terça-feira, 2 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5921: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (10): Os patos pagos pelo pato

1. Mais uma história do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 28 de Fevereiro de 2010. Nesta, o feitiço virou-se contra o feiticeiro.


OS PATOS PAGO PELO PATO

As instalações dos sargentos da Cart 643 em Bissorã que mais tarde foi bar da Companhia seguinte, edifício geminado de um lado com uma casa, mas do outro afastado talvez uns 5 metros da propriedade vizinha, havia um portão de madeira, que dava acesso ao logradouro tardoz.

Certo dia, estando eu a escrever um "bate-estradas", debaixo da cobertura junto à porta principal, reparei que diversos animais como galinhas tradicionais, galinhas do mato, as chamadas fracas, cabritos, patos normais e gansos, andavam errantes esgravatando uns, comendo erva outros, ali pela frente dos alojamentos. No momento tive uma ideia luminosa, chamei o impedido, o Ventoinha, mandei-o ao Cabo do Rancho o Adérito, para que lhe desse uma pequena quantidade de arroz. A minha ideia foi levada à prática, era fazer um carreiro de arroz até dentro do quintal, para que os animais entrassem, fechar o portão e proceder à matança, com a consequente ocultação das provas, como penas, peles, etc., que seriam enterradas.

Se assim o pensei e ordenei, melhor o Ventoinha o fazia, todas as semanas havia petisco para alguns Sargentos, assim depois do produto limpo era levado à D. Maria do senhor Maximiano, para que durante a tarde houvesse lanche ajantarado.

Durante muito tempo assim aconteceu, mas como em tudo há sempre um dia que as coisas não correm como nós queremos.
Certo dia, fui mais uma vez voluntário numa coluna Bissorã/Olossato, a chamada carreira de tiro, como tantas vezes fazia, era a ajuda que eu podia dar aqueles camaradas tão sacrificados, pois a minha Especialidade era de Manutenção Auto que me dava pouco que fazer, então lá ia eu, até que um dia fui ferido com certa gravidade, mas não me arrependo, fiz aquilo que todos deviam fazer, ajudar a equilibrar o sacrificio. Mas voltando à história, antes da saida atrás descrita e depois de três gansos darem entrada no quintal, dei ordem ao Ventoinha para os levar depenados e arranjados como de costume à D. Maria.

Entretanto ele foi chamado ao Capitão para desempenhar uma tarefa e como viu que não tinha tempo para fazer o nosso serviço foi entregar por depenar, mas já mortos, os gansos à senhora, que por sua vez e por não ter oportunidade os levou a uma vizinha, que claro que como se está mesmo a ver era a dona dos animais.

Quando cheguei já no fim do dia, tinha uma senhora à minha espera junto aos alojamentos, era a mulher de um cabo-verdiano de nome Pedrinho, que me disse de rompante:

- Senhor Furriel tenho a receber já 60 pesos, 20 de cada pato ganso.

Eu ainda hesitei, ela percebendo ameaçou-me logo que ia ao Capitão Silveira, que não era para brincadeiras. Claro que paguei de imediato, tomei o meu banho, e lá fui para o petisco onde me esperavam os meus amigos.

No fim do repasto contei o que tinha sucedido, pedindo a divisão da despesa e obtive como resposta:

- Oh Rogério, estes Gansos souberam-nos a "PATO", e claro com esta resposta não vi o patacão.

Bissorã > Casa do senhor Maximiano, onde a maior parte da sargentada "matava a fome"

Bissorã > Estação dos Correios
Fotos: © Ex-Fur Mil Geraldo da CART 643. Direitos reservados


Mansoa > 1970 > Edifício dos CTT de Mansoa. Seria assim o de Bissorã, à época.
Foto: © César Dias. Direitos reservados

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5900: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (9): Memórias da viagem no Uíge, de 4 a 10 de Março de 1964

Guiné 63/74 - P5920: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (6): Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos (Beja Santos)

Jangada para travessia do Rio Corubal, no Che-che.
© Foto de José Azevedo Oliveira, com a devida vénia.




1. Notícia da Agência Lusa sobre a Missão da Liga dos Combatentes no resgate de corpos de camaradas vítimas da tragédia do Cheche, enviada pelo nosso camarada Mário Beja Santos em mensagem de 26 de Fevereiro passado:


Guiné-Bissau: Missão da Liga dos Combatentes resgata corpos da "Tragédia de Cheche"

Coimbra, 18 Fev (Lusa) - Uma equipa da Liga dos Combatentes parte segunda-feira para a Guiné-Bissau para proceder à exumação de corpos de soldados falecidos na guerra colonial e visitar novos locais onde poderá haver mais sepulturas.

O general Chito Rodrigues, presidente da Liga, adiantou à Agência Lusa que a primeira parte da missão compreende o reconhecimento de algumas áreas onde poderá haver alguns corpos.
A equipa técnica, coordenada pela antropóloga Eugénia Cunha, ligada ao Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) e à Universidade de Coimbra, parte no dia 26 de Fevereiro e regressa a Portugal a 06 de Março.

Desta vez, a equipa técnica, que integra ainda as estudantes de doutoramento Teresa Ferreira e Sónia Godinho, bem como o técnico de antropologia forense do INML Gonçalo Carnim, terá por missão o resgate de corpos na margem do rio Corubal, enterrados na sequência do naufrágio que vitimou cerca de meia centena de combatentes a 06 de Fevereiro de 1969, e que ficou conhecido como “a tragédia de Cheche”.

Segundo relatos de antigos combatentes, nesse naufrágios perderam-se ainda grandes quantidades de equipamentos, e aconteceu na sequência da retirada de Madina do Boé, cercada pelo PAIGC, que simbolicamente consideram como o começo do fim da guerra colonial na Guiné, e o local onde foi proclamada unilateralmente a independência a 24 de setembro de 1973.

Eugénia Cunha disse à Agência Lusa que esta quinta missão que realiza na Guiné-Bissau para resgate de corpos torna-se mais complexa do que as anteriores por se tratar de uma vala comum e não se saber como nela foram depositados os corpos.
“É uma incógnita”, referiu, afirmando que nesta vala em Cheche devem estar “não mais de 15 ou 17” corpos, de acordo com testemunhos recolhidos.

Em Novembro de 2009 foi realizada uma prospeção geofísica no local onde agora será escavada a vala, que poderá trazer outras surpresas em termos de conservação, por se encontrar numa zona húmida próxima do rio Corubal.

Após a abertura e exposição dos restos mortais na vala, a equipa técnica procederá à elaboração da ficha antropológica individual, com a indicação do sexo, se era jovem ou não, a estatura, e se a morte foi traumática ou não.

Após o resgate dos restos mortais, eles serão depositadas num ossário numa capela recuperada na cidade de Bissau, junto ao cemitério onde estão sepultados 325 combatentes. Dos 50 recuperados nas quatro missões anteriores, 41 encontram-se depositados naquele ossário, e nove foram trasladados para Portugal a pedido das respetivas famílias.

No entendimento do general Chito Rodrigues, na zona de Cheche poderão encontrar-se “oito ou nove” restos mortais, porque se trata de uma zona junto ao rio, cujas margens são hoje diferentes, tendo sofrido o efeito da erosão ao longo dos anos, e por essa razão alguns poderão já ter-se perdido.

Eugénia Cunha disse que esta poderá ser a última missão que realiza na Guiné-Bissau se não forem identificados outros locais onde se encontrem restos mortais de combatentes.

O general Chito Rodrigues adiantou que será erigido, em Bissau, um monumento ao combatente, de partilha de memórias portuguesa e guineense.

Em 2011, a Liga dos Combatentes poderá dar início à recuperação de restos mortais de soldados em Moçambique.

Lusa/fim

Com a devida vénia à Agência Lusa
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de22 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5866: Ainda o desastre de Cheche, em 6 de Fevereiro de 1969 (5): uma versão historiográfica (?) (Luis Graça)

Guiné 63/74 - P5919: Blogoterapia (146): E tu, quem és? Já se passaram muitos anos (Fernando Santos)

Texto Fernando Silva Santos* (ex-Soldado Informações e Operações de Artilharia, BAA 3434, Bissau, 1971/73), enviado pelo nosso camarada Jaime Machado em mensagem de 1 de Março de 2010.


