quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19286: FAP (113): Os pilotos do Lobo Mau (helicanhão), José Duarte Príncipe e Raul Coelho, foram quem identificou e sinalizou a ambulância russa do PAIGC, entre Copá e a fronteira do Senegal, quando estavam a dar proteção ao grupo do Marcelino da Mata, "Os Vingadores", em fevereiro de 1974 (Miguel Pessoa)


Guiné > Região de GTabu > Setor L3 >  Nova Lamego >  1974 > ; Ambulância do PAIGC, de fabrico soviético, capturada pelas NT em fevereiro de 1974. (*)

Foto (e legenda): © António Santos (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu >  Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > O fur mil mec auto Amílcar Ventura em ambulância capturada ao PAIGC [, entre Copá e a fronteira, em fevereiro de 1974, pelo Grupo do Marcelino da Mata e o Astérix, nome de guerra do cap paquedista Valente dos Santos, da CCP 122 / BCP 12,  BA 12, Bissalanca, 1972/74. Fotos do álbum de Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves. (**)

Foto (e legenda): © Amilcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego >  CCS/BART 6523 (1973/74) >  O ex-1º cabo enf Alfredo Dinis, já falecido, junto à ambulância capturada ao PAIGC.

Foto do álbum do José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS do BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), residente em Beja. (***)

Foto (e legenda): © José Saúde  (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Gabu > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 >  Mais uma foto da ambulância capturada ao PAIGC, de matrícula FF554CN.  Foto do álbum do camarada António Rodrigues, um dos bravos de Copá, ex-soldado condutor auto, da 1ª CCAV do BCAV 8323 (Bajocunda e Copá, 1973/74) (****)

Foto (e legenda): © António Rodrigues  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Miguel Pessoa,  com data de hoje, 17h36:

Caros editores

Li no blogue o texto do José Saúde sobre a famosa ambulância “sacada” ao PAIGC e trazida pelo Marcelino da Mata para o nosso território (Poste 19283) (***).

Sabendo de uma versão mais apurada do acontecido, resolvi contactar o José Duarte Príncipe, o piloto do helicanhão que esteve envolvido directamente neste episódio e, porque não quero falar por interposta pessoa, pedi-lhe um comentário ao que ali foi escrito.

Aqui fica a sua resposta. Para que conste.

Abraço.
Miguel Pessoa

José Duarte Príncipe.
Foto: cortesia da sua  página do Facebook
2. Mensagem do José Duarte Principe, hoje piloto da aviação comercial, ref, ex-alf mil pil, AL III, Bissalanca, BA 12, 1972/74,  recebida e retransmitida pelo Miguel Pessoa:

Caro Miguel Pessoa:

Em resposta ao teu mail,  fui fazer uma visita ao blog que me enviaste e constatei que a história está incompleta (***).

De facto, o Marcelino participou com os seus "muchachos" no transporte e escolta à ambulância, inicialmente até Piche e depois até Bissau. (Esta segunda hipótese é apenas um palpite da minha parte, porque eu e o Raul Coelho estávamos em destacamento em Nova Lamego e aí permanecemos, não acompanhando portanto o seu trajecto até ao destino final.)

Efectivamente, a descoberta foi feita por mim e pelo primeiro cabo Cardoso, cuja destreza no canhão era sobejamente conhecida .

O avistamento do veículo aconteceu durante uma acção de apoio de fogo e reconhecimento da área em que o Marcelino estava a operar na picada entre Bajocunda e Daifa,  no pressuposto de existir armamento abandonado pelo PAIGC no trajecto entre as duas povoações .

Foi com alguma dificuldade que conseguimos identificar o veículo, porque estava coberto com um camuflado - o que inicialmente, pela silhueta, nos pareceu um carro de combate parecido ás nossas Panhards.

Depois de algumas manobras á vertical,  pedi ao Cardoso para fazer um tiro, com o intuito de acalmar algum "meliante"  que estivesse por perto e com vontade de nos "abonar".

Para grande surpresa nossa, como o tiro bateu relativamente perto do alvo, levantou-se o referido camuflado,  pondo assim a descoberto a tal silhueta, que mais não era que uma ambulância, por sinal muito parecida com as antigas Comet,  de fabrico inglês.

Depois disto, em contacto com o grupo do Marcelino, foi-lhe dada orientação por mim para o local que curiosamente era em território senegalês, bem encostadinho à fronteira que dividia os dois territórios.

