domingo, 18 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6756: José Corceiro na CCAÇ 5 (15): Canjadude, CCAÇ 5, onde a surpresa acontece

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 16 de Julho de 2010:

Caros camaradas, Luís Graça, Carlos Vinhal, J. Magalhães.
É com estima que apresento este redigido, que publicarão se assim o entenderem. Empenhei-me nas fotos, publiquem com o vosso saber e arte, como ajuizarem mais conveniente.

Um Abraço
José Corceiro


José Corceiro na CCAÇ 5 (15)

CANJADUDE, CCAÇ 5, ONDE A SURPRESA ACONTECE


FOTO 1 – Tabanca e Aquartelamento de Canjadude, vista do lado da picada do Cheche, vendo-se em plano afastado a picada que nos conduzia a Nova Lamego. Pode ver-se um filão de rochas, pouco vulgar na Guiné, que atravessa a imagem, um pouco para além do plano central da foto e o veio termina quase por ali. Podemos ver no lado esquerdo, a pista aérea e o quadrado esbranquiçado é o heliporto. É visível o campo de futebol no lado direito da pista. Como se pode observar há desmatização em todo o perímetro que circunda o Aquartelamento e a Tabanca, até uma distância aproximada de 300 metros. Este espaço desarborizado podia, algum, ser cultivado. Ao lado direito vê-se parte da Bolanha.

Eu sei muito bem, que cada um de nós foi uma individualidade distinta, que sentiu e se lhe cravaram na pele os efeitos nefastos da Guerra, deixando esculpido o estigma, segundo a sua particularidade, pois cada um de nós é uma singularidade. Testemunhámos ocorrências que nos afectaram, segundo a percepção e sensibilidade de cada um, e em função do maior ou menor grau de exposição, perante as crueldades belicistas a que cada um esteve sujeito no TO da Guiné. As desumanidades que presenciámos marcaram as nossas personalidades, pois foram tempos de intensa solidão, ainda que acompanhados de camaradas. Também sei, que após terem passado quase 40 anos, já pouco lembramos esse passado, que permanece (como que adormecido) no nosso subconsciente, manifestando-se, em alguns, em determinadas reacções comportamentais, que por vezes são difíceis de aceitar e interpretar. Eu estou a enquadrar esta questão, porque o teor do meu artigo, a seguir, é uma síntese singela do que escrevi na circunstância, sobre os factos que vou relatar... a minha linha de pensamento, duma maneira geral, mantém-se fiel com a da época.

Durante a minha permanência na Guiné, de entre os quatro Comandantes de Companhia da CCAÇ 5 que eu conheci em Canjadude, por razões de estilos diversos, cada um deles deixou cinzelado na minha memória recordações e sentimentos distintos.

FOTO 2 - Largo central da Tabanca de Canjadude onde os Homens Grandes passavam o dia sentados.

Vivemos em Canjadude num estado permanente de emoções, sobressalto, ansiedade e dúvida, pois estamos num envolvente TO de Guerra, onde as condições climatéricas são inóspitas e deveras funestas para se adaptarem a Metropolitanos. A estas agruras ambientais há a somar o muito desgastante esforço solicitado para equilibrarmos a subsistência, onde há carências tão básicas que provocam cansaço físico e psíquico, realce-se a nossa docilidade e adaptação ao meio. Estamos integrados numa Companhia Independente de Africanos, cujo Quartel tem abrigos enterrados no chão, onde dormimos, os que conseguem, em condições desumanas. O acampamento confina com uma tabanca, onde coexistem civis e militares nativos com as suas famílias, habitando em “morançinhas” familiares tradicionais, cobertas de capim (colmo).

FOTO 3 - Horta militar, próximo da bolanha.

Quer a tabanca quer o aquartelamento estão delimitados do mato pelo arame farpado. A localização do aquartelamento é periférico e isolado, tendo ficado depois da evacuação do Cheche o mais próximo de Medina de Boé. As condições de sobrevivência têm carências de toda a ordem, em todas as vertentes, daquilo a que vulgarmente chamamos necessidades básicas, pelo que não há uma sã harmonia que contribua para um salutar equilíbrio físico e emocional que o ser humano precisa para estar integrado socialmente. A tabanca, além das pequenas moranças com os seus habitantes, nada mais tem além dum rudimentar cabanal, coberto com chapas de zinco, a que se deu o nome de escola.

A actividade agrícola praticamente é nula, ainda que seja um facto a grande fertilidade do solo que circunda o aquartelamento, como se pode provar através da horta militar, que graças à dedicação, empenho e boa vontade, do Sargento José Marques que orienta o cultivo, em mais de um local, permitindo-lhe agricultar diversos legumes que produzem colheitas sequenciais, tais como: couves, alfaces, nabos, tomates, pimentos, pepinos, feijão, cenoura, cebola, etc. etc.

Lancem a semente à terra amanhada e o produto resplandece, como dádiva... a terra tem nutrientes e os necessários sais minerais, há luz, há calor, dêem de beber ao solo e ele retribui a sua generosidade.

FOTO 4 – Cozinha comunitária em Canjadude.

Os nativos, os não militares, somente cultivam junto à bolanha alguma “mancarra”, mas muito pouca e nada mais. Em qualquer cultura existe sempre um cereal como base alimentar, sendo neste caso da Guiné, o arroz, mas a gente de Canjadude está dependente dos militares para lho vender a preço simbólico. Quão benéfico teria sido para a população civil e militar, agora, se ao longo de anos tivesse havido mais interesse para investir na formação de técnicos para transmitirem conhecimento aos nativos na área agrícola? Os habitantes civis, aqui, vivem praticamente dependentes de algum frete que os homens fazem, como carregadores de material militar, quando há operações para o mato, enquanto as mulheres vão ganhando alguns pesos como lavadeiras dos metropolitanos, isto é o quotidiano de Canjadude.

FOTO 5 - Retirar as sementes da palmeira, em condições pouco higiénicas, para utilizar nos cozinhados, da alimentação dos Canjadudianos.

Dia 20 de Março de 1970, o Comandante da CCAÇ 5 é o Capitão Manuel de Oliveira (falecido em 31/03/2007 com a patente de Coronel Tirocinado na Reserva) e é voz corrente que nos vai deixar por ter sido promovido a Major e ter sido destacado para Bissau, para exercer funções relacionadas com actividades no Ministério da Educação. A família do Capitão vive em Bissau, cujo agregado familiar é composto por duas filhas e a esposa (Biologa) que lecciona Ciências no Liceu Honório Barreto.

FOTO 6 – Foto tirada do aquartelamento, junto do arame farpado, para o lado da bolanha. Terreno que podia ser todo cultivado.

Dia 21 de Março, logo cedo, antes das 07h00, saiu uma coluna de reabastecimento para Nova Lamego. Eu estou de serviço no Posto de Rádio, das 04 às 08h00 e das 12 às 16h00. O José Carlos Freitas saiu hoje na coluna e vai para a Metrópole em gozo de férias.

A coluna regressou cedo do Gabu, por volta do meio-dia. Recebi muita correspondência. Veio para substituir o Capitão Oliveira, o Capitão Borges (Hoje Coronel na Reserva) que era o Comandante da CCS do Batalhão de Nova Lamego.

Aqui, por Canjadude, a actividade operacional tem sido incessante, quase todos os dias saem Grupos de Combate para o mato, as operações sucedem-se, mas não tem havido nada digno de nota.

Dia 25, às 20h30, o IN começou a flagelar Cabuca, que é um Aquartelamento localizado a Nascente de Canjadude e o mais próximo, embora não haja via (picada) de ligação directa entre eles. Há pouco mais de oito dias que foram atacados e hoje voltaram a embrulhar, a Companhia ainda é “periquita”, se não ganham animosidade estão tramados.

Dia 26, não sei se terá algum fundamento ou se será boato de caserna, mas comenta-se a notícia com honras de veracidade. Fala-se à boca cheia que o Capitão Borges vai trazer a esposa, que vive em Nova Lamego, aqui para o Destacamento de Canjadude.

Dia 28, houve coluna a Nova Lamego e o Capitão Oliveira deixou hoje a CCAÇ 5, foi para Bissau.

