quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3319: História da CCAÇ 2679 (4): 5.º dia, o meu baptismo de fogo (José Manuel Dinis)


1. Mensagem do nosso camarada José M. Matos Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 9 de Outubro de 2008, com mais um episódio para a História da sua Companhia (*).

Caro Carlos Vinhal,
Segue novo texto para uma parcial história da 2679. Vou anexar noutro mail, algumas fotografias para ilustração que, espero, cheguem em boas condições.
Para o Pessoal da Tabanca Grande vai aquele abraço.
José Dinis


O Meu Baptismo de Fogo (**)

O meu baptismo de fogo, se assim se pode considerar, ocorreu na noite de 2 para 3 de Março de 1970. Naquelas terras guineenses anoitece pelas dezoito horas e, em consequência da intensa actividade operacional, depois do chamado jantar, bebia uns copos e, não havendo proprama alternativo, adormecia relativamente cedo. Adormecido, portanto, quando pelas 23h45 teve início uma flagelação a Piche. O Zé Tito estaria deslocado em emboscada, ou noutra localidade. Acordei surpreendido. Havia alguns dias que estava em Piche, e não sabia como proceder na circunstância. No quarto, afinal, também estava o Águas, um algarvio, furriel do Bart, a quem perguntei o que fazer. Sem compreender o que ele fazia de cú para o ar, metendo a cabeça por baixo das camas, aproveitando uma luz difusa que alumiava, respondeu que me dirigisse para a vala. Eu nem sabia onde fivava a dita vala.

- Segues ao longo dos quartos que no fim encontras uma vala. Mete-te por aí.

Perguntei-lhe porque não vinha, e respondeu que andava à procura dos chinelos. Acrescentou um já vou. Com esta informação decidi esperar por ele, meio aparvalhado por nem sequer saber como proceder, meio por solidariedade.

Lá fomos para a vala, eu atrás. Afinal, ali bem perto, nas traseiras dos quartos, onde esperámos pelo final da acção, relativamente tranquilos, com a música da metralha, principalmente as rajadas das costureirinhas, a habituar os ouvidos aos sons bélicos. Estava algo perplexo: por um lado, estávamos a ser atacados, por outro, apenas nos protegíamos, sem armas nas mãos, à espera do fim da festa. Logo após, fomos alertados para a necessidade de sair, na tentativa de interceptar e atacar o IN. Levámos quase uma hora até iniciarmos a marcha, e pela dificuldade da progressão nocturma, durante quase três horas não detectámos o que fosse e tivémos autorização para regressar.

Também o Marino, que estava no posto de transmissões, sofreu a bom sofrer, dado que se refugiou numa vala próxima, e em redor foi um fartote de rebentamentos. Ele contou que bem se agachava, mas o sucessivo ribombar, fazia-lhe antecipar um final trágico, com uma granada tresmalhada a enfiar-se e e rebentar na vala, destruindo-lhe o rico corpinho. No final, quando ele comentava aquele sofrimento, um velhinho referiu que os estrondos não eram de rebentamentos, mas das saídas de um obus ali colocado.

De entre o pessoal da 2679, apenas tivémos um ferido evecuado, o António Ludgero Rodrigues Cró, a primeira baixa nos Foxtrot.

A propósito deste acontecimento, reza assim a história da Companhia:

A coberto da escuridão, grupos IN estimados num total de 150 elementos, aproximou-se do perímetro defensivo de Piche, pelo lado sul, instalando-se numa faixa de cerca de 500 metros, em linha e a uma distância da ordem dos 200 metros do arame farpado e paralelamente a este. Às 23h45 iniciaram uma flagelação ao aquartelamento e povoação, que durou cerca de 45 minutos, utilizando fogo de um canhão s/recuo, de 4 morteiros 82mm, de morteiro 61 mm, de LGF (RPG2 e RPG7), de metralhadora pesada e de armas ligeiras. O fogo IN visou sobretudo, as instalações militares, mas dada a distância a que se situava a base de fogos (a cerca de 1000 metros), o fogo não teve precisão e a maioria dos tiros cairam na bolanha a Norte do aquartelamento. A reacção das NT, através de 3 dos postos avançados que se situam na frente sul da defesa periférica de Piche, e das armas pesadas do Aquartelamento (canhão s/recuo e 2 morteiros 81 mmm) obrigou o IN a uma retirada precipitada como deixa pressupor a quantidade de material abandonado na base de fogos.
Com efeito apercebendo-se de movimentos suspeitos em frente de um dos postos avançados de defesa, o respectivo Comandante, ordenou que fosse feito um disparo de dilagrama, para o sítio onde os mesmos eram notados. Esta acção marcou o início da flagelação, pois o IN, imediatamente, começou o seu fogo. Então as NT, que ocupavam as trincheiras dos abrigos periféricos do lado Sul, bateram-no com as armas colectivas de que dispunham (Metralhadora ligeira e LGF) armamento ligeiro e dilagramas. A base principal do fogo IN foi ainda batida pelo fogo dos Morteiros 81mm, situados nas suas posições dentro do Aquartelamento o contacto estabelecido entre os postos avançados e o Aquartelamento, por meios telefónicos, permitiu tirar deles o melhor partido. A instalação IN nas ruínas de uma tabanca abandonada e em campo descoberto, permitiu a sua fácil referenciação e tornou-se um alvo fácil para as NT que só não alcançaram um êxito mais completo devido à escassez de de armamento que o BArt dispunha.
As NT conjugaram ainda o fogo com a manobra efectuada por forças desta CCaç, pelo 1.º Pelotão de RecFox e pela CArt 2440 que procuraram não só reforçar os postos avançados como também tentar o envolvimento.
As NT sofreram 8 feridos dos quais apenas 3 evacuados. O IN retirou com feridos e baixas prováveis, como foi possível constactar em Coache, por roupas ensaguentadas, penços e medicamentos usados.


O espírito de grupo

No dia 6 fizémos segurança a trabalhos da Termil na estrada para Buruntuma. Dividimos o Pelotão em três Secções, cada uma sob a responsabilidade do Guerra, do Azevedo e minha. Encostada a viatura à berma, dispus a segurança. Mas fazia muito calor, pelo que, quando chegou a hora de comer, e na suposição de que o IN não atacaria na torreira do sol, chamei o pessoal junto do unimog para ditribuição das rações. Deitei-me sobre o banco corrido. O pessoal descontraía-se, como é costume durante as refeições. Até que o Marcolino referiu que sentia saudades da mulher. A isso respondeu, alarva, o Moniz, nos seguintes termos:

- Eh pá, ela anda lá na Madeira a foder com outros e tu com saudades dela!

Foi uma mola, qualquer coisa que me impulsionou em resultado da frase, saltei-lhe em cima, de pés, ainda lhe dei um ou dois murros, e disse-lhe com indignação, que não faltava mais nada no ambiente da guerra, que um filho da puta para nos chatear.O pessoal estava surpreendido, e eu determinado a evitar repetições do género, ainda acrescentei, severamente, que no futuro não perdoaria parvoíces semelhantes. Exigia respeito entre todos, ou o Foxtrot não seria nada. Queria solidariedade e amizade, em vez de picardias estúpidas e desagradáveis. O pessoal, quedo e mudo, prestava atenção. O dito Moniz era casado, mas gozava com o Marcolino, de quem, dizia-se, teria casado à pressa, antes do embarque, mediante queixa apresentada pela mulher. Naquela época éramos influenciados por preconceitos e falhas de educação, pelo que, até os casamentos podiam hierarquizar-se na nossa consideração e respeito. Este assunto ficou ali tratado e encerrado.

O Mama-Sono

No dia 09MAR70, o Pelotão seguiu para Buruntuma, em reforço temporário desta unidade. Ali estava destacado um PIDE, que condicionava ou, melhor, que acelerava a nossa actividade, em função das informações obtidas pelo agente, falsas ou verdadeiras. Foi assim que no segundo dia da permanência, o capitão informou-me de que movimentos na fronteira, ali perto. Urgia uma acção da nossa parte. Mandou-me reunir o pessoal para, imediatamente, sairmos de viatura até determinado lugar, e daí, patrulharmos a fronteira.
Tudo a correr para caçarmos o IN. Em passo de corrida dei a volta aos abrigos a chamar o pessoal para o efeito, e só depois fui buscar a minha arma. Quando cheguei junto do comando, já ali se encontrava o grosso do Pelotão. Não sei porquê mas eu estaria só com o grupo. Dei ordem para arrancarmos, mas advertiram-me que faltava o Mama-Sono, e o morteirete. Vamos sem o Mama-Sono. Esta alcunha atribuída ao Rodrigues ainda durante a instrução no Funchal, derivava de andar de cara caída, ser pouco conversador, e aparentar calanzisse... Deixámos as granadas do sessenta e abalámos.

No regresso dirigi-me à secretaria, pedi a um sargento uma folha de participação, e escrevinhei a propósito do Rodrigues, pois decidira que não ia admitir baldas. Ao mesmo sargento apresentei a folha e pedi-lhe que avaliasse o eventual castigo. Respondeu-me que o descrito era de grande gravidade, e poderia dar uma prisão de longo prazo, porque a substância estava apimentada.

Chamei o Rodrigues, apresentei-lhe a participação, e referi-lhe a punição a que se sujeitava. Avaliou bem a situação. Naquele tempo, para efeitos profissionais, também se dava importância ao conteúdo das cadernetas militares. Pús-lhe a questão, ou entregava a participação sem alterações, com a s consequências previsíveis, ou rasgava o papel, se se comprometesse a não me causar mais preocupações no seio do Pelotão. Escolheu a segunda opção, modificou o comportamento, sociabilizou-se, tornou-se participativo e bem humorado, voluntarizava-se para tudo, ganhou alegria e respeito.

