogo intenso, do lado do efetivo comandado pelo Capitão Rui Cidrais houve vários feridos evacuados e ligeiros. Em 20 de agosto houve uma operação realizada a Sanjalo, incendiaram-se casas de mato, temos aqui uma referência à CCAÇ 675, a do Capitão do Quadrado, a que mais adiante se fará referência, o relatório é assinado pelo comandante, Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro, ele esclarece que na área do objetivo foram encontrados terrenos recentemente cultivados. Em 24 de setembro temos uma operação realizada à região de Farincó-Mandinga, houvera referência a um acampamento de guerrilheiros com cerca de 16 casas de mato, intervieram pelotões da CCAV 487 e 488. O relatório é também assinado pelo Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro que em dado passo escreve o seguinte:  
“A marcha para a zona do objectivo decorreu conforme o previsto. Em consequência do perfeito conhecimento que o guia tinha do terreno e das notícias referentes à localização do acampamento inimigo, a companhia conseguiu chegar a trinta metros dele sem ser detectada. O inimigo surpreendido reagiu pelo fogo, só não tendo êxito devido à acção das 2 secções da vanguarda do dispositivo, que carregaram sobre o acampamento, obrigando o inimigo a tentar escapar desorientado, abandonando material de guerra”.

No início de 1965 decorrerá a Operação Panóplia, ficará associada a um grave acidente de que falecerão oito praças. O objetivo era a região de Sambuiá. Veja-se este aspeto curioso respigado do relatório quanto às casas de mato localizadas em Simbor:
“Estão junto à margem do rio Sambuiá entre a ponte e a povoação. Neste rio estão estendidas cordas que permitem ao inimigo agarrar-se a elas mantendo-se submerso, com parte da cara fora de água para respirar, quando a região é sobrevoada pela aviação; as mulheres e as crianças escondem-se no tarrafo ou nos cemitérios dos Mandingas de Sambuiá, ocultando-se nas sepulturas. O inimigo encontra-se em força nesta região e consta que tem oito metralhadoras com suporte antiaéreo. Em Talicó, o inimigo monta diariamente um serviço de vigilância com um serviço de 37 indivíduos”.

O relatório descreve os planos estabelecidos para a ação, como a mesma se desenrolou, chegou-se a Sambuiá, onde a CCAÇ 675 entrou em força. Verificou-se entretanto o acidente sofrido pelo Pelotão de Morteiros 980[1], que era constituído por 33 homens. Entrara numa lancha, o transporte seguiu pelo rio Cacheu.
Escreve-se o seguinte no relatório do acidente que ocorreu em 5 de janeiro de 1965:  
“Como fora planeado, o navio passou pelo local de desembarque, local esse que fora reconhecido na véspera, até um ponto antes de Bigene. Aí o navio inverteu a marcha e, como também fora planeado, foi então que o pelotão desembarcou para o bote de borracha no qual se faria o desembarque na península de Sambuiá. Embarcaram para o barco de borracha 25 homens, entre os quais o seu comandante, bem como o material e armamento. Como seria mais seguro não embarcarem todos os homens nesse barco, que tem uma lotação aproximada de 30 homens, o comandante do navio pôs à nossa disposição um barco de borracha pertencente à Marinha, no qual embarcaram simultaneamente os restantes homens do Pelotão de Morteiros. Os dois barcos seriam rebocados pela lancha, de maneira a estarem permanentemente encobertos das vistas de possíveis sentinelas existentes na península onde se efectuaria o desembarque. Antes do navio se pôr em marcha, foi passado um cabo por baixo do barco, onde eram transportados os 25 homens, amarrado a um ferro existente no fundo do mesmo. O navio recomeçou a marcha e, depois de ter navegado durante alguns minutos, o cabo que fora passado para rebocar o barco maior rebentou, pelo que o navio se afastou um pouco. Foi posto o motor do barco a funcionar e a recolagem fez-se sem qualquer incidente ou dificuldade. Foi então que se passou um cabo mais forte para dentro do barco de borracha, ficando os próprios homens que o tripulavam a agarrar nesse cabo, sendo nessa altura avisado pelo comandante da lancha, e depois por mim, que em caso de emergência o cabo devia ser largado imediatamente. Depois de se navegar alguns metros, notei que o barco de borracha deixava entrar água pela proa. Foi nesse momento que à ré do barco de borracha alguns homens se levantaram, talvez assustados pela água que saltava para dentro do barco. Mandei-os sentar imediatamente, mas o barco já se encontrava desequilibrado de um dos lados e, sem nos dar tempo para qualquer reacção, afundou-se rapidamente”.

