segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15809: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (17): O Moral das Tropas é Bom!

1. Em mensagem de 28 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada António José Pereira da Costa, Coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74), enviou-nos a sua apreciação sobre o moral das nossas tropas face ao contexto em que era feita e vivida a guerra na Guiné. 
Vd. a propósito os postes P15795 e P15796 do nosso tertuliano, José Matos.
Como sempre, as opiniões do camarada Pereira da Costa são inseridas na sua série: "A Minha Guerra a Petróleo".


Não conheci o Brigadeiro Louro de Sousa. Na Guiné, sou do tempo do já General Arnaldo Schulz. Apenas tenho o texto de uma comunicação sua proferida na Sessão Comemorativa do 120.º Aniversário da “Revista Militar”, em 23 de Maio de 1968. O título da comunicação – A Subversão no Ultramar – e a pessoa a quem se dirige no fim do texto (Presidente da República) dão uma ideia dos pontos de vista nela expressos. Mesmo assim, alguns blocos de texto terminam com conselhos do que se “há-de fazer…”. Pelos resultados que hoje podemos ver em toda a África teremos que concluir que os seus comentários e de outros participantes no processo, como Hélio Felgas, são muito pertinentes. Não terá deixado rasto muito profundo na Guiné talvez porque não se demorou por lá muito tempo e apanhou uma altura de transição entre a “Paz Colonial” e o início do terrorismo.

Nunca ouvi falar da tal exposição “ao poder em Lisboa” (4 de Setembro de 1963), onde terá apontado uma série de problemas que se punham à sua acção e que dificultavam a resposta militar das autoridades portuguesas à acção do PAIGC e não me admiro de que o tal “Poder” tenha reagido mal às suas afirmações. É mau, ainda hoje, ser clarividente, ainda que por experiência obtida no terreno (até parece que é pior…) e prever o que aí vem. Os detentores do poder não gostam de ser confrontados com a inteligência e conhecimento e… arremedam soluções, depois de triturarem devidamente o portador do alerta.

Todavia, as sete primeiras razões que o Brigadeiro Louro de Sousa evoca merecem uma reflexão que, hoje, passados mais de 40 anos, podemos fazer. Creio que a oitava razão, pelo seu carácter amplo, não é de negligenciar, embora só o texto da exposição o possa esclarecer. Esta “guerra” é um fenómeno sociológico abrangente onde é sempre possível encontrar causas a que poderemos chamar menores apenas por serem menos frequentes, embora possam ser influentes.

Quem viveu o ambiente nas unidades operacionais e mesmo nas de serviços – em Bissau, Nova Lamego, Bafatá, etc. – poderá, embora com “efeitos retroactivos”, tentar responder a uma questão que mensalmente se punha no momento em que as unidades de nível companhia respondiam à pergunta: - Como é o moral das tropas? Nunca ouvi que uma unidade tivesse declarado que era mau, mesmo quando as coisas tinham corrido mal durante o mês em apreço e quais as consequências de uma opinião mais pessimista.

António J.P. Costa

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O Moral das Tropas é Bom!

Era das NEPES!

Embora alguns não o conheçam, o SITPES era uma das nossas dores-de-cabeça mensais. Mais um papel que era necessário fazer com resultados pouco palpáveis! Nunca na minha Unidade senti efeitos directos da sua elaboração. Segundo as NEP (Normas de Execução Permanente) da 1.ª Rep. do QG/CTIG, quase todas as Unidades de nível Companhia tinham que o fazer. Hoje, não sei que é feito dele, mas este relatório mensal poderia fazer muita luz sobre o nosso passado. Fui revisitá-lo naquele volume considerável com capa de cartolina castanha, com letras pretas, escrito à máquina com caracteres “micro” e reproduzido em stencil.

Nele ficavam registados todos os movimentos de pessoal e respectivas causas: os mortos, os feridos (ligeiros e graves), os recompletamentos, os louvores e condecorações, as punições de todos tipos e uma série de pequenos detalhes que, hoje, reconstituiriam tantos momentos da nossa vivência. Mas o que mais me atraiu a atenção foi o Anexo 2 – “Relatório do Estado Disciplinar e Moral da Força”. Era uma “exposição concisa sobre o estado moral das tropas” que daria indícios, se bem explorado, sobre o sentir do pessoal, a sua motivação, a sua aceitação das tarefas do dia-a-dia, abreviando: a sua vontade de vencer. As preocupações do Brigadeiro Louro de Sousa inserem-se directa ou indirectamente na Área do Pessoal.

O articulado terminava com três quadros sem designação, o que prova que os peritos em gestão de pessoal esperam sempre que surjam situações que não previram e que terão efeitos na área que dizem dominar. Não creio que estes quadros alguma vez possam ter passado e ser utilizados e com que designação.
Havia quadros a que poderemos chamar menores, pois só com valores consideráveis se tornam significativos, como sejam certas ocorrências: as faltas disciplinares e os acidentes de viação. Outros que se podem ler nas entrelinhas, como é o caso dos pedidos de transferência. Seriam raros, mas quando se tenta trocar uma colocação numa Unidade Operacional por outra em idênticas circunstâncias, algo vai mal no relacionamento entre o militar e a sua Unidade.

O número dos desertores e dos ausentes sem licença mediria a aceitação voluntária e assumida do que se fazia, a saturação e a vontade de ali permanecer. Sabemos que o número de deserções para o campo do inimigo foi muito menos que residual. Porém, a deserção entre os que vinham de férias teve alguma – embora pequena – expressão. Será mais um aspecto a considerar numa das tais causas que o Brigadeiro Louro de Sousa indica. Creio que não se desertava para o inimigo por não haver dúvidas acerca do tratamento que nos estaria reservado. Com muita certeza os maus-tratos seriam longos e abundantes e a possibilidade de comunicação com a família ou eventual repatriamento eram hipóteses que nem sequer se punham. Se não se contactava com a família dos prisioneiros, nem se punha a hipótese do seu repatriamento, como é que tal seria possível com os desertores, criminosos, à luz da legislação em vigor? E que confiança teria o inimigo na colaboração de um desertor? E estaria ele disposto a dá-la? Por outro lado, ao contrário de outras guerras, a deserção, em frente do inimigo, não era possível para outras regiões ou países, eventualmente “neutros”. A ausência sem licença ou por excesso dela só por despiste teria lugar. Tive, na minha Companhia um soldado que ia na nona ou décima ausência e sempre pelo mesmo motivo: frequência assídua do Pilão, em Bissau, durante as frequentes baixas ao HM 241.

Portanto, ficava-se ou regressava-se mesmo sabendo ao que se ia, porque… se calhar, não poderíamos “cá” ficar todos e o que seria se o número de recusas ao reembarque aumentasse? Além disso, começávamos a ser “Homens” e os Homens não fogem. No fundo, ainda nos restava uma ténue esperança de que estávamos a fazer algo válido e necessário.

Instintivamente, temos todos a ideia de que os problemas de 1963, não eram muitos diferentes dos de 1968, 1974...

Das causas referidas por Louro de Sousa encontramos algumas que se prendem directamente com o “Moral das Tropas”: Deficiente instrução das tropas e quadros; Falta de pessoal/insuficiência de efectivos; Falta de enquadramento. Outras influenciam-no (muito), mas não directamente: Deficiente equipamento das Unidades no terreno; Abastecimento (material, munições, víveres e água); Instalações inadequadas, mas todas têm a mesma consequência: Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a Metrópole.

Os que foram em Unidades constituídas sabem bem as deficiências da sua preparação que era consequência de locais adequados para a instrução, certas restrições (de índole financeira) ao consumo de alguns meios, impreparação dos instrutores – especialmente das praças – que, na maior parte dos casos não sabiam mais do que vagamente se lembravam da sua formação e uma resistência atávica e subliminar, que se radicava numa resistência não escrita nem reconhecida por ninguém a ir para a guerra. Os que foram em rendição individual sabem o que tudo isto significa, mas para pior, uma vez que foram parar a uma Unidade com pessoal já rotinado nas tarefas a desempenhar.

A falta de pessoal e insuficiência de efectivos foi algo que todos pudemos constatar, quer na dificuldade com que se processavam os recompletamentos, quer no embarque de Unidades incompletas em maior ou menor grau. Quem não se lembra do tempo que esperou pelo seu substituto ou pela lentidão com que as baixas de todo o tipo eram colmatadas? Para o fim da guerra há mesmo caso de Unidades que tiveram dificuldades em obter um número considerável de elementos já que o potencial humano do país começou a revelar-se insuficiente para as necessidades, mesmo recorrendo ao “recrutamento da província”. Desta insuficiência resultava um esforço considerável sobre quem estava “lá”, com o correspondente desgaste físico e psicológico.