Intuir a guerra

Regresso a Piche em 23MAR70. Por aqueles dias comecei a diagnosticar o grau de aprendizagem a andar no mato. Já não tirava percutores. Fazia bem carregar e dormir abraçado à canhota. Familiarizávamo-nos com o material. Durante as paragens abordava o assunto e como reagir em caso de sermos emboscados. A maioria, referiu que nesse caso reagiria com rajadas sobre os filhos da puta. Outros, intervinham dizendo que em vez de rajadas, borravam-se todos. Coisas assim, em momentos de convívio e descontração, no mato. Verifiquei as armas: umas estavam em segurança, outras em tiro-a-tiro, as restantes em rajada.
Notava-se a desorganização. Discutimos o assunto. Quem se achava capaz para reagir e como. Logo alertei para a necessidade de respeitar o IN, sem o sub-valorizar, para a necessária lucidez, economia e espírito de grupo. Se a reacção fosse descontrolada, aos tiros para o ar, ou rajadas em todas as direcções, na tentativa de espantar o IN, não só não seríamos eficazes, como provocaríamos mais perturbação entre nós, e ficaríamos sob controle do IN, com efeitos indesejáveis no resultado final. Se a vida era coisa séria, saber defendê-la exigia critério. Logo ali ficou determinado que em qualquer circunstância as armas só dariam tiro-a-tiro. Para uma reacção concertada, sem perturbações, havia a necessidade de identificar a posição do IN, e de a comunicar quando fosse necessário, e só atirar pela certa, tiro de pontaria, quando tivéssemos o IN na mira da arma. Acrescentei que por cada tiro dado, queria um turra.
Também a movimentação teria que ser coordenada e, para isso, era necessário prestar atenção às instruções do alferes e dos furriéis. Que era muito importante manter ligação entre todos, comunicar qualquer acontecimento importante, como posições relativas, ferimentos, o que fosse importante. E que a asserção de que mais vale um cobarde vivo que um herói morto, não tinha aplicação naquelas circunstâncias.

Alguns elementos do 2.º Pelotão - Foxtrot, de pé, da esquerda para a direita: Dinis, Abreu, Teresa e França. Em baixo: Lamarão (condutor), Rodrigues, Martins e Virgilio Sousa

No dia 27MAR70 seguimos para Canquelifá, onde permanecemos até 03ABR70. Ali desenvolvemos patrulhamentos, viagens às aldeias próximas, como as Dingas, que estavam a ser abandonadas pelos moradores, em virtude da acção do PAIGC sobre as populações locais. Num desses patrulhamentos, com outro pelotão local, ao longo da fronteira com o Senegal, interceptámos dois pastores com o seu gado, que se dirigiam para norte e, apurámos, iam ao encontro do IN. O local do encontro seria uma fonte ali próximo, e tínhamos duas horas de antecedência relativamente ao encontro.
Decidimos ali que uma secção voltaria a Canquelifá com os pastores e o gado, enquanto os restantes deslocar-se-iam para a fonte, onde se montaria emboscada. À partida demos conhecimento via rádio. Surpreendentemente em Canquelifá, onde não havia capitão, estava o Comandante da CAOP de Bafatá que, passados uns momentos, ordenou-nos a retirada para um ponto alto e aí aguardar. OK, mas não havia elevações na região. Algum tempo depois, troaram as saídas e rebentamentos das granadas dos obuses, que atingiram três aldeias fronteiriças no Senegal.
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Notas de CV

(*) Vd. último poste da série de 5 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3271: História da CCAÇ 2679 (3): Início da actividade operacional (José Manuel Dinis)

(**) A coincidência do título deste trabalho nada tem a ver com a série O meu baptismo de fogo. É mesmo pura coincidência.

Guiné 63/74 - P3318: Album fotográfico de Santos Oliveira (1): Tite

1. Damos início à série Álbum fotográfico de Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf do Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66, com umas fotos de Tite.


Guiné > Tite > Julho de 1965 > Santos Oliveira passeando na tabanca

Guiné > Tite > Julho de 1965 > Uma DO27 (Dornier) na pista de reabastecimento.

Guiné > Tite > Julho de 1965 > Santos Oliveira no alto do Bagabaga.

Guiné > Tite > Julho de 1965 > Santos Oliveira

Guiné > Tite > Julho de 1965 > Lavadeiras

Guiné > Tite > Agosto/Setembro de 1965 > Caçada

Guiné > Tite > Agosto/Setembro de 1965 > Santos Oliveira no banho

Guiné 63/74 - P3317: Em busca de ... (45): Inácio Semedo Jr, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, de Bambadinca (Berry Lusher / L. Amado / L. Graça)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > Passando por Bambadinca, no regresso de uma visita ao sul, ao Cantanhez, no âmbito do Seminário Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > O antigo campo de futebol, que ficava dentro do perímetro do aquartelamento de Bambadinca, no meu tempo (CCAÇ 12, 1969/71).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > Passando por Bambadinca, no regresso de uma visita ao sul, ao Cantanhez, no âmbito do Seminário Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Dois antigos militares, fulas ou mandingas, naturais de Bambadinca, que terão feito parte de um Pel Caç Nat que, se bem me lembro, terá estado em Quebo, durante a guerra colonial.

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > 3 de Março de 2008 > À saída de Bambadinca, já na estrada para Bissau... Uma das muitas bolanhas da região, hoje abandonadas, servindo agora de campo de pasto para as vacas. O abandono das bolanhas (e, portanto, da cultura do arroz) leva também, provavelmente, ao assoreamento do Geba Estreito, que já não é navegável... Outrora ia-se até Bafatá!

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.



1. Mensagem enviada por Luís Graça ao Doutor Inácio Semedo, com data de ontem:

Caro Doutor Inácio Semedo, meu caro amigo:

Conforme a nossa conversa telefónica de há hora e meia atrás, junto lhe dou conhecimento do pedido feito pelo seu amigo Berry Luscher, em francês, língua que seguramente você domina. De modo qualquer aqui fica um resumo, em tradução livre, da mensagem que me chegou à minha caixa de correio electrónico, no dia 10 de Outubro (*):

Trata-se de um antigo cooperante suíço, francófono (?), que foi delegado do Alto Comissário para os Refugiados nos anos de 1976 a 1978. Nessa altura supervisionou, na Guiné-Bissau, a construção de hospitais (sic) em Sonaco, Farim, São Domingos, Catió e Bubaque, bem como de um certo número de postos sanitários e de casas de habitação para médicos.

Em 1983, a Presidência do Conselho de Ministros, na pessoa do “meu amigo” (sic) Victor Saúde Maria (**), tinha proposto ao governo suíço a abertura de um consulado honorário “sob a minha direcção” (sic). No entanto, na sequência de um "golpe de Estado palaciano" [, o de Nino Vieira, em 1984], o assunto morreu. “Foi pena para o vosso país [ele julga que somos guineenses], já não tive mais oportunidade de vos ajudar através das minhas relações, ao mais alto nível, na Suíça”.

Encontrando-se a preparar uma pequena publicação sobre as suas actividades, no passado, na Guiné-Bissau, o Sr. Berry Lucher gostaria de poder entrar em contacto com representantes do Ministério com quem trabalhava, entre eles Inácio Semedo.

O seu pedido ao nosso blogue é o seguinte: “Ser-vos-ia possível informar-se sobre esta pessoa [, Inácio Semedo,] que, na época, era o meu contacto com as autoridades governamentais ? No caso de ainda estar vivo, gostaria muito de renovar e revitalizar laços que me são caros”.

O Sr. Berry Luscher descobriu, por acaso, o nosso blogue onde encontrou referência a Inácio Semedo e outros históricos do PAIGC (***). Daí a razão por que se dirigiu a nós, pedindo ajuda.


2. Pedi ajuda ao meu amigo e membro do nosso blogue, o Doutor Leopoldo Amado, historiador, luso-guineense, profundo conhecer do PAIGC e da luta de libertação, que me mandou a seguinte informação, por e-mail, relativamente a este assunto:

Caro Luís Graça,

Inácio Semedo Jr. foi dos grandes diplomatas guineenses e está presentemente na situação de reforma. Como embaixador, representou a Guiné-Bissau em muitos países, entre os quais Portugal e Suécia.

Ignoro se terá trabalhado antes na área da saúde em Bissau, mas é certo que é filho de Inácio Semedo, um histórico do PAIGC e contemporâneo de Amílcar e das lides da luta clandestina ainda antes do início da guerra.

Inácio Semedo Jr. é pois meu amigo e encontra-se em Lisboa. Eis as suas coordenadas [...].


Abraço. Leopoldo Amado



3. Mensagem que mandei, a seguir ao meu contacto telefónico, a Inácio Semedo:

Caro Inácio: Fiquei feliz por o encontrar e por saber que foi um antigo e valoroso Combatente da Liberdade da Pátria. E, para mais, com ligações a Bambadinca, terra onde passei bons e maus momentos, entre Julho de 1969 e Março de 1971, e que revisitei em Março de 2008, na sequência da minha participação, como conferencista, no Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1 a 7 de Março de 2008).

Espero poder conhecê-lo pessoalmente e dar-lhe conta do apreço e amizade que eu tenho pela Guiné e pelos guineenses, alguns dos quais têm sido meus alunos, nos últimos anos... Falar-lhe-ei também do blogue que criei e mantenho, Luís Graça & Camaradas da Guiné... Como combinado, procurarei contactá-lo a partir de finais de Novembro (****).