E tu, quem és?
Já se passaram muitos anos...


Abril ainda baila nos corações nostálgicos de quem ainda tão novo, foi embalado nas ondas do Atlântico ao encontro daquela terra vermelha com sabor africano.

Era um tempo de saltimbancos e de biscates silenciosos, de andorinhas e de melros que cantavam ao fim da tarde nos jardins das casas burguesas. Mas era, igualmente, um tempo de mar e de traineiras, um tempo operário e clandestino, com a Fábrica das Redes, a Algarve Exportadora, a Oliveira & Ferreirinhas e tantas, tantas outras empresas do nosso Matosinhos a verem partir os seus colaboradores para a guerra colonial.

O destino era África e as colónias portuguesas.

Naquele tempo, era muito difícil explicar aos rapazes jovens o “porquê” de terem de combater numa extensão territorial muito diferente do solo que os vira nascer. Era um tempo diferente. Um bocado à imagem da submissão instituída e da divisão por sexos, com escolas para meninas e escolas para meninos. Era um tempo em que os rapazes jogavam à bola na rua, em renhidas peladinhas do “muda aos seis e acaba aos doze” e, as meninas, faziam casinhas de brincar para desenvolverem a sua capacidade para a procriação, para no futuro cuidarem da casa, do maridinho, dos filhos e desenvolverem o modelo de mulher como um dia o sonhou Filipa de Vilhena.

Mas nesse tempo dos nossos vinte anos, existia uma coisa muito bonita que era o “respeitinho!”

Naquela altura, nos transportes públicos, as pessoas levantavam-se dos seus lugares, para o oferecerem a uma mulher grávida ou a uma pessoa mais velha que, entretanto, viajava de pé.

E hoje?

Naquela altura, os pais eram mesmo “Encarregados de Educação” e os professores eram respeitados nas escolas e nas salas de aulas.

E hoje?

Naquela altura a utopia vestia-se de vários encantos. Até o puritanismo era diferente; aliás, não era senão uma forma de enganar desejos ocultos e assentes, na maioria das vezes, nos tabus impostos pela política dominante.

E estávamos na década de sessenta e depois, apareceu a década de setenta do século passado!...

Foi um tempo de Coimbra, de Maio, de uma Seara Nova e dos Movimentos estudantis. Foi, igualmente, um tempo de Miller Guerra, de Sá Carneiro, de Francisco Balsemão e de outros liberais que, na então Assembleia Nacional, representavam a mudança que Abril mais tarde protagonizou.

E nós, éramos jovens.

A maioria de nós, éramos mesmo muito jovens.

Passei muitos anos que tinha jurado a mim mesmo nunca mais falar disso. Nem à minha mulher, nem aos meus filhos, nem aos meus amigos. Percebo agora que fiz mal. Devia ter contado a toda a gente para que toda a gente soubesse o que foi a Guerra e em especial a Guerra na Guiné-Bissau.

Hoje, numa espécie de catarse, tento recuperar o tempo perdido e sempre que posso, confraternizo com os camaradas que estiveram, igualmente, naquele território africano.

Graças à persistência e convivência destes camaradas, que há tempos se juntam num almoço em Matosinhos, com o fim de sedimentarem camaradagens e amizades antigas, foi criada recentemente, uma Associação, para ajuda ao povo guineense. E quando a causa é Solidariedade, todas as acções são bem vindas.

Amanhã, Sábado dia 6 de Março, aqui num Restaurante em Matosinhos, um grupo considerável de matosinhenses que têm em comum, um dia terem sido mobilizados para a Guiné-Bissau, vão confraternizar num almoço de camaradagem e de saudade e perante proeminentes barriguinhas e névoa em alguns cabelos, vão recordar a generosidade esbelta da sua juventude e perguntar ao camarada do lado:

- E tu, quem és?

- Em que zona da Guiné estiveste?

E perante o desfilar das recordações vai ser bonito ouvir balbuciado nos lábios destes combatentes, novamente, a palavra “Pátria”.

f.silvasantos@netcabo.pt

OBS:- Este texto de Fernando Santos, que é colunista do Jornal de Matosinhos, vai ser publicado no próximo dia 5 de Março neste periódico.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Novembro de 2009 Guiné 63/74 - P5318: Blogoterapia (130): A guerra exisitu!... (Fernando Santos)

Vd. último poste da série de 20 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5852: Blogoterapia (145): Considera que Portugal valoriza os seus ex-combatentes? (Carlos Cordeiro)

Guiné 63/74 - P5918: Blogpoesia (66): Querida Pátria (Albino Silva)

1. Mensagem de Albino Silva* (ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70), com data de 25 de Fevereiro de 2010:

Pois é Carlos Vinhal
Chamas de poeta a quem não é, e agora atura-me.
Pois aqui te envio mais estes lamentos, que na verdade já os escrevi há bastante tempo, mas acredita que tenho sido um pouco preguiçoso, mas agora estou deveras decidido em que toda a Nossa Tabanca Grande passe algum tempo com aquilo que eu próprio vou escrevendo.

Na verdade eu gosto muito de escrever, e para testemunhar isso só poderiam ser as Madrinhas de Guerra, pois sempre cumpri meu dever para com elas, levando para o SPM seis aerogramas diários, que passavam a ser dezenas quando estava de Guarda ao Quartel ou em outro
serviço que não era mais nada senão olhar para o tempo.

É do teu conhecimento eu ter escrito um Livro sobre a História da Unidade do BCaç 2845, e recentemente outro destinado à minha Companhia, CCS, e tem o título de Armados para a Paz, e todo o seu conteúdo está escrito em versos, pois só assim consigo escrever alguma coisa, mas neles inclui tudo aquilo que foi um Batalhão.

Além desses, tenho outro escrito e que se chama AROMAS DE ANGOLA, também em verso, mas por falta de meios ou conhecimentos não está editado.

Terás a oportunidade de os ler, pois para te pagar o trabalho e o tempo que me dedicas, tens todo o direito a uma oferta minha.

Mesmo assim não me chames poeta, porque poderei vir a ficar muito conhecido de momento, e afinal eu só gosto de ser uma pessoa simples e um bom Chefe de Tabanca.
Agora deixo tudo para a nossa Tertúlia apreciar, e até aceito as criticas.

Desculpa lá esta maçada, e em contrapartida te envio um grande abraço, igualmente a todos os Régulos que mantem esta Tabanca em crescimento.

Albino Silva


QUERIDA PÁTRIA

Ó meu querido País
Que tanto te tenho amado
Eu tanto por ti sofri
Só por ti eu ter lutado …

Querida Pátria Portuguesa
Dos tempos que por ti lutei
Passando fome e sede
E por ti também chorei …

Portugal minha Pátria
Que linda Bandeira é
Por ela também lutei
Fui para a guerra prá Guiné …

SANGUE SUOR E LÁGRIMAS
Sacrifícios sem igual
Gritos de raiva e de dor
Pra defender Portugal …

Sangue colorindo o chão
Tanto sangue derramado
Foi essa nossa missão
Por ter Portugal honrado …

Foi sangue nos combates
Lá na guerra derramado
Mas eu cumpri o que jurei
Pela Pátria ser Soldado …

Suor tanto suor
Em caminhadas a pé
Suor e tanto suor
Pela Pátria na Guiné …

Suor pelo clima
Naquele perigo então
Foi o sangue e o suor
Pra defender a Nação …

Lágrimas de sofrimento
Para a Pátria defender
Eram lágrimas de tristeza
Por camaradas morrer …

Lágrimas na juventude
Por nossa Pátria amar
Naquela guerra maldita
Lá naquele Ultramar …

Por ti Pátria lutei
E jurei por ti morrer
Como tantos camaradas
Na Guiné a combater …