A tarefa de recuperação do veículo não se apresentava fácil, porque a vegetação era densa em direcção á nossa fronteira e era necessário transpô-la o mais rapidamente possível para evitar surpresas ou encontros indesejados.
Marcelino da Mata, alferes graduado, c. 1974.
 Foto: DN - Diário de Notícias,
de 4 de janeiro de 1998 (com a devida vénia)

Para isso, foi necessário munir o grupo com uma motosserra que o Raul Coelho tratou de ir buscar a Nova Lamego, enquanto eu continuei a dar proteção ao grupo, não fosse o diabo tecê-las.

Quando o Raul chegou com o tão desejado equipamento, ficou ele a dar protecção á rapaziada, enquanto eu voltava à "rasquinha" de combustível para Nova Lamego para abastecer e substituir o Raul Coelho que também já estava perto do "bingo" (nos limites de combustível).

O resto foi uma alternância entre os dois na protecção ao Marcelino, que durou até ele conseguir chegar à picada e prosseguir depois duma forma mais rápida com destino a Piche, onde a ambulância permaneceu até ser enviada para Bissau dias depois.

Esta tarefa terá demorado seguramente parte de toda a manhã, entrando pela tarde,  até estarmos todos num estado de esgotamento apreciável.

Curiosamente descobri no Facebook o MMT do Exército que conduziu o veículo ao longo de todo o trajecto. Infelizmente não consigo as fotos que me enviou durante o nosso diálogo, porque ele desistiu de ser facebookiano e eu não guardei a preciosidade que as fotos representavam.

Espero que esta "seca" sirva para te esclarecer dos acontecimentos tal como foram vividos na altura.

Duarte Príncipe.


3. Comentário do editor LG:

Miguel, vem mesmo a propósito, o depoimento do teu amigo e nosso camarada José Duarte Príncipe... Nada como ir à fonte...O José Duarte e o Raul Coelho, pilotos de AL III, e os respetivos 1ºs cabos apontadores de canhão (O Cardoso e outro camarada, de que não sabemos o nome) é que são os heróis desta história, sem com isso queremos tirar o mérito ao grupo do Marcelino da Mata que trouxe o "ronco", a ambulância russa, até pelo menos Nova Lamego.

Eu já tinha ido recuperar um poste do Carlos Fernandes, de há oito anos atrás, em que ele diz ter feito parte do Grupo do Marcelino da Mata, "Os Vingadores", na qualidade de guarda-costas do cap pára Valente dos Santos ...e ter participado nesta operação (Op Gato Zangado)... O mérito da descoberto é do piloto do helicanhão, parece não haver dúvidas... E imagino que terá sido preciso muito sangue frio, persistência, coragem e perícia por parte dos pilotos... voando tão baixo.(*****).

Agradece muito, da minha parte, ao José Duarte Príncipe. Acabo de publicar a sua versão, preciosa, neste poste da série FAP... E já agora fica aqui o convite para ele (e o Raul Coelho) se juntarem aos bravos da Guiné, de terra, ar e mar, e dar-nos a honra, aos vivos e aos mortos, de sentarem à sombra do nosso poilão... (*******)

PS1 - O Carlos Fernandes, nosso grã-tabanqueiro, alega ter sido eliminado dos páras (CCP 122) pela "Aeronáutica Militar" (sic) em novembro de 1973... Não diz porquê... Passou para o exército e depois foi guarda-costas do Asterix (o Valente dos Santos)... Sabes algo mais sobre este camarada Carlos Fernandes, ex-1º cabo pára, também da CCP 122 / BCP 12, que andou por lá entre finais de 1971 e agosto de 1974 ?...  Vd. aqui entrevista sua ao DN, Diário de Notícias, de 4 de janeiro de 1998. Nâo tenho há muito notícias dele.

