domingo, 14 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2178: Efemérides (6): 24 de Setembro de 1973... Quo Vadis, querida Guiné ? (António Rosinha / Leopoldo Amado)

Guiné-Bissau > Saltinho > Abril de 2006 > "Quo vadis, Guiné ? Para onde vais, minha pátria ?", parece perguntar este jovem, de bicicleta, parado na ponte sobre o Rio Corubal, no Saltinho...

Guiné-Bissau > Abril de 2006 > Canjambari > Restos de antigo aquartelamento das NT > "Em África a vida não se fez / Para os que nada fazem".

Guíné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Anúncio publicitário: Guinetel Rede Móvel: Aproximamos os guineenses"

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Peças do Museu Nacional de Etnologia

Guiné-Bissau > Mansoa > Abril de 2006 > As velhas profissões que subsistem, 33 anos depois da independência

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > O direito à esperança

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Bissau, a capital de um Estado que é um caso perdido ? Fazemos votos para que os/as guineenses não desistam de lutar pelo seu direito ao futuro...

Fotos: © Hugo Costa / Albano Costa (2006). Direitos reservados.


O nosso amigo António Rosinha, que foi Furriel Miliciano em Angola (1961) e, como civil, topógrafo da TECNIL (Guiné-Bissau, 1979/84) (1):

1. Mensagem do António Rosinha, a propósito de mais um aniversário da independência da Guiné-Bissau, no passado dia 24 de Setembro, e que no essencial nos vem dizer que a Guiné-Bissau, de hoje, já nada tem a ver com a Guiné do tempo da guerra do ultramar / guerra colonial / guerra de libertação (uma taxinomia que a RTP agora também usa, mas que paga direitos de autor: de facto, teremos sido nós, aqui, no blogue, a usar o trinómio, porque a guerra quando nasce é para todos, os que luta pela independência, os que são contra a guerra e a política colonial e, por fim, os que acreditam estar a defender a Pátria, que vai do Minho a Timor...):

Passou o aniversário da cerimónia da independência da Guiné na Madina do Boé (2), e a tertúlia não teve oportunidade de ter conhecimento das comemorações e dos respectivos discursos referentes à efeméride.

Será que não seria possível, com o relacionamento que já existe com os tertulianos guineenses, obter relatos da imprensa e da comunicação social local, como decorreu o dia e os respectivos discursos?

Esta seria uma maneira, tambem, de pressenstir uma realidade da terra e das pessoas que por mais anos que passem, nunca sairão do consciente e subconsciente durante a nossa existência.

Tenhamos em conta que a maioria de nós sabe que existiu uma terra, e umas gentes, mas que já pouco têm a ver com a Guiné actual.

Exceptuando, a paisagem, que pouco mudou.

Um abraço
António Rosinha

2. Reprodução, com a devida vénia, da crónica semanal do nosso querido amigo, o historiador Leopoldo Amado, na sua página Leopoldo: Diário (6 de Outubro de 2007)... É,. para todos nós, amigos e camaradas da Guiné mais uma prov(oc)ação... Será que a Guiné-Bissau está à beira de tornar-se um narco-Estado e, pior ainda, de ser um caso absolutamente perdido ? Evitamos, ao máximo, na nossa Tabanca Grande, imiscuirmo-nos nos assuntos internos dos nossos irmãos guineenses mas não podemos ficar indeferentes ao que se lá passa, desde a independência... Fazmeos figas, por outro lado, para que as nuvens negras que pairam sobre a Guiné-Bissau se dissipem... Que os nossos maigos guineenses têm direito à esperança e a ver cumprido o sonho de Amílcar Cabral

O FANTASMA DOS "LOST CASES"
por Leopoldo Amado

A actual noção de "Estados falhados”, na qual se inclui a Guiné-Bissau, não é nova. Porém, no contexto colonial e da guerra-fria, tanto as análises dos grandes centros de decisão mundial como a dos grandes centros de difusão massiva se limitavam a interpretar os problemas dos países periféricos como sendo “por procuração”.

Bem entendido, o conceito de “Estados falhados” era nessa altura inexistente, pois à escala mundial, afinava-se o diapasão dos problemas vários do planeta na perspectiva da dualidade que então comportava a partilha de influência geoestratégica entre os Estados Unidos de América e a ex-União Soviética, as duas únicas superpotências da altura em torno das quais gravitava tudo e o resto, mesmo as legítimas lutas de libertação como a nossa, ocorridas aqui e acolá, um pouco por todo o mundo.

Ora, de lá para cá é quase unânime a constatação de que os “Estados falhados”, a par do terrorismo e da proliferação de armamento de destruição maciça, são uma ameaça à paz mundial, se bem que, à semelhança do que acontece nas chamadas regiões periféricas do mundo, a situação geral da Guiné-Bissau não mudou muito, não obstante nas análises dos centros de decisão mundial e dos correspondentes centros de difusão massiva ser notório o facto de que a designação “por procuração” apenas ceder lugar ao epíteto “Estados falhado”.

Ora, esta mudança conceptual não correspondeu a uma hipotética melhoria do nível de vida nos países pobres, antes pelo contrário, é em si demonstrativo de que, para lá do mal que grassa nos países periféricos, com o seu cortejo de défices de gestão pública e de auto-capacidade de governação, existe igualmente, à escala planetária, algo de pernicioso no sistema mundial vigente, designadamente, nos termos de trocas comerciais e na redistribuição da riqueza, tudo isto, convenhamo-nos, apesar das ténues oportunidades que, no contexto capitalista, a globalização ainda assim oferece aos mais fracos.

Com efeito, e porque em termos de opções políticas e de política económica de nada valerá combater o capitalismo na presente conjuntura mundial, injustíssima que seja, é neste contexto que a Guiné-Bissau deverá apostar fortemente para tirar proveito das suas vantagens competitivas, que as possui, magras que sejam, à semelhança do que vem sendo feito com relativo êxito nalguns países com trajectórias históricas e políticas semelhantes.

Do mesmo modo, de nada serve também a opção política por panaceias como a que na Guiné-Bissau estabeleceu o primado do “puro fidjo di tchon [*]” sobre todas as premências, de resto, postura essa eivada de uma atroz visão retrógrada, aliás, a qual subjaz um pretenso discurso apologético de regresso às raízes genuinamente guineenses, mas que a todos os títulos se afigura também pernicioso, redutor, ilusório, para além de populista e altamente lesivo aos esforços de estabilização política, do estabelecimento de um Estado de Direito e do desenvolvimento.

Nesse sentido, parece ter alguma razão José Pacheco Pereira quando diz que “ (...) na Guiné-Bissau, nem vale a pena pensar, porque se tornou inabitável. É talvez a única parte do império que pensamos que perdeu as cores verde-rubras e voltou a dissolver-se no negro de África, na África não recomendável em que não entramos. Nunca pensamos Angola e Moçambique só como África, mas a Guiné é África de vez, ou seja, é-nos indiferente (…) [**]”.

Assim, parece pois poder concluir-se que não somos apenas um “Estado falhado” por força da transmudação que o conceito sofreu nas esferas de decisão mundiais ou porque nos rankings mundiais nos posicionamos na cauda de tudo ou quase tudo, mas certamente porque o quisemos deliberadamente, pois continuamos ingénuos a acreditar que podemos facilmente continuar a enganar os bailleurs de fonds a nos financiarem isto e aqueloutro, sem ao menos nos darmos ao trabalho de traçar as directrizes da internacionalização e do desenvolvimento no actual contexto, como se a corrupção e o narcotráfico possuíssem todas as virtualidades mágicas para resolver a panóplia de problemas próprios de uma sociedade desmembrada e em que vivemos paredes-meias com a intolerância e com o egotismo, em suma, um ambiente de autêntico salve-se quem puder.

Efectivamente, num momento em que as ténues possibilidades da globalização apresentam oportunidades únicas, sobretudo através da aposta em novas tecnologia de comunicação e informação, não se entende como é que o Estado da Guiné-Bissau logrou vender a sua ciber-identidade a uma empresa multinacional, ou seja, o seu domínio GW, podendo o mesmo dizer-se relativamente a um ou dois assentos importantes junto da CEDEAO alienados pelo Estado guineense em favor do Senegal (a troco de dinheiro, é evidente!), como se ao país faltassem cabeças pensantes para se compreender que muito do que se possa potenciar-se positivamente passa, neste era da globalização, por acertados posicionamentos político-diplomático no âmbito das relações internacionais, ou seja, pela maior ou menor capacidade de persuasão e de dissuasão no plano externo.


Sintomaticamente, há uns dois anos, a Revista Foreign Affairs e o Fund for Peace estabeleceram uma lista dos 60 países que, pelas suas características, se podiam considerar preencherem os critérios de “Estados falhados”. Curiosamente, nesta lista onde Moçambique e Angola se posicionam em 42º e 43º, respectivamente, a Guiné-Bissau simplesmente não consta. E não consta não por mérito próprio e nem por lapso, mas porque no conjunto da comunidade internacional desenha-se no horizonte uma forte tendência, senão para uma nova transmudação do conceito de “Estados falhados”, pelo menos para a criação de uma nova subcategoria denominada lost cases (casos perdidos), de resto, fantasma esse que, de algum tempo a esta parte, quer queiramos quer não, paira tristemente sobre a Guiné-Bissau e os guineenses.