Dia 29 de Março de 1970, é Domingo de Páscoa. Na parte da tarde realizou-se um emocionante desafio de futebol entre a equipa dos “velhinhos” e os “periquitos”, eu, ainda alinhei pelos “periquitos”, a disputa entusiasmou e foi empolgante, pelo que nos descontrolamos um pouco e chegámos uns escassos cinco a dez minutinhos atrasados ao jantar, já não nos deixaram comer.

FOTO 7 - Recepção do povo de Nova Lamego ao Ministro do Ultramar, 14 de Março de 1970.

Desde que o Ministro do Ultramar esteve em Nova Lamego, dia 14 deste mês, todos os dias têm havido saídas de pelotões para o mato e tem sido uma constante o movimento de envio e recepção de mensagens no posto de rádio.

Dia 31, o Capitão Borges mandou reunir os Militares da Formação e esteve a definir algumas normas de conduta, que quer que sejam cumpridas por todos, principalmente na apresentação do vestuário e comportamentos.

FOTO 8 - O Ramos a cortar o cabelo ao Corceiro em Canjadude. Era normal entre as 10 e as 15hh00, intervalo de descanso, andarmos assim vestidos, quando não era pior.

Dia 1de Abril, é o dia da Unidade. Logo cedo saí para o mato com dois Grupos de Combate, para os lados de Comuda, não sei porquê, mas não nos foram disponibilizados carregadores para transportar o equipamento de Transmissões. Regressámos por volta das 16h00, um pouco cansados, pois foi sempre a trilhar, felizmente que para as nossas caminhadas, agora, não há as martirizantes bolhanhas alagadas.

Dia 3, já há dois dias que estão três Pelotões para o mato e só regressam amanhã. Esteve aqui um “DO” que trouxe frescos e correio, tendo vindo também um Capelão, assim como um Militar Foto-Cine.

Dia 5, depois de jantar saiu o 1.º Pelotão para o mato. Das Transmissões sou o operacional que está afecto a este Grupo, pelo que saí para o mato também. Já depois de estarmos instalados no mato, 22h30, começámos a ouvir grandes rebentamentos na direcção de Nova Lamego, o Gabu, estava a sofrer flagelação. Recebi ordens do aquartelamento para regressar imediatamente à base. Regressámos, já nos tínhamos deitado, mas por volta das 23h30 tivemos que nos levantar. Formaram-se dois Grupos de Combate e saímos em direcção a Cancoré onde chegamos por volta da 01h30, ficando por ali emboscados. Ainda não tinha rompido o alvorecer já nós estávamos de regresso ao destacamento, onde chegámos às 06h50. Por volta das 12h00, saiu de Canjadude um Pelotão em direcção a Nova Lamego, que se instalou e emboscou no mato, próximo do cruzamento de estradas, Canjadude, Cabuca, Nova Lamego.

O flagelo que sofreu Nova Lamego não causou danos dignos de registo. Os mísseis que foram lançados já estavam obsoletos e falharam os alvos, pois as rampas de lançamento foram montadas muito distante de Nova Lamego, de forma que não atingiu a eficácia pretendida pelo IN, devido à deficiente orientação dada ao projéctil lançado.

Dia 7 de Abril, logo de manhãzinha, ao romper da aurora, saiu uma coluna para Nova Lamego. A coluna regressou a Canjadude bem cedinho, tendo recolhido no trajecto o Pelotão que estava emboscado.

Ao chegar a coluna ao aquartelamento ficou tudo surpreendido e de boca aberta… ah! ah!, embora não fosse surpresa para ninguém, pois já todos sabiam, o Capitão Borges veio acompanhado da sua esposa, que segundo consta vai ficar a viver em Canjadude.

FOTO 9 - Capitão Borges com a esposa numa coluna para Nova Lamego. Sentados atrás vão os guarda-costas (elementos dos Comandos, Dragões). Houve autorização superior para o jipe poder integrar a coluna.

É uma atitude arrojada que revela coragem, determinação e cumplicidade no casal, dando provas de coesão, sem se pouparem a sacrifício para consolidar a união dos cônjuges. É evidente que o amor é mais importante que a morte... mas o Capitão Borges, com esta sua ousadia, deu provas de combate, segurança e confiança, no porvir.

A senhora do Capitão Borges, tem que ser uma mulher de alma magnânima e imperturbável, para se arriscar a viver nestas condições, a milhas da civilização e neste isolamento, não deve ser fácil, mas é revelador de acto de afoiteza e amor para com o marido, ao querer trilhar alguns dos perigos e dificuldades inerentes ao TO de Guerra que todos aqui vivemos, só que nós militares, por imposição e obrigação, enquanto a senhora do Capitão é de livre vontade, abnegando a possibilidade de bem-estar, provavelmente podendo viver na Metrópole.

FOTO 10 – Abrigo do Capitão na CCAÇ 5.

Não nos podemos esquecer que estamos no mato e, a partir de agora, da parte de nós militares, impõe-se nova conduta, mais moderação no verbalismo utilizado na oralidade, mais decoro na postura de apresentação, mormente no vestuário usado, pois tem que haver pundonor e uma determinada probidade no porte, não nos podendo dar à veleidade do desalinho que é ir dos abrigos para os balneários, só de toalha às costas (às vezes suportada por cabide fantasiado) e sabonete na mão. É toda uma atitude comportamental na disciplina, a que temos que nos ajustar.

Anda um calor abrasador e todos os dias têm saído Pelotões para o mato, por um ou dois dias. No dia 10 houve coluna ao Gabu e no dia 12 voltou a haver, ficando o 2.º Pelotão da CCAÇ 5 em Nova Lamego por uns dias.

Os últimos meses de comissão passados na Guiné são extremamente dolorosos e longos, quase para todos, tornam-se angustiantes, por aquilo que tenho observado e analisado são traumatizantes, são o limite do resistir ao sacrifício imposto. Ultimamente tem sido o Nora de Transmissões, que tem andado descompensado e muito agitado, (infelizmente, actualmente está a viver momentos menos tranquilos, também reflexos desse passado) pois já é o mais velho na Secção de Transmissões e hoje teve que ser evacuado para Nova Lamego. Pessoalmente sinto estes casos com sofrimento, atiçando em mim um sentimento de pena…

A esposa do Capitão Borges, com todo o respeito, é uma senhora muito simpática e bem-disposta, tem uma auréola de energia positiva. Sempre que passa por algum de nós, indiscriminadamente, não faz distinção, tem a amabilidade de nos dirigir um cumprimento de saudação, sempre com ar de pessoa feliz e sorridente. Só uma senhora que aparenta esta tranquilidade interior e serena generosidade, se sujeitaria a viver neste meio tão hostil e carenciado, onde abundam todo o tipo de privações.

A actividade operacional continua intensíssima, há sempre pessoal no mato e um Pelotão em Nova Lamego. No dia 18 veio o substituto do Alferes Gago. Alguns graduados tem sorte, porque nem um ano cumprem aqui de comissão, até serem rendidos, enquanto outros militares chegam a estar aqui 25/26 meses. Vá lá o diabo compreender estas injustiças…

Dia 29, por sugestão da esposa do Capitão Borges, ao serão, reunimo-nos todos os militares no refeitório das praças para confraternizarmos um pouco e jogar ao loto, presidido pelo Comandante da Companhia (desde que eu estou em Canjadude nunca houve uma união e envolvimento de aproximação semelhante a este acto, as águas têm sido muito separadas). Eu logo na primeira jogada fiz Bingo, ganhei 154 pesos, voltei a fazer Bingo na terceira jogada, ganhando 86 pesos, pelo que levou alguém a gracejar que eu já tinha ganho dinheiro suficiente para pagar uma rodada de cervejas para todos.

Dia 6, de Maio, chegou a Canjadude o Capitão Arnaldo Costeira (creio que na época era o Capitão com menos idade do QP, se a memória não me falha, ouvi-lhe dizer que comandou, interinamente, uma Companhia em Angola tinha ele 20 anos de idade, na altura como Alferes e que tinha sido há quatro anos atrás. Hoje é Coronel na Reserva) para substituir o Capitão Borges.