Da insuficiência de meios humanos resultava também um enquadramento que atingiu níveis baixíssimos especialmente depois de 1972, quando nas Companhias de Quadrícula ou de Intervenção só havia dois profissionais que eram sargentos e, mesmo assim, normalmente com funções administrativas. Este deficiente enquadramento só ampliava os problemas determinados pelas duas causas anteriores. Podemos também referir a redução do número de médicos nos batalhões, que todos notámos.

E entramos na questão do equipamento/armamento ou da falta dele. Ainda recentemente afirmei e ilustrei a deficiência de equipamento da artilharia. Mas, quem não se lembra das dificuldades que tínhamos ao nível das Transmissões? E aquele bendito “algeroz” que dava pelo nome de bazooka de 8,9 cm que se prendia em todo o lado, não dava jeito nenhum e que, tirando em defesa do aquartelamento, não tinha utilidade? E mesmo assim… Já está demonstrado que o abastecimento (material, munições, víveres e água) se processava com “dificuldades”.

Sobre esta questão limito-me a recordar o considerável número de aquartelamentos sem água (Gandembel, Guileje, Banjara, Cutia, entre outros) e as consequências que daí advieram. Poderia falar das dificuldades no reabastecimento de material de aquartelamento, mas isso já pode ser considerado como exigência excessiva. É que, como se recordam, tínhamos camaradas que até censuravam que quiséssemos viver bem (um pouco melhor) no aquartelamento era excessivo.

“Que diabo! Com a Pátria em perigo este gajo quer cadeiras e mesas? Desenrasque-se!”
“Abrigos reforçados com cimento? Vá para as valas para não perder agressividade!”

E as instalações? Compreende-se que uma Unidade que toma conta de um sector “tomado ao In” ou que ocupa uma tabanca no início da guerra se governe com a “prata da casa”, mas tornar esta situação cronicamente provisória só pode ter efeitos negativos. Às vezes de tão inadequadas até se tornavam perigosas. Quem não se recorda de ter herdado esta ou aquela instalação “dos velhinhos” que, pouco tempo depois, estava inutilizável ou perigosa, o que obrigava a sua reconstrução, com o esforço inglório que se adivinha?

Do somatório não necessariamente algébrico e às vezes até em progressão geométrica resultava a mesma consequência: Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a Metrópole. Se a esta ânsia acrescentarmos a impaciência relativamente ao desfecho favorável ou ao receio de um desfecho desfavorável da população metropolitana e à passividade da população rural – a mais próxima de nós – teremos um caldo de cultura que veio a piorar desde 1963, de acordo com o raciocínio do Brigadeiro Louro de Sousa. Se a isto juntarmos a tendência para embaratecer a guerra perfilhada pelo Salazar e a desproporção entre os meios necessários e os existentes para que a situação se invertesse veremos que pouco ou nada mudou desde 1963.

António J.P. Costa
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Notas do editor

- Negritos e itálicos da responsabilidade do editor

Último poste da série de 18 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15634: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (16): “A Tropa vai fazer de Ti um Homem!”

Guiné 63/74 - P15808: Notas de leitura (812): “Os Caminhos de Gadamael-Porto”, de Manuel da Silva Fernandes, edição de autor, Ponte de Lima, 2014 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
Manuel da Silva Fernandes foi 1.º Cabo Operador Cripto numa Unidade que ficou conhecida como os Gaviões de Gadamael. O seu relato é incomum, nunca vi tanta imagem de gente entre o passado e o presente, em viagem para a Guiné, nas LDM a caminho de Gadamael, em eventos de enorme significado como a homenagem aos mortos em Ponte de Lima, ele é limiano assumido e aproveita este documento memorial para falar dos heróis da terra, como o malogrado capitão Tinoco de Faria, que agonizou e fechou os olhos a pedir coragem aos seus homens.
Temos aqui a prova provada de que o livro só se fechará quando o último de nós apagar a luz, deixando a narrativa a interpretes da História.

Um abraço do
Mário


Os Gaviões de Gadamael

Beja Santos

Em “Os Caminhos de Gadamael-Porto”, Guiné 1970/72, os Gaviões de Gadamael, Edição de autor, Ponte de Lima, 2014, viajamos até ao Sul da Guiné e acompanhamos uma inequívoca demonstração de companheirismo do autor pelos camaradas limianos e pelos da sua unidade, a CCAÇ 2796. Não é comum tão extenso repositório fotográfico e tanto registo de depoimentos e testemunhos de gente amiga. Porque é de um fervoroso limiano de que estamos a falar, alguém que se orgulha da ligação de Zeca Afonso a Ponte de Lima, como ele escreve: José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos nasceu em Aveiro, era filho de José Nepomuceno Afonso, juiz, nascido em Aveiro, e de Maria das Dores Dantas Cerqueira, professora primária, nascida em Ponte de Lima. O 1.º Cabo Operador Cripto Silva Fernandes lembra que chegaram a Gadamael-Porto quando a povoação estava muito disposta depois da retirada das nossas tropas de vários aquartelamentos, Ganturé, a três quilómetros de Gadamael, mas também de Sangonhá, Gandembel e Cacoca.

Os Gaviões foram-se juntando no RI 2, em Abrantes, constituíam uma Companhia um pouco excêntrica, incluíam gente oriunda de um “plano de recuperação e inserção na sociedade civil”, vulgo malta com cadastro, presidia ao conjunto o Capitão Assunção Silva, que irá morrer em combate. Do Pidjiquiti seguem para Brá, 17 dias depois marcham para o Sul em duas LDM.

Mal arribados, começam as flagelações, logo em 16 de Dezembro de 1970, a 20 sofrem uma flagelação tremenda, nem escaparam à noite de Natal nem ao fim de ano. Compendia todas estas flagelações: 8, 10 e 11 de Janeiro. Em 24 de Janeiro uma grande tragédia na primeira e única emboscada durante uma patrulha de reconhecimento, escreve que ocorreu na área de Tamabofa, num trilho de passagem do IN perfeitamente identificado. Uma única bala de uma PPSH, de alguém escondido por trás de um morro de bagabaga abateu aquele que era a maior referência dos gaviões, morreu perto das antigas tabancas de Canturé.

Ainda não refeitos do choque da perda do Comandante de Companhia, a 28 nova flagelação, procede-se a patrulhas de reconhecimento e descobrem-se e desativam-se 20 minas antipessoais e uma mina anticarro. São relatórios minuciosos, sugerem-se os itinerários do inimigo que dispõe de um enorme campo de manobra.

Uma das originalidades deste documento de Silva Fernandes é a correspondência com as madrinhas de guerra. Vejamos a carta que recebeu em 22 de Dezembro:

“Manolo: 

Antes de mais deixa-me tratar-te por este diminutivo. Quem sou eu e como cheguei a ti: através de uma revista feminina encontrei uma série de nomes militares onde era feito um apelo para os apoiar nas frentes de guerra. Enchi-me de coragem e lá fui à procura desse mistério, não sabendo que tipo de pessoa está desse lado, de onde veio e o que faz. Um outro interesse despertou a minha curiosidade: a tua habilitação militar, Operador Cripto. Sou professora em Odemira, no ensino primário; tenho 21 anos de idade, 1,64 metros de altura, olhos castanhos e cabelo curto. Gosto muito de ler, de passear e tenho uma grande admiração e respeito pela natureza. 
Manolo: 

O que eu posso oferecer nesta altura é o incentivo de que passes os teus dias da melhor forma. Olha o sol, as estrelas, provavelmente o calor, as tempestades, mais que provável isolamento de tudo, olha tudo isso com fé e coragem. Protege-te da guerra com uma estampa de S. Sebastião que te mandarei na próxima carta. O meu objetivo neste momento não é procurar namoro. Estou muito mais motivada por uma correspondência que eleve a tua moral, saber que sou útil a alguém que deve estar a necessitar de incentivo de quem está por fora da guerra”.