Leopoldo Amado
(Crónica de Sábado)

Notas de L.A.:

[*] – Puro filho da terra, tradução não literal.

[**] – Cf. http://catacrese.blogspot.com/2006_06_01_archive.html

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Notas dos editores:

(1) Vd. post de 29 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1327: Blogoterapia (7): Furriel Miliciano em Angola, em 1961; topógrafo da TECNIL, em Bissau, em 1979 (António Rosinha)

(2) 1973 - Ainda sob administração portuguesa, a Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau, eleita em 1972, reúne-se em Madina do Boé, território libertado, proclamando a independência do país, a 24 de Septembro e elegendo Luís Cabral, meio-irmão de Amílcar Cabral, Presidente do Conselho de Estado.

Guiné 63/74 - P2177: Artistas guineenses (1): Augusto Trigo, nascido em 1938, em Bolama

do co-editor vb:
Com a vénia que é devida a Jorge Magalhães, reproduzimos uma pequena nota sobre um artista da Guiné. Para muitos de nós um desconhecido, Augusto Trigo retrata, a óleo e a aguarela, as gentes, os animais e as paisagens da sua terra.
__________

Etnias da Guiné. Quadro no Ministério do Comércio. Pintor: Augusto Trigo. Rui Fernandes foi o autor da foto, que a cedeu à AD (Pepito Schwartz). Com a vénia devida.

Augusto Trigo > Um caso de Talento

Augusto Fausto Rodrigues Trigo nasceu em Bolama (Guiné-Bissau), a 17 de Outubro de 1938. Aos 7 anos, devido à morte do pai num acidente de caça, ele e dois dos seus irmãos vieram para Portugal, ficando a mãe a residir na Guiné, com o filho mais novo.

Aluno da Casa Pia, não se destacou pelo aproveitamento nas disciplinas mais clássicas, mas suscitou a admiração dos professores ao fazer uma escultura em madeira representando as figuras do Presépio, que lhe valeu o 1º prémio num concurso organizado entre vários estabelecimentos de ensino.
Foi a partir daí que os mestres, adivinhando as suas aptidões artísticas, o encaminharam no rumo certo, transferindo-o para a Secção de Pina Manique, onde frequentou o curso de entalhador e escultor, sob a orientação do conceituado professor Martins Correia.

Em 1957, com 19 anos, saiu da Casa Pia, obtendo o primeiro emprego como pintor de publicidade. Mas, sempre insatisfeito, sonhando com os horizontes e as vivências da sua infância, não tardou a regressar à Guiné para rever a mãe e os irmãos, acabando por arranjar colocação como desenhador cartográfico.

Cedo, porém, deu provas de não estar grandemente talhado para essas funções demasiado técnicas. E ei-lo a aproveitar todos os momentos livres para pintar quadros a óleo e aguarela sobre temas da sua terra natal.


Painel que representa o Porto de Bissau. Em exposição na Casa do Estivador, junto ao Forte de Amura. Trabalho de Augusto Trigo. Autor da foto: Rui Fernandes. Imagem cedida à AD (Acção para o Desenvolvimento, Pepito Schwartz). Os nossos agradecimentos, com a devida vénia.

Em 1964, realizou a sua primeira exposição de Pintura, que lhe valeu a encomenda de uma série de pinturas e painéis por parte do governo dessa (na altura) província ultramarina portuguesa.


Painel de 1977. Autor: Augusto Trigo. Encontra-se na sala de reuniões do BCAO (Banco). Foto de Rui Fernandes, cedida à AD.

No ano seguinte, executou um painel de grandes dimensões para o novo edifício do Centro de Informação e Turismo, inaugurando-se aí a sua 2ª exposição de Pintura.


Luta felupe, de Augusto Trigo. Encontra-se numa parede de um ex restaurante/café em Varela. Foto de Rui Fernandes, cedida à AD.

Em Abril de 1966, realizou nova exposição, dessa feita no Palácio Foz, em Lisboa, que obteve grande êxito, chamando a atenção do público e da crítica para um talento emergente no cenário das artes plásticas portuguesas.

Repartindo a sua actividade especialmente pela Pintura, a Ilustração e a Escultura, Trigo foi também professor de Trabalhos Manuais e de Desenho. Além dessa prática docente, ilustrou livros didácticos para a 1ª e a 2ª classes.

Após a independência da Guiné, em 1975, foi convidado pelos novos governantes a dirigir o Departamento do Artesanato Nacional, estruturando o artesanato em moldes definitivos e recolhendo algumas peças valiosas do património do seu país.

Para o Banco Nacional da Guiné executou um quadro a óleo de grandes dimensões, que seria posteriormente reproduzido numa das faces da nota de mil pesos, emitida pelo novo governo.


Paisagem, de Augusto Trigo. Em exposição no hall do Banco (BCAO). Com a devida vénia ao Rui Fernandes (autor da foto) e à AD (que detém a imagem no site da AD.

Mas, em 1979, Augusto Trigo decidiu regressar definitivamente a Portugal, fixando residência com a família, também de origem guineense, numa localidade perto de Lisboa.

Foi então que optou por uma nova forma de expressão artística, retomando uma experiência iniciada aos 19 anos com uma história aos quadradinhos intitulada O Visitante Maldito, que assinalaria a sua estreia como autor de BD ao ser publicada em Fevereiro/Março de 1980 no Mundo de Aventuras.

A partir dessa data, graças a um intenso labor repartido por quase todas as revistas da especialidade existentes em Portugal, suplementos de jornais, livros didácticos, álbuns e outras publicações, o talento de Augusto Trigo impôs-se à admiração dos leitores, da crítica e dos seus pares, granjeando-lhe um lugar de relevo no panorama da BD portuguesa dos anos 80 e 90. Dotado de um preciosismo estético invulgar, na linha da grande tradição de BD Clássica - com especial relevo para os artistas que mais o influenciaram: Harold Foster, Eduardo Teixeira Coelho e Vitor Péon -, o estilo de Augusto Trigo pode definir-se como hiper-realista, assentando num intenso (quase mimético) poder de observação e numa concepção gráfica e narrativa que o aproxima de autores mais modernos como Hermann, Derib ou Blanc-Dumont, sobretudo nas histórias de ambiente "western".

Excelente desenhador naturalista, particularmente do reino animal, é nas criações de temática africana, como Kumalo - A Vingança do Elefante (onde Trigo segue o apelo das suas próprias raízes), que se espelham de forma mais evidente as qualidades que o distinguem como artista de Banda Desenhada - predestinadamente, o seu meio de expressão mais genuíno, síntese e confluência de todas as vocações anteriores.

Distinguido com vários prémios de prestígio, ao longo de 20 anos de carreira, Augusto Trigo continua a produzir BD, embora num ritmo mais moderado, colaborando regularmente, com histórias de índole humorística, nas selecções BD e no Clube Tio Pelicas, do Montepio Geral."

Texto de Jorge Magalhães

Vd. Mais trabalhos de Augusto Trigo

Guiné 63/74 - P2176: DocLisboa2007: As Duas Faces da Guerra e a trágica história de um poeta e contestatário, José Bação Leal (1942-1965)

O DocLisboa é um festival de cinema dedicado ao documentário. É, aliás, o único do género que se realiza no nosso país. Com este ano, vai já na 5ª edição. O ano passado terá sido a definitiva consagração do festival. As salas da Culturgest encheram-se de um público, fã do documentário, consciente da riqueza e diversidade que este género cinematográfico representa e do impacto e das potencialidades que
pode ter.

Os seus objectivos deste festival são, segundo a organização : (i) Mostrar ao público português filmes importantes e multi-premiados internacionalmente que ainda não chegaram às salas de Lisboa; (ii) Permitir uma reflexão mais aprofundada sobre temas contemporâneos e de actualidade; (iii) Dar a conhecer de forma mais sistemática a cinematografia de outros países; (iv) Organizar debates que mobilizem o público em torno de filmes importantes e de temas transversais, presentes em várias obras.

Com o DocLisboa 2007 vamos ter de novo o privilégio de conhecer, em primeira-mão, o melhor da que se faz hoje em matéria de produção de documentário, tanto a nível nacional como internacional: são onze dias de projecções de festival, de 18 a 28 de Outubro, em várias salas (Culturgest, Cinema São Jorge e Cinema Londres). O preço dos bilhetes varia entre 2,5 € e os 2 €.

O 5º Festival inclui, entre outras iniciativas (como debates, retrospectivas, masterclasses, oficinas de cinema, etc.), uma Competição Internacional e uma Competição Nacional (ambas para primeiras obras e longas e curtas metragens), e vai opermitir mais uma vez o encontro do público com os realizadores e profissionais (produtores, distribuidores, programadores,
jornalistas...) .

Enfim, será um fórum aberto de reflexão e discussão sobre o estado do mundo e a situação do documentário contemporâneo.

Para mais informação, vd. o sítio do DocLisboa2007, na Internet.

De entre as obras de temática africana (incluindo a guerra colonial e o período pós-independência), destaco os que vêm a seguir listados (a informação e as fotos são retiradas do programa oficial, com a devida vénia). Permito-me fazer uma especial chamada de atenção para: (i) Poeticamente exausto, verticalmente só - A história de José Bação Leal; e (ii) As duas faces da guerra.