Dia 7, na parte de tarde saiu de Canjadude um Pelotão que se foi emboscar no espaço entre a estrada de Canjadude e Cabuca, já próximo do cruzamento. Dia 8 fomos buscar o Pelotão e visto estarmos próximo, fomos ao Gabu. Neste mesmo dia rebentou uma mina, na estrada de Cabuca, que provocou muitos feridos à Companhia ali aquartelada.

Dia 13, em Canjadude foi accionado o alarme de perigo, dirigiu-se apressadamente todo o pessoal para os seus postos de defesa, mas afinal era tão só uma demonstração para testar a eficácia da actuação do pessoal e, para o Capitão Borges dar umas explicações da orgânica dos procedimentos a cumprir, em caso de ataque IN, ao Capitão Costeira.

FOTO 11 - Entre o Cheche e o Bormuleo, na margem direita do Rio Corubal, a posar para a foto o Capitão Borges, Capitão Costeira e Alferes Varela (hoje advogado em Almada). É visível a margem oposta do rio Corubal.

Dia 23, realizou-se uma operação para os lados do Cheche, Corubal, Bormuleo, a nível de Companhia, foram o Capitão Borges e o Capitão Costeira nesta operação. As viaturas foram-nos levar na direcção do Cheche e apeamos muito próximo das viaturas que estavam abandonadas na picada, por terem sido acidentadas com minas. Após termos desmontado das viaturas, caminhamos bastante tempo, até nos instalarmos para comer a ração de combate. Na parte da tarde começamos a caminhar rumo ao Corubal e no percurso encontrámos um destacamento IN, já abandonado, restando vestígios da actividade humana. Destruímo-lo, após o que continuámos a progredir até à margem do Corubal, onde passámos a noite. Instalámo-nos junto de rochas, num lugar paradisíaco, mas para esquecer, pois durante a noite, quase todos nós fomos hostilizados por formigas, que nos queriam papar, as quais tiveram o condão de nos agitar e perturbar a nossa tranquilidade, quando precisávamos de descansar.

FOTO 12 - Instalados junto à margem do rio Corubal, ao fim do dia, a comer a ração de combate. Na foto, o Capitão Borges e mais pessoal da operação; o Silva de Transmissões está de pé; alguns carregadores civis são visíveis  assim como os garrafões que transportavam com água. Passámos aqui a noite, onde as formigas nos atacaram.

Logo de manhã cedo começámos a caminhar, sempre seguindo a margem do rio Corubal, em direcção ao Bormuleo, pois a nossa posição era entre este e o Cheche. Não foi preciso caminhar muito até encontrar o terreno que nós próprios tínhamos minado há três meses atrás, numa operação em que eu estive presente. Depois de terem levantado as minas, ficámos por ali até às 14h30. De seguida passámos pelo Bormuleo e fomos dormir a Samba Gane. De manhã rumámos na direcção da picada entre Canjadude e Cheche, onde as viaturas nos apanharam e transportaram ao aquartelamento.

FOTO 13 - Desminagem de terreno que tinha sido minado por nós. Levantamento de uma mina, estando um militar com mapa onde estão referenciados os locais para levantamento e outro a executar o trabalho.

Dia 24, de Maio 1970, veio o Furriel de Transmissões, Alberto José dos Santos Antunes, substituir o Furriel de Transmissões, José Martins.

Dia 26 de Maio, de 1970, houve coluna a Nova Lamego. O Furriel José da Silva Marcelino Martins (José Martins, nosso tertuliano) despediu-se de Canjadude, e da CCAÇ 5, rumando à Metrópole por ter terminado a sua comissão de serviço na Guerra do Ultramar. Desejo-lhe boa viagem, muita saúde e êxito no percurso que vai iniciar. Que a vida lhe sorria e boa sorte.

Para todos um abraço e muita saúde.
José Corceiro
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6698: José Corceiro na CCAÇ 5 (14): Emissor receptor AN/PRC-10

sábado, 17 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6755: Parabéns a você (133): Dia 17 de Julho de 2009 - Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492 (Editores)


1. Completa hoje 61 anos de idade o nosso Camarada, Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf da CART 3492 (Xitole) do BART 3873 (Bambadinca), 1971/74.

O Álvaro Basto apresentou-se à Tabanca Grande no poste P1888, de 26 de Junho de 2007, do qual retiramos o seguinte extacto:

[...] O meu nome é Álvaro Basto, tenho 58 anos e, tal como vocês, não escapei ao Servicinho Militar Obrigatório em 70.
Após algumas cabulices no liceu, fui incorporado nas Caldas da Rainha e posteriormente em Lisboa no HMP - Hospital Militar Principal - vindo, após os 3 meses obrigatórios da especialidade, a ser integrado como enfermeiro no HMR (Hospital Militar Regional) do Porto onde sempre vivi e onde permaneci um ano inteiro (pertinho de casa, vejam lá a sorte e os maus hábitos que adquiri)...
No início de Dezembro de 1971 sou informado que iria embarcar no dia 18 seguinte para a Guiné (imaginem o choque lá em casa, filho único... há um ano praticamente em regime de emprego civil perto de casa; enfim, foi o drama, um drama afinal igual a tantos e tantos outros que na altura grassavam pelas famílias portuguesas...).
Não embarquei no dia 18 mas em 22 desse mesmo mês (acho que a explicação já foi aqui, na tertúlia, avançada por um camarada) e foi nessa viagem que conheci o Mexia Alves, o António Barroso e o Artur Soares, digníssimos tertulianos aqui presentes, integrado na CART 3492 (Xitole) do BART 3873 (Bambadinca).
Temos pois muitas estórias em comum e um acervo fotográfico interessante que, apesar do desgaste do colorido provocado pelo tempo, se tem mantido em condições razoáveis.
Logo após o regresso da Guiné que para mim, por ser Furriel Enfermeiro, durou até ao dia 1 de Abril de 1974 (dia de enganos, daí eu dizer sempre que só regressei de lá vivo por engano...), ainda mantive o contacto com alguns daqueles com quem mais tinha privado, mas o stress era tal que decidi afastar de vez da mente aquela época vivida longe, que teve muitos maus momentos, mas teve sobretudo um papel importantíssimo na minha formação social com os seus incontáveis momentos de alegria e descontracção, que em conjunto aí vivemos todos. [...]

O Álvaro junto so seu jovial, inseparável e amigo pai Ronaldo Basto (postal da autoria do casal Miguel & Giselda Pessoa)

3. Independentemente das mensagens e comentários que os nossos Camaradas enviarem e colocarem, futuramente, no local reservado aos mesmos neste poste, em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, que por vários motivos não puderem enviar-te as suas mensagens, queremos:

  • Desejar-te neste teu aniversário os nossos maiores e melhores votos, para que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.
    E mais te desejamos, que por longas e prósperas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos da Guiné te possa dedicar mensagens idênticas, às que hoje lerás neste teu poste e no cantinho reservado aos comentários.
    Estes são os mais sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas, que como tu, um dia, carregaram uma G3 & outras cargas de trabalhos por tarrafos, matas e bolanhas da Guiné.

Com montanhas de abraços fraternos.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

17 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6753: Parabéns a você (133): José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73 (Editores)

Guiné 63/74 - P6754: Factos e Feitos mais importantes da CART 2732 (1): De Abril a Dezembro de 1970 (Carlos Vinhal)

FACTOS E FEITOS MAIS IMPORTANTES DA CART 2732 (1)

CAPÍTULO I

MOBILIZAÇÃO, COMPOSIÇÃO E DESLOCAMENTO PARA O TERRITÓRIO DA GUINÉ

A Companhia de Artilharia N.º 2732*, constituída em 23FEV70, teve como Unidade mobilizadora a Bateria de Guarnição N.º 2 sita no Pico de S. Martinho, cidade do Funchal, Ilha da Madeira, tendo a sua concentração sido feita na Posição Fortificada do Palheiro Ferreira, destacamento daquela Unidade, onde decorreu também a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional.
Constituída na sua maior parte por pessoal originário da Ilha da Madeira com excepção dos oficiais, sargentos e praças especialistas.