Logo a 3 de Janeiro Silva Fernandes responde à madrinha, manifesta regozijo de saber que é professora, informa que o pai é Guarda-Fiscal, explica-lhe o que é um Operador Cripto e diz-lhe onde e como vive: “Não saio do aquartelamento a não ser para as tabancas que circundam Gadamael, um quartel com casernas à base de zinco, madeira e chapa aproveitada do bidons de combustível”. E despede-se, pedindo permissão para mandar um beijinho e esperar que essa vontade de relacionando vá até onde Deus queira que vá. Somos informados também que a alimentação em Gadamael era horrível. Estamos em Maio, na flagelação do dia 8 a Unidade sofre dois mortos, dois feridos graves e dois feridos ligeiros. Ainda hoje Silva Fernandes chora os seus mortos. Em Junho, mais três flagelações em Gadamael. E abruptamente, o que é muitíssimo comum na nossa literatura memorial, os registos aceleram, misturam o passado com o presente, o ano passou depressa, somos levados a supor.

E em 24 de Janeiro uma parte da unidade segue para Quinhamel, em Fevereiro ainda experimentam uma flagelação e o resto da Unidade deixa Gadamael em 22 de Fevereiro. A Unidade em Quinhamel desdobrava-se pelos destacamentos de Biombo, Ponta Vicente da Mata, Bijmita e reordenamentos de Blom e Quiuta. É neste contexto que em 30 de Março a Base Aérea é flagelada durante alguns minutos. Silva Fernandes disserta abundantemente sobre a política africana, as ações de Spínola e como o Portugal pós 25 de Abril calou as suas responsabilidades com os africanos que comprometeu na guerra. Silva Fernandes tem credenciais como plumitivo, as badanas do seu livro descrevem a intensidade das suas intervenções.

O seu testemunho tem este lado curioso de ser uma História da Unidade contada na primeira pessoa, um Operador Cripto que não é nada dado a farroncas, que descreve sem se manipular na ocultação, sem manifestar ufania pelas amizades que fez, guardando total descrição sobre o volumoso número de flagelações que conheceu em Gadamael. E tocantes fotografias, em abundância, mostram sem necessidade de legendas como a camaradagem dos "Gaviões" irá até ao fim das suas vidas, aconteça o que acontecer.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15799: Notas de leitura (811): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (3) (Mário Beja Santos)

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15807: Inquérito 'on line' (36): Os muitos problemas com que nos defrontávamos no início da guerra, em 1963 (Paulo Salgado / João Martins / Mário Serra de Oliveira)



Vila Real > Agosto de 1963 > CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63) > O regresso a casa... Na foto, o 1º pelotão... Repare-se no fardamento, o caqui amarelo... O cmdt era o então cap inf José dos Santos Carreto Curto, hoje ten gen reformado, natural de Castelo Branco.

Foto: João Baptista (1938-2010), autor do blogue Fulacunda.  [Edição: LG]

Comentários ao poste P15802 (*):



I. Paulo Salgado


1. Os problemas ou assuntos colocados pelo Com-chefe Louro de Sousa traduzem de forma excelente o que se vivia nessa época - 1963.

No entanto, outras circunstâncias ocorriam, já então, e ocorreriam posteriormente, que porventura não seria expectável que fossem denunciados: 

(i) o facto de o IN já se ir preparando para a guerra de forma segura, psicológica e belicamente segura;

(ii) a manifesta incoerência de uma guerra, mal explicada e fora dos contextos internacionais que, já em 1958, a França experimentara na Argélia de que nós, amargamente, não colhemos lição - o que veio depois a confirmar-se no Congo belga, em Angola e, antes, na Índia.

2. No que respeita ao historiador José Matos que aborda muito bem a sublevação das gentes da Guiné, recordo que, historicamente, as sublevações foram constantes ao longo dos séculos - basta compulsar diversas obras (algumas eu tenho na minha posse e delas faço uso em diversas reflexões) para se confirmarem estes factos históricos.



Opção Resposta 8:

(i) falta conhecimento das necessidades das populações e falta de apoio no desenvolvimento económico e social;

(ii) falta de aproveitamento e de promoção social dos quadros mais qualificados (ex: Amílcar Cabral);

(iii) falta de aproveitamento político das estrutras tradicionais do poder (ex: régulos);

(v) militares de carreira com formação em guerra clássica, mas, sem preparação e conhecimentos em guerras de guerrilhas, que têm cariz muito mais político do que militar, sobretudo, ao mais alto nível das forças armada;

(v) poder político sem visão e sem carisma suficiente para enfrentar uma guerra com carácter mais político do que militar. Era fundamental encetarem-se conversações com muito mais acutilância e determinação:

(vi) falta de suficiente capacidade de esclarecimento político e mobilizadora das tropas para enfrentarem e sofrerem grande desgaste psíquico.


III. Mário Serra de Oliveira

Concordo:

1. Deficiente instrução das tropas e quadros

2. Deficiente equipamento das unidades no terreno 

5. Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses 

6. Instalações inadequadas

7. Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole

Concordo, com atenuante somente no meio de transporte, porque fartura existia:

4. Abastecimento (material, munições, víveres e água) -

Discordo:

3. Falta de pessoal / insuficiência de efetivos

Outros problemas:

8. Outros problemas não referidos acima - Aproximação pedagógica mais respeitàvel, junto das populações.

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Nota do editor:

(*)Vd. poste de 27 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15802: Inquérito 'on line' (35): Lista de problemas no CTIG em setembro de 1963, segundo o Com-Chefe Louro de Sousa...Camarada, vota nos que concordares (Resposta múltipla)

Guiné 63/74 - P15806: Atlanticando-me (Tony Borié) (8): Tunica, uma aldeia do Mississippi

Oitavo episódio da nova série "Atlanticando-me" do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66).




Uma aldeia do Mississippi

O nosso destino era a cidade de Memphis no estado de Tennessee, era ver o lugar onde viveu um nosso ídolo de juventude, o Elvis Presley, sim o tal que cantava, passando mensagens na letra das suas canções, dançando e fazendo gestos um pouco ousados para a época, tocando uma viola. Quase todos, pelo menos os que andam pela nossa idade se lembram dele.


Viajávamos pelo estado do Mississippi, procurando seguir o mais junto possível ao rio que deu o nome ao estado, o célebre Rio Mississippi, onde numa estrada estadual, quase sempre em linha recta, numa distância de aproximadamente cem quilómetros, podemos atravessar uma centena de pontes, seguindo entre povoações quase desertas, pequenas quintas onde algumas manadas de vacas pastam, pequenos lagos ou terras pantanosas onde crescem árvores e outra vegetação, cujo habitat é a água, onde os “aligatores”, que são uns animais muito parecidos com os crocodilos, vivem num paraíso, naquele lodo coberto por uma vegetação aquática.


Mississippi, Mississippi, sempre gostámos do estado, pelo menos pela paisagem, onde qualquer povoação, sem muitos recursos de sobrevivência, procura sobressair do anonimato, fazendo de qualquer motivo ou facto passado nela uma referência para as pessoas pararem, verem, andarem pelas ruas, darem alguma vida ao pasmo em que normalmente vivem. Isto foi o que nos aconteceu ao cruzarmos a cidade de Tunica, que fica dentro do distrito com o mesmo nome, muito perto do rio Mississippi, onde até o início dos anos noventa do século passado era uma cidade rural, um dos lugares mais pobres nos Estados Unidos, onde a sua população diminuiu a partir dos anos setenta, por ser um bairro com alguma fama, particularmente desprovido de condições de vida, conhecido como "Sugar Ditch Alley", cujas palavras são um pouco difíceis de traduzir, pois não são o que nos parecem traduzidas à letra, este nome explica um pouco mais, não nos orgulha falar nele, era mais uma de tantas aldeias ao longo do Rio Mississippi, habitadas principalmente por afro-americanos que por ali viviam em contacto e alimentados pela natureza, próximos da civilização, mas de uma maneira ou de outra sem acesso à mesma, a nós, com muito respeito pelos seus habitantes de então, dizem-nos que era um esgoto a céu aberto que lá estava localizado.


Vamos em frente com a história, pois felizmente hoje tudo é diferente, a cidade melhorou muito a partir da data que já referimos, pois a sua proximidade ao Rio Mississippi trabalhou em seu favor, teve um desenvolvimento fora do normal, criando uma área de casinos e restaurantes de luxo nas suas proximidades, tendo um crescimento populacional, onde os principais casinos, que atraem visitantes não só do estado do Mississippi, mas também do estado de Tennessee, do Arkansas e outros estados do sul e, onde se emprega quase toda a população da cidade.