19 OUT. 16.30 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
21 OUT. 16.00 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
Poeticamente exausto, verticalmente só [P]
A História de José Bação Leal , de Luísa Marinho
56´Portugal 2007

"Poeticamente Exausto, Verticalmente Só" é uma aproximação à vida e obra de José Bação Leal, morto em Moçambique durante a Guerra Colonial, com apenas 23 anos, e que viria a transformar-se no símbolo de uma juventude por cumprir. A sua personalidade fascinante e o seu espírito vanguardista marcaram para sempre as pessoas que lhe estavam mais próximas. Este documentário revela um poeta e pensador corajoso, injustamente desconhecido, que contestou a ditadura dentro da própria instituição militar. (1)

19 OUT. 23.00 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
22 OUT. 23.00 - CINEMA LONDRES (SALA 1)
As 2 Faces da Guerra [I] , de Diana Andringa e Flora Gomes
100´Portugal 2007

Diana Andringa, figura de referêcia do jornalismo televisivo português, e Flora Gomes, o mais importante cineasta guinenense (com presença regular em Cannes e Veneza), acordaram fazer um documentário a quatro mãos e duas vozes sobre a guerra colonial. Luta de libertação para uns, guerra de África para outros, o conflito que, entre 1963 e 1974, opôs o PAIGC às tropas portuguesas é descrito de maneira diferente nos livros de história dos dois países. Mas não são só estas as "duas faces" desta guerra. Para lá do conflito, houve sempre cumplicidades entre as duas partes: "Não fazemos a guerra contra o povo português, mas contra o colonialismo", disse Amílcar Cabral, e a verdade é que muitos portugueses estavam do lado do PAIGC. Não por acaso, foi na Guiné que ganhou forma o Movimento dos Capitães que levaria ao 25 de Abril. De novo duas faces: a guerra termina com uma dupla vitória, a independência da Guiné e a democracia para Portugal. É esta "aventura a dois" que o filme conta, pelas vozes dos que a viveram (2).

19 OUT. 14.15 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
23 OUT. 20.30 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
El ejido, La Loi du Profit [I] , de Jawad Rhalib
80´Bélgica 2006

O que acontece aos imigrantes africanos que arriscam a vida para a chegar à Europa atravessando o mar em "pateras" sobrelotadas? El Ejido é um dos primeiros lugares onde vêm parar. Para fazer o que? Trabalhar ilegalmente em estufas de agricultores espanhóis membros de uma associação ultra-legalistas cuja regra é não dar emprego a ilegais. Mas não é por preocupações humanitárias que os agricultores fogem a regra (arriscando a expulsão da associação) e dão trabalho aos imigrantes ilegais. A agricultura em estufas tornou-se uma mina de ouro e El Ejido tem a maior concentração de estufas agrícolas do mundo. Este filme, que denuncia claramente os abusos do princípio de lucro aqui instituído, revela também os meandros de um sistema que poderia ser considerado o novo trabalho escravo: formas de contratação, subserviência, condições de vida. Ao lado da fronteira portuguesa. Prémio Fespaco 2007.

19 OUT. 20.45 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
24 OUT. 18.00 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
Jean Paul [I] de Francesco Uboldi
8´Itália 2006

"Jean Paul" é a história terrível de um homem natural de Baloum, uma aldeia situada na região montanhosa dos Camarões. Vítima de uma doença mental e das superstições da aldeia, Jean Paul foi amarrado a uma árvore e ali abandonado pela sua própria família, sem comida nem água, para morrer.

19 OUT. 20.45 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
24 OUT. 18.00 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
The Devil Came on Horseback [I] , de Annie Sundberg e Ricki Stern, 85´EUA 2007

"The Devil Came on Horseback" dá conta da tragédia humanitária do Darfur através das fotografias e o testemunho de Brian Steidle, um antigo observador internacional destacado para o Sudão. Na sua condição de observador, este militar americano pôde visitar locais do país inacessíveis aos jornalistas e sentir na pele o drama das populações vítimas do conflito. Frustrado, Steidle demite-se e regressa aos EUA onde inicia uma campanha para dar a conhecer o que tinha visto, esperando assim poder contribuir para despertar atenção do mundo para o genocídio do Darfur. "The Devil Came on Horseback" é, além disso, um filme sobre a perda da inocência de Steidle que, a pouco e pouco, vai percebendo a profunda indiferença das instituições americanas (em que tinha tanta confiança) e da comunidade internacional face a esta enorme tragédia humana.


21 OUT. 18.30 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
22 OUT. 20.30 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
Adeus, até amanhã [P], de António Escudeiro
60´Portugal 2007

António Escudeiro nasceu, cresceu e trabalhou em Angola, até ao dia em que se viu forçado a vir embora, contra a sua vontade. Jurou voltar. Mas esse regresso a casa só se tornou realidade 32 anos depois. "Adeus, até Amanhã" é o documentário deste regresso onde se cruzam e confrontam dois universos visuais. As memórias do realizador e a Angola hoje. Há tempos diferentes, encontros e reencontros. Alguns nunca imaginados. Escudeiro percorre, durante 25 dias, a sua geografia angolana - Lobito, Huambo, Huíla. Para no fim ficar a saber melhor o que já sabia: que Angola é a sua terra, que África é o seu continente.


24 OUT. 21.00 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
21 OUT. 22.30 - CINEMA LONDRES (SALA 2)
Cuba, Une Odysée Africaine [I], de Jihan El Tahri
120´França/Reino Unido 2006

Entre 1961 e 1989, o continente africano foi um dos principais palcos da Guerra Fria. As nações africanas que tinham alcançado a independência, ou que lutavam ainda por ela, tiveram que enfrentar não apenas as antigas potências coloniais europeias, mas também as aspirações hegemónicas sobre o continente das duas super-potências: União Soviética e Estados Unidos. Integrando-se no bloco dos "não alinhados", os novos países africanos procuraram assumir o controlo dos seus próprios destinos e garantir a sua independência nacional através de alianças internacionais. Cuba teve um papel de liderança nesse processo, prestando auxílio aos jovens revolucionários africanos como Patrice Lumumba, Amílcar Cabral e Agostinho Neto. Da estadia frustrada de Che Guevara no Congo à batalha de Cuito Cuanavale, "Cuba, Une Odyssée Africaine" tenta compreender melhor a África contemporânea através da história destes internacionalistas que ganharam todas as batalhas, mas que acabaram por perder a guerra.

26 OUT. 23.00 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
Rostov-Luanda [SE]
de Abderrahmane Sissako
60´ Mauritânia 1997

Como muitos outros jovens africanos dos anos setenta e oitenta, o realizador Abderrahmane Sissako foi estudar para a União Soviética em 1980. Na escola de cinema de Rostov conheceu um jovem angolano, Alfonso Baribanga, antigo combatente na guerra de libertação daquele país que, para Sissako, era a encarnação perfeita do idealismo da geração saída dos vários processos de independência africanos. Dezassete anos mais tarde, tendo apenas uma velha fotografia como ponto de partida, Sissako reúne uma equipa de cinema e parte para Angola à procura do seu velho amigo. A viagem em busca do amigo transforma-se progressivamente numa reflexão sobre a derrota dos sonhos de mudar o continente que a geração do realizador partilhava no tempo em que conheceu Baribanga em Rostov.

26 OUT. 23.00 - CULTURGEST (GRANDE AUDITÓRIO)
Outras Frases [SE]
de Jorge António
52´Portugal/Angola 2003

Através da pesquisa e reinterpretação de elementos tradicionais, a coreógrafa e bailarina angolana Ana Clara Guerra Marques tem procurado, ao longo dos últimos vinte anos, criar novas estéticas e linguagens para o desenvolvimento de uma dança contemporânea angolana. Jorge António, que foi produtor executivo da Companhia de Dança Contemporânea de Angola entre 1995 e 1999, mostra-nos em "Outras Frases" o trabalho artístico e pedagógico da bailarina, tendo como pano de fundo a história política e social de Angola.

27 OUT. 16.15 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
Carnaval da Vitória [SE], de António Olé
40´Angola 1978


Filme etnográfico elaborado no primeiro Carnaval após a Independência, o documentário de António Ole, um dos mais importantes artistas plásticos angolanos da actualidade, concentra-se no grande número de trabalhadores que se dividem entre os seus locais de trabalho e os preparativos e ensaios que culminaram no grande dia da festa popular.

27 OUT. 16.15 - CULTURGEST (PEQUENO AUDITÓRIO)
Mopiopio, Sopro de Angola [SE] de Zézé Gamboa
55´Angola 1991

"Mopiopio" foi um dos primeiros filmes de Zézé Gamboa - o realizador de "O Herói", premiado no Festival de Sundance em 2005 - e é um retrato do quotidiano de Angola feito através da sua música.

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Notas de L.G.:

(1) José Bação Leal nasceu em Lisboa, em 1942, e morreu em Nampula, Moçambique, durante a Guerra Colonial com apenas 23 anos, tendo-se transfonrado no símbolo de uma juventude por cumprir.

Vítima de um Portugal que pôs em causa o seu próprio futuro numa guerra sem sentido, o jovem era um promissor escritor e pensador. A sua personalidade fascinante, o seu espírito livre e vanguardista são características que ficaram marcadas para sempre nas pessoas que lhe estavam mais próximas.