Entretanto, sinto-me autorizado por si a fornecer os seus elementos de contactos ao Sr. Berry Lusher, arquitecto, antigo cooperante suíço na Guiné-Bissau, e que quer retomar velhas relações de amizade consigo (*****).

Votos de sucesso para si e para os seus projectos.

Luís Graça


___________

Notas de L.G.:

(*) E-mail do Sr. Berry Lusher:

Subject - Adresse d'Inacio Semedo

Porrentruy, le 10 octobre 2008

Bonsoir Monsieur,

Je suis un coopérant suisse anciennement délégué auprès du Haut Commissaire au Réfugiés (HCR) pendant les année 76 à 78. A cette occasion j'ai supervisé la construction des hôpitaux de Sonaco, Farim, St. Domingos, Catio,et Bubaque, ainsi qu'un certain nombre de postes sanitaires et des maisons d'habitation pour les médecins.

En 1983, la Presidência do Conselho de Ministros, sous la signature de mon ami Victor Saûde Maria, avait proposé au gouvernement suisse l'ouverture d'un consulat honoraire sous ma direction; une révolution de palais avait opéré un changement à la tête de l'état et les nouveaux dirigeants n'ont point donné suite à cette question de consulat . Dommage pour votre pays que je n'avais ainsi plus l'occasion d'aider par mes relations au plus haut niveau suisse.

Aujourd'hui, je prépare une petite publication sur mes actiivités guinéennes et je cherche à entrer en contact avec certaines relations locales, entre autres Inacio Semedo.

Vous serait-il possible de me renseigner sur ce personnage qui à l'époque était mon contact avec les autorités gouvernementales, s'il est encore du monde des vivants j'aimerais beaucoup renouer et revitaliser des liens qui me sont chers.

C'est en découvrant par hasard votre blog et en relisant le nom de toutes ces personnes que j'ai fréquenté dans votre cher pays que je me permets de solliciter votre aide pour donner suite à ma requête qui doit bien vous surprendre.

Bien à vous Berry Luscher


(**) Victor Saúde Maria (1939-1999), militante, fundador e dirigente do PAIGC. Foi o primeiro Ministro dos Negócios Estrangeiros da jovem república da Guiné-Bissau (1974-1982), sob a presidência de Luís Cabral. Foi também 1º Ministro, depois do golpe de Estado de João 'Nino' Vieira, num período relativamente curto, de 14 de Maio de 1982 a 10 de Março de 1984. Esteve então preso por alegada conspiração contra o vencedor do golpe de Estado de 1980. Exilou-se entretanto em Portugal. Regressou à pátria já na década de 1990, tendo fundado em 1992 o Partido Unido Social Democrata (PUSD). Ainda concorreu às eleições presidenciais em 1994. Morreu, aparentemente de doença, em 25 de Outubro de 1999.


(***) Na verdade, as referências que temos, no nosso blogue, é a Inácio Semedo, pai... Vd. poste de 12 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXV: Antologia (24): Elisée Turpin, co-fundador do PAIGC (Élisée Turpin)

(...) "Para além das células, estabeleceram-se pontos focais, ou seja, elos de ligação no interior do País. Por exemplo, o elo de ligação em Farim era o Dionísio Dias Monteiro; em Bolama era Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai); em Catió era Manuel da Silva.

"Lembro-me de algumas pessoas que se movimentavam na altura como activistas políticos e muitos deles envolvidos na criação do Partido: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Luís Cabral, Abílio Duarte, Fernando Fortes, João Rosa, Inácio Semedo, Victor Robalo, Júlio Almeida, João Vaz, Domingos Cristovão Gomes Lopes. [Negritos nossos].

"Contudo, no dia 19 de Setembro de 1956, na fundação (criação formal do Partido, denominado PAI - Partido Africano da Independência), compareceram apenas 6 pessoas: Amilcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Júlio Almeida, Elisée Turpin" (...).


Vd. também poste de poste de 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXVIII: Memórias de Turpin e da Bissau do seu tempo (Mário Dias)

Sobre as pessoas referidas pelo Elisée Turpin, o nosso camarada Mário Dias (que foi para a Guiné, ainda adolescente no início dos anos 50), diz o seguinte:

(...) recordo-me perfeitamente de:

- Benjamim Correia, que tinha uma loja de bicicletas e acessórios e era um conceituado comerciante muito estimado e considerado entre a população da Guiné, 'colonos' incluídos;

- Rafael Barbosa, que era funcionário das Obras Públicas e tinha uma pequena deficiência numa perna que o obrigava a mancar;

- Quanto ao Inácio Semedo, o único Semedo de que me recordo era o guarda-redes do Sporting de Bissau, alcunhado de 'Swift'; talvez não seja o mesmo(Negritos nossos]

- Luís Cabral, irmão do Amílcar, trabalhava na Casa Gouveia.

Porém, aqueles de quem melhor me lembro - por com eles ter lidado mais de perto - são:

- Fernando Fortes, que era funcionário dos Correios em Bissau: tinha um irmão (Alfredo, salvo erro) que nos meus tempos de Farim (1953/55) era o Delegado Aduaneiro naquela localidade;

- João Rosa foi meu colega de trabalho na NOSOCO. Era o guarda-livros. Fui muitas vezes a casa dele no Chão Papel. Era muito meu amigo e fui visitá-lo ao hospital quando ali foi internado, já sob prisão da PIDE;

- João Vaz era o alfaiate dos serviços militares. A oficina era na Amura e era ele que fazia o fardamento para os recrutas e demais militares. Ainda tenho comigo um camuflado que ele me fez sob medida. (...).



(*****) Inácio Semedo Júnior: 65 anos, natural de Bambadinca, filho de Inácio Semedo. A família tinha propriedades na região, segundo ele mesmo me disse ao telefone. Nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana. Costumava comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas (possivelmente de Nhabijões, Mero, Santa Helena...). Trocava aguardente por arroz. O arroz do sul, do celeiro da Guiné, era o melhor. A Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia. A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Em Bambadinca também havia uma família Brandão (com quem os Semedo seriam aparentados, se bem percebi...).

O pai, Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal foi preso e torturado pela PIDE e condenado a 2 anos de prisão. O filho, Inácio Semedo, está a ver se ainda hoje recupera parte do património da família em Bambadinca... (Não consigo localizar essa ponta, propriedade dos Semedo: vi uma referência a uma casa em Gã Beafada, não tenho a certeza onde seja...).

Aos 16/17 anos veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC nessa época e/ou saído de Portugal nessa época. (Segundo o Leopoldo Amado, o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento do pai, numa cerimónia que se realizou em Bambadinca).

Em 1964 vamos encontrá-lo na guerrilha, no sul (Quitafine ?), sob as ordens do comandante Saturnino. Nunca andou na sua terra natal, a orientação do PAIGC era pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio foi para a Hungria, onde tirou o curso de engenharia e fez o doutoramento em Ciências. A seguir à Independência trabalha no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado. É nesta época que o Inácio conhece o arquitecto suiço Berry Lusher, de quem se torna amigo. Uma das suaS funções era então receber, encaminhar, apoiar, acompanhar e tutelar centenas de cooperantes, estrangeiros, incluindo portugueses.

Vive hoje em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tem um filho bancário. Confessa que não conhece o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tem endereço de e-mail mas é o filho que o ajuda a gerir a caixa de correio.

Continua ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Neste momento está a mobilizar e angariar apoios e contactos, tendo em vista as eleições do próximo mês de Novembro.
Prometemo-nos voltar a contactar lá para o final desse mês, quando haverá maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da nossa Guiné (onde o Inácio Semedo continua a ir regularmente, a última vez em Junho passado...).

(*****) E-mail de resposta de L.G., enviado ontem ao Sr. Berry Lusher:

Monsieur Luscher:

(i) J'ai de bonnes nouvelles pour vous! Votre ami Inacio Semedo Jr est vivant, il est retiré de la vie diplomatique (aprés avoir representé son pays au Portugal et en Suède), et il demeure à Lisbonne. Nous avons un ami en commum, l'historien Leopoldo Amado. J'ai eu le plaisir de parler avec Mr. Semedo au téléphone. Je suis autorisé par lui a vous donner les contacts suivants [..]

(ii) Je ne suis pas guinéen. Je suis portugais, an ancient combattant pendant la guerre coloniale en Guinée (1963/74). Je suis le webmaster du blog Luis Graca et Camarades de la Guinée, le plus grand blog, en langue portugaise, sur l'expérience de la guerre coloniale / lutte de libération en Afrique... C'est un espace de partage, de connaissance, de recherche, d'échange, de solidarité, d'amitié et de camaraderie. Nous avons dix règles d'étique, incluant le respect pour la vérité et pour l'enemie du passé. Des portugais et des guinéens, on partage des histoires, récits, images, documents, etc.

Sur mois, je suis sociologue de la santé et du travail, à l' École Nationale de Santé Publique, Nouvelle Université de Lisbonne.

Bonne santé et bon travail à vous!

Luis Graca (...)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3316: O meu baptismo de fogo (9): Missirá, Cuor, 6 de Setembro de 1968 (Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, )1968/70), enviada em 10 de Outubro de 2008, como colaboração para a série O meu baptismo de fogo (*):

Carlos Vinhal, Camarada e amigo,

Correspondendo ao teu amável pedido, aqui tens a minha versão corrigida e aumentada à volta do baptismo de fogo que experimentei pelas 2,30h da madrugada de 6 de Setembro de 1968. Recordo-te que tens aí fotografias do Pel Caç Nat 52, tiradas em 1966 (talvez as primeiras fotografias do nosso pelotão), material referente ao Padre Marcelino Marques de Barros e também a recensão de um livro do Comandante Teixeira da Mota. Recebe um abraço do Mário.