Até fome eu passei
Sacrifícios sem igual
Com camaradas cantei
O Hino de Portugal …

Em matas eu caminhei
Em picadas percorri
Por ti Portugal lutei
Cansado não desisti …

Angola Guiné Moçambique
O sofrimento constante
Lutando por ti ó Pátria
E tu Pátria distante …

Dias e noites caminhei
No cacimbo e ao calor
Só Deus sabe o que passei
Lutei por ti com amor …

Por ti eu não tinha medo
Naquela guerra metido
Quando à Pátria regressei
Senti meu dever cumprido …

Naquela guerra metido
Rapazes da mesma idade
Foram anos que perdemos
Sem gozar a mocidade …

Hoje velhos combatentes
Cansados mas a combater
A Pátria nos desprezou
E só nos quer ver morrer …

Cansadinhos vamos vendo
Os heróis que na verdade
É quem anda a roubar
A matar e é cobarde …

Ó nossa Pátria querida
Não fomos heróis e lutámos
Com traumas hoje vivemos
Tristes mas ainda te amamos …

Hoje velhos combatentes
Temos Lutas a travar
Porque a Pátria que amamos
Essa nada nos quer dar …

Sucessivos governantes
Prometem e nada dão
Querem tudo para eles
São abutres da Nação …

Nesta Pátria os heróis
São os que jogam à bola
Que lutam pelo País
De calção e camisola …

Os heróis deste País
Com fortunas lá na terra
São heróis que jogam bola
E nós não fomos na guerra …

Nós não fomos heróis
Mas com bravura lutámos
Pela Pátria demos tudo
E traumatizados ficámos …

Nós não fomos heróis
Da guerra que não se esquece
A Pátria nada nos dá
A Pátria nem nos conhece …

Governantes que prometem
Só porque não nos quer ver
Sabem pois ser mentirosos
Não sabem o que é combater …

Não sabem o que é a guerra
Atacam bem de palavras
Não conhecem os heróis
E mesmo as espingardas …

Não vivemos em paz
E com a idade a avançar
Exigimos o que é nosso
Estamos sempre a lutar …

Nós que estamos cansados
Devíamos de descansar
E a Pátria que defendemos
Ela nos está a matar …

A Nossa familia sofre
Por nos ver a nós sofrer
A familia é a mesma
Que nos viu ir combater …

Estes nossos governantes
Que nos tentam iludir
Mandam outro para a guerra
Mas eram eles a ir …

Muitos de nós na miséria
Com ompostos a pagar
Para abutres do governo
Que ganham sem trabalhar …

Somos nós ex-combatentes
Camaradas da Nação
E os que não nos conhece
Sabem que temos razão …

Somos Nós deste País
Que mal nos tem tratado
ORGULHOSOS COMBATENTES
POR TER PORTUGAL HONRADO …

Albino Silva
Soldado Maqueiro
N.º 011004/67
CCS/BCaç 2845
GUINÉ 68/70
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5895: Blogpoesia (65): Porque Será (que não consigo esquecer) (Albino Silva)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5917: História de vida (29): Homenagem dos portugueses a D. Berta, Pensão Central, Bissau (António Rosinha)

1. Comentário, com data de 8 de Fevereiro último,  de António Rosinha (ex-Fur Mil, Angola, 1961/63; antigo quadro técnico da Tecnil, na Guiné-Bissau, 1979/93) ao poste P5788 (*)

 A Dona Berta [, foto à esquerda, ] merecia uma homenagem da embaixada de Portugal em Bissau. Nem sei se já teria sido feita (**)

Os anos de carências incríveis de alimentos em Bissau, em que a cooperação portuguesa de professores e outros, não conseguiam fornecer-se em lado nenhum, todos recorriam à Pensão da Berta, e nunca aquela mulher dizia que não tinha espaço, nem comida na panela.

Como se desenrascava,  ninguem sabia. Mas toda a gente era servida.

Beja Santos, lindo poste (*). Quem podia levar ao conhecimento dela este teu escrito, podia ser algum dos elementos da AD - Bissau, onde labuta o Pepito.

Em África, em paz, não há fome, porque quem tem,  parte com quem não tem (daí o termo guineense "parti")

Penso que,  além do coração dessa senhora ser enorme, havia essa tradição africana, dessa MINDJER GARANDI.

Antº Rosinha

2. Vd. no You Tube os seguintes vídeos sobre esta verdadeira instituição guineense:

Reportagem D. Berta - Pensão Central I  [ Arquivo RTP]  / Alojado em You Tube > MrAzevedo1985 (5' 07'')

Reportagem D. Berta - Pensão Central II [Arquivo RTP] / Alojado em You Tube > MrAzevedo1985
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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 8 de Fevereiro de 2010 >  Guiné 63/74 - P5788: História de vida (18): D. Berta e a Pensão Central de Bissau são instituições internacionais (Beja Santos)

(**) Julgo já ter sido condecorada por Mário Soares, quando Presidente da República Portuguesa.

Guiné 63/74 - P5916: In Memoriam (36): Falecimento do Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER do BCAÇ 4514/72, Cantanhez - 1973/74 (Magalhães Ribeiro)


1. O nosso Camarada Humberto Carneiro Fernandes Duarte, ex-Furriel Miliciano Op Esp / RANGER do BCAÇ 4514/72, Cantanhez -1973/74, estava muito doente desde Outubro de 2009, em que lhe foi diagnosticada uma doença fatal. Soubemo-lo no passado dia 1 de Janeiro, pela Ana Duarte (sua esposa).
Cada vez somos menosAssim, após doença prolongada, acabou de falecer ontem, dia 28 de Fevereiro de 2010, cerca das 23h00, o nosso Camarada Humberto Duarte, que foi Furriel Miliciano de Operações Especiais / RANGER e pertenceu ao BCAÇ 4514/72 - Cantanhez -, 1973/74.


Foi Mobilizado para a Guiné, depois de ter frequentado o curso de Operações Especiais / RANGER, no C.I.O.E./Lamego, no 4º turno de 1972.


Tendo sido ferido num dos terríveis combates na zona do Cantanhez, foi muitos anos depois considerado D.F.A. por stress pós-traumático de guerra, tendo vindo a ser reintegrado nas Forças Armadas em 2002.
O funeral é amanhã, dia 2 de Março, pelas 11h45, no cemitério de Rio de Mouro.
À esposa Ana e restante família enlutada apresentam o Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas desta Tabanca Grande, as mais sentidas condolências pela lamentável perda deste nosso Camarada-de-armas.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

3 de Fevereiro de 2010 >
Guiné 63/74 - P5752: In Memoriam (35): Humberto Pereira Vieira, Soldado Condutor Auto de Transmissões da CART 2339, Mansambo, 1968/69 (José Martins)

Guiné 63/74 - P5915: Blogpoesia (66): Poemas de Macau e Hong Kong - Parte II (António Graça de Abreu)



Tão pequeno o quarto no
Íbis Hong Kong pendurado na baía!...
O que tenho cá dentro ?
Apenas uma janela para olhar o mar,
uma cama larga, ar fresco,
e um montão de livros.

Hong Kong, nove dragões,
no outro lado da baía,
ondulam no sabor dos dias.

Arranha-céus em Hong Kong,
montanhas depuradas de betão,
brotam do mar e da terra. 




O teleférico sobe pelos ossos da ilha,
oscila nos lábios brancos do vento.
Lá em baixo, mil perfumes
rasgam a capa verde dos montes,
nas alturas de Lantao, a névoa cresce.


À entrada do tempo de Pó Lin,
o chilreio de todos os pássaros.
Grotescos os guardiões do templo de Buda,
na mão um pagode, um alaúde,
uma esfera, um dragão, uma espada.



















Almotolias, lamparinas, óleos,
fumos cinzentos de incenso,
Tesouros de Lótus nos jardins,
estranhas flores de um Maio triste.
A bruma afga a crista dos pinheiros,
o viajante afasta-se no vazio,
o mosteiro bebe a névoa do céu.