Agora falando um pouco de guerra, nesta cidade existe um parque dedicado aos combatentes das diversas guerras em que os Estados Unidos, de uma maneira ou de outra, estiveram envolvidos, não vamos traduzir qualquer legenda, vamos, pedindo desculpa pelo espaço roubado ao nosso blogue, publicar as fotos, pois aqui estes parques são frequentes, fazendo lembrar aos vindouros aqueles que morreram em combate, aqueles que perderam a vida, dando exemplo de coragem, defendendo um futuro, que eles, os vindouros, esperamos possam usufruir em paz.

Tony Borie, Fevereiro de 2016.
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15775: Atlanticando-me (Tony Borié) (7): Talvez lá, como cá

Guiné 63/74 - P15805: Blogpoesia (440): "Chuva Negra e Circundante" e "Negaças do Sol", de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Em mensagens de 24 e 27 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66), enviou-nos estes dois poemas da sua autoria:


CHUVA NEGRA E CIRCUNDANTE

É negra e circundante
esta chuva que não dorme.
Noite e dia insistente.
Teimosa e melancólica.
Insolente.

Tudo inunda. Um rio agitado e fluente.
Não se cala e não olha.
Não é filha.
Não é mãe.
Sem dó nem piedade
dos cavalos mansos
que ali dormem.

Irreverente.
Faz de bruma ao sol nascente,
na sua hora de raiar.

É bem feita!
A terra a bebe e a devora.
A sepulta morta no seu ventre...

Bar "caracol" arredores de Mafra
27 de Fevereiro de 2016

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes

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NEGAÇAS DO SOL

Fez negaças o sol.
Abandonou a manhã às garras desesperadas da chuva.
De teimosa, não quer dar lugar
à Primavera anunciada.

Quem paga estas birras somos nós.
Nunca mais assentamos com a peça certa de vestuário.

Ontem era de festa o céu azul.
Havia sol.
O mar bailava ao pé,
convidando-nos a molhar os pés.

O meu vizinho lá ia na caminhada,
de chapéu de chuva,
- um bom exemplo -
indiferente ao capricho da Natureza.

Mafra, sete momentos, 24 de Fevereiro de 2016
10h12m

Jlmg
Joaquim Luís Mendes Gomes
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15788: Blogpoesia (439): "Universo", por José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381

Guiné 63/74 - P15804: No 25 de abril eu estava em... (26): Turquel, Alcobaça, de férias... Vim logo para Lisboa nesse dia e por aqui permaneci, até regressar a Bissau, em 3 de maio (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)










Lisboa > 28 de abril de 1974, domingo > Um alferes de Fulacunda, de férias na metrópole, transformado em fotojornalista...

Fotos: © Jorge Pinto  (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem, com data de 15 do corrente, de Jorge Pinto [, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Turquel, Alcobaça, foto à esquerda; é professor do ensino secundário,  reformado]:

Obrigado,  Luís, por me teres feito chegar estas "velhas" mas sempre presentes recordações (*). O Juvenal também já me tinha falado delas [, as fotos do seu futuro cunhado Fernando Carolino, meu camarada de companhia, meu conterrâneo, meu vizinho de Valado dos Frades].

Como não quero ser "mal-agradecido", vou enviar-te, já hoje, aquelas fotos há muito prometidas sobre o 25 de Abril.

Como sabes, tive o privilégio, de estar de férias na "metrópole" , nessa data. No próprio dia 25, vim de Alcobaça (Turquel) para Lisboa e por aqui permaneci, até regressar a Bissau no dia 3 de Maio.


Neste mail envio fotos tiradas no primeiro Domingo (28.04.74), a seguir ao 25 de Abril. (**) São
tiradas junto ao Marquês de Pombal, apanhando manifestação (ões) espontânea(s) que subia(m) a Avenida da Liberdade.

Em mail seguinte, enviarei fotos de Fulacunda com destaque para a primeira visita dos militares do PAIGC à tabanca e ao aquartelamento.

Forte abraço
Jorge Pinto
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Notas do editor:

(*) vd. poste de 17 de fevereiro de  2016 > Guiné 63/74 - P15761: Memória dos lugares (334): Fulacunda (Fernando Carolino, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; natural de Alcobaça, a viver em Valado dos Frades, Nazaré)

(**) Último poste da série > 26 de abril de 2015 > No 25 de Abril eu estava em... (25): Tomar, RI 15, era 1º cabo miliciano e fui destacado para defender a estratégica barragem de Castelo de Bode, com mais 14 homens, e descobri, nessa missão, que a solidariedade afinal não era uma palavra vã (Eduardo Magalhães Ribeiro, ex-fur mil op esp, CCS/BCAÇ 4612/74, Mansoa, 1974)

Vd. postes anteriores:

8 de julho de 2014 > Guiné 63/74 - P13378: No 25 de abril eu estava em...(24): Xitole, e foi o comerciante libanês Jamil Nasser quem me deu a notícia, ouvida na BBC, na sua emissão em árabe (José Zeferino, ex-alf mil at inf, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4616, Xitole, 1973/74)

30 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13073: No 25 de abril eu estava em... (23): Porto, e o meu irmão, Manuel Martins (1950-2013) em Bissau (José Martins, ex-fur mil, trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)

29 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13070: No 25 de abril eu estava em... (22): Lisboa, a receber formação como futuro delegado de proganda médica... e com as minhas "duas mulheres" em Bissau. Regressei a 6 de maio de 1974... (Silvério Dias)

16 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12993: No 25 de abril eu estava em... (21): Nhala... e nessa noite já ninguém dormiu (José Carlos Gabriel, ex-1º cabo cripto, 2ª C/BCAÇ 4513, Nhala, 1973/74)

15 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12988: No 25 de abril eu estava em... (20): No mato, algures entre Nhala e Buba, emboscado, junto à estrada nova que ligava as duas povoações... (António Murta, ex-al mil, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973-74)

9 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12955: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (19): Na guerra colonial, Guiné, numa aldeia do fim do mundo chamada Cancolin (Manuel Vitorino)

1 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11511: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (18): Canquelifá, Pirada, Bissau, Gadamael (Carlos Costa, Carlos Ferreira, Mário Serra Oliveira, C. Martins)

25 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11470: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (15): Bissorã, a ouvir as notícias da BBC, depois de regressar, de manhã, de um patrulhamento noturno (Henrique Cerqueira, Bissorã)

25 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9399: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (14): Bissau, tinha 13 anos, era estudante no Liceu Honório Barreto... (Luís Vaz Gonçalves)

24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (13): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

23 de janeiro de Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz)

27 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7181: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (11): Lisboa a viver num apartamento com mais três estudantes (José Corceiro)

26 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6251: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (10): Canfuja, sector de Piche, com o Jamanca e a CCAÇ 21, no rasto do PAIGC (Amadú Djaló, Alf Comando Graduado)

[Houve um salto na numeração, ou há postes que não encontramos de momento]...

26 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6251: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Canfuja, sector de Piche, com o Jamanca e a CCAÇ 21, no rasto do PAIGC (Amadú Djaló, Alf Comando Graduado)

4 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4280: No 25 de Abril eu estava em... (9): RI 15, Tomar, à espera de ir para a Guiné (Magalhães Ribeiro)

30 de março de 2009 > Guiné 63/74 - P4106: No 25 de Abril eu estava em... (6): Pirada, a ferro e fogo (Joaquim Vicente Silva, 3ª CCAV / BCAV 8323)

4 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3561: No 25 de Abril eu estava em... (5) Bissau, ouvindo vivas a Spínola, pai do nosso povo (J. Casimiro Carvalho)

22 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3498: No 25 de Abril eu estava em... (4) Agrupamento de Transmissões, Bissau (Belarmino Sardinha)

1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (3): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152)

19 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2963: No 25 de Abril eu estava em... (2): Gadamael e a vontade de lutar do PAIGC também era pouca (Anónimo, Alf Mil Op Esp)

14 de junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (1): Guidage (João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74<

Guiné 63/74 - P15803: Parabéns a você (1042): José Rodrigues, ex- Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419 (Guiné, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15800: Parabéns a você (1040): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador do BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15802: Inquérito 'on line' (35): Lista de problemas no CTIG em setembro de 1963, segundo o Com-Chefe Louro de Sousa...Camarada, vota nos que concordares (Resposta múltipla)


Guiné > Região do Oio > CART 527 (1963/65) > Olossato > Julho de 1963 > Fardas novas, capacete de aço, os graduados equipados com a pistola metralhadora FBP: em primeiro plano,  asecção do António Medina (e ele, na ponta, do lado direito). Nota do AM: "Vasculhando os meus arquivos encontrei a foto que faço juntar, que diz respeito à mata em Olossato. Eramos todos maçaricos na altura, com a farda ainda nova. Quem tirou a foto não me lembro."... Está bastante estragada, do lado esquerdo, pelo que teve de ser recortada e editada... (LG).