Em 1971, o escritor Urbano Tavares Rodrigues prefacia o livro póstumo do autor, editado pelos amigos e pelo pai, desta maneira [José Bação Leal, Poesias e Cartas, Porto, Tipografia Vale Formoso, 1971]:

Além de nos fazer conviver humana e esteticamente com quem teria porventura vindo a ser - não lhe houvessem truncado a vida a crueldade e a insânia que ele denuncia - um dos maiores escritores da língua portuguesa do nosso tempo, este livro fica para sempre, no seu valor testemunhal, como um marco histórico (resumindo a agonia e o martírio de tantos e tantos jovens absurdamente torcidos ou, como ele, quebrados, ao arrepio da história na sua natureza e nas suas opções), eis-nos pois, perante um extraordinário, um apaixonado documento de consciência, que por ser rigorosamente localizado, resulta ainda mais universal.

O documentário "Poeticamente Exausto, Verticalmente Só" propõe-se dar a conhecer a figura fascinante que foi José Bação Leal através dos lugares que percorreu, dos testemunhos dos seus amigos íntimos, das suas cartas e poemas, tendo sempre em conta a contextualização histórica em que o seu pensamento surge.

Fonte: Zed Filmes > Poeticamente exausto, verticalmente só


No blogue O Gin Tónico, pode ler-se o seguinte post de 22 de Julho de 2004 > José Bação Leal (2):

César: Vou ser punido, e consequentemente transferido. Espetei um murro no of. de transmissões, e o canalha (felizmente) queixou-se.

Total, de momento, o meu desinteresse por esta vida ou por outra. Mueda? Guiné? Ninguém me rouba a flor (vermelha!) dos lábios.
...

Ainda não saiu à ordem (não é assim que eles dizem?). Espero que saia em breve e forte. Não tenciono ceder mais. Aqui, não posso (NÃO DEVO) ficar.
César: inadiável o verão das acácias.


(«no trigo o gume do país, no povo a seara pura»)

25/5/65

(José Bação Leal in Poesias e Cartas)

Fonte: O Gin Tónico


(2) Vd. posts de:

8 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2165: As Duas Faces da Guerra, filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, no DocLisboa2007 (18-28 Outubro 2007)

9 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2170: As Duas Faces da Guerra: Espero ver alguns de vós na estreia do filme em Lisboa (Diana Andringa)

sábado, 13 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2175: Tabanca Grande (36): Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro (CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70)



1. Mensagem do nosso novo camarada, Albino Silva, com data de 10 de Outubro de 2007

Caros Camaradas:

Junto envio os dados que me pedem para o Blogue, que aliás conheço bem, pois todos os dias lhe faço uma visita.

Chamo-me Albino F. P. Silva e moro em Esposende.

Posto: ex-Soldado Maqueiro N.º Mec 01100467

Unidade a que pertenci: CCS/BCAÇ 2845

Prestei serviço na Guiné de 1968 a 1970 em Teixeira Pinto

Junto envio a minha foto como militar, aprumadinho que era, uma à civil e ainda o emblema do meu Batalhão.

Um grande abraço para vocês que têm sido incansáveis nas informações que nos transmitem no dia a dia, falando no nosso passado que já tem uma certa idade, mas que nos está na memória, com tendência a não mais esquecer.

Tenho mais fotos para enviar sempre que seja preciso, pois estou ao dispor.

É evidente que futuramente falarei do meu Batalhão e de tudo que tenho conhecimento, mesmo relacionado com outras Companhias, enquanto comandadas por este Batalhão.

Tenho um Livro que eu próprio editei e que tem o título História da Unidade BCAÇ 2845 e que tem sido vendido na Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra, em Braga. Nele conto as histórias passadas com todas as Companhias do Batalhão, mas tenho outras que não foram lá contadas.

Abraços
Albino Silva
Ex-Sold Maqueiro
CCS/BCAÇ 2845

2. Comentário de CV

Caro Albino Silva, bem-vindo à nossa Tabanca Grande, onde poderás contar as tuas histórias e mostrar as tuas fotos.

Aconselho-te a enviares directamente para nós a tua correspondência, endereço luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Não te preocupes com o estilo literário, pois na nossa Caserna convivemos e compreendemo-nos, independentemente da formação académica de cada um e do antigo posto militar que se teve.

O tratamento, por tu, institucionalizado pelo nosso Comandante Luís Graça, serve exactamente para aprofundar a camaradagem e a amizade entre antigos combatentes, que têm em comum as difíceis e incontáveis horas vividas na Guiné, aquando da nossa quase meninice.

Não posso deixar de transcrever um período da crónica escrita pelo grande mestre da literatura portuguesa, António Lobo Antunes, na Revista Visão de 4 de Outubro de 2007 e que poderás ver na íntegra no Post 2169 - De repente a certeza de ter voltado anos atrás e nós quase meninos, julgando-nos homens, nas Terras do Fim do Mundo, desamparados, a marcarmos cruzinhas nos calendários a cada dia que passava.

Para ti novo amigo
Um abraço da Tertúlia
Carlos Vinhal

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2174: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (5): Aquela Terceira Semana Prodigiosa de Setembro


Capa do romance policial de Agatha Christie, O assassinato de Roger Ackroyd. Lisboa: Livro so Brasil. s/d. (Colecção Vampiro). Capa de Cândido Costa Pinto.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

Texto enviado, em 21 de Agosto último, pelo Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70).

Luís, aqui vai o quinto episódio. Prometo que o sexto seguirá até sexta feira. Julgo-te em férias, mais do que merecidas. Farei também uma semana de férias, até 3 de Setembro. Não te esqueças do meu pedido quanto ao Coronel Coutinho e Lima, o último comandante de Guileje. Um abraço do Mário.


Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (5): Aquela Terceira Semana Prodigiosa de Setembro


Ligeiro foguetório sobre Finete e Missirá


Tudo começou a 20 de Setembro de 1969,quando pelas 18h30, mal tínhamos chegado a Missirá, Finete foi flagelada durante uma hora. Não foi um ataque devastador, do alto dos abrigos e nas vigias dos sentinelas cedo se percebeu que era um tiroteio proveniente de um grupo pouco numeroso, vieram armados de morteiros e rockets, mas era um fogo intermitente, pausado e bastante económico, como se viessem só para cansar ou intimidar pelo factor surpresa daquele pânico repentino e não pelo caudal tumultuoso, avassalador da metralha.

Houve tempo para pedir a Bambadinca que fizesse fogo de morteiro sobre Malandim, notificando igualmente o Xime para estar atento, pois talvez viesse a ser necessário mais tarde foguear Chicri, infernizando-os na retirada para Madina. Feitos estes contactos, preparou-se uma coluna de auxílio a Finete que chegou a Canturé, já há muito cessara o fogo. Após uma caminhada prudente, encontrámos Finete moralizada, resistira bem com as suas Mauser, G3, dilagramas e o recém-chegado morteiro 60. Só destoara um ferido ligeiro e uma morança danificada. Para quem, como eu, vivia o espectro de um ataque intimidatório e brutal, susceptível de neutralizar por largos meses o destacamento onde íamos buscar os meios humanos para patrulhar Mato de Cão, o que acontecera era tranquilizador, o menor mal possível.

Mas não se confiava nestes pequenos surtos de fogo, a que Madina parecia querer habituar-nos. A 24 de Setembro de 1969, regressados igualmente ao anoitecer de Mato de Cão, a gente de Madina, de novo a partir das estrada de Cancumba, lançou um curto ataque com rockets que esvoaçaram sobre o quartel enquanto um punhado de atiradores metralhavam a porta de armas e três abrigos. Um morteiro flagelou meia dúzia de vezes o interior de Missirá, felizmente nas hortas e outros locais não habitados. Eu estava entregue aos cuidados do alfaiate Malâ Mané, um dos homens mais sorridentes que conheci, era um riso largo com dentes de ouro e óculos à Stevie Wonder e que veio de escantilhão atrás de mim, até sossegar dentro de uma vala, deixando-me entregue aos afazeres da resposta.



Amigos turras em Missirá ?


Foram escassos dez minutos em que a resistência firme, sobretudo dos morteiros e das bazucas, cortou cerce a intenção da gente de Madina em aterrorizar também com aquele fogo esparso e cadenciado, à semelhança do que fizera em Finete. Na manhã seguinte, verificámos com apreensão que o inimigo retirara a corta-mato, fugindo aos trilhos normais, que estavam armadilhados. Nessa manhã, alguns soldados diziam em voz alta:
-Estes gajos estão informados das picadas por onde não podem andar, têm amigos turras em Missirá.

Sempre procurei desqualificar este tipo de crítica, hoje sei que havia fundamento acerca da passagem de informações para a gente de Madina, a partir de Missirá e Finete. Não se devem esquecer os laços de sangue: havia mandingas de Missirá em Madina, balantas de Finete em todo o Oio.