Vista do BAG-2 a partir do Pico dos Barcelos


S. Martinho > Funchal > Madeira > 6 de Abril de 1970 > Dia da entrega do Guião à CART 2732. à frente da formatura, de cócoras: Fur Mil TRMS Lourenço, Fur Mil Correia, Fur Mil Vinhal, Alf Mil Bento e Fur Mil Nunes


Madeira > Cais do Funchal > Local de embarque da CART 2732


Funchal > 13 de Abril de 1970 > A CART 2732 desfila perante as autoridades civis e militares antes de embarcar no navio Ana Mafalda.


Navio Ana Mafalda

A CART 2732, comandada interinamente pelo Alf Mil Manuel Casal, embarcou no Porto do Funchal, cerca das 12h00 no navio ANA MAFALDA, para a Província da Guiné em 13ABR70.

Desembarcou em Bissau no dia 17, cerca das 16h00, ficando alojada em tendas de campanha no Depósito de Adidos até ao dia 21, seguindo para Mansabá em coluna auto nesse dia, onde chegou cerca das 13h00 para render a CCAÇ 2403.

Porque o Comandante indigitado da CART 2732, Cap Art Prego Gamado deu baixa ao HMP antes da data de embarque, no dia 22 de Abril assumiu o comando desta Unidade o Cap Inf Carreto Maio, ex-CMDT da CCAÇ 2403.



CAPÍTULO II

ACTIVIDADES MAIS SIGNIFICATIVAS NO TO DA GUINÉ


A povoação de Mansabá fica situada na estrada Mansoa-Farim a cerca de 100Km de Bissau.

Em 21ABR70, cinco horas após a chegada da CART 2732 a Mansabá, o aquartelamento foi flagelado pelo IN com morteiro 82 e armas automáticas, causando 16 feridos na população.



Vista aérea do aquartelamento e povoação de Mansabá


Zona de Intervenção da CART 2732, mesmo até às portas do Morés

Em 20MAI70, 2 GCOMB/CART 2732 patrulharam, integrados na Op. Filtrada, a região Demba Só - Simbor, detectando e levantando 1 mina AP.

Em 26MAI70, iniciou-se a Op. Jaguar Vermelho.
Na primeira fase, de 26 a 28, 2 GCOMB emboscaram em Mamboncó sem resultados. Em 30 a CART2732 a 4 GCOMB reforçada com 1 SEC PEL MIL.ª250, deslocou-se para a região de Cã Quebo. Ao entrar na mata foram detectados 2 elementos IN armados. As NT abriram fogo sobre eles sem que estes fossem atingidos. Fez-se uma batida a numerosos trilhos IN e montada uma emboscada sem resultados. Às 19h00 houve contacto com um grupo IN armado com armas automáticas e morteiro 60. As NT reagiram à emboscada pondo em debandada o grupo IN, não se efectuando a batida por ser escuro. Em 31 às 05h00 iniciou-se uma batida à procura de casas de mato cuja localização aproximada se adivinhava. Em FARIM-1 A5 foram destruídas 4 tabancas tendo sido apanhados 2 carregadores de arma automática e material sem significado. Às 08h00 foi efectuado um golpe de mão a um aldeamento com cerca de 10 casas, já abandonado, onde foram capturadas munições de armas, tendo aparecido 2 elementos IN que fugiram depois das NT abrirem fogo sobre os mesmos. Fez-se uma batida e então o IN estimado em 2 GCOMB fortemente armados, emboscou as NT causando um ferido (milícia) e, 1 praça do PEL CAÇ NAT partiu um dedo ao fazer fogo de morteiro. Em 01JUN70 foi o regresso a Mansabá onde se chegou pelas 15h00.

Na segunda Fase de 03 a 05JUN70, 2 GCOMB montaram emboscada em FARIM-1 F3, sem resultados.

Em 07JUN70 a CART 2732, a 4 GCOMB, deslocou-se em meios auto para Mamboncó. As NT dirigiram-se para Bigine. Encontraram em seguida o trilho Cai-Morés que não tinha vestígios de passagem. Montaram emboscada e pernoitaram na zona. No dia seguinte dirigiram-se a Tambato e depois à Bolanha em MANSOA 9 I13 para serem reabastecidos de água e fazerem a evacuação de 3 doentes. Cerca das 16h00, à ordem, iniciaram o regresso à estrada de Cutia-Mansabá onde chegaram às 17h30.

Em 20JUN70 assumiu o comando da CART 2732 o Cap Art José Maria Belo, em virtude de o Cap Inf Carreto Maia ter terminado a sua comissão de serviço na Guiné.

Em 22JUL70, 2 GCOMB empenhados na contra-penetração do eixo do eixo IN Morés-Sara, interceptaram coluna IN que debandou com baixas prováveis. (Op.Farelo)

No mês de Setembro de 1970 há a salientar nova baixa no Comando da CART 2732, em virtude de o Cap Art José Maria Belo ter sido evacuado para o HMP de Lisboa.

Em 05OUT70, ataque a Mansabá de que resultou 1 milícia morto e feridos ligeiros nas NT.

Em 06OUT70, foi efectuada batida à zona de instalação das armas IN que no dia anterior atacaram Mansabá sendo apanhada a secção anterior de um CSR B 10 calibre 52 de origem russa. As NT detectaram ainda a existência de minas AP inimigas. O Alf.Mil.º de Minas e Armadilhas José Armando Santos do Couto morreu vítima do rebentamento de uma que tentava levantar, tendo também ficado ferido o Alf.Mil.º Bento que teve de ser evacuado para o HM de Bissau. O Fur.Mil.º de Minas e Armadilhas Vinhal procedeu ao rebentamento de mais 3 minas AP do IN.



Mansabá > 11 de Outubro de 1970 > Cerimónia de homenagem à memória do Alf Mil Couto, vítima mortal do rebentamento de uma mina AP.


Neste mês de Outubro de 1970, apresentou-se na CART 2732 o Cap Art Domingos Alberto Pinto Catalão, para assumir o comando desta Unidade.

Em 10NOV70, o IN flagelou os trabalhos da estrada Mansabá-Farim em que a CART 2732 tinha forças empenhadas.

Em 11NOV70, 2 GCOMB na protecção dos trabalhos da estrada Mansabá-Farim. Grupo IN flagelou as NT com fogo de morteiro e armas automáticas em FARIM-2 F3 4-2 causando 1 ferido ligeiro nas NT.
A partir desta data a ZA da CART 2732 deixa de pertencer ao BCAÇ 2885, passando a estar integrada no Comando Operacional N.º 6 (COP6), reactivado pela necessidade de construção o mais rápido possível da estrada Mansabá-Farim. O COP6 fica instalado em Mansabá e a CART apoia e fornece os meios auto e outros necessários à sua actividade operacional.

Em 12NOV70, Mansabá foi atacada por numeroso grupo IN que utilizou CSR, morteiro 82 e 60, LGF e armas automáticas durante 45 minutos, tendo causado 1 morto e 4 feridos às NT e, 14 mortos e 45 feridos à população.
As NT reagiram pelo fogo e manobra.



Mansabá 12NOV70 > Enfermaria militar atingida por munição de canhão sem recúo IN


Mansabá 12NOV70 > Abrigo da Mancarra atingido durante o ataque ao aquartelamento, onde apanhou um grande susto o nosso camarada e tertuliano Inácio Silva, Apontador da Breda.


Mansabá 12NOV70 > Uma das muitas moranças danificadas por fogo IN que provocou, além dos estragos materiais, 14 mortos e numerosos feridos na população.


Em 26NOV70, foi criado o destacamento do Bironque, sendo deslocados de Mansabá 2 GCOMB da CART 2732.



Destacamento do Bironque, criado para dar apoio às obras de construção do troço de estrada entre o Bironque e o K3

Em 28NOV70, foram detectadas e levantadas 3 minas AP na região dos trabalhos em Bironque Delta e accionada 1 de que resultou 1 ferido grave e 2 ligeiros, todos da BECE.

Em 30NOV70, foram detectadas e levantadas 3 minas AP na região dos trabalhos em Bironque Delta.