2. O meu baptismo de fogo em Missirá
por Mário Beja Santos

Sobre o assunto, já escrevi alguma coisa no blogue (**) e vem uma referência no livro Dário da Guiné 1968-1969, Na Terra dos Soncó, páginas 62 a 65, Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2008.

Vamos aos factos. Chegado a Missirá em 4 de Agosto, procurei conhecer o meio envolvente e cumprir escrupulosamente a nossa mais importante tarefa: montar diariamente segurança às embarcações no Geba Estreito, a qualquer hora (o mesmo é dizer em conformidade com as marés).

Quanto ao primeiro objectivo, o mês de Agosto pautou-se por vários patrulhamentos tanto à volta do Geba como na aproximação do Rio Gambiel, já junto da área de influência do PAIGC, sempre à procura de sinais da sua presença, fomos inclusivamente patrulhar e detectar zonas de cambança. Certamente que estas informações foram transferidas para Madina no mercado de Bambadinca, onde igualmente se soube que passara a ser praticamente impossível emboscarmos a caminho ou no regresso de Mato de Cão, tínhamos elaborado mais de uma dúzia de itinerários diferentes. Havia, pois, toda a conveniência em eu ser rapidamente intimidado com um flagelação eloquente. Eu estava à espera. Contudo, fomos todos apanhados de surpresa, como se impunha.

Foi um fogo intimidador, com canhão sem recuo, morteiros, bazucas e armas automáticas. O grupo flagelador concentrou-se em frente à porta de armas e alvejou selectivamente. Teve sorte, arderam logo duas moranças, os primeiros minutos estiveram praticamente por conta do grupo que veio de Madina.

Eu estava a ler As Sandálias do Pescador, um best seller de Moris West, para a altura uma novidade, era um Papa que vinha da Rússia e que no final transformava a vida da Igreja Católica. O primeiro rebentamento danificou a casa do meu vizinho, o Padre Lânsana Soncó, o almani de Missirá. Depois, estalejaram as costureirinhas e ouvi uma morteirada ao longe. Cheio de pudor, vesti o casaco de pijama e fui para um abrigo onde o Padre Lânsana desfazia os cibes em vez de foguear para fora...

As lembranças mais fortes que ficaram destes primeiros minutos foram a neblina de pólvora e a visão de um ataque em meia-lua que permitiu, naquela noite escura, referenciar as posições do grupo de Madina e reagir à altura. Recordo também a condução firme de Saiegh, ele foi a alma da resposta, era indubitavelmente um grande militar.

Perdemos 3 moranças e tivemos um ferido grave que se transformou em ligeiro: o soldado milícia Mamadu Djau, um gigante de mais de 1,90 m meteu um tiro no pé, recusou ser evacuado e, por mais inacreditável que pareça, recuperou-se na enfermaria de Bambadinca. Ficámos todos a conversar até ao amanhecer, quando se fez a patrulha de reconhecimento, que não trouxe grandes novidades a não ser a identificação do armamento dos flageladores.

Como sempre acontece nestes momentos, retemos para toda a vida pormenores insignificantes: uma camisa pendurada numa porta que ficou reduzida a um passador; o ar embaraçado de Cherno Suane que andou uma boa meia hora a esgravatar no solo o prato de morteiro que se afundou com o coice do tiro na terra amolecida...

A flagelação não nos intimidou, voltámos no dia seguinte a Mato de Cão, os patrulhamentos recomeçaram, sem nenhum abatimento. Saboreamos vitórias e derrotas, nós e os de Madina estávamos ali para durar.

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Notas de CV:

(*) Vd. último poste da série: 13 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3305: O meu baptismo de fogo (8): Mansoa, 1 de Abril de 1971 (Germano Santos)

(*ª) Vd. poste de 11 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1165: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (16): O meu baptismo de fogo

Guiné 63/74 - P3315: Memórias literárias da guerra colonial (6): Capitães do Vento e O Último Inferno, de Leonel Pedro Cabrita


Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella > Memórias Literárias da Guerra Colonial > 16 de Outubro de 2008 > 19h00 > Leonel Pedro Cabrita apresenta duas obras de ficção inspiradas na sua vida como capitão miliciano em Angola: Capitães do Vento e O Último Inferno.

Na sua página pessoal, Leonel Pedro Cabrita apresenta assim o seu percurso de vida:

(i) Local de nascimento: arredores de Tunes, em 1948 (Era um centro ferroviário que cresceu no entroncamento da linha do Barreiro com o troço que liga Vila Real de Santo António a Lagos);

(ii) Filho de ferroviário, à semelhança de 90% da população local, aí cresceu e completou o ensino primário;

(iii) Em Faro conclui o 7º ano do Liceu, dividindo as actividades escolares com o futebol, que praticou no Sporting Clube Farense durante seis anos, dando corpo a uma inclinação para as actividades desportivas, que viria a abraçar mais tarde;

(iv) Um simples mas afiado expediente burocrático do regime da altura impediu-o de ingressar na Universidade. Porque a guerra estava primeiro (numa altura em que esta já agonizava, prenunciando o 25 de Abril de 1974) foi incorporado em Mafra em Abril de 1970, vindo a ser arvorado Capitão Miliciano com 23 anos de idade;

(v) Comandou a Companhia de Caçadores 3441, em Angola, contabilizando 1400 dias de serviço militar, uma saga relatada no livro Capitães do Vento (Roma Editora) e complementada num outro trabalho, O Último Inferno (Prefácio Editora);

(vi) Regressado de África em 15 de Janeiro de 1974 procurou recuperar o tempo perdido na guerra, tentando ingressar na Universidade. O 25 de Abril e o PREC da altura adiaram mais uma vez este intento, que viria apenas a concretizar-se em Dezembro de 1974;

(vii) Em 1978 terminou o curso do INEF, hoje Faculdade de Motricidade Humana.

Entre outros trabalhos, publicou em Dezembro de 2003 Capitães do Vento (Roma Editora); e em Outubro de 2006 O Último Inferno (Prefácio Editora).

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Nota de vb:

Vd. último poste desta série:

8 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3283: Memórias literárias da guerra colonial (5): Olhos de Caçador, de António Brito, ex-pára-quedista, Moçambique, 1969/71

Guiné 63/74 - P3314: Estórias de Guileje (15): Coisas daquela guerra que era uma loucura e deixou muita gente maluca (Luís Candeias)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Aspecto da construção, em 1968, de uma abrigo-caserna... Foto do saudoso Cap Ref José Neto (1927-2007).




Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Dois homens de Guileje e membros da nossa Tabanca Grande: à direita, (i) o Cor Art Ref Coutinho e Lima, que vai lançar muito proximamente o seu livro com o seu depoimento sobre a sua (polémica) decisão de retirar as NT e a população civil de Guileje, em 22 de Maio de 1973, na altura em que era major e comandante do COP 5; e à sua esquerda, (ii) o ex-Fur Mil Op Esp José Casimiro Carvalho, da CCAV 8350 (aqui, na foto, agradecendo ao seu antigo comandante, em seu nome pessoal e da sua família, a decisão de abandonar Guileje, decisão essa que terá salvo a vida a muita gente).
Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Luís Candeias, com data de 15/1/08. Não estava esquecida, aguardava apenas... melhor oportunidade editorial:

O Luís António Ricardo Candeias (1) foi Fur Mil Inf (BII 18 e BII 19, Ponta Delgada e Funchal, 1973/74). Não chegou a ser mobilizado para o ultramar. Mas ouviu histórias (e estórias) da Guiné, como estas que aqui nos conta. (Guileje era já, de resto, fértil em histórias, estórias, historietas, anedotas, no meu tempo, Junho de 1969/Março de 1971, em Bissau ou na Zona Leste)...

O Luís Candeias é natural da Ilha de Santa Maria, Região Autónoma dos Açores, onde é controlador de tráfego aéreo. É amigo do nosso amigo e camarada Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), miseravelmente denunciado por alguém de Bambadinca, um civil ou um militar, preso por pacifismo (?) pela PIDE/DGS no dia 1 de Janeiro de 1971, levado de helicóptero para Bissau e expulso do exército (2)... (LG)
Boa noite, Luís

Ao ver estas informações sobre os torpedos bengalórios (3), lembrei-me que, quando vim do Funchal para Ponta Delgada, encontrei aí vários Sargentos recém regressados da Guiné.

Recordo-me bem do Tavares de Melo, do Sabino e de um outro que acho que se chamava Oliveira. Este último era um senhor baixinho, de cabelo muito ralo, que tinha vindo de Guilejee onde tinha feito uma comissão numa altura em que tiveram que abandonar o aquartelamento várias vezes, só com a G3 (4).

Nas nossas conversas na Messe de Sargentos, contava-me ele que viviam permanentemente nas valas. Era na vala que ele tinha a máquina de escrever e que tratava das burocracias. Várias vezes ouvi-o muito zangado dizer que tinha arranjado umas rampas para lançamento de morteiros em cimento, onde colocavam as granadas de morteiro e ligavam os fios. Aquilo parece que permitia uns disparos diferentes que deixavam baralhadas as hostes contrárias.

Este facto ter-lhe-à merecido uma proposta de louvor que ficou em águas de bacalhau na sequência da revolução de Abril e a sua zanga vinha daí. O General Spínola que lhe prometera o louvor, não o chegou a dar e ainda por cima parece que levaram umas porradas por terem abandonado o aquartelamento para salvar a pele (5).

Também convivi de perto no Funchal com um capitão Faria, recém regressado da Guiné, e que acho que era este Capitão Sousa Faria, da CCAÇ 2548 aqui referido.