As reivindicações dos caçadores nativos do pelotão


Depois da curta flagelação, recolhidas as amostras do fogo inimigo e verificada a inexistência de estragos, recolhemos aos leitos para sair pelas cinco e meia da manhã, pois havia patrulha de reconhecimento e pelas dez partiríamos para Mato de Cão. Exactamente quando saio ao alvorecer do abrigo para ir tomar uma chávena de café, descubro que tenho o pelotão formado em U à porta, impecavelmente indumentados, boina castanha na cabeça. O Domingos Silva apresenta o pelotão, limito-me a mandar descansar e regresso ao abrigo para me fardar a rigor. Regressado, igualmente de G3 no braço, pergunto ao que vêm. Noto que não estão presentes os furriéis nem os cabos brancos. É o mesmo Domingos quem vai ser o porta-voz: o Pel Caç Nat 52 está em Missirá desde 1967, tem vivido os patrulhamentos diários a Mato de Cão, ajudou a refazer o quartel, tem colaborado nas obras de Finete, consideram todos que chegou o momento de serem transferidos, merecem um pouco de repouso, vêm por este meio expressar ao seu excelentíssimo comandante os protestos da mais elevada consideração, não estão revoltados, sentem-se bem tratados mas acham que chegou a hora da mudança, o excelentíssimo alfero que providencie junto de Bambadinca para que haja uma transferência, tão depressa quanto possível, estamos cansados, este clima arrasa, o nosso inesquecível comandante é um exemplo de trabalho, parece que nasceu em África, é o pai de todos nós, queremos que ele parta connosco.

É uma longa oração, o Domingos está num momento feliz da oratória, não se ouve uma mosca, o meu olhar vagueia por todos estes semblantes rígidos, agora o meu olhar paira sobra as copas dos bissilões, desce como se pudesse ver Canturé, o coração aperta-se, é o pronuncio da despedida, começo a enfrentar o luto por essa Missirá inesquecível e profundamente amada. Com os olhos humedecidos, mas sem vacilar na voz, respondo-lhes que percebo o sentido da transferência e comunico que hoje mesmo procurarei expor em Bambadinca o que me acaba de ser pedido. O que se segue, deixa-os estupefactos. Digo-lhes que compreendo que tem havido muita canseira em Missirá mas que em Bambadinca nunca mais seremos esta família: ali trabalharemos em secções, andaremos a reboque de uma escala de serviços e de múltiplas necessidades, é mentira que descansaremos mais, não haverá Mato de Cão todos os dias, nem os reforços, nem as colunas de reabastecimento nem as obras, mas haverá colunas a qualquer hora, oiço o protesto dos camaradas que fazem emboscadas à volta de Bambadinca, eles devem falar com os camaradas de Bambadinca como eu faço. Garanto-lhes que tudo farei para que haja esta transferência, mas vou por arrasto, aqui ainda sinto dignidade, lá andaremos aos baldões da sorte a cumprir a escala de serviço e as necessidades operacionais, seremos uma serventia, cumpriremos as ordens dos outros. Vou com vocês, deixo o meu coração aqui.

Feito o reconhecimento, partimos para Mato de Cão, os batelões vieram à hora, avançámos para o quartel de Bambadinca, o Pires, o Teixeira e o Benjamim irradiaram para as sua missões, eu fui procurar o Comandante Corte Real.


Uma conversa extraordinária com todo o comando reunido


Jovelino Corte Real recebeu-me com deferência mas cedo observei que o olhar era gelado. E transmitiu-me as suas preocupações: era facto que Missirá e Finete estavam a sofrer pequenas flagelações, mas ele e o Major de operações estimavam que o inimigo circulava à rédea solta, parecia que tínhamos perdido a mentalidade ofensiva e queriam saber porquê.

Com o rosto afogueado pela torpeza da insinuação, pedi licença para responder na presença do Major de operações. Para minha surpresa, entrou igualmente o segundo comandante, o Major Cunha Ribeiro, presumo que acidentalmente. Aclarei a voz, procurando repor a verdade dos factos e sem me enervar: qualquer inimigo tinha, nas circunstâncias actuais, capacidade para pequenas, médias e grandes flagelações, ele estava informado dos nossos patrulhamentos diários, na época das chuvas há sempre mais gente doente, era do conhecimento do novo comando que Missirá ficara num escombro em meados de Março, era hoje de novo um destacamento graças aos soldados e à população civil, mesmo com algum apoio de Bambadinca e da engenharia de Brá. Quando chegara a Missirá, encontrara quase dois pelotões. Hoje tinha um pelotão e uma secção. Se o novo comando entendia que houvera perda de mentalidade ofensiva, em nome dos meus soldados pedia formalmente que fôssemos transferidos prontamente. Aliás, aproveitava para transmitir o pedido dos caçadores nativos que se encontram em Missirá há mais de dois anos e meio.

Na réplica, o Comandante suavizou o nível das críticas e prometeu reapreciar a situação nos próximos dias. Furioso com a injustiça da insinuação, virei as costas e desci apressadamente a rampa de Bambadinca, com a fome no corpo e na alma. E só depois de duas bifanas no Zé Maria é que ganhei coragem de me lançar na bolanha ainda enlameada, sem gozar a magnitude do palmar à distância.


Uma primeira conversa esotérica com o padre Lânsana Soncó



Anoitece quando empunhando o meu caderninho preto onde consta a palavra Soncó que tem lugar a minha apalavrada reunião com o Padre Lânsana, meu vizinho e admirado sábio. Estamos acompanhados pelo Benjamim e, sempre que necessário, Cherno traduz directamente para mandinga. Peço primeiro a Lânsana que fale sobra a duração da época das chuvas. Ele beberricara chá de erva cidreira e comera pãezinhos quentes preparados pelo Jobo, servindo-se generosamente de talhadas de marmelada. Respondeu dizendo que a época das chuvas vai desde o princípio de Março até finais de Outubro, mês em que normalmente já chove pouco. Recordou que é uma época com ondas de calor sufocante, grande trovoadas no princípio e no fim, redemoinhos que começam por ser manchas pretas que começam nas bolanhas e se transformam em colunas de ar destruindo tudo à sua passagem.

Perguntei-lhe depois quais as culturas desta época. Com gestos serenos, as suas mãos mascarradas pela tinta com que desenha elegantes caracteres árabes, ele que tem uma pose de Fu Manchu, fala do cultivo do milho preto e basil, da mandioca, do arroz e da batata doce. Observo que sobre a cultura de arroz tinha estado a conversar com o chefe da tabanca de Finete, N’cuia, um gentil balanta que me aturava estes interrogatórios. Afinal, muitas destas questões eram cuidadosamente versadas em livros publicados pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa.

Perguntei-lhe à queima roupa se Missirá sempre existira com esta nome, ao qual ele respondeu:
-Só a partir do pai de Malã é que Mansacunda é que passou a chamar-se Missirá, em homenagem ao lugar santo.

Avancei depois para a questão delicada da lealdade dos Soncó e dos Mané à bandeira portuguesa. Como se estivesse a filosofar olhando para um ponto fixo, o padre lembrou que em todas as culturas há ressentimentos, traições, mudanças de opinião. Toda a gente sabia que Seco Soncó, um irmão de Malã que vivia em Canturé, nunca aceitara a escolha de Malã para régulo com o patrocínio das autoridades portuguesas, tinha logo apoiado o PAIGC desde o início da luta armada. E foi exactamente quando eu me preparava para fazer perguntas sobre a época seca que Umaru pedi licença para pôr a mesa, dez militares esperavam à porta da messe que acabassse aquela conversa esotérica. Lãnsana prometeu continuar a dar-me todos os esclarecimentos necessários.

Leituras: de Simenon a Agatha Christie

A casa do canal, de Georges Simenon não é um policial mas é um denso romance psicológico onde não vai faltar um homicídio. Uma jovem de dezasseis anos parte de Bruxelas para ir viver com familiares em terras flamengas, em Neroeteren. Ela chama-se Edmée, é cosmopolita e nunca se sentirá bem em meio rural, vendo os barcos passar entre comportas, no meio de tios e primos que chapinham passos na lama.

Para quem duvide que Simenon seja um grande escritor, este livro dissipará todas as dúvidas, tal a capacidade dos registos humanos, o poder descritivo perfeitamente controlado, os diálogos enxutos, a riqueza de pormenores da Bélgica profunda: os objectos domésticos, as conversas à mesa, o vestuário, a contenção dos sentimentos, o patinar na neve, o ciclo das estações. Edmée é assediada pelo primo primogénito, indiferente à paixão que desencadeara noutro primo que a irá assassinar, brutalizado pela perda. Leitura magnífica e não paro de acariciar a linda capa de Bernardo Marques, um modernista que soube elevar o design gráfico à categoria de grande arte.



Capa do romance de Georges Simenon, A Casa do Canal. Lisboa: Livros do Brasil. s/d.. Capa de Bernardo Marques.

Foto: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.


Soube-me bem reler O assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie. Para quem está esquecido, este romance dos anos trinta continua a ser uma singularidade nos anos sessenta: é o assassino que veste a pele de narrador, o Dr. Sheppard, médico de King’s Abbot, uma aldeola da Inglaterra rural. O romance deu controvérsia na época, a criadora de Hercule Poirot foi acusada de excesso e quebra de regras ao inviabilizar que o leitor pudesse participar na decifração do enigma. O que é importante é a textura com que a grande senhora do crime promove os inquéritos de Poirot, acolitado pelo próprio homicida e pela sua irmã bisbilhoteira. Uma obra prima absoluta, além do mais com uma bela capa do Cândido da Costa Pinto.


Estão a chegar alguns dias trágicos, para mim e para Missirá. Vem aí o colapso nervoso do [Furriel] Luís Casanova, que me vai deixar ainda mais sozinho; o correio de Lisboa faz-me descer às profundezas do inferno, há cóleras que se destilam em tinta, diferentes juizes e juízas que proferem sentenças de acusação, o possível casamento com a Cristina é censurado em coro; Missirá será de novo flagelada e depois, em meados de Novembro, por íncúria minha, deflagrará uma poderosa mina anti-carro em Canturé, agravando o moral das tropas.