Entro por nuvens brancas,
e saúdo o velho Buda,
sentado num lótus de bruma



Os montes de Lantao, a aldeia de Ngong Ping,
mais longe da desfaçatez das gentes do mundo,
aqui novelos de sagesse no olhar.
Um almoço de massa, porco frito e camarão, 
mais perfumes de chá da China.
Depois, após o levantar da bruma,
Buda à minha espera
para uma conversa entre deuses e homens.


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Segunda e última parte dos fotopoemas de Macau e Hong Kong, Maio-Junho de 2009, da autoria de António Graça de Abreu.  É um privilégio, para os seus amigos e camaradas da Guiné, poder acompanhá-lo por estas paragens que inspiraram grandes poetas e escritores portugueses como Luís de Camões, Camilo Pessanha ou Venceslau de Moraes. O António é também portador de valores de que nos orgulhamos, na nossa portugalidade, como é  por exemplo a nossa capacidade de entender (e comunicar com) outros povos, outras culturas.

António Graça de Abreu (n. 1947, no Porto), membro da nossa Tabanca Grande, foi Alf Mil, CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) [, foto à esquerda]. É um conceituado especialista em cultura chinesa, tradutor (premiado) de clássicos da poesia chinesa como o poeta Li Bai  (701-762), é autor de mais de um dúzia de livros, entre poesia e ensaio histórico,  incluindo o Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (Lisboa: Guerra e Paz, 2007). Viveu em Pequim e Xangai, de 1977 a 1983. É casado com a médica Hai Yuan e tem dois filhos, João e Pedro. Vive no concelho de Cascais (*).

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Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P5914: Parabéns a você (84): Fernando Chapouto, Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, Geba/Camamudo/Banjara/Cantacunda-1965/67 (Editores)

»»»»»» F*E*L*I*Z....A*N*I*V*E*R*S*Á*R*I*O«««««««

1. Completa hoje 68 anos de idade, o nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda.

O Chapouto chegou à Guiné no navio Niassa em Agosto de 1965, e, em Outubro foi para o Camamudo. Nos finais do mês de Novembro desse mesmo ano, foi destacado para Banjara e em meados do ano de 1966, foi destacado para Geba.

Continuando a sua saga pelo território guineense, em Março de 1967 foi colocado em Cantacunda.

Finalmente, em Maio de 1967, regressou à metrópole no navio Uíge.

Foi agraciado com uma cruz de guerra...

É um dos nossos membros mais antigos da Tabanca Grande.

2. Para melhor tentarmos avaliar o perfil do Chapouto, fomos mais uma vez consultar um site, que se tem vindo a tornar muito popular e se dá pelo nome de KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm).

Diz-nos, ali, que o signo de Zodíaco, para os nativos nascidos entre 20 de Fevereiro e 20 de Março é: PEIXES.

Acreditando nesta ancestral sabedoria, vejamos o que diz o seu horóscopo:

Peixes (20/02 a 20/03)

Os peixes mostram-se etéreos e misteriosamente charmosos, quase frágeis. Mostram, um nível de consciencialização que muitos desconhecem. Não são pessoas materialistas, entregam-se frequentemente de corpo e alma a causas que os outros vêm como perdidas - para eles não existe nada sem redenção.

Cheios de compaixão, a realidade em que vivem é tão verdadeira quanto a física. Possuem uma paz interior invejável e conseguem manter-se calmos nas circunstâncias mais adversas. Visionários e muito sensíveis, respondem facilmente aos pensamentos e sentimentos dos outros. Conseguem perceber se os outros estão a passar por dificuldades, detectando a dor e sofrimento nas suas vidas.

Peixes escolhem muitas vezes dedicarem todo o seu tempo e energia a ajudar alguém desolado, e fá-lo sem pensar na recompensa. São capazes de se colocar nas condições mais indesejáveis para ajudar a libertar a carga de outros.

Peixes costumam ser bastante artísticos por natureza, virados sobretudo para a música e dança, mas também para a pintura, representação e outros. Nada egoístas e muito dedicados, fecham os olhos aos defeitos dos que amam.

Neptuno governa este signo mutável de Água que tem como frase chave «eu acredito». Virgem está na casa das relações, cuja natureza prática mantém Peixes no tempo certo.

Anjo:

O Arcanjo Zachariel protege os nativos do Signo Peixes. Aqueles que nascem sob a sua influência são sensíveis, emotivos e generosos. Preocupam-se pelo bem-estar do próximo e sacrificam-se pela felicidade dos outros. Extremamente sensitivos, conseguem aperceber-se dos sentimentos daqueles que estão à sua volta.

São compreensivos, tolerantes e muito dedicados. No amor são românticos e um pouco dependentes da pessoa amada.

O Arcanjo Zachariel ajuda os seus protegidos a serem pessoas mais independentes. Favorece a compreensão e o Amor Universal.

3. Independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos, neste poste, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, que por vários motivos, não puderem enviar as suas mensagens, cantar-te a seguinte cantiguinha muito tradicional:

PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA.
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS
PARA O AMIGO NANDINHO...
UMA SALVA DE PALMAS!

E mais acrescentamos que:

O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

E mais te desejamos,que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 por matas e bolanhas da Guiné.

Com montanhas de abraços fraternos.
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5890: Parabéns a você (83): Luís R. Moreira, ex-Alf Mil Sapador da CCS/BART 2917 e BENG 447, Guiné 1970/71 (Editores)

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5913: Os nossos médicos (18): Um repasto de carne de sagui (macaco) (Mário Silva Bravo)


1. O nosso camarada Mário Silva Bravo (ex-Alf Mil Médico na CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72) enviou-nos a seguinte mensagem, em 5 de Fevereiro de 2010:

Camaradas,
O nosso blogue também é feito de estórias simples e engraçadas. Em 04 de Fevereiro p.p. o nosso Camarada Amaro Samúdio, enviou-me a seguinte mensagem:

Que me lembre, só conheci, nos 13 treze meses que estive naquele quadrado de arame farpado chamado Guiléje, o Dr Mário Bravo.



És o médico dos "Gringos de Guiléje".


Ias lá regularmente, e ficavas dois ou três dias. Era assim não era?


Os civis de Guiléje, e os militares também, sabiam que tinha chegado o médico e enchiam o posto de enfermagem. Lembras-te?


Nós, os enfermeiros, comentávamos: o médico é um gajo porreiro.


E eras de facto boa pessoa.


A tua simpatia era grande, suponho que a terás mantido até hoje dia em que fazes 64 anos e que eu desejo se repitam por muitos e muitos.


Um grande Abraço
Amaro Munhoz Samúdio


Em resposta a esta mensagem, em 5 de Fevereiro de 2010, respondi-lhe assim:


ANIVERSÁRIO 64 ANOS

Meu Caro Amaro Samúdio,

Fiquei muito emocionado com as palavras que me enviaste no dia dos meus 64 anos.

Como é bom ler coisas tão sinceras e verdadeiras, como as que escreveste. Todas as referências que apresentas, correspondem às minhas passagens por Guileje.
Tempos difíceis, que foram ultrapassados com a ajuda de um grande sentimento de entreajuda e amizade, que nos tempos que correm e fora desse ambiente é muito difícil encontrar.

Lembro-me muito bem dessas minhas viagens e de coisas engraçadas que me aconteceram.

Um dia, o cozinheiro da companhia, decidiu fazer um prato especial, porque estava lá o médico (eu!).
E vai daí e com a cumplicidade do Capitão, que julgo chamar-se Delgado, preparou uma refeição com carne, que vim a saber, no fim do repasto, tratar-se de carne de sagui (macaco).

Estava mesmo bom!!!