PS2 - Em complemento, o Miguel Pessoa diz.me que o Duarte Príncipe e o Cardoso formavam a equipa do Lobo Mau (Helicanhão). O Raul Coelho também pilotava na altura um Helicanhão, AL-III.  Devia também um apontador. Não era habitual haver uma parelha de helicanhões numa operação.  Mas nesta operação (Op Gato Zangado) talvez se justificasse. Quanto ao Carlos Fernandes, o MIguel não tem ideia dele.
______________

(**)  17 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)

(***) Vd. poste de 12 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19283: Memórias de Gabú (José Saúde) (73): Ambulância apanhada ao PAIGC (José Saúde)

(****) Vd. poste de 3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)

(*****) Vd. poste de 21 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7150: Tabanca Grande (249): Carlos Fernandes, ex-1º Cabo Pára (CCP 122, 1971/74) e ex-elemento do Grupo Os Vingadores, do Alf Grad Marcelino da Mata

(...) Luis Graça, o que de momento me leva a enviar estas palavras é para falar a respeito da notícia sobre a Ambulância, que foi capturada entre Copá e a Fronteira [com o Senegal]. Eu estive nessa operação, eu e o capitão Asterix (que não era o António Ramos, mas sim o Valente dos Santos).

Nessa altura, ou seja entre fins de 1973 a agosto de 74, quem fez parte do COE , foram o Major Veiga da Fonseca, do Exército, já falecido, e o Capitão Pára Valente dos Santos de quem junto uma foto de grupo, onde estou eu e o Valente dos Santos (...) . Foi tirada em Bula a quando da entrega das Boinas Vermelhas. Foi o nosso grupo o primeiro a usar tal cor de boina.

Hoje a Boina, que o Marcelino usa nesta foto , que também junto (...) , fui eu que lha ofereci, antes de ter vindo viver para a Madeira. Dei-lhe o crachá bem como os emblemas do grupo, os Vingadores.

Pois nessa operação, que teve por nome Gato-Zangado, em Fevereiro de 74, saímos de Bajocunda, andámos toda a noite... A operação consitia em armadilhar as linhas de água, com as "Bailarinas" e as "Viúvas Negras", pelo Alferes Tarro, do Exército. Eu fiquei encarregue de lhe fazer a segurança, a esse Alferes.

Já tinhamos colocado algumas armadilhas na zonas de água e estavamos no nosso descanso, quando aparecem dois sujeitos da população do PAIGC, com uns baldes, para irem buscar água, dentro do território deles. Aí começa a caça ao inimigo. Houve uma troca de tiros e, na perseguição, encontrámos caixotes de Armamento, granadas de RPG, bem como Armas.

Foi pedido apoio aéreo, na retirada do material, e foi numa das voltas do héli-canhão, que se deu com algo escuro, que de cima não deu para ver o que seria. Foi com base na informação do piloto do héli, que deparámos com uma viatura tipo Ambulância que se encontrava tapada, camuflada com árvores cortadas, com o sistema de ligação estragado. Foi o Marcelino que conseguiu colocá-la a trabalhar, depois de pedir combustível a Bajocunda, que era o quartel mais perto. Depois a Ambulância foi levada até Massacunda, local onde estava uma coluna de mantimentos para Copá e Bajocunda.(...)


(******) Último poste da série > 24 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19133: FAP (112): Há aviões... e aviões, há o Cessna 152 e o Dornier, DO 27 (E. Esteves de Oliveira)

Guiné 61/74 - P19285: Notas de leitura (1130): "Sótão, Rés-do-Chão e Outras Vidas", por Alberto Branquinho; Edições Partenon, 2018 (Carlos Vinhal)


Capa do livro

Depois de "Por Século e Meio", Edições Partenon, 2017, Aberto Branquinho lançou recentemente um livro de contos a que deu o título de "Sótão, Rés-do-Chão e Outras Vidas", Edições Partenon, 2018.

Estamos perante uma prosa que retrata a sociedade actual, nos seus caminhos tortuosos, o quotidiano da classe média, vítima dos tempos incertos e o descartar de pessoas que se julgavam insubstituíveis.

Podemos encontrar ainda pequenos contos, histórias de famílias e até, no dizer do autor, um resumo para telenovela, "História Breve de Uma Família", os Lidões e a sua dedicada empregada Ludovina.

Habituados como estamos ao estilo de Alberto Braquinho, lembro as suas séries: "Não venho falar de mim... nem do meu umbigo" e "Contraponto", encontramos neste livro flashes do quotidiano e do imaginário.