Estamos numa época em que as chuvas são inclementes, os atoleiros das viaturas uma prática corrente, os soldados cada vez mais exaustos e a acreditar que a transferência [para Bambadinca] ia melhorar as coisas. É um tempo de prodígios, e Deus voltou a manifestar a Sua infinita misericórdia comigo. É um tempo em que se perderam vidas e em que julguei que Cherno Suane, o mais devotado dos amigos, ia morrer. Falemos então desse tempo.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior desta série > 5 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2154: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (4): Cartas de Missirá, Setembro de 1969

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2173: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (4): O capitão de 2ª linha Abna Na Onça, régulo de Porto Gole

Guiné > Zona Leste > Cuor > Missirá > 1966 >Alguns elementos do Pel Caç Nat 54 e da CCaç 1439 (sedeada em Enxalé), após o ataque ao destacamento de Missirá de 22 de Dezembro de 1966 (1).

Foto: © Henrique Matos (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem do Beja Santos, enviada a 23 de Julho último ao Henrique Matos, com conhecimento aos editores do blogue:

Assunto: Surpresa para o Queta: o Queta responde! (2)

Querido 1º Comandante, o Queta sentou-se diante do computador, surgiu a imagem, ele ficou especado, o silêncio era de cortar à faca,depois, com a calma do costume, deu a sua opinião. Trata-se do régulo do Enxalé, o Capitão Abna Na Onça ( escrever-se-á assim?).

Seria Capitão da Polícia Móvel, morreu em 1967, no destacamento de Bissá (entre Porto Gole e Mansoa), uma roquetada que matou 7 dentro de uma cubata. Por favor, responde.

Hoje, trabalhei com o Queta as nossas memórias de Finete e os meses de Novembro e Dezembro de 1969, em Bambadinca. Não foi um período muito feliz, o 52 passou a ser um carro-vassoura, as emboscadas à volta da pista de aviação deram-me cabo do sistema nervoso. Um abraço do Mário

2. Resposta do Henrique Matos, no mesmo dia:

Assunto - Resposta ao Queta

Caríssimo:

Não há dúvidas que a memória do Queta está em ordem. Trata-se realmente do Capitão de 2ª linha Abna Na Onça, que era régulo de Porto Gole (não do Enxalé) e comandava a Polícia Administrativa, um grupo de pouco mais de 20 elementos que tinha uma farda esverdeada e estava armada com Mauser. Era um homem muito respeitado, não me esqueço que os soldados do 52 o tratavam por pai.

Morreu em Bissá (ele e muitos outros), um chão balanta dominado pelo IN, onde alguém se lembrou de montar um destacamento sem o mínimo de condições (3).

O Cap Mil Pires, um operacional de excepção, que comandou a 1439 (do Zagalo) no Enxalé e que infelizmente já não está entre nós, disse quando o major de operações de Bambadinca falou em abrir aquele destacamento:
- Bissá vai ser um inferno.
Ele sabia o que dizia.

Não sei se um dia vamos ter de falar sobre as asneiras que se fizeram, só porque um senhor sentado num gabinete com todas as mordomias tinha uma ideia e não conhecia minimamente o que passava no terreno. Isto saiu assim de rajada só para te responder ainda hoje.

Um grande abraço, Henrique

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Notas dos editores:

(1) Vd. posts anteriores:

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2105: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (1): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte I)

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2107: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (Henrique Matos) (2): Ataque a Missirá em 22 de Dezembro de 1966 (Parte II)

6 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2158: Recordações do 1º Comandante do Pel Caç Nat 52 (3): O famigerado granadero do Enxalé, da CCAÇ 1439 (1965/67)


(2) Vd. posts de:

30 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1329: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (22): A memória de elefante do 126, o Queta Baldé

20 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2063: Álbum das Glórias (24): O pretoguês Queta Baldé, uma memória de elefante e um grandecíssimo camarada (Beja Santos)


(3) Vd. post de 1 Maio de 2005 > Guiné 69/71 - X: Memórias de Fá, Xime, Enxalé, Porto Gole, Bissá, Mansoa (Abel Rei)

(...) Em 15 de Abril de 1967,, as NT sofrem um duro revés em Porto Gale… 7 mortos:

Dia trágico, este, para quantos se encontravam no 'Inferno' de Bissá!

Em Porto Gole, estando de serviço à meia-noite, ouvi fortes rebentamentos, e enormes clarões, lá para as bandas de Bissá. Contudo não pude averiguar ao certo o local, onde durante mais de uma hora [houve] constante tiroteio (...). Procurámos entrar em contacto pela via rádio, mas eles não deram sinal, pelo que deduzimos ser alguma operação apoiada com os obuses de Mansoa, como muitas vezes estamos habituados (...).

De manhã, e como estava previsto, saíram os homens, que na véspera tinham chegado, mais alguns deste destacamento, cuja missão era levar para Bissá um abastecimento de alimentos e munições (...).

Partiram às seis e às sete chegaram cá civis para nos informarem de que Bissá tinha sido atacado e havia feridos a necessitarem de ser evacuados de helicóptero, pois o rádio deles estava avariado desde o princípio e não podia dar comunicação para nós, e o nosso, naquele momento para cúmulo do azar, também não obteve ligação com o Comando em Enxalé, tendo de ir pessoal em duas viaturas até lá levar a mensagem, demorando portanto, o socorro.

Por volta do meio-dia e picos, chegou o primeiro helicóptero, e para espanto nosso, com mortos e não feridos, como supúnhamos! Depois mais três aterragens: foram sete mortos no total, todos africanos.

Houve mais cinco feridos, sendo quatro nativos do Pelotão da Polícia Administrativa, e um branco da nossa companhia, que foi evacuado para Bissau.

Mas aconteceu o que não esperávamos, e eu confesso: apesar de estar cá há pouco tempo, vieram-me as lágrimas aos olhos. Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres que, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco chegado do rio...


Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis homens nativos, todos pertencentes à Polícia Administrativa e todos eles com as famílias cá na Tabanca em Porto Gole. Morria o homem, em quem se tinham fortes esperanças, para acabar com a guerrilha inimiga na zona, o capitão Abna Na Onça, por ser corajoso e respeitado por negros e brancos. Um homem que desde o início da guerra vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família (...).

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2172: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/69) (Idálio Reis) (11): Em Buba e depois no Gabu, fomos gente feliz... sem lágrimas (Fim)



Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > Depois do abandono de Gandembel/Balana em 28 de Janeiro de 1969...

Em Buba, [, Região de Quínara,] durante os 3 meses de permanência [de 8 de Fevereiro a 14 de Maio de 1969], tomámos parte das forças de segurança na construção da nova estrada [Buba - Aldeia Formosa].

Foto 603 > Um camião-zorra para transporte das máquinas serviam de poiso ao pessoal apto para qualquer contrariedade.




Foto 601 > Um elevado número de nativos limpavam as bermas, com o uso de catanas.




Foto 602 > E dois tractores de rodas com bulldozer regularizavam os terrenos da faixa de implantação da estrada.





Foto 604 > Uma vista de Samba-Sabáli, uma antiga tabanca abandonada, que servia de posto avançado e permanente na segurança



Foto 605 > Aqui, já a estrada tinha sido beneficiada de uma primeira camada. Este morteiro fazia parte de uma segurança de rectaguarda.




Foto 606 > Todos os dias se deslocava um T-6. Esta aeronave aterrou coxa, e o seu piloto pode considerar-se um homem feliz, pois as bombas que se postavam sob o bojo, não rebentaram.




Foto 607 > E as minas anti-pessoais pareciam continuar em nossa perseguição...


Fotos (e legendas): © Idálio Reis (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Assunto > A Companhia continuaria no Sul, bem próximo de Gandembel/Ponte Balana. Buba, a necessitar de grandes efectivos, foi o nosso destino, a perdurar até 14 de Maio de 1969. E finalmente o sossego de Nova Lamego, até ao regresso definitivo.




XI (e última) parte da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69)


(1).Texto enviado em 28 de Fevereiro de 2007.

Caros Luís e demais companheiros da Tertúlia.

Chegados a Aldeia Formosa [actualmente, Quebo], foi-nos propiciado uns dias de descanso. Pela forma afectuosa como fomos recebidos, foram dias de expurgo, e também de recuperação. Também o da fuga à solidão, o do reencontro com nós mesmos, e estes poucos dias, de um maior convívio e solidariedade, soube-nos particularmente bem.


Segurança à construção da estrada Buba-Aldeia Formosa


Havia uma fundamentada esperança que a Companhia iria ser colocada num local de maior sossego, mas o que é verdade, é que a 8 de Fevereiro, parte-se para Buba.

E o objectivo estava definido, que era o de manter segurança aos trabalhos relacionados com a pavimentação da estrada de ligação entre estes 2 aquartelamentos [Buba - Aldeia Formosa].

E a execução desta empreitada, antevia-se desde logo, bastante complexa, pois que requereria grandes efectivos militares, a fim de manterem a necessária segurança às máquinas operadoras.

E os locais de implantação da estrada, vinham sendo fortemente fustigados por uma actuação empenhada e sistemática do PAIGC, que intentava contrariar, de todo, a realização dessa infra-estrutura rodoviária.