Um abraço,
Mário Bravo
Alf Mil Médico da CCAÇ 6

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5910: Os nossos médicos (17): Os médicos na Guiné. Relato médico (Mário Silva Bravo)

Guiné 63/74 - P5912: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (19): O Honório e o major que lhe chamou maluco (Vítor Oliveira)


1. O nosso Camarada Vitor Oliveira (ex-1.º Cabo Melec da FAP - BA 12, 1967/69), enviou-nos em 25 de Fevereiro de 2010, a seguinte mensagem:
O Honório e o major que lhe chamou malucoEstávamos já com os sacos da roupa para irmos passar mais uma noite em Bafatá ao fim da tarde do dia 5 de Fevereiro de 69, véspera daquele dia fatídico no Cheche, quando recebemos uma mensagem para irmos buscar um major do exército a um quartel, que ficava entre Nova Lamego e o Cheche, que eu penso ser Canjadude.

O major ia dar instruções há coluna que vinha de Madina, quando do seu abandono.

Diz-me o Honório Pichas: “Este artista já nos tramou a noite em Bafatá. Anda daí ele vai pagar isto.”

Arrancámos numa DO 3447 para esse quartel e parámos no fim da pista à espera dele. O major entrou para o lado do Honório e eu vim para trás.

Ele piscou-me o olho e vi logo que ia sair uma das dele.

Fez uma subida a 45º, de flepes, o major começou logo a mudar de cor, a seguir apanhou a coluna em campo limpo, que havia em frente ao Cheche, e picou a DO, direito há coluna.

Começou a “rapar” e a fazer as piruetas do costume, que o pessoal do exército tanto gostava de ver.

O major gritava: “Suba… suba… assim não consigo dizer nada. Era para ir para a Força Aérea, mas ainda bem que não fui porque é tudo gente maluca.”

O Honório respondeu-lhe: “Maluco é você. E mais lhe digo, que não tinha nível para pertencer há Força Aérea.”

O major calou-se e lá deu as instruções.

Fomos levá-lo no quartel e o Honório deixou-o no fim da pista. A entrada para o quartel situava-se ao meio da pista.

Moral da história: O major estragou-nos a noite, mas de certeza que não vai esquecer o susto que passou.

Uma fotocópia da caderneta de voo.
Um grande abraço,
Vítor Oliveira
1º Cabo Melec da FAP/BA 12

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
Foto: © Mário Bravo (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

19 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5840: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (18): Mais uma história do Grande Honório (Vítor Oliveira)

Guiné 63/74 - P5911: (Ex)citações (59): Suicídio de prisioneiros (António Graça de Abreu / Hugo Guerra)

1. Comentário de António Graça de Abreu, escritor, sinólogo, poeta, nascido no Porto em 1947, membro da nossa Tabanca Grande (ex-Af Mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74) (*):

No meu Diário da Guiné, pag. 20, a 3 de Julho de 1972, com apenas uma semana de Guiné, em Teixeira Pinto, conto uma história semelhante (*). Aí vai:


(...) "Estes dois prisioneiros ficaram à custódia do CAOP, não eram elementos perigosos. Com a ajuda de um intérprete, foram interrogados pelo nosso 1º. sargento Pinto, na pequena sala aqui ao lado. Recebi ordens para lhes ir comprar roupa e sapatos na Casa Gouveia, na avenida principal. Lavaram-se, vestiram-se, ficaram com melhor parecer. Foram estes os dois primeiros turras que vi. Olhei-os bem nos olhos, os olhos dos negros também falam: orgulho, ódio, humildade, revolta.


A mulher capturada tem seis filhos, o mais pequeno com apenas três meses. Foi libertada com a promessa de se apresentar com os filhos no Cacheu, para ficar sob a protecção da tropa portuguesa aí estacionada.


O homem, com o nome bem português de João Mendes, pequeno, negro, a alma da cor da alma de todos os homens, após mais alguns interrogatórios também ia ser libertado. Mas já não vai. Enforcou-se esta madrugada nas grades da cela da acanhada prisão que aqui temos, com as mangas da camisa nova que lhe comprei ontem e transformou numa corda. Morreu na casa em frente, a vinte metros da cama onde eu dormia, alheio a todos os dramas do mundo.


Numa pequena carteira de plástico que lhe encontrei no bolso das calças, João Mendes guardava um conjunto de senhas, uma de cada cor, comprovativas do pagamento de impostos referentes aos anos de 1960, 1962 e 1963, na circunscrição do Cacheu. A saber, Imposto Domiciliário 153 escudos, Imposto de Capitação 153 escudos, Imposto de Trabalho 25 escudos, Taxa Pessoal Anual 153 escudos, Remissão da Contribuição Braçal 25 escudos, Taxa de Exploração de Produtos Agrícolas 75 escudos, Imposto de Palhota (ano 1952) 80 escudos.


Pobres negros, como foram impiedosamente explorados!..."
 
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Nota de L.G.:
 
(*)  27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5903: Estórias avulsas (76): Como morreu o meu prisioneiro (Hugo Guerra)
 
(...) Levaram o jantar ao prisioneiro e abrandaram a vigilância de tal forma que,  estávamos nós a jantar, irrompe a rapaziada pela Messe dentro gritando que o homem se tinha enforcado.


Fui a correr ver o que poderíamos fazer - já era o terceiro enforcado que via na minha vida - e encontrei o meu prisioneiro pendurado e com a rapaziada toda a olhar especados com aquela visão. Tinha usado o baraço que trazia a segurar as calças e que ninguém se lembrara de lhe tirar antes. Agarrei o homem pelas pernas e fazendo força para cima para aliviar o peso lá arriámos o corpo que ainda tentei trazer de volta à vida. Fiz-lhe boca a boca e naquele desespero até injecções no coração lhe apliquei. Tudo sem resultado. O homem partira o pescoço e nada mais havia a fazer.

Apareceu entretanto o Chefe de Posto, cabo-verdiano, cujo nome não recordo mas que disse do alto da sua sapiência:
- Aquele mais velho,  da etnia [...], nunca trairia o seu povo e tinha-se suicidado para evitar a vergonha insuportável de ter sido preso e humilhado daquela forma.

Cresci mais um bocado naquele dia e, no dia seguinte, achei que já tinha guerra a mais e escrevi ao meu amigo Coronel Pilav Diogo Neto, Comandante da Zona Aérea da Guiné,  a pedir para me tirar daquele filme. Já chegava. (...)

Hugo Guerra foi Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70; é hoje Coronel, DFA, na reforma.

Guiné 63/74 - P5910: Os nossos médicos (17): Parteiro e padrinho... pela força das circunstâncias, neste cado, o porão de uma LDM (Mário Bravo)


1. O nosso camarada Mário Silva Bravo (ex-Alf Mil Médico na CCAÇ 6, Bedanda, 1971/72) enviou-nos a seguinte mensagem, em 5 de Fevereiro de 2010:

Os médicos na Guiné

Relato médico

Camaradas,

Um dia fui chamado para prestar assistência a uma mulher que viajou de Bissau para Bedanda, numa LDM (Lancha de Desembarque Média), e que estaria em trabalho de parto.

Desloquei-me até ao porto/ancoradouro, acompanhado do Furriel Mil Enfermeiro,  de nome Dias. Quando lá chegamos, verificamos que a dita mulher já tinha dado à luz uma criança, mas afirmava que tinha outra para nascer.

Confirmado este facto, restou-nos proceder ao trabalho de parto, no porão da lancha e com iluminação de um pequeno candeeiro de petróleo. Nestas condições, conseguimos que a segunda criança nascesse em boas condições e a prova está à vista - ver foto.
0

O Furriel Dias tem ao colo um dos pequenitos e viemos a ser padrinhos da canalha, baptizados pelo nosso Amigo Capelão Mário.



Isto aconteceu numa fase de experiência médica inicial, com todas as dificuldades inerentes ao início de actividade profissional e ainda por cima numa área tão sensível, como é a obstetrícia.
Mas tudo acabou em bem, e isso é que conta.