Tenho bem presente é que ele se fartava de me dizer que teve lá com ele um Furriel Enfermeiro que é meu conterrâneo (Valter Tavares) que ele dizia que era maluco.

Ao contar isso ao Valter e tentando entender o porquê daquela coisa do maluco porque o Valter que eu conheço não é maluco, contou-me que tinha sido por um disparo acidental da sua G3 dentro da caserna, numa operação de limpeza da arma.

Se a memória não me engana, isto aconteceu em Pirada.

Coisas daquela guerra que era uma loucura e que por isso deixou muita gente também maluca.

Um abraço

Luís Candeias
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Notas de L.G.:

(1) Sobre o Luís Candeias, vd. postev de 8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2421: Em busca de... (15): Pessoal da companhia madeirense que esteve em Jemberem (1973/74) (Luís Candeia, amigo do Arsénio Puim)

(2) Sobre o Arsénio Puim, vd. postes de:

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1925: O meu reencontro com o Arsénio Puim, ex-capelão do BART 2917 (David Guimarães)

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2433: Em busca de ... (16): Pessoal da CCAÇ 4946/73, madeirense + Arsénio Puim, ex-capelão, açoriano, BART 2917 (Luís Candeias)

16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2444: Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/BART 2917, hoje enfermeiro reformado e um grande mariense (Luís Candeias)

(3) Sobre os misteriosos torpedos bengalórios, vd. postes de

19 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2061: A odisseia esquecida de Gandembel / Balana (Nuno Rubim / Idálio Reis)

13 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2436: Diorama de Guileje (2): a casota do gerador Lister... Agora só faltam os torpedos bengalórios (Nuno Rubim)

15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2441: Diorama de Guiledje (3): Torpedos bengalórios (Idálio Reis /Nuno Rubim)

(4) Só pode ser a açoriana CCAV 8350, os Piratas de Guileje, que abandonaram Guileje no dia 22 de Maio de 1973, por decisão do comandante do COP 5, o então major Coutinho e Lima, juntamente com a população local e outras sub-unidades adidas.

Vd. Postes do José Casimiro Carvalho:

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G91

25 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1625: José Casimiro Carvalho, dos Piratas de Guileje (CCAV 8350) aos Lacraus de Paunca (CCAÇ 11)

Vd. postes de ou sobre o Coutinho e Lima:

7 de Outubro de 2008 >Guiné 63/74 - P3277: Memórias literárias da guerra colonial (4): A retirada de Guileje - 22 de Maio de 1973 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)

10 de Abril de 2008 > 10 de Abril de 2008 >Guiné 63/74 - P2744: Fórum Guileje (14): Folclore (Cap Inf José Belo) ou Gratidão (Cor Art Coutinho e Lima) ? A homenagem da população local

23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima

27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

(5) Sobre as estórias desta série, vd. postes já publicados anteriormente:

14 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2437: Estórias de Guileje (1): Num teco-teco, com o marado do Tenente Aparício, voando sobre um ninho de cucos (João Tunes)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2473 - Estórias de Guileje (2): O Francesinho, morto pela Pátria (Zé Neto † )

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gandembel (ex-Fur Mil Art Paiva)

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

30 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2492: Estórias de Guileje (5): Os nossos irmãos artilheiros Araújo Gonçalves † e Dias Baptista † (Costa Matos / Belchior Vieira)

31 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2493: Estórias de Guileje (6): Eurico de Deus Corvacho, meu capitão (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)

18 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2552: Estórias de Guileje (8): Como feri, capturei e evacuei o comandante Malan Camará no Cantanhez (Manuel Rebocho, CCP 123 / BCP 12)

23 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

7 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2729: Estórias de Guileje (10): os trânsfugas de Guileje, humilhados e ofendidos (Victor Tavares, CCP 121/BCP 12, 1972/74)

31 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2905: Estórias de Guileje (11): A besta do Celestino (Zé Neto † , CART 1613, 1966/68)

(Por lapso, houve um salto na numeração dos postes, de 11 para 13)

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2934: Estórias de Guileje (13): Com os páras, no corredor da morte: armadilhe-se o moribundo (Hugo Guerra)

6 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3176: Estórias de Guileje (14): O meu (in)subordinado de transmissões (Zé Carioca)

(6) Vd. poste de 15 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2440: História do BCAÇ 2879, 1969/71: De Abrantes para Farim: O Batalhão dos Cobras (1) (Carlos Silva)

Guiné 63/74 - P3313: Grandes acidentes (1): Oito mortos do Pel Mort 980, em 5 de Janeiro de 1965, no Rio Cacheu (Virgínio Briote)

Batalhão de Cavalaria 490. História da Unidade.
Guiné. Fevereiro 1963/Agosto 1965.


Com a História do BCav 490 nas mãos, oferta do Carlos Silva (que mantém um blogue com muita informação útil, especialmente sobre o Sector de Farim), ao folheá-la deparei com o relatório de um acidente de que, lembro-me agora, ouvi falar em finais de Janeiro de 1965.

Eram ainda os primeiros anos da Guerra na Guiné. Os meios escasseavam e a improvisação impunha-se mais que nunca.

Pelo interesse de que se reveste, transcrevo na íntegra o relatório assinado pelo Alf Inf José Pedro Cruz, que, se a memória me não atraiçoa, foi mais tarde Cmdt da CCav 489 e, posteriormente (talvez Set/Out 65), vim a encontrar no Xitole, como Cmdt de uma CCaç (de que já não me lembro o número).

vb

Revisão e fixação de texto: Carlos Silva e Virgínio Briote.
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Cópia do relatório do acidente, que se transcreve abaixo.


Batalhão de Cavalaria n.º 490

Pelotão de Morteiros n.º 980

Relatório do acidente que teve lugar em 5/01/1965

O Pel Mort 980 era constituído por 33 homens, incluindo o cmdt de Pelotão e os Furriéis (3), comandantes de Secção.

O Pelotão participava na Op Panóplia que se realizava na Península de Sambuiá, entre o rio do mesmo nome e o rio Talicó.

Para dar cumprimento à missão, o Pel embarcou na LFG Orion às 05h00 como estava previsto e foi transportado por este meio na direcção E-W pelo rio Cacheu. Como fora planeado, o navio passou pelo local de desembarque, local esse que fora reconhecido na véspera, até um ponto antes de Bigene. Aí, o navio inverteu a marcha e, como também fora planeado, foi então que o Pel desembarcou para o bote de borracha pertencente ao Exército no qual se faria o desembarque na Península de Sambuiá.



A LFG Orion no Cacheu. Foto do Lema Santos, com a vénia devida.

Embarcaram para o barco de borracha do Exército, 25 homens entre os quais se encontrava o Cmdt do Pelotão. Embarcámos também para esse barco todo o material e armamento necessário para se realizar o desembarque.´

Como seria mais seguro não embarcaram todos os homens nesse barco, que tem uma lotação aproximada de 30 homens, tendo o Comandante do navio posto à nossa disposição um barco de borracha pertencente à Marinha, no qual embarcaram simultaneamente os restantes homens do Pel Morteiros (8) assim como o restante material.

Os dois barcos seriam rebocados pela Orion"«, de maneira a estarem permanentemente encobertos das vistas de possíveis sentinelas existentes na Península onde se efectuaria o desembarque, junto ao rio Cacheu. Segundo notícias, essas sentinelas existiam. Os barcos onde eram transportados os homens do Pel Mort seriam afastados da Orion ao passarmos pelo local onde se realizaria o desembarque.

Antes do navio se pôr em marcha, foi passado um cabo por baixo do barco onde eram transportados os 25 homens, amarrado a um ferro existente no fundo do mesmo.

O navio recomeçou a marcha e, depois de ter navegado durante alguns minutos, o cabo que fora passado para rebocar o barco maior, rebentou pelo que o navio se afastou um pouco. Foi posto o motor do barco a funcionar e a recolagem fez-se sem qualquer incidente ou dificuldade.

Foi então que se passou um cabo mais forte para dentro do barco de borracha, ficando os próprios homens que o tripulavam a agarrar nesse cabo, sendo nessa altura avisado pelo Cmdt da Orion e depois por mim que, em caso de emergência, o cabo devia ser largado imediatamente. Foi nessa altura que eu chamei a atenção dos homens para a conveniência de se chegarem o mais possível para a ré, pois o barco rebocado teria a tendência a baixar a proa. Os homens assim fizeram.

A marcha recomeçou, não podendo eu avaliar a velocidade da Orion, pois ela, necessariamente, difere bastante (aparentemente), devido às diferenças de tamanho da Orion e do barco rebocado.

Depois de se navegar nestas condições alguns metros, notei que o barco de borracha deixava entrar água pela proa. Coisa sem importância, pois isso seria natural devido à ondulação provocada pela deslocação do navio rebocador.

Foi nesse momento que à ré do barco de borracha alguns homens se levantaram, talvez assustados pela água que saltava para dentro do barco. Mandei-os sentar imediatamente, mas o barco já se encontrava desiquilibrado de um dos lados e, sem nos dar tempo a qualquer reacção, afundou-se rapidamente.

Alguns homens que se encontravam dentro do barco sinistrado não sabiam nadar e, então, o pânico foi enorme.

Nadei para junto do barco que se encontrava voltado e icei-me para ele. Seguidamente e auxiliado pelo Soldado nº 1069/63 (1), fui aconselhando calma e ajudando alguns homens a içarem-se para para o barco voltado. Foi feito todo o possível para salvar o maior número de homens. Alguns não chegaram a vir à superfície uma única vez, talvez devido ao grande peso do equipamento, armamento e munições. Entre estes, dois eram bons nadadores.