Como exemplo aqui ficam, a "Parábola dos Dedos da Mão" e "Le (Petit) Déjeuner sur L´Herbe":

Estavam os dedos das mãos em conversa animada, quando o indicador da mão direita, a propósito de coisa nenhuma, se empinou todo, apontou o polegar da mão esquerda e, depois, fazendo um esforço, torcendo-se todo, apontou, também, o polegar da sua própria mão, disse:
- Se não fossem esses dois, nós tínhamos uma vida muito mais sossegada. Por causa deles é que nós trabalhamos tanto.
- Ora essa! - foi a reacção imediata do polegar direito.
- Pois! Vocês, os polegares, sem nós não servem para nada. Nada. Ficavam sem ocupação. E, sozinhos, também não fazem coisa nenhuma. Mas, só porque estão aí, obrigam os outros a trabalhar, a fazer esforços.
- Sem nós, o que é que vocês faziam? - insistiu o polegar direito.
- Pouco, mas era mais do que o suficiente. Era um descanso. Eu por mim, limitava-me a apontar. Aqui o meu vizinho do lado direito fazia aquelas coisas que, embora não sejam bonitas, aliviam muito; o outro a seguir, segurava os anéis e o pequeno coçava os ouvidos. Mais nada. Era um descanso de vida.
- Então e nós, os polegares não servimos para nada?
- Para nada! Nada! Só sabem fazer oposição e a obrigarem os outros a trabalhar. É demais!


(Pág. 55)

********************

À noite, depois do jantar, o homem saiu de casa levando o cão pela trela. Era um pretexto para caminhar um pouco.

O cão cheirou, no tronco da árvore, as urinas de cães que o precederam. Deu três ou quatro voltas ao tronco, depois outras três ou quatro em sentido contrário. Encostou o corpo do lado esquerdo, alçou a pata posterior (para não se atingir com o disparo urinário...) e despejou três ou quatro esguichos. O homem olhou satisfeito: - Hoje já não vai fazer em casa.

A seguir, o cão andou, desandou, cirandou, cheirou arbustos do jardim, passou para a rua, voltou ao jardim, sacudiu as patas traseiras, esfregando a relva. Mais adiante cheirou outro tronco de árvore, hesitou em abordá-lo se pela esquerda ou pela direita, encostou-se, alçou a pata, mas não conseguiu mais que um esguicho e... meio.

Voltou à ciranda, agora com mais vivacidade, obrigando o dono a mudar a trela de mão diversas vezes, quando andava à volta das árvores. Chegou-se outro cão. Cumprimentaram-se cheirando cada um, simultaneamente, a zona do traseiro do outro. Os donos disseram, também, "boa noite" (mas a uns metros de distância) e cada um seguiu o azimute traçado pelos cães.

O passeio continuou, avançando, recuando, na rua, voltando à relva do jardim publico e, novamente, para a rua. A dada altura o cão acelerou o andamento a caminho da relva, esparramou-se sobre as patas traseiras, expulsando uma barra redonda de excremento. Avançou um pouco na mesma postura e saíram mais duas ou três. E, logo a seguir, outra. Chegou-se um pouco à frente e esfregou fortemente as patas traseiras na relva, O dono olhava, embevecido. Talvez pensasse: - Mais um bocadinho e voltamos para casa.

E, assim foi.

Na manhã seguinte as crianças que costumam brincar no jardim, irão pisar, tropeçar nas barras largadas na relva (e outras mais), talvez caírem sobre elas, fazendo com que elas passem a confundir-se com a própria relva do jardim, adubando-a.

("Na natureza nada se perde...")

(Pág. 79)

************

SOBRE O LIVRO:
Título - Sótão, Rés-do-Chão e Outras Vidas
Edição - Edições Partenon
Autor - Alberto Branquinho
Capa - Ângela Espinha
Número de páginas - 145
1.ª edição - Lisboa, Outubro de 2018
ISBN - 978-989-8845-25-2
Depósito legal - 445732/18
Preço - 10,00€
© Alberto Branquinho
Publicação - Sítio do Livro

SOBRE O AUTOR:
Alberto Branquinho é natural da região agora denominada “Douro Superior”.
Esteve na guerra colonial, na Guiné. 
Tem publicações sobre esse tema em blogues e em livros.
Terminado o serviço militar, regressou a Coimbra em plena crise académica de 1969.
Vive em Lisboa desde 1970.
Depois de várias andanças e cambanças, a ver mais mundos, acabou sendo advogado em relações e contratos internacionais.
Publicou romance, livros de contos e poesia.