Em 01DEZ70, 2 GCOMB empenhados na protecção dos trabalhos da construção da estrada Mansabá-Farim. Detectadas pelos trabalhadores 12 minas AP que foram levantadas pelos Sapadores

Em 02DEZ70, 1 trabalhador da BECE accionou uma mina AP sendo evacuado para Bissau. Foram detectadas mais 4 minas AP e levantadas pelos Sapadores. A CART 2732 tinha 2 GCOMB empenhados na protecção dos trabalhos.

Em 12DEZ70, 1 milícia detectou em FARIM-1 F4 6-3 1 elemento IN morto tendo capturado 1 espingarda automática Simonov, 1 pistola metralhadora PPSH, 4 minas AP, munições e 1 cantil.

Em 13DEZ70, pelas 16h15, a povoação e quartel de Mansabá foram flagelados com 3 granadas de morteiro 60 sem consequências.

Em 16DEZ70, grupo IN não estimado, flagelou a segurança dos trabalhos da estrada com 5 tiros de morteiro 60 sem consequências, tendo pelas 19h20 flagelado o aquartelamento de Mansabá com foguetões.

Em 28DEZ70, foram encontrados 5 buracos na estrada alcatroada em Mamboncó-3 E6 7-4 feitos por explosivos, com cerca de 2 a 2,5 metros de diâmetro e 60 a 80 centímetros de profundidade, ao longo de 200 a 250 metros.

Em 29DEZ70, grupo IN mais uma vez flagelou a segurança aos trabalhos da estrada.

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 20 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6194: Convívios (133): Encontro comemorativo da ida da CART 2732 para a Guiné, Funchal 10 de Abril de 2010 (Inácio Silva/Carlos Vinhal)

(**) Vd. poste de 2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6297: Controvérsias (71): Contemos as nossas experiências e deixemos as especulações para quem não esteve lá (Carlos Vinhal)

Vd. Blogue da CART 2732 em http://cart2732.blogspot.com/

Guiné 63/74 - P6753: Parabéns a você (133): José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73 (Editores)

Postal de aniversário com a assinatura de Giselda e Miguel Pessoa


1. Hoje, dia 17 de Julho de 2010, festeja um aniversário muito especial, o nosso camarada José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19, Guidaje, 1971/73, a quem vimos por este meio felicitar.

Caro José Manuel, a Tabanca deseja que passes um sábado alegre festejando os teus 60 anos, junto dos teus familiares e amigos mais próximos.

As nossas felicitações por aderires ao grande grupo dos SEXAS. Que tenhas uma vida longa, com muita saúde, junto dos que te são mais queridos.





José Manuel Pechorro junto ao memorial de homenagem ao Alf Mil Preto.
Foto: © 1.º Cabo Rádiotelegrafista Janeiro

2. Em 28 de Setembro de 2009, o camarada Pechorro, contactava-nos pela primeira vez, assim:

Olá Luís Graça,
Decorreu quase um ano que detectei o v/sítio na Internet.
Estava numa sonolência a respeito da minha presença na Guiné. Ao ler sobre Guidaje, Guileje e Gadamael, etc., a minha visão dos acontecimentos e da guerra no ultramar ficou melhorada.

Solicito a minha inscrição na Tabanca Grande, junto dos Tertulianos, se me quiserem acolher.

[...]

Depois disso, fez um relato muito completo dos trágicos acontecimentos de Abril/Maio de 1973 em Guidaje, que poderão ser consultados clicando neste marcador - José Manuel Pechorro.

Caro José Manuel não desarmes e continua a falar da tua vivência em Guidaje, pois terás conhecimento de acontecimentos à época secretos, que volvidos estes anos poderás contar sem rodeios.
__________

Notas de CV:

- Postal de aniversário assinado por Giselda e Miguel Pessoa

- Vd. último poste da série de 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6733: Parabéns a você (132): Recordando outros aniversários (António Dâmaso)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6752: Convívios (261): Encontro do pessoal da CART 6250 "UNIDOS" DE MAMPATÁ (Luís Marcelino)

1. O nosso Camarada Luís Marcelino (ex-Cap Mil, CMDT da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), enviou-nos uma mensagem dando-nos notícias da festa da sua Companhia, em 13 de Julho de 2010:


ENCONTRO DOS "UNIDOS" DE MAMPATÁ


Tal como em anos anteriores, os militares da CART 6250 fizeram festa este ano.

Foi no dia 10 de Julho e realizou-se em Paços de Ferreira, em casa do Alfredo Barbosa da Silva.

O encontro começou cedo.

Pelas 11 horas já tinha chegado um número apreciável de elementos.

Acompanhados de familiares, o encontro contou com 42 ex-militares.

O número de participantes foi bastante numeroso e todos estavam imbuídos do já tão habitual sentimentos de fraternidade e grande amizade.

Estiveram caras novas, já que compareceram pela primeira vez.

Outros, que anteriormente não faltavam a um encontro, não compareceram por qualquer razão.

Um deles, infelizmente não pôde estar presente por nos ter deixado definitivamente.
Foi o Napoleão.

Um homem que em vida e nestes encontros, dava nas vistas pela sua boa disposição e grande alegria que a todos contagiava.


Mas a esposa e filha quiseram estar presentes para o lembrar, entregando uma foto a todos os presentes.

Com muita emoção fizemos-lhe uma singela homenagem.

A festa durou toda a tarde.

O almoço partilhado estava muito variado, tendo cada um apresentado a sua melhor especialidade gastronómica para encanto de todos.

Não faltou a animação musical que a todos envolveu, ajudando a criar um ambiente de alegria e divertido.

Terminado o Encontro ao fim da tarde, já ficou marcado o próximo, que se realizará em Santo Tirso no ano de 2011.

Um abraço de muita estima e amizade.
Luís Marcelino
Cap Mil, CMDT da CART 6250
____________
 

Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6693: Convívios (175): Convívio do pessoal da CCAÇ 2701, Saltinho, 1970/72 (Mário Migueis)

Guiné 63/74 - P6751: (In)citações (1): O tocador de harmónica de Guileje (Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento)

 



Vídeo (''52):  Tocador de Harmónica. Antigo milícia, ao tempo do abandono do aquartelamento pelo Exército Português, em 22 de Maio de 1973. Museu de Guileje (em construção), finais da época das chuvas, 2009. Também podes visualizar aqui.

 

Vídeo (''47): Tocador de Harmónica. Antigo milícia, ao tempo do abandono do aquartelamento pelo Exército Português, em 22 de Maio de 1973. Museu de Guileje (em construção), finais da época das chuvas, 2009. Também podes visualizar aqui.


Vídeos alojados em You Tube > Nhabijoes (2010): © AD - Acção para o Desenvolvimento  (2009) / Blogue Luís Graça  & Camaradas da Guiné (2010). Direitos reservados



1. O Pepito deixou-me há uns meses atrás um CD com seis vídeos, quatro dos quais com actuações de um tocador de harmónica (ou gaita-de-beiços) que executa de cor músicas portuguesas, ouvidas no tempo da guerra colonial. Não tenho o seu nome, ou melhor, tenho-o registado algures. Era mílicia ao tempo da CCAV 8350 (Piratas de Guileje, 1972/73).  A gravação foi feita frente ao Museu de Guileje,  em Guileje, em finais da estação das chuvas de 2009, se não me engano.

Dois outros vídeos mostram uma lavadeira desse tempo a cantar uma música dos tugas (5º vídeo), e um par a dançar, frente ao museu (6º vídeo). Por razões técnicas, só consegui até agora carregar os dois primeiros vídeos na nossa conta (Nhabijoes) no You Tube.  Espero que os nossos leitores apreciem e comentem. Os nossos agradecimentos ao Pepito, com o pedido expresso de, um dia destes, transmitir ao artista o nosso apreço e a nossa admiração pela sua espantosa memória musical.  E, já agora, Pepito, na volta do correio (que é como quem diz, quando visualizares os vídeos), diz-nos o nome do tocador e confirma ou não as informações aqui prestadas...