Comunicado da imprensa de 1965
O Alferes José Pedro Cruz recomendava no seu relatório que seria de evitar nas operações em rios homens que não soubessem nadar e que nunca se devia rebocar um barco com o cabo de reboque passado por cima do barco rebocado e agarrado pelos próprios tripulantes do mesmo barco.

Inadvertidamente, vem-nos a recordação não do acidente desta gravidade mas uma situação de calamidade como aquela que se viveu no cerco de Guidage. Como se sabe, deve-se ao Capitão Salgueiro Maia um depoimento sem paralelo sobre este cerco e a sua chegada a Guidage, quadro de tragédia mais pungente não pode haver.

Salgueiro Maia
Antes porém ele conta-nos na sua “Crónica dos feitos por Guidage” um ataque com um pelotão da sua companhia que estava num destacamento.
Salgueiro Maia parte em seu auxílio:
“Para quem não conheceu a mata da Guiné, é difícil explicar como se consegue ir a corta-mato com viaturas tendo de encontrar passagem por entre as árvores, os arbustos, o capim alto, as ramagens com picos e, ao mesmo tempo, seguir na direcção certa, apesar de tentarmos ir o mais depressa possível.
Depois de rotos pela vegetação e cansados de correr ao lado das viaturas, chegámos ao local de combate. Ainda pairava no ar o cheiro adocicado das explosões; os homens tinham ar alucinado, de náufrago que vê chegar a salvação, mas, em lugar de mostrarem a sua alegria, estavam ainda na fase de não saber se era verdade ou não. Mando montar segurança à volta da zona e pergunto pelos feridos ao primeiro homem que encontro – tem um ar de miúdo grande a quem enfiaram uma farda muito maior do que ele; parece de cera, olha-me sem me ver e aponta com o braço. Sigo na direcção apontada e depressa vejo uma nuvem de mosquitos e moscas: já sei que à minha frente tenho sangue fresco. Debaixo de uma árvore, estão estendidos cinco homens; o capim está todo pisado; alguns dos homens estão em cima de panos de tenda; à volta estão várias compressas brancas empastadas de vermelho; o chão parece o de um matadouro, há sangue coalhado por todo o lado; a maioria do sangue vem de um dos homens que já está cheio de moscas. Dirijo-me para ele – está cor de cera e praticamente nu. Olha-me como que em prece; ninguém geme, o silêncio é total. Trago comigo o furriel-enfermeiro e um cabo-maqueiro. Mando-os avançar, assim como as macas. Dirijo-me ao ferido mais grave – o ferimento provém-lhe da perna. Tem em cima dela várias compressas empastadas de sangue. Tiro as compressas e vejo que o homem não tem garrote. Pergunto estupefacto porque é que não lhe fizeram um. Alguém me responde que o enfermeiro está ferido. 
Começo a sentir raiva".

Como o dia estava a tombar, e como era impossível recorrer a uma evacuação por helicóptero, depuseram-se os feridos nas caixas dos Unimog, entretanto o PAIGC volta a atacar com foguetões 122 mm. O ferido da perna morre.
E Salgueiro Maia escreve: “Guardo dele uns olhos assustados a brilhar numa pele branca e seca, a ficar vazia de vida porque em sessenta homens ninguém sabia o mais elementar em primeiros-socorros: fazer um garrote”. O capitão por ali anda a contemplar os mortos de boca e olhos abertos, reage, tal como vai escrever: “Mecanicamente, tiro os atacadores das botas dos mortos, ato-lhes os queixos, ponho-lhes as mãos em cruz, os pés juntos. Com água do cantil molho-lhes os olhos e fecho-lhos. Olho para a minha obra e também não entendo”.