OBRAS PUBLICADAS:
PROSA:
- Cambança - Guiné: morte e vida em maré baixa
- Contos com Encontros
- Parições & Aparições - panfletos & divertimentos
- Cambança Final - Guiné/guerra colonial
- Filhos d'outrem ou d'algures
- Por Século e Meio

POESIA:
- Sobre Vivências
- Quasoutono?!
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19274: Notas de leitura (1129): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (5) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19284: Agenda cultural (665): primeiras fotos da sessão de apresentação do livro do António Martins de Matos, "Voando sobre um ninho de Strelas", ontem, no Hotel Travel Park, em Lisboa (Miguel Pessoa)


Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas"  (*) >  Da esquerda para a direita, o autor, António Martins de Matos, e os editores dos blogues Especialistas da B12 Guiné 65/74, Tabanca do Centro e Tabanca Grande, respetivamente, Victor Barata, Joaquim Mexia Alves e Luís Graça, que fizeram curtas intervenções de 5 minutos sobre o autor e o livro. Segiu-se depois uma discussão aberta ao público, composto essencialmente por antigos militares da FAP e do exército, que passaram pelo TO da Guiné, incluindo o casal mais 'strelado' do mundo, os nossos queridos amigos e camaradas Miguel e Giselda Pessoa. "Este livro foi escrito, não para vós, mas para os vossos filhos e netos", disse o autor.


 Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas" >  Intervenção do nosso editor, Luís Graça, em representação do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné



Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas" > Aspeto (parcial) da assistência: em primeiro plano, o JERO (Jose´Eduardo de Oliveira) e o Juvenal Amado, dois dos nossos talentosos escritores.


Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas" > Aspeto (parcial) da assistência: em primeiro plano ao centro, a filha do autor, Teresa Dores Martins de Matos, psicóloga clínica, autora do capítulo 42 ("O sabor do medo",  pp. 277-285).


Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas" > Aspeto (parcial) da assistência > Na fila do lado direita, em primeiro plano, a Teresa Martins. Vieram também represententantes da Tabanca de Porto Dinheiro (Lourinhã) e da Tabanca do Centro...



Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas" >  O  nosso editor, Luís Graça, e o autor



Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas" >  O Vitor Caseiro, de Leiria, que veio com uma delegação da Tabanca do Centro. Em segundo plano, a Giselda Pessoa fala com a Teresa Matos, psicóloga clínica, filha do ten gen ref António Martins de Matos.


Lisboa > Hotel Travel Park > 11 de dezembro de 2018 > Sessão de apresentação do livro "Voando sobre um ninho de Strelas" >  Três representantes da Tabanca do Porto Dinheiro, Lourinhã, ao centro, o Eduardo Jorge Ferreita, à esquerda o Carlos Silvério, o nosso próximo grã-tabanqueiro nº 783, e à direita, um camarada que esteve em Moçambique, e cujo nome não retive... O Eduardo Jorge Ferreira foi alf mil da Polícia Aérea. na BA 12, Bissalanca,  de 20 de janeiro de 1973  a 2 de setembro de 1974, colocado na EDT (Esquadra de Defesa Terrestre).

Fotos: © Miguel Pessoa (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. As primeiras fotos do evento de ontem, a sessão de apresentação do livro de António Martins de Matos (*), em Lisboa, no Hotel Travel Park, aos Anjos, em Lisboa. (**) 

As fotos são do Miguel Pessoa, o primeiro piloto da FAP a ser abatido por um Strela, em 25 de março de 1973, sob os céus de Guileje. Tem já cerca de 2 centenas de referências no nosso blogue.
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Notas do editor:

Guiné 61/74 - P19283: Memórias de Gabú (José Saúde) (73): Ambulância apanhada ao PAIGC (José Saúde)

1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Gabu em memórias 
Ambulância apanhada ao PAIGC 

Tento, amiúde, fixar-me em restos de memórias que me sobram dos tempos em que passei por terras de Gabu onde me deparei e ouvi falar de viva voz com as incessantes atividades guerrilheiras de índole diversa. Hoje, porém, trago à estampa uma dessas muitas atividades operadas pelo grupo de Marcelino da Mata, então um Alferes que se apresentava para o IN como um alvo a abater, sendo o tema uma ambulância apanhada ao PAIGC. 

Sabeis, ou ouviste falar, caros camaradas da versátil mobilidade no terreno de guerra do requintado grupo comandado pelo Marcelino da Mata. Não vou, como é evidente, focar-me na plenitude das muitas operações que tiveram o cunho do antigo guerrilheiro. Desconheço o detalhe da ação. Vou, sim, focar-me, resumida e exemplarmente, sobre a sua eficácia determinante no momento de enfrentar o IN. 