Foto (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Camaradas e amigos/as:

Há um artigo do José Matos (historiador, membro da nossa Tabanca Grande, filho de um camarada nosso já falecido), sobre o início da guerra na Guiné, que não devem perder: cliquem aqui.

Em setembro de 1963, o Com-chefe Louro de Sousa fez uma exposição ao poder (político e militar) em Lisboa... Apontou uma série de problemas que na já altura se punham, dificultando a nossa resposta (militar e política) à "guerra subversiva"...

Estes pontos são um pretexto para o inquérito de opinião desta semana... Temos ideia que os problemas de 1963, com que se defrontava Louro de Sousa (1963/64), não eram muitos diferentes dos problemas dos anos seguintes, com Schulz (1964/1968), Spínola (1968/73) e Bettencourt Rodrigues (1973/74)... 

Vejam o questionário, podem dar mais do que uma resposta: No blogue, "on line", no canto superior esquerdo... Até sexta-feira, dia 4 de março, às 17h36.

Abraço dos editores

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2. "LISTA DE PROBLEMAS NO CTIG,  LOGO EM 1963 (LOURO DE SOUSA)... VOTA NOS QUE CONCORDARES" [Resposta múltipla]

Resultados preliminares (n=23)

1. Deficiente instrução das tropas e quadros  > 18 
(78%)

6. Instalações inadequadas  > 16 
(69%)

7. Cansaço das NT, sempre ansiosas por acabar a comissão e voltar para a metrópole  >16 (69%)

2. Deficiente equipamento das unidades no terreno > 15 
(65%)

4. Abastecimento (material, munições, víveres e água)  > 
(39%)

3. Falta de pessoal / insuficiência de efetivos  > 
(28%)

5. Falta de enquadramento / aproveitamento militar dos guineenses  > 
(21%)

8. Outros problemas não referidos acima (pelo Com-chefe Louro de Sousa) > 
(17%)

Votos apurados: 23 

Data e hora em que o fecha o inquérito:  4 de março de 2016, 17h36

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Nota do editor:

Guiné 63/74 - P15801: Agenda cultural (466): Integrada no 15.º Ciclo das Tertúlias Fim do Império, dia 2 de Março de 2016, pelas 15 horas, apresentação dos livros "Mousse de Manga", da autoria de Helena Pinto de Magalhães e "Moçangola", da autoria do Coronel Castro Figueiredo, no Palácio da Independência, em Lisboa (Manuel Barão da Cunha)

 

Em mensagem do dia 26 de Fevereiro de 2016, o nosso camarada Manuel Barão da Cunha, Coronel de Cav Ref, que foi CMDT da CCAV 704 / BCAV 705, Guiné, 1964/66, deu-nos conta da apresentação de mais dois livros da colecção Fim do Império, a levar a efeito no próximo dia 2 de Março no Palácio da Independência, em Lisboa.



15.º CICLO DE TERTÚLIAS FIM DO IMPÉRIO 
LISBOA
PALÁCIO DA INDEPENDÊNCIA
02 DE MARÇO DE 2016

Apresentação de livros da coleção Fim do Império ainda não apresentados em Lisboa, nomeadamente:

10.º, Mousse de Manga, da autoria de Helena Pinto de Magalhães 

e 

11.º, Moçangola, da autoria do Coronel Castro de Figueiredo.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15767: Agenda cultural (465): Encarceramento colonial no século 20: uma abordagem comparativa no 80º aniversário do campo do Tarrafal (Cabo Verde) | Conferência Internacional, Museu do Aljube, Lisboa, 21-22-23 Julho 2016: chamada de comunicações até 28/2/2016

Guiné 63/74 - P15800: Parabéns a você (1041): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador do BART 2917 e BENG 447 (Guiné, 1970/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15797: Parabéns a você (1039): João Carlos Silva, 1.º Cabo Especialista MMA da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15799: Notas de leitura (811): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Abril de 2015:

Queridos amigos,
A incursão biográfica de Daniel dos Santos tem alguns pontos altos: na senda da pesquisa de Julião Soares Sousa, desmonta algum do fabulário, do intencionalmente mal contado e confronta a história de um PAIGC que é mais recente do que o imaginário propôs; dá-nos uma apreciação da identidade cabo-verdiana e disseca a animosidade estrutural entre guineenses e cabo-verdianos, fá-lo com coragem e com argumentos em cima da mesa.
O que há de manifestamente incongruente foi esta atitude de pensamento de que era possível separar o processo político em Amílcar Cabral da sua obra, o PAIGC e a luta da libertação que culminou na independência, ponto de arranque no processo de descolonização.

Um abraço do
Mário


Uma nova investigação sobre Amílcar Cabral (3)

Beja Santos

“Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014, é um livro declaradamente controverso. O autor é um professor universitário cabo-verdiano e questiona os fundamentos da civilização e da cultura da sua terra de um modo que se entende claramente que demarca esse resultado civilizacional e cultural do que se passou na Guiné, uma colónia que só efetivamente o foi depois da Conferência de Berlim, uma campanha de ocupação com resultados precários, com inúmeras rebeliões e com as etnias guineenses de pé atrás com o cabo-verdiano, o agente do colonizador, tratando-os por vezes brutalmente. Uma investigação com uma estrutura discutível, como se pudesse haver uma cronologia indivisa entre Cabral e o PAIGC, daí a quantidade de remissões, o andar para a frente e saltar factos. Daniel dos Santos não morre de amores pelo PAIGC, dirá abertamente que em 5 de Julho de 1975, quando Cabo Verde ascendeu à independência “o despotismo português viu-se substituído por um outro, suportado pelos filhos da terra. Cabo Verde de hoje nada tem a ver com o sonhado por Amílcar Cabral, que, por ser um político idealista e normativista, lhe desenhou um modelo de vida e de sociedade que chocava manifestamente com o pluralismo cultural dos ilhéus”.

Líder revolucionário que atingiu o auge da popularidade na cena internacional no início na década de 1970, Cabral enquanto dirigente supremo da guerrilha vai encontrar pela frente, a partir de 1968, um sério contendor: António de Spínola. Este traz uma fórmula desenvolvimentista, “por uma Guiné melhor”, bem-disposto a um esforço sobre-humano para conquistar populações, irá desenvolver ações psicológicas como os Congressos do Povo, obterá financiamentos para construir escolas, hospitais, aeródromos, pontes, mesquitas, entre outras infraestruturas sociais e culturais. Isto sem descurar a atividade militar, privilegiando grandes operações ofensivas com as tropas especiais. Spínola tenta aliciar unidades do PAIGC propondo-lhes a sua integração nas Forças Armadas guineenses. Tudo acabará dramaticamente. A Operação Mar Verde, destinada a invadir Conacri com o objetivo de eliminar Sékou Touré, decapitar a cúpula do PAIGC e libertar os prisioneiros de guerra portugueses só atingiu o último objetivo mas foi um dos mais sérios revezes para a diplomacia portuguesa.

Cabral reagiu à altura do dinamismo de Spínola. Moralizado pelas conquistas políticas, militares e diplomáticas, tece um plano político de grande envergadura para isolar Portugal – a realização de eleições gerais para a constituição da Assembleia Nacional Popular. Explorou os resultados, mesmo sabendo que o ato eleitoral correspondia a uma parte minguada da população guineense, obteve mais apoio internacional, antes de ser assassinado gizou um plano para o texto constitucional bem como os termos da declaração da independência.