O bastião de Salancaur, como local de refúgio dos guerrilheiros do PAIGC, não era distante, e as suas acções de armadilhamento e de contacto directo com as NT, apareciam com bastante frequência, o que demonstrava uma forte obstinação tendente à sua não concretização. E agora, despreocupados de Gandembel, até podiam agir com maior poderio.


Buba: Sede do COP 4, sob comando do saudoso major Carlos Fabião


Buba era um pequeno agregado de população indígena, com uma larga rua de permeio, como que a ligar a pista de aviação com o rio Grande de Buba.

Os edifícios militares estavam na parte mais baixa, juntos ao rio. As instalações eram substancialmente melhores que as deixadas atrás, com pavilhões prefabricados a servirem de casernas, e onde todos os militares tinham direito a uma cama com colchão. Também a qualidade da alimentação, em nada se comparava com a que nos fora ofertada noutros tempos.

Estava sedeada em Buba um grande efectivo militar, onde se incluía uma das Companhias de Comandos, salvo erro a 15ª CCmds, para além da Companhia que aí estava há mais tempo — a CCAÇ 2382 —, a que se viriam juntar a minha e a CCAÇ 2381.

Todo este efectivo militar, estava sob o comando do saudoso major Carlos Fabião (2), que detinha o COP 4.

E durante estes 3 meses de permanência [de finais de Janeiro a Maio de 1969], a nossa acção incidiu na segurança da estrada, com as tropas a permanecerem em Buba, com excepção de algum tempo (cerca de 2 semanas) em que cada grupo de combate se deslocou por Nhala e Samba Sabáli.



De novo as minas e as emboscadas, mas sem consequências para a malta da companhia


Estivemos, por 3 vezes, directamente envolvidos com o inimigo, em forma de emboscadas, mas as consequências dos confrontos não foram graves. Recordo que num ataque a Samba Sabáli (uma das tabancas abandonadas, e que foquei atrás, quando me referi a essa data de 15 de Maio) haver 2 feridos, um dos quais com uma certa gravidade e que viria a ser evacuado para Lisboa.

Os patrulhamentos tinham a sua origem em Buba, faziam-se incidir essencialmente nas imediações da frente dos trabalhos da estrada, e eram realizados ao princípio da noite ou então antes do alvorecer. Desenvolviam-se a nível de Companhia, portanto com quantitativos considerados suficientes.

No que se relacionou com os trabalhos, era desenvolvido um grau de segurança da estrada, de cada lado da mesma, com um algum afastamento do seu eixo. Nestas andanças deste tipo, o meu grupo, foi apanhado mais uma vez por um enxame de abelhas, que se encontrava num carcomido tronco de uma velha árvore. Alguns foram picados por várias vezes, onde me incluí, e que o inchaço nos desfigurou durante um certo tempo.

Todos os dias, na deslocação para a frente dos trabalhos, havia que proceder à picagem da velha estrada. Num dessas vezes, levantámos 38 minas anti-pessoais.


Os cataneiros chegaram a recusar a ida para a mata


As máquinas, montadas as seguranças, começavam então a funcionar. A limpeza de uma larga berma era levada a efeito por um grande grupo de nativos não autóctones, cujos utensílios eram as catanas.

Estes grupos de cataneiros eram em geral bastante sacrificados, pois as armadilhas e as minas anti-pessoais eram sempre em grande número, e era raro o dia, que não houvesse feridos muito graves. Até que chegou um dia, que recusaram a ida para a mata.

Os ataques ao aquartelamento de Buba faziam-se com alguma frequência. E os abrigos eram apenas umas valas abertas para esse fim. Recordo, num desses ataques, a morte de um soldado da Companhia residente, que quando fugia para se refugiar nos abrigos, foi apanhado por um rocket, que o estropia muito marcadamente.

Das contrariedades provocadas aos cataneiros, assim como dos ataques perpetrados ao aquartelamento, Carlos Fabião considera que alguém da tabanca presta informações para o exterior. Era quase certo que no dia em que a tropa não se empenhasse nos patrulhamentos, que o PAIGC ousava enfrentar mais próximo do aquartelamento.


Spínola expulsa toda a população civil de Buba, acusada de traição


Este recado chega a Spínola que num certo dia chega a Buba, reúne a população para que fosse reconhecido os que transmitiam informações ao PAIGC. Perante o mutismo desta gente, Spínola considera-a traidora e, no dia seguinte, 2 LDG encostam a Buba, e toda a população é coagida a abandonar as suas casas. O destino que tomaram, não o sei, mas disse-se então que foram para o arquipélago dos Bijagós.

Mau grado esta afronta, a situação que se começou a viver em Buba, pareceu melhorar.


A recuperação da nossa auto-estima e a ida para o Gabu


Não se pode afirmar que a Companhia, durante este tempo de permanência em Buba, conheceu um clima de paz e serenidade. Havia por aqueles sítios, uma outra faceta da guerra, bem distinta da vivida em Gandembel, e que, em abono da verdade, não foi demasiado provocante, fundamentalmente porque já éramos gente mais crescida, só porque nos era fornecido o essencial: comida bastante e uma cama decente. Quanto foi importante a conquista desta emancipação!

Julgo, inclusive, que a Companhia recuperou muito a sua auto-estima, e algumas energias mais abaladas, iam-se revigorando.

De todo o modo, o dia 14 de Maio, com partida aérea para Nova Lamego, onde sempre permaneceu a CCS do Batalhão a que pertencíamos (o BCAÇ 2835) [então sob o comando do tenente-coronel Pimentel Bastos, o Pimbas] (3), representou para esta plêiade de homens sacrificados, o fim definitivo das hostilidades.

Por lá nos quedámos até ao fim da comissão, melhorando infra-estruturas no aquartelamento, fazendo pequenos patrulhamentos, mas nunca mais ouvimos o mínimo silvar de uma bala inimiga.

Aqui, encontrámos serenidade, e tornámo-nos outros, perdemos timidezas e inibições, ainda que sempre conscientes e previdentes. E também um certo bem-estar, um lenitivo fundamental para o encontro das estabilidades, da emocional à física, e que durante tanto tempo se tinham arredado de vez, inclementemente.

E aqui, fomos gente feliz, sem lágrimas! (4) ... E sobre os momentos de dor e de sofrimento, a CCAÇ 2317 nada mais tem a narrar. E porque considera que a guerra com que se confrontou, termina em Nova Lamego, também finda aqui a sua história.

E só me resta acrescentar, o quanto custou a esta Companhia, em termos humanos, o nosso sacrifício. Da frieza dos números, que agora aponto, talvez um dia me debruce com uma leitura mais atenta.

A Companhia sai para a Guiné, com 158 homens: 5 oficiais, 17 sargentos, 35 cabos e 101 soldados. A bordo do Uíge, a 10 de Dezembro de 1969, sob o comando de um único oficial (este escriba), chegam à unidade mobilizadora, o RI 15 de Tomar, 121 militares, com 11 sargentos, 29 cabos e 80 soldados; ficaram na Guiné, para a entrega do material, 1 alferes e 3 sargentos.

Há as perdas: 9 mortos (1 alferes, 1 furriel e 7 soldados), 18 evacuados para Lisboa (7 feridos graves, 5 por doença e 6 feridos menos graves), e 4 não regressam por mudança de Companhia. Há ainda 2 elementos, que saem antecipadamente: 1 cabo — o nosso Lamego e o Comandante de Companhia, para continuar a sua carreira militar como oficial superior de Infantaria.

Não nos foi possível contabilizar os evacuados para Bissau, e que iam regressando mais tarde ao nosso seio, mas as estimativas de quem viveu sempre de perto os 23 meses de comissão, apontam para valores da ordem das 4 dezenas.

Com imenso gosto, procurei corresponder ao que tinha prometido. É uma narração sucinta, mas que terei oportunidade de vir a pormenorizar muitas das facetas aí insertas. Continuarei sempre atento ao blogue, que considero de excepcional valia para o conhecimento da guerra colonial na Guiné, dos seus tempos e dos seus sítios.

Por isso, em nome da minha Companhia, um firme agradecimento ao nosso editor.
Bem hajas, Luís.

Só mais dois aspectos finais:

(i) Amiudadas vezes me têm afirmado, que a nossa ida para Gandembel, é resultado de uma oferta voluntária por parte do Comandante da Companhia. Por desconhecimento, não posso, nem devo confirmar. O que sei, é que este oficial do quadro, não possuía nenhuma comissão em teatro de guerra.Contudo, o que sempre me causou uma certa perplexidade, é que as Companhias do Batalhão se esparsaram pela Província, sem dependência da CCS, o que não era usual.

(ii) O feitiço lançado a este vosso escriba, que no seu itinerário como militar, passou por duas Lamegos. A serrana Lamego, num curso de operações especiais, ainda no quartel velho, e onde morreram 2 companheiros que tombaram do alto da torre da igreja, quando faziam o slide. E esta Nova Lamego, hoje Gabú, da ardente e multifacetada Guiné.E se não fora as saudades a minarem e a proximidade do regresso, a passagem por esta última, saber-me-ia bem melhor que as piratarias da dureza 11 e quejandas, só suplantadas devido à porfiada ajuda prestada pelo meu velho parelha Amaro.

Para todos, um cordial abraço do Idálio Reis.