O pesadelo maior vem depois. No dia 22 de maio de 1973, Salgueiro Maia recebe instruções para seguir para o Norte, o PAIGC desencadeara uma ofensiva em Guidage, um autêntico cerco, minara estradas, trouxera mísseis terra-ar, havia um verdadeiro campo de minas anticarro e antipessoal na estrada Guidage-Binta. O Comandante-Chefe, perante a gravidade da situação, reage com a Operação Ametista Real. No meio daquele pandemónio, Salgueiro Maia recebe ordens para seguir para Binta-Farim e seguir depois com uma companhia africana e uma companhia de atiradores, o objetivo era rasgar o cerco, chegar a Guidage. Deixou-nos uma descrição memorável, é uma peça espantosa, única, sobre os desastres da guerra, viaturas a acionar minas anticarro, feridos e mortos, a progressão da coluna a corta-mato, mais explosões e ao fim do dia entra-se em Guidage, assemelha-se a um panorama lunar, preside a irrealidade.
É tudo dantesco por excelência, o que parece absurdo deixa de o ser, nenhum outro relator da guerra da Guiné foi tão ao fundo da banalização do horror:
“A enfermaria e o depósito de géneros tinham sido praticamente destruídos; como assistência sanitária, tínhamos um sargento-enfermeiro e alguns maqueiros. O pessoal dormia e vivia em valas abertas ao redor do quartel. Esporadicamente, errava-se por lanços por entre os edifícios ou o que deles restava. Como dormir no chão não é muito agradável, na primeira oportunidade passei revista aos escombros e tive sorte: descobri dentro de um armário que tinha pertencido a um alferes madeirense, que ficou sem uma perna, uma farda n.º 3, que me permitiu lavar o camuflado e, como prenda máxima, um bolo de mel e uma garrafa de vinho da Madeira quase cheia no meio de tudo partido. Com isto, fiz uma pequena festa com 3 ou 4 homens, porque era perigoso juntar mais gente. Nesta altura pensei em, depois de regressar a Bissau, ir ao HM 241 saber quem era o alferes para lhe agradecer tão opíparo banquete, mas tal não foi possível e ainda hoje tenho esse peso na consciência.
Nas minhas visitas pelos escombros, desci ao abrigo da artilharia, onde houvera 4 mortos e 3 feridos graves. O abrigo fora atingido em cheio por uma granada de morteiro 82 com retardamento; a granada rebentou a meio de uma placa feita com cibes; o resto do abrigo ficou totalmente destruído; o chão tinha um revestimento insólito – consistia numa poça de sangue seco, cor castanha com 2 a 3 milímetros de espessura, rachada como barro ressequido. O odor envolvente era um pouco azedo, mas sem referência possível; o sangue empastava os colchões e as paredes. A minha preocupação era encontrar um colchão. Depois de dar volta aos oito que lá se encontravam, escolhi o que estava menos sujo. Tirei-lhe a capa, mas o cheiro que emanava de dentro era insuportável; mesmo assim, consegui trazê-lo para a superfície, onde ficou a secar debaixo da minha vigilância, para não ser capturado por outro. Depois de bem seco e com os odores atenuados, levei a minha conquista para a vala, onde, para caber, tive de o cortar ao meio, fazendo bem feliz o meu companheiro do lado que, sem esforço, ganhou um colchão e sem saber de onde ele tinha vindo”.

Não se atina como é que a memória nos faz passar de meados dos anos 60 para aquela catástrofe de 1973, mas fala-se de Binta, de Guidage, de Farim, de Sambuiá. Dera-se uma evolução fenomenal, em poucos anos, o equipamento do PAIGC suplantara o das forças portuguesas, modificara-se a condução da guerra de guerrilhas, numa mistura de guerra convencional e de ataque surpresa. Agradece-se à memória agir assim, temos muitas vezes o condão de nos fixarmos numa data e esquecer completamente que nenhuma análise pode prescindir da sequência cronológica: fomos todos protagonistas, mas em tempos diferentes, o que uns viram de uma maneira, mais adiante os outros acrescentaram novos pontos de vista.