Depois o autor detalha as operações militares do PAIGC em 1973 e os seus resultados, que foram suficientemente marcantes para que Spínola decidisse pôr termo à sua comissão. Agora o autor leva-nos atrás, vai analisar a grande utopia de Cabral, a unidade Guiné-Cabo Verde. É verdade que é uma história comum, durante séculos a Guiné esteve na dependência de Cabo Verde, mas sempre resistindo e não escondendo a sua hostilidade ao branco e ao mestiço oriundo das ilhas. E recorda que no massacre de Bolor, ocorrido em 1879, muitas das vítimas foram cabo-verdianos, foi um desastre que acabou por se saldar na criação da província da Guiné. Daniel dos Santos arrola os elementos fundamentais da presença dos cabo-verdianos na Guiné, lembra-nos que alguns dos donos mais ilustres foram André Álvares de Almada e Honório Pereira Barreto que nasceu na Guiné mas sempre se considerou cabo-verdiano. Pois bem, a controversa unidade urdida por Cabral tinha sérios opositores dos dois lados, mesmo depois da independência nunca foi posta em prática a não ser em domínios pontuais e morreu completamente com o golpe de Nino de 14 de Novembro de 1980. Daniel dos Santos também faz o historial do contencioso entre guineenses e cabo-verdianos e conta-nos o que aconteceu em Dakar e em Conacri no início dos anos 1960, quando surgiram os movimentos independentistas, em Novembro de 1964, quando o MLG entrou no ocaso, muitos dos seus dirigentes e militantes filiaram-se no PAIGC. E o autor observa ainda: “A criação do PAIGC ocorreu no momento em que achavam ainda por cicatrizar as feridas entre guineenses e cabo-verdianos, abertas pela intervenção dos últimos, ao lado dos portugueses, nas chamadas guerras de pacificação. Quando Amílcar Cabral lançou o PAIGC, estavam, certamente, na mente da elite guineense, em particular, e na das massas, em geral, muitas recordações e episódios de ferozes combates que opuseram os indígenas aos cabo-verdianos. O sentimento anticabo-verdiano. Nem as ideias de Amílcar Cabral serviram para o disfarçar. Ninguém o podia negar. A hegemonia cabo-verdiana na Guiné tinha estorvado qualquer projeto unitário entre os dois países. A maioria cabo-verdiana do PAIGC constituía uma maioria sociológica, muito embora, em termos numéricos, fosse uma minoria. A suposição de domínio manifestava-se, ora porque detinha, no contexto social em que se achava integrada, a titularidade do poder, ora porque monopolizava a própria vida do partido".

E o autor recorda que o setor intelectual do PAIGC era maioritariamente de origem cabo-verdiana. Muito mais tarde, quando o assassinato de Cabral era já uma reminiscência, muitos dirigentes tiveram a coragem de admitir que havia desconfianças mútuas. Afinal a ideia da unidade Guiné e Cabo Verde foi o grande trunfo da organização e o verme que no longo prazo levou à rutura os guerrilheiros vitoriosos.
Daniel dos Santos, em capítulo autónomo, traça as grandes linhas da diplomacia do PAIGC e as razões do seu sucesso.

E assim chegamos ao epílogo em que o autor recapitula a complexidade do pensamento de Cabral, a sua evolução e o resultado trágico do seu legado: “A sua herança política foi destruída e delapidada, não pelos seus inimigos mas pelos seus próprios companheiros e camaradas de luta sobre cujos ombros recaíram as responsabilidades de a conservar ad eternum”.

O dado mais extraordinário desta narrativa biográfica, vale a pena insistir, é de que o autor ensaiou demarcar o homem e a obra e não fez outra coisa ao longo de mais de 500 páginas em as misturar. Porque a verdade tinha que vir ao de cima, como o azeite: aquela guerrilha foi urdida por um pensador de génio, um homem que perseguiu vários ideais mas que, em 1960 mudou a sua história para a confundir com a história do PAIGC. E conseguiu-o.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15779: Notas de leitura (810): “Amílcar Cabral, Um outro olhar”, por Daniel dos Santos, Chiado Editora, 2014 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15798: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2.ª versão, 2010, 99 pp.) - V Parte: IV - Cepa do Zé de Varche

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [Fitas Ralhete], o nosso querido camarada Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, e cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.

Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, Estoril, Cascaiis, 2000). A sua pré-publicação, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.

Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra > IV Cepa do Zé de Varche  (pp. 22-24)

por Mário Vicente [, foto atual à esquerda]

– Desgraçado! Se a burra não conhecesse já o caminho para o monte do Barrocal, não sei onde iria parar! – comentava meu avô quando seu sogro saía da taberna de seu vizinho Joaquim dos Vinagres.

Eis pois o princípio da cepa!

–  Não tens vergonha nenhuma, desgraçado! De noite andas nos copos, de dia juntas esta gandulagem toda aqui que ninguém sossega. – vociferava Cambraia para seu irmão Saragoça, enquanto ia aparando o cabelo a algum cliente.

A casa da ti Mariviana tornara-se centro de encontro  dos gandulos. Saragoça era o sapateiro da aldeia, não remendão, pois tinha arte e saber no ofício, embora uma paralisia infantil lhe tivesse alterado um pouco a vida. Dedicado à música, com um ouvido extraordinário, foi pena não ter sido mais aproveitado. Muito torto e vaidoso, nunca quis usar bengala. Metendo a mão no bolso das calças, para firmar a perna coxa, lá seguia na sua passada dengosa. Mais tarde arranjou uma bengala a Carina, e parece ter equilibrado um pouco o andar apenas, porque o resto continuava tudo na mesma situação.

Saragoça era membro efectivo da Confraria "Cepa do Zé de Varche", vinda do Barrocal, à qual Calças de Palanco se orgulhava de também pertencer embora não fosse membro activo. Conhecidos­, membros honorários seriam: Joaquim José, tio de Calças de Palanco com Chostra e Laroso seus primos, respectivamente.

Vila Fernando, no concelho de Elvas.
Adapt de Wikipedia (com a devida vénia)
Chostra, artista nato, com umas mãos maravilhosas para trabalhar a madeira, deixa obras de arte extraordinárias que podem ser apreciadas no Museu na aldeia da Planície.
Os baixos-relevos do aqueduto da Amoreira, a cabeça de cavalo e o retrato de seu pai, bem como o brasão da Escola Prática de Cavalaria em Santarém, são uma pequena amostra da sensibilidade do artista. Joaquim José é o bibelô das mulheres, boémio, bonitão deixa rasto em Vendas Novas, Évora, Santarém e Leiria. No café Flâmula, sentados no banco de madeira, António, grande caçador, para os íntimos de alcunha "o Chefe," companheiro e camarada de serviço militar e de farras do cabo de Artilharia Joaquim José, passa para Calças de Palanco o relatório completo das aventuras de seu tio que passou por Cabo Verde e Açores entre 1942 e 1947 na Segunda Guerra Mundial.

A vida era deles e, por isso, o que é que nós temos a ver com ela? Gozaram-na e viveram-na à sua maneira e como lhes soube melhor! A Confraria continuará pois, dada a qualidade da cepa, sempre haverá boas varas para enxertia.

Falemos um pouco mais de Saragoça. Aventureiro, me­droso por natureza, correu os matos da Colónia aos ombros de seu irmão ManeI do Barrocal, também membro activo da Cepa, cujas aventuras dariam um belo e saboroso romance, pois pertenceu ao primeiro Corpo de Paraquedistas Português, com curso tirado em Espanha, com o Cartuchana, para honra não só deles, mas também desta pequenina aldeia da Planície, que não tem sido muito pródiga para com os seus filhos, cujo bom nome têm espalhado pelo mundo português.

É uma polémica que um dia estalará mas, por agora, viola no saco.

Falemos então do Manuel do Barrocal, prisioneiro no Estado da Índia onde, estimado por todos, ia cagar ao lado indiano atravessando o arame farpado. Não havia proble­mas pois "Cristã" podia passar. Na Colonial andou por seca e meca, indo parar aos comandos em Mueda, Moçambique, onde também conheceu o Suíças mas, agora, segundo parece, já sem tomates. Também tinha das boas,  o primo Manel!... Noite de Natal, a igreja apinhada até à porta, como era costume após a Missa do Galo, seria a cerimónia de beijar o menino. Com tanta gente, quando é que o pessoal cá de trás chegaria lá à frente? O primo ManeI ajoelha e arranca pela coxia da igreja que se encontrava cheia. O pessoal muito amigo de inventar situa­ções, entrou na jogada e imediatamente, começou o sussurrar de orelha em orelha:
–  É uma promessa! É uma promessa!... Coitadinho sofreu tanto, prisioneiro e sempre na guerra! – sussurravam de ouvido em ouvido as velhotas.

Ao chegar próximo do Altar, olhou para trás, e piscou o olho com malandrice à matula. Respeitosamente beijou o Menino e solenemente voltou, sendo o primeiro a sair da Igreja. Era assim, sem prejudicar ninguém, que punha a gandulagem partindo o coco a rir.