Um abraço,
Mário Bravo
Alf Mil Médico da CCAÇ 6

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
Foto: © Mário Bravo (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5897: Os nossos médicos (16): Um Soldado Básico licenciado em Medicina (António Tavares)

Guiné 63/74 - P5909: Os nossos camaradas guineenses (25): José Carlos Suleimane Baldé, ex-1º Cabo, CCAÇ 12 (Contuboel, Bambadinca e Xime, 1969/74), vive em Amedalai e sonha com Portugal, Não tenhas medo, que aqui é Portugal! (Odete Cardoso / J.L. Vacas de Carvalho)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Finete, regulado do Cuor > 1969: Destacamento de milícias e aldeia em autodefesa de Finete, junto ao Rio Geba. Na foto, o furriel miliciano Luís Manuel da Graça Henriques e dois dos soldados africanos da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, do 4º Grupo de Combate, o Soldado Arvorado (mais tarde promovido a 1º cabo) José Carlos Suleimane Baldé e o Soldado Umarú Baldé, apontador de morteiro 60. Umaru, o puto, na foto, de pé, de cachimbo: na época teria 16 ou 17 anos... A sua recruta e a instrução de especialidade destes dois militares do recrutamento local foi feita em  Contuboel (Abril/Julho de 1969) (*). O Umaru veio para Portugal, onde morreu, há uns anos, de doença. O José Carlos,  que era ligeiramente mais velho (18 ? 19?), vive em Amedalai, uma tabanca fula do regulado do Xime, na estrada Xime-Bambadinca. Andará hoje na casa dos 60 anos.


Foto: © Luís Graça (2005). Direitos reservados


Guiné-Bissau > Regiãod e Bafatá > Xime > Amedalai > 26 de Julho de 2006 > O José Carlos com a família.

Foto: Odete Cardoso (2010). Direitos reservados


Extracto de um carta que o José Carlos mandou à Maria Odete Cardoso, esposa do ex-Alf Mil Jaime Pereira, da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1971/72) e onde transcreve, sob a forma de poema, o sonho que teve, a sua visão de Portugal e o seu desejo, que quer ver concretizado antes de morrer, de conhecer Portugal. Não sei qual a data mas deve ser recente. A Odete corresponde-se com o José Carlos, desde 2000, depois de uma ida à Guiné, com o marido, em 1999, e otro camarada, o José Sobral.


Sonhei com Portugal,
por José Carlos Suleimane Baldé


Era uma noite,
calma,
serena!
Um ambiente bem silencioso!
Vejo os céus de Portugal.
Alguém disse:
- Levanta a cabeça!
Nos céus sem nuvens
vi variadíssimas estrelas
que nunca vira antes!
De repente soou um grito,
dizendo:
- Não tenhas medo,
que aqui é Portugal!

[ Revisão / fixação de texto: L.G.]



1. Mensagem, de 25 do corrente, do José Luís Vacas de Carvalho, membro da nossa Tabanca Grande, ex-Alf Mil Cav, Pelotão Daimler 2206, e também instrutor de companhias de milícias (Bambadinca, 1970/71) [, foto à esquerda]

Caríssimos: Recebi esta msg, da Maria Odete Cardoso, casada com o ex-alferes Jaime Pereira [, da CCAÇ 12, Bambadinca, 1971/72]. Achei muita piada. O Zé Carlos foi soldado das duas CCAÇ 12 [, 1969/71 e 1971/72]. Tem uma filha em Portugal e gostava de a vir ver. O resto está dito pelo Odete.

Um abraço a toda a Tabanca
Zé Luis

2. Mensagem da Odete Cardoso, com data de 25 do corrente, com conhecimento ao Victor Alves (ex-Fur Mil SAM, da CCAÇ 12, 1971/72), residente em Santarém:

Vaquinhas: Aqui vai o que enviei ao V.A. Envio por 2 vezes. Podes usar a foto e o poema no blogue, se considerares adequadas.

Eu tenho uma carta em que ele recorda os militares da CC12 anterior [ 1969/71] (**).

Um abraço. Odete


3. Mensagem, de 23 do corrente, enviada por Odete Cardoso ao Victor Alves:

Contribuir para a realização de um sonho... põe-se a questão:
- Quem é que fica mais feliz? O  que realiza o sonho, ou os que proporcionam a sua realização?

Se o quisermos fazer temos de nos apressar, pois os vossos homens guineenses,  com 60 anos,  já estão na meta da esperança de vida em África.

Eu mantenho correspondência com o José Carlos desde o ano 2000 e, em 2004, quando lhe nasceu uma filha ele deu-lhe o meu nome e daí eu fazer-lhe chegar, via nossa embaixada em Bissau, alguma ajuda.

Penso que se os 2 grupos da CCAÇ 12 quisessem contribuir com uma quantia a partir de 10 euros cada, conseguiríamos o montante para a viagem de avião e assim ele poderia estar presente no almoço de 2010.

Mando-te uma fotografia dele, tirada em 2006, com roupinha from Portugal, a última carta que me enviou, agradecendo um telemóvel e uns sapatos e um poema em que ele sonha visitar Portugal.

Tu é que és o homem das relações públicas.

Um grande abraço. Aparece com a tua Lena.

Odete Cardoso

4. Mensagem enviada por L.G. ao J.L. Vacas de Carvalho:

Meu caro José Luís:

Fico-te muito grato pelas notícias sobre o nosso José Carlos Suleimane Baldé, do 4º Grupo de Combate da CCAÇ 12 (1969/71)... Fizemos diversas operações juntos, estivemos em tabancas em autodefesa... Ele foi meu cozinheiro, guarda-costas, intérprete, aluno, bom amigo... Foi o nosso 1º Cabo Africano, promovido depois de ter feito a 4ª classe... Andava sempre de caderninho na mão, e lapiseira... Era humilde, atento, prestável, dedicado... Tenho uma foto dele com o puto Umaru, que já morreu [, tirada em Finete, na margem direita do Geba Estreito]. O António Marques vai também ficar feliz por saber dele e poder ajudá-lo. Vamos combinar como o poderemos ajudar... (Caímos junto, o eu, o Marques, o Umaru, o José Carlos... na fatídica mina A/C, em Nhabijões, em 13 de Janeiro de 1971, duas secções da CCAÇ 12, lembras-te...).

Por mim, tudo farei para o ajudar... Podemos mobilizar o blogue. Adorei o poema dele... [ Merece uma análise de conteúdo: devido a uma forte aculturação - ele conviveu com os portugueses desde 1969 até 1974 -, Portugal surge-lhe, no seu imaginário, como um verdadeiro eldorado]. O ano passado, quando fui à Guiné, em Março, falaram-me dele, que vivia em Amedalai (***)... Infelizmente não passei pelo Xime. E por Bambadinca, foi a correr. Vou publicar o teu texto e o da Odete no blogue. Já falei ao Victor, esta manhã. E tentei contactar a Odete. Infelizmente, já não me lembro do Jaime. A sobreposição foi curta. Vim-me embora no princípio de Março de 1971, seguindo de Bambadinca para Bissau, onde aguardei transporte para a Metrópole. Mas espero poder encontrar-me com ele, a Odete, o Jaime e tu, numa próxima oportunidade.

A foto do José Carlos não abre, por que vem em formato dmi. Não tenho programa para a abrir. Não é possivel digitalizarem a foto em formato jpg, que é o mais compatível com a linguagem em html do blogue ? Estou em casa: telef. 21 471 0736. Amanhã vou almoçar à Tabanca do Centro. Depois fico na Lourinhã. Em 29 de Maio ou 5 de Junho faremos o nosso V Encontro Nacional. Não podes falhar desta vez.

5. Mensagem, de ontem, da Odete Cardoso:

Caro Luis Graça:

É muito compensadora esta troca de afectos.

A visita que fiz com o Jaime e o Zé Sobral, em 1999, à zona de Bambandinca,  foi marcante e mostrou a saudade e respeito que os vossos homens guardavam dos portugueses.

Aqui vai a foto do Zé Carlos tirada em 26.7.2006.

Um abraço.