Verifiquei então que se aproximava rapidamente um barco de borracha da Marinha, tripulado pelo próprio Cmdt da Orion, a qual se encontrava parada, afastada do barco sinistrado cerca de 80 metros.

Depois de se efectuar o transporte de todos os sobreviventes para bordo do navio, efectuaram-se pesquisas em todos os sentidos e recolheu-se todo o material que se encontrava a boiar.

Verifiquei imediatamente que tinham desaparecido no desastre alguns homens do meu Pelotão e varadíssimo material.

Ao subir para a Orion fui informado que dois homens se salvaram por terem ficado agarrados ao cabo do reboque, o que prova que o mesmo cabo não foi largado como foi aconselhado aos homens para o fazerem em caso de emergência.

Conclusões

1. O desastre deu-se, em grande parte, devido ao pânico de que os homens se apossaram.

2. O pânico foi devido à entrada da água pela proa do barco. Pânico natural, por muitos não saberem nadar.

3. Que a água entrou devido à ondulação provocada pelo deslocamento do barco rebocador e ainda devido à tendência do barco em baixar a proa, visto o cabo do reboque não ter sido passado por baixo do barco mas sim por cima, indo agarrado pelos próprios tripulantes do barco rebocado.

Recomendações

1. Tanto quanto possível evitar, nas operações em rios, homenss que não saibam nadar.

2. Nunca rebocar um barco com o cabo de reboque passado por cima do barco rebocado e agarrado pelos próprios homens do mesmo barco.

3. Sempre que possível, evitar reboques por meio de navio de peso elevado e de elevada velocidade.

No acidente pereceram os seguintes homens:

1.º Cabo n.º 1295/63- Arlindo dos Santos Cardoso
1.º Cabo n.º 2143/63- João Machado
Soldado n.º 2481/63- António Ferreira Baptista
Soldado n.º 2517/63- António José Patronilho Ferreira
Soldado n.º 2540/63- António Domingos Félix Alberto
Soldado n.º 2594/63- Joaquim Gonçalves Monteiro
Soldado n.º 3021/63- João Jota da Costa
Soldado n.º 3029/63- António Maria Ferreira

Quartel em Farim, 10 de Janeiro de 1965

O Comandante do Pel Mort 980

José Pedro Cruz
Alf Inf


Comentário do Comandante do BCav 490

Concordo com as conclusões e recomendações apresentadas. No que respeita à escolha dos homens que saibam nadar, creio que infelizmente é bastante teórica pois na maior parte dos casos terão que ser utilizados os efectivos disponíveis. Aliás, não basta saber nadar, pois como se verificou dois dos desparecidos eram até bons nadadores. A única solução parece-me que será dotar as Unidades de meios próprios para desembarques.

No caso presente é possível que o acidente se tivesse evitado se não tivesse havido necessidade de tomar medidas motivadas pela grande vulnerabilidade do barco de borracha.

O barco tem sido utilizado inúmeras vezes, nomedamente no percurso Farim-Binta e na travessia do rio Cacheu em Farim, deslocando-se pelos próprios meios e transportando até cargas mais elevadas, sem que a sua estabilidade desse lugar a reparos.

Quartel em Farim, 10 de Janeiro de 1965

O Comandante do BCav 490
Fernando Cavaleiro
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Nota:

1. Não consegui identificar o Nome deste Soldado.

Guiné 63/74 - P3312: Unidades que passaram por Sedengal (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Martins, ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5 - Gatos Pretos, Nova Lamego e Canjadude, 1968/70, com data de 10 de Outubro de 2008, com mais um valioso trabalho de pesquisa, que só a sua carolice permite concretizar:

Bom dia Camaradas
Em anexo segue a pesquisa sobre Sedengal

Um abraço e bom fim de semana.
José Martins

2. O presente texto teve início com a publicação do Post P3251 (*), publicado em 30 de Setembro de 2008, no blogueforanadaevaotres.blogspot.com, sob o tema “Notícias sobre o ataque a Sedengal em 21/12/1970".

O poste, da autoria do Coronel Matos Gomes, solicitava informações sobre o que escreveu Josep Sanches Cervelló, professor universitário em Tarragona, especialista em história sobre o 25 de Abril e a descolonização portuguesa.

Dia 21 de Dezembro de 1970, ataque do PAIGC ao aquartelamento Português de Sedengal, que causou onze mortos.

Pretendi colaborar nesta procura, tendo concluído que não só não havia registo do facto em si, mas também não constavam mortes neste dia, ocasionados por um ataque ao aquartelamento em questão.

Depois foi apenas necessário estender um pouco mais a pesquisa e, porque a história tem que ser contada por quem a viveu, aqui deixo a referência às unidades militares que passaram por Sedengal e, por arrastamento, àquelas que passaram por Ingoré que, questões de ordem militar, optaram por ser o local onde foi colocado, em tempo oportuno, a unidade que superintendia a acção das forças na zona.

Se observarmos o mapa da antiga Guiné Portuguesa, bem no norte junto à fronteira com o Senegal, nas coordenadas de 12º 24’ N e 15º 55’ W, encontramos Sedengal, cuja convenção nos indica ser Sede de Posto Administrativo, conforme carta geral da província, que pode ser observada no Blogue de Luís Graça & Camaradas da Guiné.

Na mesma página da net, procurando a carta correspondente a Sedengal, elaborada com base numa fotografia aérea datada de Março de 1953, observamos tratar-se de uma localidade que possuía Posto Sanitário, Posto Telefónico e Posto Alfandegária, dada a sua localização junto à fronteira.

O registo mais antigo, na época contemporânea, da presença de forças militares naquela localidade reporta-se a 03 de Abril de 1961, ainda não se tinham iniciado as hostilidades na província, onde se encontrava um pelotão da 1.ª Companhia de Caçadores Indígenas, aquartelado em Nova Lamego, na zona leste.

A 1.ª Companhia de Caçadores Indígenas fazia parte do dispositivo militar da Guiné e era constituída por militares do recrutamento provincial, enquadrada por oficias, sargentos e praças especialistas oriundos da metrópole tendo existência anterior a Janeiro de 1961. Em 01 de Abril de 1967 foi redenominada CCaç 3, mantendo a mesma estrutura de comando.

A 23 de Agosto de 1961, é efectuada uma reestruturação no dispositivo militar existente, regressando esta companhia a Bissau, mas deslocando o pelotão de Sedengal para Ingoré.

Ingoré é considerada, nos mapas já referidos, como um centro comercial ou uma localidade de menor importância, tendo apenas um Posto Sanitário. Esta povoação localiza-se em 12º 23’ N e 15º 37’ W, ligando a Sedengal por uma estrada principal aberta, normalmente, todo o ano.


Foto Google

Nas pesquisas efectuadas não encontramos dados que nos permitam afirmar a continuidade de tropas em destacamento permanente, quer em Sedengal quer em Ingoré. Registamos que a CCaç 252 [mobilizada no RC 3 – Estremoz - embarque em 01 de Agosto de 1961 e regresso em 06 de Novembro de 1963] actuou em acções de soberania e de contacto com as populações, com efectivos e em períodos variáveis, na região de Ingoré.

Esta subunidade, CCav 252, que actuava sob a orientação do BCaç 239 [mobilizado no BC 9 – Viana do Castelo - embarque em 28 de Junho de 1961 e regresso em 24 de Julho de 1963] deixou Ingoré em 28 de Julho de 1963 por entrada em sector de outras unidades.

Nessa data, 28 de Julho de 1963, assumiu a responsabilidade do subsector de Ingoré, então criado, a CCaç 462 [mobilizada no BC 10 – Chaves - embarque em 14 de Julho de 1963 e regresso em 07 de Agosto de 1965], que destacou um pelotão para Sedengal. Esta subunidade estava integrada no dispositivo e manobra do BCaç 507 [mobilizado no RI 2 – Abrantes - embarque em 14 de Julho de 1963 e regresso em 29 de Abril de 1965].

A CCaç 462 é rendida, por troca em 12 de Novembro de 1964, pela CCav 567 [mobilizada no RC 3 – Estremoz - embarque em 29 de Outubro de 1963 e regresso em 27 de Outubro de 1965], que mantém um pelotão a guarnecer o destacamento de Sedengal

O Sector O1 (Oeste) com sede em Bula e a que pertence o subsector de Ingoré e, logicamente, o destacamento de Sedengal, está sub a responsabilidade do BCav 790 [mobilizado no RC 7 – Lisboa - embarque em 23 de Abril de 1965 e regresso 08 de Fevereiro de 1967], que, em 20 de Outubro de 1965 recebe, por troca com a CCav 567, uma das unidades pertencentes ao seu comando original, a CCav 788 [mobilizado no RC 7 – Lisboa - embarque em 23 de Abril de 1965 e regresso 08 de Fevereiro de 1967], que assume a responsabilidade do subsector de Ingoré e destaca forças para Sedengal.

Em 19 de Outubro de 1965 é criado o Sector O1-B, com sede em S. Domingos, que passa a abranger a área onde se encontra Ingoré e Sedengal, sendo o comando assumido pelo BCaç 1894 [mobilizado no RI 15 – Tomar - embarque em 30 de Julho de 1966 e regresso em 09 de Maio de 1968], para cuja dependência passa a CCav 788 até à sua substituição

Foto Google > Comando de Sector O1 Bula – coordenadas 12º 06’ N e 15º 42 W - Comando de Sector O1 B S. Domingos - coordenadas 12º 24’ N e 16º 12 W

A substituição da CCav 788 ocorreu em 11 de Janeiro de 1967, com a entrada no subsector da CCav 1482 [mobilizada no RC 7 – Lisboa - embarque em 20 de Outubro de 1965 e regresso em 27 de Julho de 1967], que assumiu o comando e enviou um pelotão para guarnecer Sedengal.