É natural que haja imprecisões, na minha legenda e nos meu comentário, mas o que me apraz registar é este momento, único, surpreendente e até tocante, em que um amigo guineense desconhecido nos presta,  a todos nós, uma pequena homenagem... Claro que isto é um fenómeno de aculturação (antecipando-me à lição de sapiência dos doutos...),  resultado de um convívio estreito, de largos anos, entre homens que estiveram juntos na mesma guerra, embora (é bom nunca esquecê-lo) étnica, linguística, mental, social e culturalmente separados por muita coisa... A música tem um tremendo poder encantatório e até identitário...

Damos aqui lugar a uma nova série, (In)citações, que é uma espécie de contraponto às (Ex)citações... Espero poder publicar nesta nova série vídeos e outros materiais dos nossos amigos e camaradas guineenses...

Já recuperámos, aqui, a letra desta canção popular portuguesa, minhota, que as nossas avós, tias e mães cantarolavam:

Letra: Popular

(Refrão)

Todos me querem,
eu quero só um,
quero o meu amor,
não quero mais nenhum.

Todos me querem,
eu quero alguém,
quero o meu amor,
não quero mais ninguém.

Quero, eu quero,
eu quero, eu quero,
Amanhã vou me casar,
Já passei a roupa a ferro.

Já passei a roupa a ferro,
já passei o meu vestido,
Amanhã vou-me casar
e o Manel é meu marido

(Refrão)

Todos me querem,
eu quero só um,
quero o meu amor,
não quero mais nenhum.

Todos me querem,
eu quero alguém,
quero o meu amor,
ñão quero mais ninguém.

O Manel é meu marido,
O Manel é quem me adora,
O Manel é que me leva
da minha casa p'ra fora.

(Refrão) (...)


Da minha casa p'ra fora,
da minha casa p'ra dentro,
O Manel é quem me leva
no dia do casamento.

(Refrão) (...)

Digo adeus à Serra d'Arga,
Digo adeus a S. Lourenço,
Não te digo adeus a ti,
Porque sabes o que penso.

Refrão (...)

Guiné 63/74 - P6750: Blogoterapia (153): Valeu a pena conhecer-vos, camaradas ! (Joaquim Peixoto)


1. Texto do Joaquim Peixoto (ou Joaquim Carlos Peixoto), de Penafiel, com data de hoje:

Que posso eu dizer, que palavras poderei proferir, como posso agradecer ou simplesmente dizer " obrigado" aos camaradas que lembraram e sentiram o meu aniversário, enviando-me os parabéns (*) ?

No momento em que liguei o computador e abri os mails e vi o "nosso blogue", não queria acreditar! Após tantos anos passados, as recordações dos tempos vividos em terras desconhecidas; onde o capim crescia sem pedir licença; onde o calor húmido aquecia o nosso corpo e quase derretia a mente; onde os mosquitos se banqueteavam com o sangue tão jovem, eis que as novas tecnologias, num abrir e fechar de olhos, fazem com que todas as recordações sejam avivadas … E é neste momento, já com os cabelos brancos, as rugas marcando cada ano passado, se forma um nó na garganta, as ideias se atropelam e com as lágrimas nos olhos pensamos:
- Valeu a pena o sofrimento? Valeu a pena sermos combatentes?

E a resposta quase de imediato salta-nos do coração, já tão cheio de marcas, boas e más, sem que o cérebro tenha tempo de pensar.
- Sim, valeu a pena.

É compensador sentir os amigos que temos à nossa volta, é gratificante percebermos que não estamos sós, que fazemos parte de um grupo que viveu as mesmas emoções, os mesmos temores, as mesmas angústias, mas que hoje, passados quase quarenta anos, continuamos com o mesmo espírito de solidariedade e camaradagem, que só mesmo nós podemos avaliar e sentir.

É com toda a sensibilidade e amizade que quero gritar bem alto a todos que me felicitaram pelos meus 61 anos.

Obrigado, camaradas.

Bem hajam pela alegria e grande prenda que me ofereceram.

Um abraço recheado de grande emoção e o meu muito obrigado.

Não posso deixar de mencionar aqui o grande trabalho que o Luís Graça elaborou, para me presentear. São palavras sentidas, feitas de uma amizade que nasceu forte no dia em que soube da existência deste blogue.

Gostaria de ter o dom da escrita, para lhe poder transmitir o quanto me sensibilizaram as suas palavras, assim como a descrição do dia passado o ano passado em Monte Real.

Tinha vontade de destacar esse dia, em especial pela forma aberta e elegante com que a Alice e a minha mulher fizeram um "clic" e se tornaram, também elas, amigas num local, que considero mágico, muito mais que um espaço apenas para reencontro de ex-combatentes da Guiné.

Mas como a minha musa navega num afluente do rio Douro, o Sousa, digo apenas:

Obrigado bom amigo e no leito do Rio Douro até ao Tejo, vai um abraço do teu amigo e camarada. (**)

Carlos Peixoto
____________


 

Guiné 63/74 - P6749: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (9): Se as peças são para antigos combatentes..., não me deves nada!



Monte Real > Palace Hotel > V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné > 26 de Junho de 2010 > O JERO, em segundo plano, em conversa com o António Marques (de costas, meu camarada da CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71) e com a Alice...Não é rapaz para se deixar apanhar facilmente pela objectiva do fotógrafo... Não foi fácil arranjar-lhe uma chapa com ele, que gosta de cultivar o low profile...

Foto: © Juvenal Amadso (2010). Direitos reservados


1. Texto, com data de 6 do corrente e a assinatura do JERO (acrónimo de José Eduardo Reis Oliveira, ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66):

Ganda Luís

c/c para o Alto-Comissário Joaquim Mexia Alves

Assunto: Uma "cara-nova" no V Encontro Nacional da Tabanca Grande em Monte Real.


1- Desta vez conseguiste surpreender-me e atrapalhar-me com a tua postagem, P6676,  relativa a "caras novas" do V Convívio da Tabanca Grande (13).

Com efeito referir "caras novas" e aparecer um "canastrão" de barba branca não é de todo expectável. Depois como já tinha estado de véspera em Monte Real com o Carlos Vinhal,  ficara a conhecer o "cenário" do V Encontro e, com a minha fácil adaptação às coisas de que gosto, fiquei logo a sentir-me da "casa".

Posto isto,  vamos a agradecimentos. Devido à minha maneira de ser estou mais habituado a dar do que a receber. Mas quando me dão – e ainda por cima sem esperar – fico obviamente muito grato. As tuas palavras calaram-me fundo.

Quando te ofereci a peça de cristal era de facto um reconhecimento que pretendia fazer de forma discreta. A ti e a todos os co-editores. Porque efectivamente a "descoberta" em Agosto do ano passado do "nosso" blogue transformou a minha vida.

Brincaste na altura da entrega da peça "única e personalizada" se foi para melhor. Para mim foi, embora admita que, depois disso, passo tanto tempo ao computador que quem mora comigo em Alcobaça no nº. 17-3º.Dtº da Rua Afonso de Albuquerque não comungue dessa "melhoria" da minha vida. Mas, como dizia um nossa saudoso 1º Ministro… é a vida…e desde há um ano a esta parte tenho uma "família" muito maior. Os tais "irmãos" que cinco minutos depois do primeiro abraço parece que estiveram por ali perto…desde sempre.

2 - A tua referência ao "meu" Diário da CCaç 675 foi muito significativa e importante para mim. Ainda hoje me interrogo como é que fui capaz de escrever 240 páginas, aproveitando o tempo das sestas – de que prescindi – e os intervalos da guerra depois de almoço…. Também me fez recordar o "puto" da Mocidade Portuguesa que havia em mim…Ingénuo como caraças mas... era o que tínhamos ao tempo. E demorei uns bons anos a aprender … a mudar. E neste último ano graças ao "Luís Graça e Camaradas da Guiné" foi um autêntico "mestrado"…

Voltarei a este Diário da CCaç 675 daqui a algum tempo para te contar umas histórias "paralelas" que aconteceram…

3 - Cabe agora a vez ao Alto-Comissário Joaquim Mexia Alves que é de facto a generosidade em pessoa. Ter "participado" nos seu último aniversário em Alcobaça foi um privilégio e gostei muito de conhecer a sua mulher e filhos. Em relação à "sua" prenda vou-lhe hoje contar um "segredo". A garrafa de Ginja de Alcobaça foi arranjada de véspera e à pressa pois nem sempre é fácil conseguir este licor precioso.