(continua)
____________

Notas do editor:

[1] - Vd. poste de 8 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 – P5077: Fichas de Unidades (5): História do Pelotão de Morteiros N.º 980 (José Martins)

Poste anterior de 18 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20254: Notas de leitura (1227): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (28) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20263: Notas de leitura (1228): "O Alferes Eduardo", por Fernando Fradinho Lopes; Círculo-Leitores, 2000 (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19046: (D)o outro lado do combate (36): Bigene, agosto de 1972, «Operação Silenciosa"... (Jorge Araújo)


Bigene, a oeste de Farim, junto à fronteira com o Senegal



Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op Esp / Ranger, CART 3494 
(Xime-Mansambo, 1972/1974); coeditor do nosso blogue


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > 

BIGENE, AGO'1972: «OPERAÇÃO SILENCIOSA»: A NEUTRALIZAÇÃO DA ARTILHARIA PESADA COLONIAL  [AO TEMPO DA CART 3329]


MEMÓRIAS DO BRIGADEIRO-GENERAL DAS FARP ALBERTINHO ANTÓNIO CUMA (EX-COMBATENTE)


Entrevista publicada em «O Defensor», órgão das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo. Edição n.º 22, dezembro de 2015, p.10.- "Grupo de guerrilheiros neutraliza artilharia colonial"

(Parte I)

1. INTRODUÇÃO

Já aqui foi referida a existência da revista «O Defensor», órgão de Informação Geral do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, por iniciativa do camarada José Teixeira, 1.º cabo aux enf da CCAÇ 2381 (1968/70), ao partilhar/divulgar a entrevista dada em 2001 por Arafam Mané (1945-2004), aquele que historicamente é referido como tendo sido o principal líder do ataque ao quartel de Tite, em 23 de Janeiro de 1963, data que marcou o início do conflito armado no CTIGuiné [P16794].


Com a presente narrativa, a segunda elaborada tendo por base a mesma revista, a n.º 22, de Dezembro de 2015, seleccionámos uma outra entrevista dada por outro combatente – Albertinho António Cuma [hoje, Brigadeiro-General das FARP] – que em Agosto de 1972 chefiou o grupo de bazucas que assaltou o quartel de Bigene com o objectivo de neutralizar as peças de artilharia aí existentes: dois canhões de 130 mm, cuja missão foi designada por «Operação Silenciosa».

Pela sua importância histórica, pelo interesse colectivo que certamente despertará em cada um de nós, em particular do contingente das NT que naquela data passou por aquela experiência, tomámos a iniciativa de a divulgar, com a devida vénia.

Ainda que não tenhamos registos oficiais em relação à unidade que aí estava instalada naquela data (ou período), acreditamos tratar-se da CART 3329, uma Companhia Independente mobilizada pelo Regimento de Artilharia Ligeira n.º 3, de Évora.

De acordo com a investigação realizada, e embora esta unidade não tenha qualquer membro registado na nossa «Tabanca» ou aqui divulgadas quaisquer acções da sua actividade operacional (1970/72), conseguimos apurar que a sua comissão decorreu entre 19 de Dezembro de 1970 (chegada a Bissau) e regresso a Lisboa em Dezembro de 1972.

Para além destes elementos cronológicos, localizámos mais dois fragmentos históricos retirados do vasto espólio do blogue da «Tabanca», a saber:

● P2416 – A CART 3329 rendeu em 3 de Março de 1971 a CCAÇ 2527 (1969/71) no subsector de Bigene (A. Marques Lopes, ex-Alf Mil, 1968/69).

● P5534 – A CCAÇ 4540 (1972/74), após ter terminado o período de sobreposição com a CART 3329, assumiu toda a responsabilidade administrativa e operacional desse subsector. No dia 15 de Novembro de 1972, a CART 3329 terminou a sua comissão e despediu-se de Bigene (Eduardo Campos, ex-1.º cabo trms, 1972/74).

Por outro lado, seria interessante que a esta história pudessem adicionar-se outros depoimentos elaborados por quem tivesse vivido este acontecimento.

Aguardemos!


2. ANTECEDENTES HISTÓRICOS - FRENTE NORTE

"Para desencravar a Zona Norte – criar um corredor livre e seguro entre Farim e Barro – com vista a facilitar a movimentação da guerrilha e a população que apoiava a luta, o PAIGC tomou a decisão de assaltar o quartel colonial de Bigene, principal obstáculo ao avanço da luta armada naquela área, que tinha duas peças de canhões de 130 mm cujos disparos causavam perdas humanas e danos materiais e morais entre os combatentes da área e dificultavam as movimentações tanto no Norte como no sentido Leste – Norte.