Voltemos então ao Saragoça, não vá pensar que não se narram as suas gloriosas aventuras. Já um pouco fartos dos problemas dele, lembraram-se que poderia recuperar em Moçambique, em casa de sua irmã mais velha. Assim o mestre sapateiro se vê de malas aviadas rumo a Nacala.

Na passagem por Lisboa, para embarcar, tem uma óptima oportunidade para conhecer a capital e dar umas voltas. Nada menos nada mais que o amigo Torreca, agora cabo marinheiro. Para ser simpático com seu amigo Saragoça, mestre Chico monta este na sua Lambreta e vá de passear por Lisboa com Pitorrela também já na Marinha, que tinha chegado para a despedida de Saragoça, comentaram e falaram de aventuras na aldeia da Planície. Abraça­ram-se os três num grande e saudoso acto de despedida e Saragoça subiu as escadas, só olhando para trás quando entrou no portaló. Então a sua boca deu um grande sorriso e gritou:
–  Adeus e até qualquer dia!

Os dois marujos, em terra, tiraram os bonés e com eles acenaram desejando boa viagem ao seu amigo sapateiro, tocador de concertina.

Segundo ele próprio contou, a sua ida para Moçambique, foi pior a emenda que o soneto. Chegou a sair de casa e viver com uma negra, vendendo o acordeão que lhe tinham comprado. Estava-se a ver, foi recambiado.

Ao chegar à sua aldeia, aos gandulos informou ter deixa­do em Moçambique mais de duzentos filhos, pois tinha sido mais prolífero que o próprio Gungunhana com catorze mulheres.

Tinha outras e outra vida teria, se o milagre que lhe este­ve destinado por Deus Nosso Senhor se tivesse consumado.

Já dormindo, certa noite ouviu um barulho, acordou es­tremunhado e que viu ele? Subindo pelas grades da cama um gaiatinho nu, apenas com uma fralda, tal e qual o Menino Jesus do Presépio. Ficou atónito e sem saber o que dizer. O gaiato começou a falar com ele e lhe comunicou: ser de facto o Deus Menino e que estava ali para o pôr bom da perna. Coisa simples teria de fazer: confessar-se e comungar na Missa do Galo. Não poderia era dar conhecimento a ninguém do que estava a acontecer. Tudo certinho! 

No dia seguinte toda a gandulagem ficou a saber da promessa do Menino Jesus. Da confissão com a conversa esqueceu-se. Quanto à comunhão na missa do Galo, um equívo­co complicou as coisas. Quando se encaminhava para a igreja Paroquial, enganou-se na rua e em vez de ir para a esquerda, seguiu em frente entrando na Capelinha da Sociedade. Já tarde e com uns bons copos, febras, cacholeiras e chouriços grelhados à mistura, se lembrou de que o acto milagroso se daria apenas na igreja Paroquial, pelo que ainda hoje, coitado, continua com a paralisia por milagrar.

Quer queiram quer não o mestre Chico ficará na histó­ria da sua aldeia. Homem de todas as idades. Gerações de putos e gandulos passaram pela oficina deste mestre sapateiro. Até gentes de terras para os lados do Norte o consideravam como amigo. É e será sempre, apesar de todos os seus disparates, uma figura típica desta Vila Fernando, linda aldeia da Planície.
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Nota do editor:

Último poste da série > 4 de fevereiro de 2016 >Guiné 63/74 - P15705: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2ª versão, 2010, 99 pp.) - IV Parte: III - Metamorfose 1 (pp. 20-21)

Guiné 63/74 - P15797: Parabéns a você (1040): João Carlos Silva, 1.º Cabo Especialista MMA da Força Aérea Portuguesa (1979/82)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15793: Parabéns a você (1038): Gumerzindo da Silva, ex-Soldado Condutor Auto da CART 3331 (Guiné, 1970/72)

Guiné 63/74 - P15796: O Início da guerra na Guiné (1961-1964 ) (José Matos, historiador) > II (e última) Parte

 1. Segunda e última parte do artigo do José Matos

[ Foto à direita: 
o nosso grã-tabanqueiro José [Augusto] Matos;
formado em astronomia em 2006 na Inglaterra ( University of Central Lancashire, Preston, UK ); 
é especialista em aviação e exploração espacial desde 1992;
filho de um antigo combatente, nosso camarada da Guiné, já falecido; 
é nvestigador independente em história militar ]



 2. O Início da guerra na Guiné (1961-1964 ) (José Matos, historiador) > II (e última) Parte

Revista Militar, nº 2553,novembro de 22015, pp. 937-950.


Por José Matos

(Continuação)


O relatório Deslandes

Um mês depois do relatório do Comadante-Chefe, chega à Guiné o Secretário-Geral da Defesa Nacional, o General Venâncio Deslandes, para analisar a situação militar no terreno produzindo depois um relatório para o ministro da tutela.

Augusto Venâncio Deslandes
(1909-1985), gen pilav, FAP
 Foto: cortesia de
Geneall
Este relatório é importante para percebermos qual era a situação militar, em meados de 1963. Na avaliação que faz, este oficial dá como grave a situação na província em que “cerca de uma quinta parte do território se mantem sublevada, com as populações na sua quase totalidade deslocadas (quase todo o Sector Sul e a área dos majaques a norte do rio Cacheu)” e alerta para a possibilidade de um ataque sobre Bissau que seria “fácil de executar, com todos os reflexos políticos que acarretaria”.

Deslandes identifica claramente a zona sul do território como a mais problemática e considera que a resolução da sublevação nessa zona é determinante na evolução futura do conflito (38). O general português propõe várias medidas de acção entre as quais a fusão do aparelho militar com o aparelho político-administrativo, que funcionavam de forma separada. Esta medida viria a ser a implementada no ano seguinte, com a nomeação de Arnaldo Schulz para o cargo de Governador e Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné.

No entanto, a sugestão de Deslandes visava sobretudo resolver a incompatibilidade que já existia entre as chefias política e militar do território, protagonizadas por Vasco Rodrigues e Louro de Sousa, que não se entendiam na coordenação dos meios de defesa militares e civis (39).  Esta falta de coordenação impedia obviamente uma acção concertada dos diversos meios de defesa contra a guerrilha.

Deslandes defende também a existência de forças de intervenção com um grande grau de prontidão e de mobilidade táctica,  capazes de serem empenhadas rapidamente em qualquer ponto do território. Para isso, considera imprescindível a aquisição de helicópteros, fundamentais na luta anti-guerrilha. Por essa altura, a Força Aérea ainda não tinha helicópteros na Guiné, tendo recebido os primeiros três helicópteros Alouette II, em Setembro desse ano (40). No entanto, eram aparelhos muito limitados sendo usados unicamente em missões de observação, ligação e evacuação de feridos.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 726 (Out 64 / Jul 66) > O pessoal em operações militares: na foto, acima, transporte às costas de um ferido, evacuado para o HM 241, em Bissau, por um helicóptero Alouette II (versão anterior do Alouette III, que nos era mais familiar, sobretudo para aqueles que chegaram à Guiné a partir de 1968).

Foto: © Alberto Pires (Teco) / Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados.

Juntamente com o relatório principal há também um relatório do Tenente-Coronel Augusto Brito e Melo que descreve a situação no terreno e identifica os principais problemas que as forças portuguesas enfrentam na Guiné. Este oficial considera que a situação, em termos gerais, não é alarmante, mas que apresenta uma certa gravidade no sul da colónia, podendo vir agravar-se se não fossem tomadas rapidamente medidas de contenção da guerrilha.

Em tom optimista, Brito e Melo refere “que a resolução do problema da Guiné está perfeitamente dentro das nossas possibilidades, não exigindo meios exorbitantes, e pode conseguir-se dentro de um prazo relativamente curto” (41). No mesmo tom, considera ainda que “a eliminação do terrorismo na Guiné teria largas repercussões no país, levantando o moral da população e, em especial das Forças Armadas”, ao mesmo tempo que desencorajaria outros movimentos nacionalistas de passarem à luta armada nas restantes colónias, estando provavelmente a pensar em Moçambique, onde a guerra ainda não tinha começado (42).

Este militar confirma também no seu relatório a situação de conflito entre as chefias política e militar da colónia, referindo claramente que as autoridades administrativas, de uma forma geral, não cooperavam com as autoridades militares (43).