Comentário do editor L.G.:

Querido amigo e camarada Idálio: Não há, na guerra, um fim feliz, como no cinema. Mas gostei de saber que os últimos meses dos homens-toupeiras de Gandembel/Balana permitiram-vos retemperar as forças para o regresso à Pátria, à Mátria ou à Madrasta da Pátria...

Continua a dar-nos notícias da tua/nossa gente, cuja epopeia tão bem soubeste evocar e descrever nesta fotobiografia... O teu testemunho honra-nos a todos e orgulha os editores e autores do blogue bem como todos membros da nossa Tabanca Grande. A fotobiografia da CCAÇ 2317, escrita pelo teu punho, foi um dos momentos altos do nosso blogue.

Faço daqui um veemente apelo a um editor português que arrisque publicar, em livro, esta extraordinária aventura de 9 meses no corredor da morte. Porque não o Círculo de Leitores ? L.G.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts anteriores:

16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá.

(...) A CCAÇ 2317 chega a Bissau a 24 de Janeiro de 1968. Uma aclimatação de 2 meses, o quanto bastou para enveredar por um sinuoso rumo, a uma fatídica zona do Sul da Província. Aí, num local estranho da região do Forreá e apenas no efémero prazo de 11 meses, houve lugar às facetas mais pérfidas da guerra, em que do mito e do mistério sobrou só o nome: Gandembel/Ponte Balana (...).

9 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1576: Fotobiografia da CAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (2): os heróis também têm medo

(...) Após o Treino Operacional, a Companhia segue rumo ao Sul da Província. Poucos dias em Guileje, para então nos coagirem a ir para as cercanias do "corredor da morte", a fim de se construir de raiz, um posto militar fixo, em Gandembel e Ponte Balana Em Guileje, a guerra não se fez esperar, e dolosamente começou a insinuar as suas facetas mais pérfidas, com as ocultas ciladas montadas na vastidão dos nossos olhares e a espreitarem o horror a todo o instante (...).

12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1654: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (3): De pá e pica, construindo Gandembel.

(...) Em Gandembel, vinga a insensatez, a obrigarem-nos a penar um inextinguível tempo de arrastados sacrifícios. Do período mediado entre o início da construção do aquartelamento e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio (...) O dia 8 de Abril de 1968 alvoreceu para um conjunto de homens inquietamente sós, desunidos de um futuro confiante, porque, por mais que se procurasse predizer, não lhes era possível reconhecer se se podia atingir. Um imenso manto de silêncio ali estava especado, com secretas sombras negras a envolver-nos (...).

2 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1723: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (4): A epopeia dos homens-toupeiras.

(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel. Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e a chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968(...).

9 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1743: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (Idálio Reis) (5): A gesta heróica dos construtores de abrigos-toupeira em Gandembel.

(...) Instalação e início da construção do aquartelamento de Gandembel (continuação) > Ilustração fotográfica: Incluí o período de tempo entre 8 de Abril de 1968 - partida de Guileje para Gandembel e início da construção do aquartelamento de Gandembel - e chegada da energia eléctrica, a 9 de Maio de 1968 (...).

23 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1779: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (6): Maio de 1968, Spínola em Gandembel, a terra dos homens de nervos de aço.

(...) A generosidade de um punhado de gente jovem, onde os ecos dos seus ais de desespero e dor, não ressoavam para além da região do Forreá. Gandembel/Ponte Balana, de 9 de Maio a 4 de Agosto. (...) A época plena das chuvas aproximava-se, começava a fazer surtir os seus benéficos efeitos, o que para nós incidia muito especificamente na água que o rio Balana pudesse debitar. Este, logo que retomasse alguma capacidade de vazão, significaria que a tão ansiada água já abundaria, e as restrições ao consumo que tinham prevalecido até então, evolavam-se no tempo (...).

21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1864: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (7): do ataque aterrador de 15 de Julho de 1968 ao Fiat G-91 abatido a 28.

(...) Os ataques e flagelações mantinham-se a um ritmo praticamente diário, a que nos íamos habituando, pois que a generalidade das detonações era resultado da acção de morteiros 82, e a maioria das granadas continuava a deflagrar na periferia. Os morteiros ainda não estariam devidamente assestados, e tornava-se necessário e urgente ter que acabar as obras do aquartelamento, com condições mínimas de segurança (...).

8 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1935: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (8): Pára-quedistas em Gandembel massacram bigrupo do PAIGC, em Set 1968.

(...) Uma longa vida em Gandembel suspensa da decisão do Comandante-Chefe. E ante tantas adversidades, num ápice tudo se esfuma da forma mais indigna: o abandono. Gandembel/Ponte Balana, de 4 de Agosto às vesperas do Natal de 1968. (...) A catástrofe de 4 de Agosto foi demasiado punitiva e voraz, criando um profundo sentimento de perda. E, atendendo às circunstâncias com que nos deparávamos no quotidiano, reconheci na pungente dor do luto, que a Companhia perdia temperamento e vivacidade, com as vontades a fenecerem. (...) A deslocalização de um permanente efectivo de pára-quedistas foi fundamental para o surgimento de uma fase de muita maior tranquilidade, que resultou numa acentuada diminuição belicista por parte do PAIGC (...).

19 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1971: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (9): Janeiro de 1969, o abandono de Gandembel/Balana ao fim de 372 ataques

(...) Seria uma lembrança do Natal, que se aproximava? Não o foi, pois que até lá não recordo qualquer confronto, mínimo que seja. Pelo Natal, dada a solenidade do dia, chegam 2 helicópteros: um trazendo o bispo de Madarsuma, vigário castrense das Forças Armadas e um repórter do extinto Diário Popular, de nome César da Silva; outro, com Spínola e elementos do Movimento Nacional Feminino. (...) À alvorada do dia 28 [de Janeiro de 1969], o armamento pesado é desactivado, a bandeira nacional é arriada, o gerador é colocado num Unimog, e eis que partimos em definitivo de Gandembel, passámos por Ponte Balana (ali ao lado) a buscar o grupo que aí estava e seguimos para Aldeia Formosa. (...)

18 de Setembro de 2007>Guiné 63/74 - P2117: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (10): O terror das colunas no corredor da morte (Gandembel, Guileje)

(...) As colunas de reabastecimento para Gandembel / Ponte Balana. Tanta ousadia cerceada no passo incerto, e a folha fustigada pelo sopro de um fornilho, já não encontra outro sítio para cair, senão em corpos dilacerados (...).

(...) As colunas de reabastecimento que se contextualizam com Gandembel, ficaram gravadas nos caminhos do desalento, do pesadelo e horror. E por isso, procuravam protelar-se até soar o grito da clemência, pois os bens essenciais estavam a esgotar-se, e o espectro da fome, em forma de um tipo de alimentação quase intragável, pairou algumas vezes em Gandembel.E esta desapiedada e frustrante sensação de um forçado isolamento, também contribuiu em muito para o alquebramento das forças físicas e morais, tão vitais para ousar enfrentar com denodo as vicissitudes que se nos deparavam quotidianamente.

(...) Restar-me-á apenas tentar alinhavar o último capítulo, que se prende com a permanência da Companhia em Buba, e que se prolongou até 14 de Maio de 1969 (...).



(2) Sobre o major Carlos Fabião em Buba:

4 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2080: Estórias do Zé Teixeira (22): Tuga na tem sorte

4 de Abril de 2006 > Guine 63/74 - DCLXVIII: O major Fabião e o furriel Samouco, da CCAÇ 2381 (1968/70)

Vd. também, entre outros, os posts:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

8 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXXIV: Antologia (37): Carlos Fabião, o conciliador

5 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 : DCLXXV: O outro Carlos Fabião (3) (Rui Felício)

5 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXXIII: O outro Carlos Fabião (1) (J. Vacas de Carvalho)

2 Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Depoimentos sobre Carlos Fabião (1930-2006)

(3) O tenente-coronel Pimentel Bastos foi originalmente o comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), antes de ser alvo de punição disciplinar por parte do Com-Chefe:

22 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1304: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (21): A viagem triunfal do Pimbas a terras do Cuor

28 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1124: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (2): A vida boa de Bambadinca, no tempo do Pimentel Bastos

30 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1041: O Pimbas e os outros (Jorge Cabral)

16 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1035: Ainda sobre o Pimbas, com um quebra-costelas para o Beja Santos (Paulo Raposo)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1025: Tenente-coronel Pimentel Bastos: a honra e a verdade (Luís Graça)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1028: O Pimbas que eu (mal) conheci (Jorge Cabral, Pel Caç Nat 63)

1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1012: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (3): Eu e o BCAÇ 2852, uma amizade inquebrantável )

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852

(4) Por analogia com o título do romance de João de Melo, Gente Feliz com Lágrimas, Grande Prémio de Novela e Romance APE, 1989. João de Melo, nasceu nos na Ilha de S. Miguel, Açores, em 1949, pertencendo à geração da guerra colonial (esteve em Angola, entre 1971 e 1974, como furriel miliciano enfermeiro).

"A experiência da Guerra Colonial foi pela primeira vez tematizada em 1977, com A Memória de Ver Matar e Morrer. Em 1984, publicou Autópsia de um Mar em Ruínas, onde a barbárie da guerra é filtrada pelos olhos de um furriel enfermeiro, cargo que assumiu em Angola.Os livros de contos Entre Pássaro e Anjo e Bem-Aventuranças completam o testemunho apresentado nos romances".