O aumento no seio dos combatentes, de novos quadros militares formados nos países amigos, e a formação de novos Corpos do Exército Regular nas fileiras da guerrilha [CE 199-X-70] revolucionou a sua capacidade táctica e combativa. Assim, estavam criadas as premissas de mudar a forma de luta para derrotar o inimigo [NT] e expulsá-lo dos territórios ocupados. Intensificaram-se as operações contra os quartéis e contra as colunas militares coloniais que faziam a ligação entre eles, desse modo, viam as suas manobras cada vez mais limitadas.

Graças a essa evolução, positiva, a Direcção Superior do Partido decidiu, sob as orientações do Secretário-Geral, Amílcar Lopes Cabral [1924-1973], criar entre Farim e Barro, além da fronteira com o Senegal, corredores livres para facilitar as movimentações dos guerrilheiros ao longo daquele espaço norte".

[Oito meses após a «Operação Silenciosa», que serviu de ensaio para uma nova forma de agir no terreno, o PAIGC inicia em Abril de 1973 uma nova estratégia, levando à prática o isolamento de Guidaje (um pouco mais a norte de Bigene) que culminou com a «Batalha de Kumbamory». Concluído este confronto bélico de grande envergadura, facto gravado para sempre na História da Guiné como «Operação Ametista Real», realizada em 19 de Maio de 1973, as NT contabilizaram uma das maiores capturas e destruições de material da Guerra de África].


3.  O CASO DA «OPERAÇÃO SILENCIOSA» EM AGOSTO'1972

Considerando a importância histórica da «Operação Silenciosa», o Brigadeiro-General Albertinho António Cuma, Chefe de Divisão da Educação Cívica, Assuntos Sociais e Relações Públicas do Estado-Maior General das Forças Armadas da Guiné-Bissau, que esteve presente no teatro das operações [imagem ao lado, à data com a patente de Coronel], dá conta dos principais factos da sua missão.

[É de referir, neste contexto, que a primeira parte da entrevista é assinada pelo Major Ussumane Conaté, director do jornal «O Defensor», órgão das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, publicada na Edição n.º 22, de dezembro de 2015, p. 10 (primeira versão em http://www.farp.gw/?p22 ).

Existe uma outra versão, disponível no sítio das FARP, marcador "notícias",  http://www.farp.gw/?news09, com data de 25.07.2017).  Quanto à existência de uma segunda ou mais partes da entrevista, ainda não nos foi possível localizá-la (s)].


3.1 - ENTEVISTA [PARTE 1] COM 3 QUESTÕES:


i - A Direcção Superior do Partido tomou a decisão de assaltar o quartel colonial de Bigene e neutralizar os canhões de 130 mm que não davam tréguas aos guerrilheiros da zona. Com que forças contava o Partido para o sucesso da operação?


BGAC – Tudo tornou-se possível a partir do momento em que se mudou a estratégia e o sistema de combate com a chegada, às fileiras da guerrilha, de novos quadros militares formados nos países amigos do PAIGC. Nesta óptica, um grupo de guerrilheiros da Frente Norte recebeu instruções do Partido para neutralizar, por completo, o quartel colonial de Bigene, nomeadamente, as duas peças de artilharia terrestre (canhões de 130 mm) que impediam as movimentações dos combatentes.

É bom sublinhar que a tabanca de Bigene, que se encontra situada a cerca de 16 quilómetros da fronteira com o Senegal, tinha um quartel fortificado equipado com dois canhões de 130 milímetros, que não davam tréguas. Deste modo, a Direcção Superior do Partido tomou a iniciativa de destacar um grupo de guerrilheiros corajosos, bem treinados, equipados, que tinha como missão fundamental assaltar, em plena luz do dia, o quartel de Bigene e destruir os dois canhões.

A perigosa e complexa missão dirigida pelo valente Comandante Joaquim Mantam Biagué foi cumprida com êxito, no período indicado por Amílcar Cabral. Para realizar com êxito a missão, os guerrilheiros aproveitaram o momento em que o grosso da força colonial saiu para uma patrulha na estrada que liga Bigene – Barro. Conseguiram penetrar no interior do quartel colonial, destruir as duas peças de artilharia pesada bem como o arsenal, incluindo as munições, incendiar o depósito de combustível e dar à população a oportunidade de saquear algumas lojas.