A exposição no Conselho Superior Militar
Fernando Louro de Sousa,
cmdt do RI 13
(1962/53).
Foto: cortesia
do sítio do Exército.pt



No início de Setembro, Louro de Sousa vai a Lisboa fazer uma exposição da situação na colónia ao Conselho Superior Militar (CSM) (44). Na exposição que faz àquele órgão, Louro de Sousa confirma, mais uma vez, que é no sul do território que se vive a situação mais crítica, com as forças portuguesas a controlarem apenas os aquartelamentos onde estão instaladas.

Outra zona que também merece a preocupação de Louro de Sousa é o Oio, no norte do território, onde a guerrilha tinha tentando aliciar a população, sem sucesso, sendo aí necessário neutralizar o inimigo para não se cair na situação do sector sul. O chefe militar da Guiné reconhece que a acção subversiva da guerrilha é intensa com vista ao “controle de todas as populações fora das áreas restritas de ocupação militar” e que se enraizava cada vez mais no sul da província, sendo que, aí, a expectativa era apenas que o problema não se agravasse ainda mais (45).

Na opinião deste militar, o problema já vinha do passado, pois “deveria ter-se conseguido neutralizar a subversão antes dela ter surgido à luz do dia”. No fundo, as estruturas políticas e militares instaladas no terreno tinham falhado na conquista das populações. Louro de Sousa identifica claramente a falha ao referir o seguinte:

“Para isso, deveria ter-se concentrado o esforço da nossa defesa na acção psicológica e na acção social num trabalho de conquista de populações, para lhes ganhar a sua confiança. Seria obrigação de todos “prevenir para evitar” e agora encontramo-nos numa situação de mandar tropa e mais tropa para reprimir o talvez…irreprimível” (46).

Da mesma forma, enumera também uma série de problemas que dificultavam o esforço de contra-subversão, nomeadamente:

(i) a deficiente instrução das tropas e quadros;

(ii) o deficiente equipamento das unidades no terreno;

(iii) as faltas de pessoal e insuficiência de efectivos;

(iv) os problemas nos abastecimentos das unidades em material, munições, víveres e água;

(v) a falta de enquadramento e aproveitamento dos nativos em operações de segurança;

(vi) a falta de instalações adequadas para a instalação das forças terrestres;

(vii)  e o cansaço no seio da tropa no fim da comissão, que estava sempre ansiosa por acabar a comissão e voltar para a metrópole (47).

 Louro de Sousa reconhecia também que nem sempre as relações com o Governo local corriam bem e que havia falta de coordenação entre os meios de defesa civis e militares. O avanço permanente da guerrilha levava Louro de Sousa a admitir não saber quando seria possível normalizar a situação, pois a subversão estava longe de ser dominada e as forças militares, além de serem insuficientes, não estavam preparadas para uma luta eficaz contra a guerrilha (48).


O desagrado do Governo

Como é óbvio, esta exposição do Comandante-Chefe não agradou aos membros do Governo presentes na reunião. O Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, Silva Cunha, relata, mais tarde, nas suas memórias, que Louro de Sousa começou a sua intervenção por dizer que não sabia o que estava a fazer na Guiné e foi depois desfiando uma série de queixas “contra o clima, a deficiência de instalações, a não preparação das tropas, a falta de meios e a combatividade do inimigo”, o que levou o ministro da Defesa a chamar-lhe à atenção quanto à sua missão na Guiné e à obrigação que tinha de defender “as populações, garantido a integridade do território, combatendo o inimigo com energia e fé”.

Silva Cunha saiu da reunião convencido que Louro de Sousa seria substituído a curto prazo no comando militar da Guiné, o que na verdade só aconteceu em 1964 (49). No entanto, o próprio Silva Cunha reconhece que a situação militar na Guiné, em finais de 1963, era difícil para as tropas portuguesas, que se mantinham numa posição defensiva dentro dos quartéis, não havendo forças de intervenção que pudessem reagir às ofensivas do PAIGC (50). 

No mesmo sentido vai a opinião de Hélio Felgas [, foto à direita], que serviu na Guiné nessa altura, ao referir que “ao findar o ano o PAIGC actuava com um certo à-vontade em grande parte do sul da Província, considerando mesmo algumas regiões como estando já libertadas (uma delas era a ilha do Como)” (51). Felgas salienta ainda o forte apoio logístico que o PAIGC recebia a partir da Guiné-Conakry, quer por terra quer por ar. “A presença de helicópteros inimigos foi confirmada numerosas vezes. E a Conakry chegavam navios comunistas que transportavam armas e munições destinadas ao PAIGC” (52). Ambas as apreciações são um sinal claro de que a situação na Guiné era preocupante, em finais de 1963.

Na penúltima directiva operacional que emite, em finais de 1963, o próprio Louro de Sousa reconhece, mais uma vez, as dificuldades já expostas em Lisboa ao CSM [Conselho Superior Militar] e admite de novo que a guerrilha do PAIGC dominava o sector sul da Guiné, à excepção das áreas restritas de ocupação militar, ou seja, os quartéis das forças portuguesas.

De igual modo, reconhece que, com a excepção das tropas especiais, o moral das forças portuguesas é baixo e que existe um fraco espírito ofensivo aliado a uma deficiente instrução, que provoca o uso de tácticas inadequadas e atitudes estáticas perante o inimigo. Louro de Sousa refere ainda que uma boa parte dos órgãos de Comando não fazem um planeamento cuidado das operações e não lhes dão a devida continuidade lógica (53).

Análise final

Em conclusão, podemos ver pelo quadro 1 que o contingente militar estacionado na Guiné não parou de aumentar nos anos iniciais da guerra. Se analisarmos a evolução das forças portuguesas constatamos que, no início de 1961, o número de militares presentes na Guiné rondava os 1.200 homens, enquanto na passagem para 1963 este número ascendia já a 5.650 militares, ou seja, um aumento de mais de 400 por cento dos efectivos nesse teatro de operações. Porém, o número não parou de subir, tendo atingido, em Março de 1964, os 12.066 militares (54).






Todavia, apesar deste aumento substancial do número de tropas, a Guiné continuava longe de estar pacificada e as substituições de Vasco Rodrigues e de Louro de Sousa eram assim, neste contexto, inevitáveis. Louro de Sousa ainda tentou mostrar alguma iniciativa militar lançando, em Janeiro de 1964, a maior operação jamais levada a cabo na Guiné – a Operação Tridente, no arquipélago do Como. Porém, o seu destino já estava traçado pelo poder político em Lisboa. Em Maio de 1964, era substituído por Arnaldo Schulz, que passaria a exercer as funções de Governador e de Comandante-Chefe, concentrando em si a acção política e militar, como já tinha acontecido no tempo de Peixoto Correia (55).



O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional (ADN) o apoio dado a esta investigação.


 * Investigador independente em história militar,  tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial, principalmente na Guiné. É colaborador da revista Mais Alto da Força Aérea Portuguesa e tem publicado também o seu trabalho em revistas europeias, em França, Inglaterra e Itália.

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Notas do autor:


(38)  Relatório da visita à Guiné, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Lisboa, 27 de Maio de 1963, ADN/F2/92/306/4.


(39) Cunha, Silva, O Ultramar, a Nação e o 25 de Abril, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, pp.108-111.


(40)  Exposição feita pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné no CSM, 4 Setembro 1963, ADN/F2/92/306/4.


(41) Relatório da visita à Guiné, Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Lisboa, 27 de Maio de 1963, ADN/FG/SGDN Cx. 6862.5

(42) Ibidem.

(43) Ibidem.

(44)  Exposição feita pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas na Guiné no CSM, 4 Setembro 1963, ADN/F2/92/306/4.


(45) Ibidem.


(46) Ibidem.


(47) Ibidem.


(48) Ibidem.


(49) Cunha, op. cit., pp. 112-113.


(50) Cunha, op. cit., p. 111.


(51) Felgas, op. cit., p. 78.


(52) Felgas, op. cit., p. 79.


(53) Directiva n.º 7 do COMCHEFE Guiné, Bissau, 14 de Dezembro de 1963, ADN F2/58/319/1.


(54) Exposição da Situação Operacional na Província da Guiné (JAN 61/MAR 64), feita ao Curso de Altos Comandos, no IAEM, em 2 de Maio de 1964, Esquema nº. 13, ADN/F2/92/307/7.


(55) Verbete para o Gabinete do Ministro da Defesa Nacional com Portaria da Presidência do Conselho, 13 de Maio de 1964, F2/93/311/1.

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Nota do editor_


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