Pedi a um amigo que tem uma pastelaria no Centro Comercial de Alcobaça. Não as tinha à venda mas tinha um pequeno stock em casa. Dispensou-me uma garrafa e quando me propunha pagar o seu custo disse-me:
– Se é para uma gajo que esteve na Guiné… não é nada… porque eu também lá estive.

Antes de fazer este apontamento fui confirmar nome, posto, companhia e tempo de serviço do meu "fornecedor": José Fernando de Sousa Santos, Furriel Mil de Infantaria, CCaç 1500 (Jan de 66 a Dez 68), com passagem por Bolama, Cufar, Bafatá, Teixeira Pinto e Saravaca (na fronteira com Senegal).


4 -Volto agora ao Luís para lhe contar como "apareceram" as peças de cristal respeitantes ao V Encontro da Tabanca Grande. Peças únicas e personalizadas…e com "Palanca" em vez de "Tabanca", o que lhe duplica (pelo menos) o seu valor de peças raras…

Foram executadas por um amigo que tem uma pequena oficina de transformação de cristal e vidro, que já conheceu dias melhores. Já teve uns 10 empregados e hoje é o patrão e também o único empregado. Fiz a encomenda dei-lhe os dados que pretendia e no dia aprazado apareci para fazer o levantamento e pagamento das peças. Não perguntei o preço mas sabia que este tipo de peças ronda o preço unitário de 30 euros.
– Fernando,  quanto é que devo?
– Não deve nada.
–Eh pá, és maluco. Quero pagar. Não estás rico e sei que demoraste umas boas horas a fazer estas peças.

O Fernando ficou na sua e rematou:
– Sei que as peças se destinam a ex-combatentes da Guiné e …portanto…não me deve nada!

Dei-lhe um abraço e abalei. Comovido com o seu gesto.

O Fernando Filipe tinha cumprido serviço militar entre 1977 e 79 no  RLL, em Lisboa. No Regimento de Lanceiros onde se "passou" parte do 25 de Novembro, como gosta de recordar.

O Fernando, que desde jovem – devido ao seu "cabedal"  – era conhecido pelo "Tarzan",  foi um Polícia Militar invulgar.  Não gostava de "injustiças" nem de "Chico-espertos". Numa ronda à noite, em Lisboa, apanhou um 1º. Cabo (comandante da sua viatura) que começou a ordenar repetidas paragens para "abordar" militares. A ideia do "nosso" Cabo era mostrar a sua farda de PM e a sua importância .O Fernando não gostou e disse-lhe:
– Eh pá,  ou acabas com essa merda ou levas um chapadão no focinho.

O 1º. Cabo parou com as suas merdas, conta o Fernando com o seu ar tranquilo…

5- Estas duas singelas "estórias" demonstram como é generosa e rica a nossa família de ex-militares. E este património ninguém nos pode tirar …nem aplicar impostos!

Com fraternal estima aceitem um grande abraço do velhote de Alcobaça, "cara-nova" do V Encontro de Monte Real.

JERO


Em tempo:

Para o Manuel Joaquim da CCaç 1419,que deixou um novo comentário na mensagem "Guiné 63/74 - P6676: V Convívio da Tabanca Grande ...

"(...) A minha gratidão pelas palavras amigas e pela recordação da sua passagem por Binta em Outubro de 1965. Tenho uma ideia do nosso encontro pois já nessa altura era o "relações públicas" da Companhia. E obviamente que tínhamos que receber bem quem nos trazia o feijão frade e as latas de atum. Se me deres a tua direcção tenho todo o gosto em te enviar esse 'Diário' de 1965 em fotocópias. Portanto,  caro Manuel Joaquim, até breve, se Deus quiser. JERO"
_____________
Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P6748: Blogpoesia (75): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (2) (Manuel Maia)

QUISERA EU... (2)

por Manuel Maia*

Quisera eu ver as aves aos milhares,
esvoaçando em nuvens, nesses ares,
mal dia amanhecia, em frenesim.
Auroras, fontes luz de amanhecer,
ocasos quentes lindos de morrer,
nos dias de sossego de Fatim...


Fatim, das Quintas, Sábados, Segundas,
de peitos espetados, rijas bundas,
bajudas lavadeiras do quartel.
Fatim das noites longas, feitas jogo,
gargantas ressequidas pelo fogo
e fumo dos cigarros a granel...


Tainadas cabra, porco ou cabritinho,
regadas a cerveja ou melhor vinho,
que o "canforado" e militar ruim...
Por vezes, frita a gosto, a pardalada,
batata, pouca, mista era a salada,
no "Gourmet Michelin" lá de Fatim...


Quisera aquela terra ver de novo,
revisitar lugares,rever seu povo,
sentir o cheiro d`África profundo.
Quisera estar à sombra do mangueiro,
colher à mão o fruto ao cajueiro,
e ser parte integrante desse mundo...


Quisera ter a força da mudança
que trava o desespero e abre a esp`rança,
p`ra suspender tamanho desatino.
Guiné, hoje é central do ilegal,
da droga plataforma mundial,
em clara oposição ao seu destino...


P`ra esse antigo espaço lusitano,
traçado pelos deuses, há um plano,
de paraíso pleno para o homem.
Turismo pode ser caminho certo,
se usado bem, e sê-lo-á, decerto,
urgente é pois que a paz, cedo retomem...


Quisera eu ver milícias de Bissum,
acaso a vida preservasse algum,
tão monstruoso crime ali se fez...
Fuzilamento foi a arma usada,
contra a milícia e mesmo a garotada
ante um silêncio/nojo, português...


Quisera um dia eu voltar ali,
sentir e recordar onde vivi,
por terras de Bissum e de Fatim.
Descer até ao sul p`ro Cantanhez,
mirar Cafal, Cafine, um`outra vez,
`inda`ntes de chegar meu tempo ao fim...

__________

Notas de CV:

(*) Manuel Maia  foi Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74. 

Vd. primeiro poste da série de 14 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6737: Blogpoesia (74): Saudades daquele tempo, ou Quisera eu... (1) (Manuel Maia)

Guiné 63/74 - P6747: Notas de leitura (131): Cambança Guiné Morte e vida em maré baixa, de Alberto Braquinho (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2010:

Queridos amigos,
Li com indisfarçável prazer estes frescos e instantâneos que qualquer um de nós viu, soube da existência ou até teve inveja de não lhe ter acontecido.
É de bitola larga esta cambança do Alberto Branquinho, no fundo trechos das cambanças que acabámos por viver.

Um abraço do
Mário


Peripécias, choque cultural, bizarrias em tempo de guerra

por Beja Santos

O nosso confrade Alberto Branquinho* teve a feliz iniciativa de arregimentar histórias curtas (todas elas admissíveis, como o leitor irá comprovar) numa atmosfera de guerra em que o traço comum é a cambança. Para o Alberto Branquinho esta cambança tem um cunho filosófico, etnográfico, antropológico e, quiçá, militar em toda a sua latitude e longitude. Por isso define tal cambança como: é passagem para o outro lado, por vezes uma fuga ou uma mudança, pode ser uma partida ou um regresso, quase sempre com a vida em maré baixa. Temos logo na definição, e por arrasto, a dimensão de uma viagem que a todos transforma no ir e voltar, em que a atmosfera é mais deprimente que exaltante, cabendo ao militar saber-lhe «dar a volta». Aliás, de um escrito entre guerrilheiros que o Branquinho reproduz está lá uma frase que ainda hoje é matéria para pensar: “Não te preocupes da vinda ou da tua retirada é-lhe o momento mais decisivo da nossa luta”. No cambar é que está o ganho, ali nos reunimos todos. Esta a lição universal, o resto é treta. Por isso, como consta das advertências, as personagens das histórias do Branquinho podem ter semelhanças com pessoas que tenham vivido acontecimentos idênticos. Por outras palavras, se quiséssemos alardear erudição, temos aqui antonomásia ou figura metonímica, umas coisas significam outras, todas as peripécias em tempo de guerra poderiam ter tido lugar. Vamos agora à substância dos escritos.