O assalto que ocorreu na época das chuvas, no mês de Agosto de 1972 [?], surpreendeu toda a força colonial que não conseguiu disparar nem um tiro. Não houve perdas humanas nem material do lado dos guerrilheiros.

O reduzido número de tropas coloniais que na altura se encontrava no quartel não teve outra solução senão abandonar o local para se salvar.

ii - Como foi preparada a "Operação Silenciosa"?

BGAC – A operação foi preparada e planeada a partir de Conacri pelos dirigentes do Partido e depois comunicada ao comando da Frente Norte em Sambuia [Osvaldo Vieira; 1938-1974] o qual enviou, mais tarde, um lote de fardamento (camuflado português), incluindo armas, lança roquetes, AKM novas, cintilas cubanas e mantimentos para os homens alinhados para a missão. Na Frente Norte foram destacados um total de 25 guerrilheiros, sendo 19 da base de Ermon Kono e 6 da base de Cumbanghor [Kumbamori].

Depois da distribuição dos equipamentos, os guerrilheiros receberam durante três dias, as instruções sobre a realização da missão incumbida pelos órgãos superiores do Partido. [Quando terminou o período de instrução, os 25 guerrilheiros, bem equipados, deixaram Ermon Kono de carro para o acampamento de Fayar e depois para Cumbanghor [Kumbamori] onde permaneceram durante 5 (cinco) dias antes de passarem para o local a partir do qual devia ser lançada a operação.

Como base central, para a realização da operação, foram escolhidos os acampamentos de Sindina e Pabedjal. Tínhamos como guias os camaradas Ansu Bercko, Comandante de um dos acampamentos da área, Issufo Bodjam e Adjal Manga. Os acampamentos de Sindina e de Pabedjal estavam situados entre 9 e 12 quilómetros da tabanca de Bigene.


Citação: (s.d.), "Mapa da zona Norte", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40225 (2018-9-2)

Mapa (croqui) com as localidades de Barro, Bigene e Farim (Guiné) e Ziguinchor, Samine e Sidju (Senegal) no arquivo de Amílcar Cabral (Pasta: 07063.036.001)

O nosso destacamento [acampamento] estava instalado nessa área vigiando as movimentações das tropas coloniais e procurando buracos (oportunidade) para realizar em plena luz do dia, o assalto relâmpago contra o quartel e destruir as duas peças de canhões 130. Para se ocupar das nossas refeições diárias, o Comando da missão atribuiu-nos dois rapazes. Tínhamos igualmente connosco alguns bolos tradicionais preparados à base de farinha de milho preto pelas mulheres da aldeia de Samanancunda Kolda [Senegal].

iii - Qual era o objectivo da vossa presença nesse local?

BGAC – Era permanecer e estudar as possibilidades de chegar a Bigene, entrar na tabanca e dar um golpe duro ao quartel. Tínhamos como Comandante da missão, Joaquim Mantam Biagué. No grupo estavam eu, enquanto chefe do grupo de atiradores de bazooka, e os camaradas Gabriel Iabna Kundock, Alupa Manga e Adjal Manga.

Fazíamos pequenas incursões secretas até perto dos lugares onde a população cultivava a mancarra, um espaço livre que nos permitia ver o quartel e depois voltar ao nosso esconderijo. Os apoios da população ajudavam de facto na observação dos movimentos dos tugas e segui-los atentamente. O que sempre nos interessava, não obstante os riscos, era procurar uma posição favorável para realizar o assalto planeado contra o quartel, o que devia acontecer somente no momento em que chovia porque era o único período propício que se podia aproveitar para avançar até ao quartel atravessando os vastos campos lavrados, sem ser vistos ou sem que ninguém desse conta.

Era a altura em que os lavradores ficavam mais ocupados nas suas actividades e as tropas coloniais também iam à patrulha. Era o momento favorável para avançarmos sem despertar a atenção da população porque nós vestíamos uniformes camuflados do tipo usado pelas tropas coloniais. Tudo o que fazíamos eram instruções dadas pelo Secretário-Geral do Partido, camarada Amílcar Cabral.