Odete Cardoso

6. Comentário de L.G.:

Odete, obrigado pela sua gentileza. É uma grande emoção, para mim, para o António Marques, para o Joaquim Fernandes, para o António Levezinho, para o Humberto Reis, par ao José Luís de Sousa (funchalense, que espero que esteja bem nestes dias difíceis para a Madeira!), para o Gabriel Gonçalves, para o Abel Maria Rodrigues (o único alferes da velha CCAÇ 12 que faz parte deste blogie!), e outros camaradas da primeira CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) saber notícias dos nossos camaradas guineenses, e em especial do 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé, que era de etnia fula como a grande maioria, e o único - salvo erro - que no nosso tempo conseguiu reunir as condições para ser promovido a 1º cabo. Sempre o estimei, protegi, ajudei e tratei como amigo. (Sobre a nossa CCAÇ 12, 1969/1974, temos pelo menos 95 referências na II Série do nosso blogue, além de dezenas e dezenas na I Série)

Tive notícias do nosso José Carlos, em Março de 2008, aquando da minha ida à Guiné, por ocasião do Seminário Internacional de Guiledje (***). Infelizmente não tive tempo de o visitar em Amedalai. Oxalá ainda nos  possamos encontrar em vida... A Odete  como é que faz para o contactar lá ? Tem algum número de telemóvel (que é coisa que se começa a banalizar, mesmo no interior da Guiné-Bissau) ? Já pedi a amigos meus, de Bissau,  para saberem dele,  em Amedalai. Da próxima vez que lhe escrever, fale-lhe do Furriel Henriques...

Odete, gostaria de a conhecer pessoalmente bem como ao Jaime. Os dois estão convidados a ingressar na nossa Tabanca Grande. Vou ver se lhe telefone para nos encontrarmos e falarmos com mais tempo e vagar. (****)

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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)


(...) Quarto texto do Renato Monteiro, da série de cinco, que intitulei estórias de Contuboel, pequenos apontamentos que o meu amigo escreveu com base na sua experiência de instrutor de recrutas guineenses, em Contuboel, no 1º semestre de 1969. Desses recrutas, metade foram parar à CCAÇ 2590, que mais tarde (em Junho de 1970) passou a designar-se CCAÇ 12. A outra metade deu origem à CART 11, mais tarde CCAÇ 11.

IDADES SEM LEMBRANÇA



 Coisa pela qual não passam: a comemoração do dia do aniversário. Pois não parece haver um entre os africanos do meu pelotão que saiba a sua idade. E lê-se-lhes nos olhos a inutilidade desse conhecimento que, apesar de tudo, acaba por ser superado através de um palpite dado por nós. Mera suposição inspirada no vinco e na dimensão das rugas, na maior ou menor vivacidade do olhar, não sei bem, num feeling que sustenta a nossa avaliação.

E é assim que Cherno Camará passou a partir de hoje a contar 23 anos, idade que acabou por merecer divertida discórdia quando comparada ao tempo de vida atribuído ao Amaduri Camará, 21 anos, por alguns considerado mais velho do que o primeiro.

Mas fora de qualquer polémica foram as 18 Primaveras calculadas para Demba Baldé, o Malagueta, seguramente o recruta mais jovem da nossa troupe, filho de Ira Baldé, prestigiado chefe de uma das tabancas da região de Gabu Sare.

Quanto a mim, talvez não fosse menos sensato deixar-se estes homens, na sua maioria ainda mais novos do que nós, tão alheados da sua idade quanto as árvores que se desenvolvem sem contarem os anéis do tronco que marcam o tempo da sua existência.

Opinião igualmente partilhada por Ussumani Colubali, para o qual o que importa é nunca perder de vista de quem se é filho, irmão, neto, bisneto e pai; bem como o lugar onde se nasceu e o número de cabeças de gado e de mulheres que se possui, sendo seguro que a memória da data de nascimento não leva a viver mais, sequer a acertar-se com o dia da sua morte. Ao contrário da generalidade dos africanos, muito reservados, Ussumane não se coíbe de expressar os seus juízos mesmo sem ser chamado a fazê-lo.

Assim, diz não existir à face da terra nenhumas Forças Armadas capazes de tão grandes façanhas como as nossas, razão que o levou a oferecer-se para o exército, aproveitando ainda uma vantagem: a possibilidade de, assim, ganhar uns patacões, muito difíceis de obter por outro meio.

Proveito que o Demba Baldé de bom grado dispensaria. Que foi o pai, contra sua vontade, que o mandou servir a tropa. Quando melhor estaria junto da sua Comança Baldé, ainda mais nova do que ele, a fazer filhos, a comer bianda e a tratar do gado. (...)





Vd. restantes postes da série do Renato Monteiro:

28 de Julho de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > 
Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)



4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

(**) Vd. poste de:

21 Maio 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXV: Composição da CCAÇ 12, por Grupo de Combate, incluindo os soldados africanos (posto, número, nome, função e etnia)

(...) Pode parecer fastidiosa, inútil, irrelevante... a minha lista de Baldés... Não penso o mesmo: pode ter (ou vir a ter) algum interesse documental, historiográfico, eu sei lá... Pode facilitar a pesquisa de informação, de testemunhos, de depoimentos...

É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau, outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo!...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo da especialidade de armas pesadas de infantaria, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em Junho e Julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a instustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas.

Tirando o 1º Cabo José Carlos Suleimane Baldé (promovido ao actual posto em 16 de Setembro de 1969),eram, todos,  praças de 2ª classe. Samba Só, Mamadá Baldé, Braima Bá e Quecuta Colubali passaram a soldados arvorados na mesma data, por reunirem qualidades para uma eventual promoção ao posto de primeiros cabos: "ascendente sobre os camaradas, experiência de combate e aprumo militar" (sic). Entretanto, houve mais promoções no final da 1ª Comissão da CCAÇ 12 (a rendição individual dos quadros metropolitanos fez-se a partir de Fevereiro de 1971).

É muito provável que todos ou quase todos os graduados africanos da CCAÇ 12 ( e da CCAÇ 21, para a qual transitaram em 1973) tenham sido fuzilados, em 1974 e 1975 (...). (*****)

(...) 4º Gr Comb

Comandante: Alf Mil Cav 10548668 José António G. Rodrigues [já falecido, em Portugal]

1ª secção

Fur Mil 15265768 Joaquim A. M. Fernandes [membro da nossa Tabanca Grande; saiu para integrar a equipa de reordenamento de Nhabijões; ferido com gravidade na 1ª mina A/C do dia 13/1/1971]
1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva

Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (F)
Soldado 82109869 Samba Jau (Mun Metr Lig HK 21) (F) [ferido na 2ª mina A/C, do dia 13/1/1971]
Sold 82115269 Cherno Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F) [ferido na 2ª mina A/C, do dia 13/1/1971]
Sold 82117569 Mamai Baldé (F)
Sold 82117869 Ansumane Baldé (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82118269 Mussa Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118969 Galé Sanhá (FF)

2ª secção

Fur Mil 11941567 António Fernando R. Marques [membro da nossa Tabnca Grande; ferido com gravidade na 2ª Mina A/C do dia 13/1/1971]
1º Cabo 17714968 António Pinto

1º Cabo 82115569 José Carlos Suleimane Baldé (F)
Soldado Arvorado 82118369 Quecuta Colubali (F) [ferido gravemente  na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]
Soldadado 82110469 Mamadú Baldé (F)
Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60) (F) [já falecido, em Portugal, para onde emigrara]
Sold 82118769 Alá Candé (Mun Mort 60) (F)
Sold 82118569 Mamadú Colubali (FF)
Sold 82119069 Mamadu Balde (F)

3ª secção

1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação [passou a integrar a equipa de reordenamento de Nhabijões]

Soldado 82116069 Sajuma Jaló (Ap LGFog 8,9) (FF)
Sold 82110269 Suleimane Baldé (Ap LGFog 8,9) (F)
Sold 82111069 Sori Baldé (F)
Sold 82115669 Sherifo Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82115769 Tenen Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82117169 Ussumane Baldé (F) [ferido gravemente na 2ª mina A/C do dia 13/1/1971]

Sold 82117769 Califo Baldé (F)
Sold 82118469 Califo Baldé (F)

(***) Vd. poste de 11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África

(...) Guiné-Bissau > Região de Tombali > Ponte Balana > 1 de Março de 2008 > Caravana do Simpósio Internacional de Guileje... Imaginem quem é que eu deveria encontrar aqui ? O operador de câmara da RTP África, Malam Biai... Nascido em 1965, em Bambadinca, de etnia mandinga, diz que é primo do J.C. Mussá Biai, natural do Xime e membro da nossa Tabanca Grande...