A CCaç 1590 [mobilizada no RI 15 – Tomar - embarque em 3 de Agosto de 1966 e regresso em 09 de Maio de 1968], que fazia parte do BCaç 1894 [mobilizada no RI 15 – Tomar - embarque em 30 de Julho de 1966 e regresso em 04 de Maio de 1968], é atribuída ao mesmo para reforço e execução de operações no seu sector, ficando instalada em Ingoré entre 03 de Dezembro de 1966 e 04 de 04 de Maio de 1967.

Mais tarde, em 13 de Julho de 1967, rende a CCav 1482 e assume a responsabilidade do subsector de Ingoré, com o destacamento de Sedengal, guarnecendo o mesmo com um pelotão.

Esta subunidade recebe a CCaç 1801, entre 04 de Novembro de 1967 e 11 de Dezembro de 1967, para efectuar a instrução de aperfeiçoamento operacional e operações sob a orientação do BCaç 1894.

A CCaç 1801 [mobilizada no BC 10 – Chaves - embarque em 26 de Outubro de 1967 e regresso em 20 de Agosto de 1969], regressa a Ingoré para reforçar o BCaç 1894, para actuação nas operações realizadas, e depois integrado no dispositiva de manobra do BCaç 1913 [mobilizada no RI 15 – Tomar - embarque em 27 de Setembro de 1967 e regresso em 16 de Maio de 1969], quando em 23 de Abril de 1968 assume a responsabilidade do subsector de Ingoré, destacando um pelotão para Sedengal.

A CCav 2540, pertencente ao BCav 2876 [mobilizadas no RC 3 – Estremoz - embarque em 19 de Julho de 1969 e regresso em 04 de Junho de 1971], entram em sector em 01 de Agosto de 1969, tendo a CCav 2540 sido destacada para Ingoré, com um pelotão destacado em Sedengal.

Em 10 de Maio de 1971, a CCav 3364, integrada no BCav 3846 [mobilizadas no RC 3 – Estremoz - embarque em 3 de Abril de 1969 e regresso em 08 de Março 1973], substituem no sector e subsector de Ingoré, as unidades antecedentes, sendo destacado, como do anterior, um pelotão para Sedengal da CCav 3364.

As unidades referidas no anterior, são substituídas pelo BArt 6522/72 e pela sua 3.ª Comp/BArt 6522/72 [mobilizadas no RAL 5 – Penafiel - embarque em 6 de Dezembro de 1972 [3.ª Companhia em 7, 11, 14 e 15 de Dezembro de 1972), por via aérea e regresso entre 30 De Agosto e 03 de Setembro de 1974], em Ingoré, a 13 de Fevereiro de 1972, depois de terem efectuado o treino operacional e a sobreposição. A 3.ª Comp/BArt 6522/72. Destacou um pelotão para Sedengal.

Em 13 de Março de 1973 a 3.ª Comp/BArt 6522/72 foi colocada em Sedengal, assumindo a responsabilidade do subsector, então criado, destacando dois pelotões para reforço de Ingoré.

Sedengal – Vista aérea actual - Foto Google

O destacamento de Sedengal foi desactivado e entregue ao PAIGC em 30 de Agosto de 1974, tendo as tropas regressado a Bissau para aguardar embarque de regresso.


José Martins
Fur Mil Trms Inf
CCaç 5 - Gatos Pretos
Nova Lamego e Canjadude
Junho de 1968 a Junho de 1970
CTI Guiné
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Nota de CV

(*) Vd. poste de 30 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3251: Em Busca de ... (41): Notícia sobre o ataque a Sedengal, em 21/12/1970 (Cor Carlos Matos Gomes)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3311: O Nosso Livro de Visitas (35): Fernando Nunes, ex-Fur Mil Art da CART 2732, Mansabá, 1970/72 (Carlos Vinhal)

1. Perdoem-me os camaradas por estar a utilizar abusivamente tempo de antena no nosso Blogue, mas fiquei cheio de contentamento quando vi um comentário ao meu poste 3293 (*), do meu camarada, amigo e companheiro do 3.º Pelotão da CART 2732, Fernando Nunes. Para completar a minha alegria só falta vir ao nosso contacto o outro camarada, o Correia que tinha (terá) morada em Lisboa.

Nos primeiros 5 ou 6 meses de comissão, não lhes fiz companhia no mato por estar impedido na Secretaria do Comando e, mesmo durante o resto do tempo que permanecemos em Mansabá, salvei-me de algumas operações em que o Nunes, o Correia, o Alf Bento e todos os bravos rapazes do meu Pelotão participaram estoicamente ao longo dos 22 meses ali passados.

Para não julgarem que eu era um desenfiado, esclareço que acumulava alguma actividade operacional, as minas e armadilhas da Companhia (com a colaboração do camarada Sousa), impedimento na Secretaria e gestão dos bares.

Aqui fica a transcrição do comentário do Nunes:

Amigo Vinhal... não dormiste descansado nessa noite de 21 de Abril de 1970... dizes tu...
E eu tambem não, claro!
Mal chegamos... nem nos deram tempo para respirar um pouco...
Mas o pior estava para vir... longos 23 meses... esses que passamos juntos.

Fernando Nunes
Ex-furriel miliciano ... do nosso 3.º pelotão.

Tantas histórias para contar!!! Verdadeiras histórias de um passado longínquo... mas tambem tão próximo!



GAG2 - Funchal - Madeira, 07ABR70 > Nunes, Vinhal e Correia, aquando da entrega do Guião da CART 2732

Guião da CART 2732, cuja divisa era "Nam Acham Quem Por Armas Lhe Resista"

Em minha casa > 28SET06 > O Nunes, à esquerda e o Ornelas, que vive no Porto Santo. Enquanto as mulheres dormitavam, falou-se de guerra até de madrugada.

CV
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Nota de CV

(*) Vd. poste de 11 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3293: O meu baptismo de fogo (7): Mansabá, 21 de Abril de 1970 (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P3310: Estórias de Mansambo I (Torcato Mendonça, CART 2339) (13): Encontro em Bissau: o nosso homem de Missirá...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato Mendonça... e o seu periquito de estimação.

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Direitos reservados.

Texto enviado em 19 de Setembro de 2007, pelo Torcato Mendonça , Fundão. Faz parte de um lote de escritos, a que ele deu o nome de Estórias do José, o seu alter ego. Por razões de conveniência editorial, parte destas estórias estão a ser publicadas sob a série Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1). Esta corresponde à nº 9 (Encontro com o homem de Missirá), das Estórias de José...

O Torcato Mendonça, juntamente com o Carlos Marques dos Santos, tem sido um dos incansáveis construtores do campo fortificado de Mansambo a alimentar o nosso blogue... Um especial Alfa Bravo para os dois: O Torcato, ou o José - já não sei muito bem - entrou na nossa Tabanca Grande pela mão do Carlos, tertuliano da primeira hora... Um e outro precisam agora de mais cuidados com a saúde. Alegra-me saber que os nossos dois amigos e camaradas estão bem e recomendam-se!...

2. Estórias de Mansambo > Encontro, em Bissau, com o homem de Missirá

por Torcato Mendonça Fim de Julho ou já início de Agosto [de 1968], eu e o Capitão Miliciano Vaz, do Xime (2), sentados a uma mesa do bar de Sta. Luzia, em Bissau, bebíamos algo matando a sede e desgastando, o mais possível, a passagem do tempo.

Íamos, dentro de breves dias, de férias.

Conversa trivial que não recordo. Talvez sobre fotografia. O Cap Vaz era excelente fotógrafo. Tive ocasião de o constatar quando a minha Companhia recebeu, da dele, o treino operacional. Fizemos várias operações juntos. De guerra não falávamos certamente, pois dessa, aos poucos, nos íamos tentando libertar.

Acalmávamos, assim, a ansiedade da partida próxima para a Metrópole. Se nessa altura soubéssemos as virtudes da água pú… De repente, aparece junto de nós um Alferes. Alto, aparência de recém-chegado à Guiné, cara de pouca barba, olhar por detrás de óculos de intelectual da época.

Disparou a pergunta, após o cumprimento:
- Estão na zona de Bambadinca?
- Estamos - respondeu o Capitão Vaz, convidando-o a sentar-se.

A conversa não foi longa. Ele ia para Bambadinca e queria informações. Gracejando, demos as informações possíveis. Ele agradeceu, despediu-se e saiu.

Olhamos um para o outro e nada dissemos. Volteamos os copos, pensando certamente nas nossas gentes lá no mato.

Quanto ao Alferes periquito, pareceu-me mais homem de secretária do que de combate.

Olhei para o Capitão e disse:
- Para onde irá? Creio que o Alferes do Pel Caç de Missirá/Finete acabou a comissão. Talvez o vá substituir. Está lá o Zacarias Saiegh.

Bom combatente, excelente condutor de homens, este guineense com sangue libanês era um Furriel Miliciano, nosso conhecido. Falei com ele várias vezes e fizemos operações juntos. Recordo uma na zona do Enxalé. Operação Gavião, juntamente com a 2338 e o Pel Caç Nat 53. Tratou-se da destruição Sinchã Camisa, Madina e Belel. As nossas tropas sofreram um morto, Tura Baldé, picador no Xime. O IN sofreu vários mortos confirmados. O pior, além das várias flagelações sofridas, foi os ataques de abelhas.
- Baguera, baguera!!! - era o grito a avisar a vinda dos terríveis insectos.