O grupo ficou no mato nos arredores de Bigene vigiando as movimentações das tropas portuguesas e, também, aguardando a queda oportuna da chuva para poder atravessar os grandes espaços de mancarra antes de penetrar no quartel.

Por esta razão, fomos obrigados a permanecer nos arredores de Bigene durante uma semana fazendo constantes vaivém entre o acampamento e as proximidades do quartel. Todos os dias deixávamos o acampamento de manhã e voltávamos à noite. Era preciso ter paciência, persistência e espírito de patriotismo.


A principal rua de Bigene – foto de Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (Canquelifá e Bigene, 1966/68), in https://aventar.eu/2011/01/07/guerra-da-guine-pequenas-memorias-3/ (com a devida vénia).


3.2 - As acções militares do mês de Agosto de 1972 divulgadas em comunicado do PAIGC assinado por Amílcar Cabral.

Considerando que o entrevistado omitiu na sua narrativa a data completa da acção, procurámos encontrar resposta a esta interrogação nos arquivos de Amílcar Cabral existentes na Casa Comum – Fundação Mário Soares, tendo encontrado o comunicado em título, escrito em francês, do qual faremos referência abaixo.


Tradução do comunicado escrito em francês, da nossa responsabilidade (,só os três primeiros parágrafos colocados no interior da caixa).

"Durante o mês de Agosto [1972], os nossos combatentes realizaram 77 acções importantes, das quais 51 ataques contra os campos fortificados portugueses, 19 emboscadas e outros encontros [contactos]. Foram atacadas as cidades de Catió (no sul do país, no dia 18) e Bafatá (no centro-leste, no dia 24).

No período de 1 a 10 de Agosto efectuámos 20 ataques contra as posições fortificadas inimigas, acções realizadas em memória dos mártires do massacre de Pidjiguiti (3 de Agosto de 1959).

Foram também realizados ataques a guarnições [aquartelamentos] importantes particularmente: Enxeia, Ingoré, Mansabá, Bigene, Olossato, S. Domingos e Cuntima (no Norte do País), Kebo (duas vezes), Cabedu, Guileje, Bedanda, Empada e Fulacunda (no Sul); Bambadinca (duas vezes), Xitole, Pirada e no porto fluvial do Xime (a Leste)"

 [neste último caso, foi uma flagelação ao quartel do Xime. em 03.08.1972, 5.ª feira, às 05h18, durante 20 minutos, e com RPG… eu estava lá…].



25 de Setembro de 1972, [ou seja, há quarenta e seis anos].

Amílcar Cabral, Secretário-Geral



Citação: (1972), "Comunicado do PAIGC sobre as acções militares do mês de Agosto", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42413 (2018-9-2)

Para que esta história fique completa, para memória futura, falta a versão dos camaradas da CART 3329 (1970/72). Ficamos a aguardar esse importante contributo histórico.

Obrigado pela atenção.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
14SET2018
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 29 de julho de  2018 >  Guiné 61/74 - P18878: (D)o outro lado do combate (35): a doutrina do PAIGC no recrutamento de jovens combatentes para as suas fileiras (Jorge Araújo)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P9975: Efemérides (101): Ataque ao navio Patrulha Hidra, dia 20 de Maio de 1973 (António Dâmaso)

1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2012, o nosso camarada António Dâmaso (Sargento-Mor Pára-quedista do BCP 12, na situação de Reforma) enviou-nos o seu relato da emboscada perpetrada à LFG Hidra no dia 20 de Maio de 1973, no Norte da Guiné.


Navio Patrulha HIDRA navegando no Tejo
Com a devida vénia ao Blogue da Reserva Naval


ATAQUE AO NAVIO PATRULHA HIDRA

António Dâmaso

No dia 20 de Maio de 1973, depois da CCP 121 participar na Operação ”Ametista Real”, cerca das 19h30, não posso precisar a hora sei que era de noite, embarcámos em Ganturé, juntamente com alguns Comandos Africanos no Navio Patrulha HIDRA com destino a Binta, julgava eu que íamos regressar a Bissau.