Não comento e nunca farei pressupostas opiniões, algumas quiçá devastadoras para quem deu o corpo às balas, acerca de um homem pelo qual guardo imenso respeito. Cada um opina dentro de valores que lhe vão na alma, não obstante os consensos de pareceres sobre uma realidade pública de “assaltos” consumados em pleno palco de guerra. 

A guerrilha no terreno impunha precaução ao mais humilde militar. O insólito do exato momento de luta, sempre inesperada, obrigava a minuciosas cautelas. E, pelo que me foi dado saber, Marcelino da Mata era um guerrilheiro que não temia uma missão que lhe fora confiada. 

Aliás, as suas diversas condecorações, ofertadas pelo Exército Português, são a prova evidente que o atual Tenente Coronel foi, sem dúvida, um osso duro de roer para o PAIGC. Neste contexto, não vou negligenciar a sua atividade ou os atos de bravura averbados na guerrilha. A sua história está concluída. 

Conheci-o pessoalmente na então Nova Lamego. Dele contavam-se surpreendentes explanações guerrilheiras. Histórias que iam pela qualidade da limitadíssima formação de homens que integravam o seu pequeno grupo, até ao conteúdo das suas ações no confronto direto com o IN. 

Um belo dia “aportou” no meu quartel, Gabu, uma ambulância apanhada ao PAIGC com o cunho do grupo do Marcelino. O Marcelino da Mata conhecia, e muito bem, as “silhuetas” do terreno ao pormenor, bem como os trilhos por onde o IN se movimentava. 

Estudado ao pormenor o objetivo previamente traçado, eis que o surpreendente golpe de mão às forças guerrilheiras contrárias, causou a “safra” de uma ambulância, desconhecendo-se o “rombo” de capital humano. Falou-se em vários cenários, todavia, o que se constou é que na ambulância seguia uma enfermeira sueca. 

Verdade ou mentira só o Marcelino, e os seus subordinados, poderiam testemunhar. A voz corrente que passava de boca em boca nos aquartelamentos da zona, findava pela valentia do grupo sobre aos “turras”. Baixas? Não se sabe se as houve! 

A curiosidade da narrativa passa, naturalmente, que junto ao veículo “sequestrado”, que acusava inúmeras batidas na chapa, está o saudoso enfermeiro Dinis, um rapaz, natural do Porto, ao qual já dediquei um texto, frisando o seu excelente companheirismo. 

O Dinis era moço simpático. A sua fisionomia atirava para o franzino e a sua estatura para o baixo. Porém, assumia-se como um jovem amigo do seu amigo e sempre disponível para mais uma missão ao interior de um mato que persistentemente camuflava o medo. 

Naquelas rondas às tabancas para a execução de mais uma missão dominada “psicó”, o Dinis transportava na sua sacola “mezinhos” para a cura dos nativos. Outras vezes era o Dinis que “desenrascava” o pessoal com comprimidos que ocasionalmente a malta procurava, de entre outros instantes de aflição em que a necessidade imperava e o nosso enfermeiro, sempre com um sorriso nos lábios, amavelmente aplicava medicamentos para a cura. 

Hoje rendo-me à humildade do saudoso Dinis, evocando o momento em que o "ronco" causado ao IN serviu para mais uma conversa entre ambos numa guerra em que o Marcelino da Mata era figura de proa no palco de um conflito que terminou pouco tempo depois. 

(Foto do 1º Cabo Enfermeiro Alfredo Diniz - Já falecido)

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

20 DE OUTUBRO DE 2018 > Guiné 61/74 - P19123: Memórias de Gabú (José Saúde) (72): Jau, o nosso guia (José Saúde) 

Guiné 61/74 - P19282: O Nosso Livro de Visitas (198): Gostava de ter o livro da história da 38ª Companhia de Comandos (António Cunha, 'Tony', ex-fur mil enf, camarada da dáspora, empresário, North Arlington, New Jersey, USA)


O ex.fur mil Cunha esteve temporariamente colocado em Mansoa, em 1973, na 38ª CCmds. Acabou a comissão na CCAÇ 6, em Bedanda, onde era conhecido como o Furrel Mezinho Djaló. Vive em North Arlington, New Jersey, USA. E aceitou integrar a nossa Tabanca Grande. Vai ser apresentado, em próximo postem,  como o grã-tabanqueiro nº 782.