Quando puto, ia ao quartel de Bambadinca, à cata dos restos de comida do pessoal da tropa... Lembra-se bem dos militares da CCAÇ 12, unidade de intervenção que esteve em Bambadinca (Sector L1, Zona Leste), entre 1969 e 1973; dos dois ataques do PAIGC ao aquartelamento; da professora Violete (que dava aulas aos putos da 4ª classe); dos fuzilamentos a seguir à Independência (assistiu, aliás, à execução pública de um agente da polícia administrativa de Bambadinca)... 

Confirmou-me, de resto, a notícia do fuzilamento, na região do Xime, do Abibo Jau, o gigante da CCAÇ 12, e do tenente ou capitão Jamanca, que conheci na 1ª Companhia de Comandos Africanos, e foi depois comandante da CCAÇ 21 (o que vem ao encontro do relato já aqui feito pelo Mussá Biai)...

Diz-me, além, disso que o antigo 1º Cabo da CCAÇ 12, o José Carlos Suleimane Baldé, meu guarda-costas, intérprete, guia, cozinheiro, secretário, está vivo, em Amedalai, perto do Xime... Gostaria de o rever. (...)

(****) Último poste desta série > 22 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5520: Os nossos camaradas guineenses (24): Vi matar o meu camarada Lamine Sanha (Braima Djaura)

(*****) Sobre a CCAÇ 12 e os seus soldados africanos, vd. postes de:

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIII: Aos nossos queridos nharros (Zé Teixeira)

11 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLV: Ex-graduados da CCAÇ 12 também foram fuzilados (António Duarte)

(...) O António Duarte (que foi furriel miliciano na CCAÇ 12 na fase final, depois de transitar da CART 3493, que esteve em Mansambo) vem lembrar que em Bambadinca (e um pouco por todo o lado), os que foram encostados ao trágico poilão por onde passávamos muitas vezes, não foram apenas os comandos africanos mas também os nossos nharros da CCAÇ 12 (que foram constituir novas unidades, como a CCAÇ 21), e se calhar dos Pel Caç Nat 52, 53, 54, 63... No nosso tempo já havia ou dois três soldados arvorados por cada grupo de combate da CCAÇ 12... Mais tarde passaram a cabos e, em segunda comissão, foram promovidos a furriéis, ao que parece na CCAÇ 21, comandada pelo comando Jamanca (...)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLIX: O fuzilamento do Abibo Jau e do Jamanca em Madina Colhido (J.C. Bussá Biai)

29 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXIV: Ao Fernando Sousa: Sei que estás em festa, pá  (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P5908: Agenda Cultural (62): Seminário Lusófono Que Fazer com Estas Memórias ?, Centro de Estudos Sociais-Lisboa, 5 e 6 de Março de 2010 (Diana Andringa)



Seminário Lusófono
QUE FAZER COM ESTAS MEMÓRIAS?



Local: Centro de Estudos Sociais-Lisboa


Data: 5 e 6 de Março de 2010

Programa > Sexta-feira, 5 de Março

9:30 - 10:30 -

Abertura – Porquê um Seminário Lusófono sobre Tortura e Memória?
José Manuel Pureza, Representante do Centro de Estudos Sociais – Lisboa,
Raimundo Narciso, Presidente da Associação Movimento Cívico Não Apaguem a Memória,
Cecilia Coimbra*, Representante do Movimento Tortura Nunca Mais (Brasil),
Simonetta Luz Afonso, Presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, CES-Lx

10:30 - 12:00 - Projecção do filme “48”, de Susana Sousa Dias

12:00 – 12:30 - Comentário pelo Dr. Afonso Albuquerque (Médico psiquiatra, autor de um livro sobre o impacto da tortura sobre presos políticos portugueses)

12:30 – 13:30 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora Susana Sousa Dias

13:30 – 15:00 - Pausa para almoço

15:00 – 16:30 - Projecção do filme “Memória para uso diário”, de Beth Formaggini

16:30 – 17:30 - Comentário pelo Dr. Carlos Martin Beristain (Médico especialista em Saúde Mental, Universidade de Deusto, Bilbao) e por Alípio de Freitas (português, preso e torturado no Brasil.)

17:30 – 18:30 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

Sábado, 6 de Março

10:00 – 11:30 - Projecção do filme “ Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta”, de Diana
Andringa

11:30 – 12:00 – Comentário por Miguel Cardina, historiador, investigador do CES e Víctor Barros, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20).

12:00 – 13:00 - Debate sobre o filme, com a presença da realizadora

13:00 – 13:30 - Sessão de encerramento: Como fazer da memória partilhada da tortura uma alavanca pela defesa da Cooperação e dos Direitos Humanos?, Secretário Executivo da CPLP, Eng. Domingos Simões Pereira*.

* A confirmar
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5899: Agenda Cultural (61): Exposição Portugal nas Trincheiras - A I Guerra da República, de 23/2 a 23/4/2010, em Lisboa

Guiné 63/74 - P5907: Ser solidário (59): Precisa-se de dinheiro para abrir 10 poços na Guiné-Bissau (José Teixeira)

1. Mensagem de sensibilização enviada ao Blogue pelo nosso camarada José Teixeira*, Tesoureiro da Tabanca Pequena, Grupo de Amigos da Guiné-Bissau:

Será que uma nota de 20,00 € é um rombo tão grande na nossa carteira, que não possamos dispensá-la para uma causa tão profundamente humana como esta de conseguir água potável para as populações da Guiné?

(Com o devido respeito para com aqueles que infelizmente não têm condições para contribuir)

Todos nós sentimos que a vida não está fácil.

Pode parecer uma violência na carteira de cada um, esta forma de insistir na Campanha de sementes e água potável para a Guiné.

Pode parecer um sonho esta loucura de tentar arranjar dinheiro para conseguir abrir 10 poços de água.

Mas… Quem melhor que nós, os ex-combatentes da Guerra das Colónias (ou do Ultramar) na Guiné, compreenderá o drama daqueles povos?

Será que se pode imaginar uma escola com 200 crianças, sem uma torneira de água potável por perto?

Será que se pode imaginar algumas dessas crianças deixarem a escola para irem ao interior da floresta, a um riacho que pode ficar a 4/5 quilómetros buscar água?

Que garantia de qualidade na água se encontra?

O nosso projecto, em parceria com a AD - Acção para o Desenvolvimento, visa dotar com fontanários dez tabancas do interior, das mais pobres e mais necessitadas.

Precisamos de muito dinheiro e as contas são fáceis de fazer.

O Blogue da Tabanca Grande tem cerca de 400 participantes e talvez alguns milhares de leitores.

Cerca de 80 leitores já participaram com a sua dádiva generosa, tendo-se juntado 2.214,00 €.

Basta que haja mais 80 dadores para se conseguir abrir um poço, instalar a energia solar e dotar a população com condições de poderem tirar rendimento das suas hortas e ter água para as suas necessidades.

NÃO PODEMOS FICAR INDIFERENTES AO SOFRIMENTO DAQUELE POVO!

Eu não consigo.

Zé Teixeira

Criança na torneira

Miudo a beber


TESOURARIA, CAMPANHA E SEMENTES


__________

Notas de CV:

(*) José Teixeira foi 1.º Cabo Enfermeiro na CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70.

Vd. último poste referente à campanha, com data de 28 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5720: Ser solidário (52): Campanha da Tabanca de Matosinhos: Ajudemos a minorar as carências do povo da Guiné-Bissau (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 28 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5905: Ser solidário (58): Mais uma Expedição à Guiné-Bissau da Associação Humanitária Memórias e Gentes 2 (Carlos Marques Santos)