Com tecto baixo, não podia haver evacuações. Alguns militares estavam em perigo por alergia às picadas. Felizmente uma coluna auto, vinda do Enxalé, esperou-nos na zona de São Belchior. Assim foram transportados os feridos e os mais debilitados. Mais uma vez, no decurso desta operação, constatei a maneira de comandar e combater do Saiegh. Excelente (*).

Voltando a Bissau:

Passaram depressa os poucos dias e embarcámos para a Metrópole. Mais depressa me pareceram passar os dias de férias. A Bissau regressei e rapidamente fui para o mato.

Voltei a ver o tal Alferes. Estava em Missirá. Porte altivo, passada longa, meia verde por cima da calça camuflada, aspecto decidido. Não parecia o homem que encontrara em Bissau.

Falámos algumas vezes e fizemos operações juntos. Bom combatente, determinado a comandar os velhos militares do 52.

As aparências iludem.

Quase quarenta anos depois, volto a dele ouvir falar. Hoje, leio, e releio, o que ele escreve sobre a sua guerra e as leituras de então. Soube, agora, ter sido conhecido como Tigre de Missirá (3)...Oh Beja Santos, quem tal alcunha te deu lia Sandokan ou foi homenagem ao teu espírito e acção combativos? Os Espíritos do Cuor te protejam.

A minha Companhia acabou, tempos antes da chegada do Beja Santos a Missirá, com as idas ao Mato Cão e à margem direita da Geba. Concentrámo-nos mais com a intervenção e construção de Mansambo.

Sobre a margem esquerda, as populações do Nhabijões sempre jogaram com um pau de dois bicos, naquele tempo... Sabia-se e, se dúvidas hoje houverem, pergunte-se aos que ainda estão vivos. Será assunto a merecer outro tratamento. Claro que cambavam o rio e estavam bem informados.

Grande parte dos carregadores, da minha Companhia, na [Op] Lança Afiada (4) era balanta, dos Nhabijões. Contratados de propósito. Os Fulas não queriam. Mas eles foram. Caímos na primeira emboscada e ei-los, sem ordem de ninguém, a colocarem-se junto das armas cujas munições carregavam. Outros apontavam para certos locais… Bom treino recebido... das NT, não claro!

Relembro, tempos antes, uma ida minha lá. O velho chefe de aldeamento respondeu sempre em balanta, por dignidade, às questões por mim colocadas. Numa, se bem me lembro, dizia-me o intérprete:
- Ele diz : 'Se vem homem do mato e ele não deixa levar mantimentos ou avisa tropa, leva… Se tropa sabe, 'leva' também... Que fazias tu?
- Eu ? ...Bem...eu...

Eu parti cigarro com ele e…
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(*) Nota do autor – O Zacarias Saiegh regressou a Bissau e continuou como militar. Mais tarde ingressou na 1ª Companhia de Comandos Africanos.

Era Capitão Comando do Exército Português, quando a Guiné se tornou independente. Acabou por ser fuzilado. A minha singela, mas sentida, homenagem a um Grande Combatente (5)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. estórias já publicadas:

14 de Março de 2007> Guiné 63/74 - P1594: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (1): A dança dos capitães

16 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1666: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (2/3): O Zé e o postal da tropa

25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1785: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 239) (4): Burontoni, mito ou realidade ?

27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1892: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (5): O Casadinho e o Bessa, os mortos do meu Gr Comb, os meus mortos

7 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1929: Estórias de Mansambo (6): Matilde

17 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2055: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (7): Eleições à vista...

21 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2122: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (8): Marcha, olha para mim, com ódio, peito erguido, cabeça levantada...

28 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2139: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Amigos mais velhos

15 de Dezembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2353: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (10): Devolvam o bode ao dono... e às cabras de Fá Mandinga, terra de Cabrais

12 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2527: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (11): Na Bor, Rio Geba abaixo, com o Alferes Carvalho num caixão de pinho...

18 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2960: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (12): Eu, virgem, me confesso

(2) Cap Vaz, comandante da CART 1746 (1967/69) que será substituída, como unidade de quadrícula do Xime, pela CART 2520 (1969/1970), contemporânea da minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Há tempos o Humberto Reis fez-me vir à memória a imagem desses velhinhos da CART 1746 que lá estavam lá, no cais do Xime, com um grande lençol branco onde estava escrito: "O que custa mais são os primeiros 21 meses"... Justamente quando nós - CCAÇ 12 e outros periquitos desembarcámos da LDG, na manhã de 2 de Junho de 1969)... Na mesma LDG, vinha a CART 2520 que veio substituir a CART 1746... (Gilberto Madaíl, uma conhecida figura pública ligada ao mundo do futebol, foi alferes milicianos nesta unidade).

(3) Sobre o Tigre de Missirá, vd. postes de:

26 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P911: Uma mina para o 'tigre de Missirá' (Luís Graça)

15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1076: O álbum das glórias (Beja Santos) (4): eu e o coronel Cunha Ribeiro, o nosso 'major eléctrico'

9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1161: O nosso Major Eléctrico, 2º comandante do BCAÇ 2852 (Beja Santos)

28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2138: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (3): Op Pato Rufia (Xime, Setembro de 1969)

(...) O actual Coronel na reforma Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro, que foi segundo comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a partir de Setembro de 1969, altura em que substitui o major Viriato Amílcar Pires da Silva, transferido por motivos disciplinares, era um homem muito energético, hiperactivo, falador, conhecido, entre as NT, como o Major Eléctrico... Foi ele que deu o nome de guerra, Tigre de Missirá, ao Beja Santos (...).

(4) Total dos efectivos empregues (n=1291) na Op Lança Afiada, que decorreu durante 10 dias: a) Militares: 36 oficiais; 71 sargentos; 699 praças; b) Milícias: 106; c) Guias e carregadores 379. Comandante: Coronel Hélio Felgas.

Vd postes de:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(5) Sobre o malogrado Zacarias Saiegh:

Zacarias Saiegh, ex-Fur Mil do Pel Caç Nat 52, ainda no tempo do Beja Santos, e depois Alferes, Tenente e Capitão da 1ª Companhia de Comandos Africanos. Participou no 25 de Abril de 1974. Mas foi posteriormente executado, no seu país, em Portogole, a 18 Dezembro de 1978, quatro anos depois da independência, segundo informações recolhidas no livro Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo, Ed. Prefácio, 2007.

De origem sírio-libanesa, já foi aqui evocado várias vezes, nomeadamente pelo Mário Beja Santos que com ele privou, em Missirá, a par do Torcato Mendonça, entre outros:

Vd. posts de:15 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLIII: O Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e eu abracei-o (Torcato Mendonça

(...) O Zacarias Saiegh [da 1ª Companhia de Comandos Africanos] foi meu amigo. Era um homem extraordinário, ele e outros que foram meus camaradas e foram fuzilados. Nunca os esqueço e não sei perdoar (...).

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1008: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (2): o saudoso Pimbas, 1º comandante do BCAÇ 2852

(...) Segundo informação do Beja Santos, o Pel Caç Nat 52 esteve um ano sem alferes, sendo comandado por Zacarias Saiegh, então furriel miliciano, que mais tarde ingressou na 1ª Companhia de Comandos Africanos, aonde chegou ao posto de capitão. Comandou esta lendária companhia, depois da morte em combate do Capitão João Bacar Jaló, tendo sido fuzilado pelo PAIGC após a independência: vd post de 23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1038: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (6): Entre o Geba e o Oio, falando do Saiegh e dos meus livros

(...) Saiegh na véspera, depois do jantar, dera-me um sinal de cortesia levando-se ao seu abrigo para bebermos um uísque. Olhando à volta do seu ambiente privado, vi frascos que me lembraram aqueles que se encontram nos laboratórios de biologia. Vendo-me intrigado, sopesando as palavras mas atirando-as a frio, esclareceu-me:
- São restos dos meus despojos. Aproveito sobretudo orelhas.

Aclarei a voz e fui cortante:
- Saiegh, ainda nada sei desta guerra, mas asseguro-lhe que a partir de hoje não haverá despojos humanos, nem relíquias nem troféus. Não trago ódios nem os vou despertar. Recordo-lhe que esta disposição é irrevogável.

Os olhos de Saiegh cuspiram fogo, mas ele conteve a dimensão da chama. Com o tempo, virei a saber que este descendente de sírio-libaneses também se movia por razões raciais, independentemente dos seus interesses económicos têm sido profundamente afectados pela luta de guerrilhas. O nosso conflito estava armado, mas passados estes anos todos reconheço que ele me deu uma colaboração exemplar, apagando-se progressivamente do mando e da decisão militar. Irei chorar amargamente no dia em que soube do seu fuzilamento (...).


16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1081: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (11): Matar ou morrer, Saiegh ?

(...) Em meados do mês de Agosto, regressávamos do abastecimento em Bambadinca quando o Saiegh me mostrou triunfante, enquanto esperávamos a piroga, as insígnias em plástico que ele concebera para o Pel Caç Nat 52: era uma coisa assim apiratada com caveira e tíbias, um verde fluorescente e a frase "Matar ou Morrer". O meu olhar gelou e o Saiegh não resistiu a dizer-me: - Já vi que não gosta. Será por a iniciativa ser minha? (...).

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2317: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (11): O fantasma de Infali Soncó

(...) O encontro com o Saiegh é muito agradável, tão agradável que vamos a pé pela estrada de Santa Luzia, onde nos despedimos prometendo eu uma visita a Fá, dentro de semanas. Tal nunca veio a acontecer, estou a despedir-me do Saiegh pela última vez, guardo o seu sorriso e a sinceridade da sua estima, tudo me vem à lembrança no dia em que soube do seu fuzilamento, oito anos depois (...)..