Numa emboscada, há sempre a tentação de ver corpos em movimento, todos os sons ou estalidos na floresta levam a redobrar a vigilância. Ora o barulho da água podem ser crocodilos. Quando se descobre que é este o motivo da inquietação, assobia-se para o lado, que ninguém saiba que somos ignorantes quanto às forças da natureza...

O que vem na carta geográfica não é propriamente o terreno em que assentam os nossos pés e na Guiné a disparidade ainda é mais gritante. Aqui também se atravessam rios que serpenteiam o território para onde se vai, rios com centenas de metros de largura, com tarrafo na maré baixa, atravessa-se de uma lado ao outro numa canoa, quem dirige a operação é o remador, mas também se pode recorrer à autoridade suprema como aquele furriel que temendo que a canoa se virasse puxou a culatra atrás e sentenciou à tropa presente e irreverente: “Eu não sei nadar. Quero toda a gente com o cu sentado no fundo. Se esta merda vira, varo-vos a todos”.

Todas as unidades militares têm os seus palradores, e o território da guerra de guerrilha não é excepção. Chegou à sede do batalhão um jornalista e o alferes que o recebeu era todo um portento de lábia e prosápia. O jornalista vinha em missão de reportagem sobre a guerra da Guiné, o alferes respondeu que o que havia ali era uma insurreição armada, vinda e alimentada do exterior. O jornalista pede sugestões para sair para o mato, quer autenticidade na reportagem, e o palrador responde:
“Sabe, essas coisas não dependem de irmos para Norte ou para Sul. Depende mais das fases da lua, da orientação do vento ou da humidade do ar... com sorte ou com azar, pode alcançar a verdade e a vida a pouco mais 4/5 quilómetros. Sempre será melhor que estar para aí a filmar a mata ou meia dúzia de figurantes de armas na mão, tendo o homem da câmara encostado ao arame farpado”. Inevitavelmente, o comandante deu ordens para que o alferes tivesse tento na língua.

Nem sempre o que se escreve numa carta em teatro de guerra é entendido de igual modo. O marido escreve à mulher que saía para batidas, patrulhas, operações ou emboscadas. A mulher, na resposta, desabafa e recrimina: “Ainda dás uns passeios. Eu para aqui estou e é só de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Passear, passear é só à missa nos domingos e...”. Há incompreensões em que é muito difícil clarificar que as idas e vindas no mato não são turismo ao ar livre.

“Cambança” é uma colectânea de encontros e desencontros: frases mal interpretadas, tensões dialécticas entre oficiais; o linguajar remendado do crioulo; as bebedeiras que, de tanta inconsciência, podem saldar-se numa morte estúpida debaixo de fogo; os barulhos da mata que avançam para nós e que podem significar uma chacina de porcos do mato; aquele cabo que, depois de um ror de tempo isolado lá nos confins do mato, pensa que está a fazer boa figura recorrendo ao crioulo para o piropo em Bissau, recebendo da moça alvo das suas atenções o seguinte chiste: “Porque é que você não fala comigo português direito?”; a solidão infindável que pode culminar no álcool e numa vida destroçada... encontros imprevistos, situações imprevistas como ver formigas a devorarem restos de corpos de camaradas, o medo transformado em acto heróico, macacos que revolvem a picada pondo minas a descoberto, contribuindo assim para salvar vidas...

“O regional é universal”, não há máxima mais demonstrada pelo saber de experiência feito. Tudo leva a crer que o nosso confrade Alberto Branquinho forjou o rio Chibari, as povoações de Catafá e Fatilá, o rio Bandiel, e os nomes de oficiais, sargentos e praças são suficientemente inócuos e inconclusivos para que possamos imaginar que aquelas peripécias, aquele choque cultural, aquela bizarria sempre a destilar humor (casos há em que o humor tem o condão de caracterizar melhor a repulsa pelos horrores da guerra) aconteceram ali ao lado de nós, vivemo-las, conhecemo-las, no todo ou em parte.

Ficamos todos com uma enorme dívida de gratidão com o Alberto Branquinho: o picaresco dos desastres dos afazeres da guerra tem aqui uma galeria memorável de fotografias tipo passe que nunca mais esqueceremos
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Notas de CV:

(*) Alberto Branquinho foi Alf Mil de Op Esp da CART 1689, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69.

Vd. último poste da série de 15 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6741: Notas de leitura (130): Seminário 25 de Abril 10 Anos Depois (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P6746: Tabanca Grande (230): Felismina Costa, madrinha de guerra de Hélder Martins de Matos, ex-1.º Cabo Escriturário, Bafatá, 1963/64

1. Mensagem da nossa tertuliana Felismina Costa com data de 15 de Julho de 2010:

Amigo Carlos Vinhal, muito boa-noite.
Eu sei que a regra é enviar foto para identificação no blogue, mas o motivo porque não o fiz até hoje, prende-se unicamente, com o não dominar totalmente a tecnologia: São os filhos que me ajudam nos pormenores, mas raramente se encontram quando escrevo e o tempo vai passando. Contudo, hoje, consegui passar para o Word a minha foto do tempo da guerra, (que também por lá andou na companhia dum afilhado e grande amigo de infância, que prestou serviço militar em Angola entre 1966/1968), e de quem não tinha notícias desde o seu regresso, até ao passado mês de Junho.

Depois de 46 anos de desencontros, encontramo-nos finalmente, e temos uma história linda para vos contar. Os meus filhos querem que escrevamos um livro, porque a história tem requintes, de quanto vale a amizade.

Estamos a viver a euforia do reencontro na maior das alegrias, e a conhecer a família que cada um de nós formou.

Porque a amizade tem para mim um valor insubstituível, eu aprecio e sinto a alegria que sentem, quando vós, camaradas e amigos se reúnem.

Obrigada pela vossa amizade também.
Eu que entrei no blogue, procurando um afilhado, que ainda hoje não conheço*, fui surpreendida, pela persistência e determinação do meu amigo Joaquim.

As surpresas da vida!
Ainda não acredito.

Um abraço da amiga
Felismina Costa


2. Comentário de CV:

Amiga Felismina
Não lhe dou as boas-vindas, porque há já algum tempo se instalou na nossa caserna virtual, onde é notório, se sente bem.

A sua colaboração tem sido excelente, a ponto de ter um poema seu na nossa página, dedicado por si ao nosso Blogue, a propósito do 6.º aniversário, e que me permito reproduzir aqui:

Parabéns, Srs Editores!
Parabéns a todos os participantes,
A todos os denunciantes
Do medo, do horror, do degredo...
Em terra linda, que vos encantou.


Parabéns, porque sois capazes de denunciar!
De gritar a vossa revolta.
A vossa digna revolta.


Parabéns, porque sois vós, a voz com razão
Que não teme a repressão,
Que não bajula, que não pactua,
Que não se acobarda.


Parabéns, porque... sobrevivesteis!
Porque fizesteis questão de contar, de relatar,
De registar os horrores, que presenciasteis,
quando ainda meninos, vos mandaram matar...


Terrível realidade, que em vossos peitos se instalou
e que, em muitos, deixou marcas físicas, psíquicas,
continuamente revividas...
Mas ditas!
Mas... que eles não apagam.


Haja ao menos o blogue, o vosso amado blogue,
onde despejam alegrias e tristezas.
Onde contam, como ninguém, as vossas certezas
e incertezas.


Comungo convosco desta festa, desta festa, onde celebram a vossa...
Sobrevivência!



Tem a porta aberta para continuar a intervir sempre que queira, porque a sua acção como madrinha de guerra de um camarada, ainda por cima ex-combatente da Guiné, lhe dá direito a ser um(a) de nós.

Muito obrigado por estar connosco.

Receba o habitual abraço colectivo da tertúlia, uma vez que esta é a sua apresentação formal.

Pelos editores
Carlos Vinhal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5894: Em busca de... (119): Afilhado de guerra, Hélder Martins de Matos, ex-1.º Cabo Escriturário, Bafatá, 1963/64 (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6714: Tabanca Grande (229): Artur José Miranda Ferreira (ex-1º Cabo Enfº da CCAÇ 6 – Bedanda -, 1968/70