Entrei à conversa com um camarada da guarnição 1.º Sarg. Artilheiro Joanás, fomos até uma salinha, depois de uma cervejinha bem fresca e de uma conversa, estávamos sentados e eu deixei-me vencer pelo sono, repentinamente cerca das 24h00, sou acordado com uma série de rebentamentos, o convés do navio tinha sido atingido*, havia granadas a arder (pólvora), tive a sensação que o paiol tinha sido atingido, mais tarde li algures que o que foi atingido foi um reservatório das peças Bofors de um dos canhões que equipavam o navio. O Joanás agarrou imediatamente num extintor, eu passei-lhe outro e com um em cada mão, apagou o incêndio naquele local, fiquei impressionado com a rapidez e destreza dele, não há dúvida que na Marinha, as guarnições dos navios estão muito bem preparadas para combater incêndios a bordo, quando vi as granadas incendiadas, fiquei com receio que estas rebentassem, o que teria acontecido se não tivessem sido extintas atempadamente.

A reacção ao ataque por parte da CCP 121 foi rápida e eficaz, dando origem a que os guerrilheiros do PAIGC tivessem desistido de mandar mais granadas para o convés do navio, porque se tivessem continuado, teriam provocado mais vítimas e estragos de maior monta, como era de noite não me apercebi bem dos efeitos do ataque, quanto à localização julgo ter sido na curva de Jugali.

De cada vez que eu tentava subir as escadas para o convés, aparecia-me um ferido que eu encaminhava para a enfermaria, tarefa dificultada por ser feita no escuro, isto repetiu-se várias vezes, um dos feridos era do meu pelotão, apontador do morteiro e ficou ferido num calcanhar. Recordo que no meio daquela confusão toda, alguém ter dito que faltava um Zebro (barco de borracha), chegamos a Binta na madrugada do dia 21. Pela manhã os feridos foram evacuados e nós lá ficamos, ao meu pelotão coube para alojamento um barracão de madeira junto do cais que ficava do lado esquerdo, Binta tinha sido em tempos um entreposto madeireiro.

Depois de ter desembarcado dei por falta de um rádio (banana), que só podia ter desaparecido no Patrulha, uma vez que tinha feito conferência de material antes de embarcarmos e o militar que o tinha à guarda foi ferido no ataque, como recebiam prémios por armamento ou equipamento, apreendido ou encontrado, mais tarde o rádio apareceu como tendo sido dado como achado por um Comando Africano na zona de Bigene.

À noite, estava a dormir, pelo quarto dia consecutivo, sou acordado com um ataque dirigido aos barracões, com lança granadas de foguete (RPG 2 e 7), vindo do outro lado do rio Cacheu, não ouve baixas mas além de termos ripostado ao ataque, tivemos de apagar um incêndio num dos barracões que ficava em frente ao nosso. Nesse barracão estava uma viatura carregada com caixões com destino a Guidage, os ataques já se tinham tornado uma rotina. Ainda ficamos em Binta mais um dia e uma noite, à espera de uma coluna de viaturas que viria de Farim com destino a Guidage.

Mais tarde quando me encontrei com o Joanás em Cacine, quando este andava a apoiar Gadamael Porto, disse-me que tinha sido louvado que a CCP 121 tinha tido uma citação elogiosa pela sua acção.

Um Ab
A. Dâmaso
____________

Notas de CV:

Vd. último poste da série de 31 de Maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9972: Efemérides (66): Guidaje foi há 39 anos... A coluna do dia 29 de maio de 1973: a participação da 38ª CCmds (Pinto Ferreira / Amílcar Mendes / João Ogando)

(*) Ver poste de 16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1665: Operação Larga Agora, Tancroal, Cacheu, local maldito para a Marinha (Parte I) (Lema Santos)

Em 20 de Maio de 1973 a LFG Hidra, frente à clareira de Jagali, a juzante da foz do rio Buborim, foi emboscada da margem Norte com RPG, armas ligeiras e morteiro 60 mm. O primeiro RPG deflagrou contra os cunhetes de munições da Boffors de vante, provocando rebentamentos e um grave incêndio, tornando a peça inoperativa. Reagiu de imediato e tudo acabou por se compor, não sem alguns estragos.

Foi elogiada a colaboração de elementos da CCP 121 e BCCmds (Baltalhão de Comandos) que, seguindo a bordo, conjuntamente com o navio, reagiram prontamente com o armamento de que dispunham. O resultado foram 3 feridos graves (Comandos) e 6 feridos ligeiros (Comandos, Paras e LFG).