1. Mensagem de António Cunha (Tony),. nosso camarada da diáspora nos EUA (*)


Date: segunda, 3/12/2018 à(s) 01:20
Subject: 38ª Compendia de Commandos
Caro Luis Graça

Tenho recebido os seus blogues em e-mail, e leio-os, sempre, com avidez. Obrigado pela assiduidade.

Na passada quinta-feira, foi apresentado um livro editado acerca da 38ª Companhia de Comandos. O coração  "apertou" imediatamente. (**)

Não sendo eu um Comando, nem parte da Trigésima Oitava, esta Companhia foi-me sempre muito querida, porque, em parte, fiz parte dela.
Capa do livro 

Quando eles chegaram a Bissau, o Furriel Enfermeiro da Companhia, o Rogério (se não estou em
erro), foi para o Hospital Militar tirar um curso rápido de sangue. Eu fui "encomendado" para o ir substituir na Trigésima Oitava, enquanto o curso durava.

No dia em que cheguei, tinha a Companhia sofrida a primeira casualidade que, creio, consta no livro: o soldado que, a limpar a arma, tinha fatalmente disparado a única bala de que se tinha esquecido na câmara e atingiu o companheiro.

Nessa Companhia fiz de todos amigos, especialmente o Simão (enorme de corpo e de coração), o Pignatelli (com quem várias vezes fui jantar às "Libanesas") e, inclusivamente, o (na altura) Capitão Pinto Ferreira (que sempre me tratou com muita consideração).

Quando a Companhia sofreu o primeiro grande ataque no mato, na Mata do Morés, fui com a CC 11 recebê-los, creio que em Mansabá. Foi quando vesti pela primeira vez na minha comissão a farda camuflada, surpreendendo todos quando me apresentei.

Depois do IAO, o Furriel Enfermeiro não quis trocar comigo e voltei para o Hospital Militar, tendo sido enviado a dar instrução ao Batalhão de Caçadores 4514, em Bolama, e, quando de volta, fui "enviado" até ao fim da minha comissão para Bedanda, para a CCaç 6, onde as coisas estavam bem "quentes", e onde fiquei conhecido como "Furrié Mezinho Djaló".

Quanto ao livro publicado acerca da Trigésima Oitava, seria possível indicar-me como o posso adquirir? Não creio que seja "exclusivo" para Comandos, mas se for, por favor envie (creio que deve ter o e-mail) este e-mail ao coronel Pinto Ferreira (creio ter lido ser este o posto corrente), com o requerimento de um livro, da parte do Furriel Enfermeiro Cunha. A morada está na assinatura.

Uma vez mais, obrigado pelo entusiasmo na distribuição de notícias de todas as Tabancas. Há tantos anos fora de Portugal, todas as notícias relacionadas com aqueles tempos são sempre avidamente lidas.

Cumprimentos fraternais,

António Cunha (Tony)

2. Resposta do nosso editor LG, com data de 5 do corrente:


Tony: Obrigado pelo teu contacto!...Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, à boa maneira romana... Quero, antes de mais, convidar-te para integrar esta grande comunidade virtual, a Tabanca Grande, já com 781 membros (70, infelizmente já falecidos) em menos de 15 anos... Como já há um António Cunha, tu serás o António Cunha (Tony), tal como te conhecem nos Estados U nidos.

Quanto ao teu pedido, vou já encaminhá-lo para a pessoa certa, o camarada o ex-1º cabo 'comando' Amílcar Mendes, da 38ª CCmds... E se não te importares gostava de publicar a tua mensagem. Se me mandares duas fotos (, uma do antigamente e outra atual), com uma pequena apresentação (sou fulano de tal, assim assim...), passas a ser o camarada nº 782 a sentar-se à sombra do nosso mágico e fraterno poilão...

Bom Natal, mas até lá quero mais notícias tuas. Luís Graça

PS1  - Temos malta do teu tempo, em Mansoa (38 CCdms,  CAOP 1) e depois em Bedanda (CCAÇ 6), bem como do Hospital Militar de Bissau (HM 241) ... que vais gostar de reencontrar e recordar. O batalhão a que deste formação, em Bolama,  deve ser  o BCAÇ 4514/72, que esteve em Cadique (1973/74).

PS 2 - A "CC 11" que referes, não pode ser a 11ª CCmds (, que esteve em Angola, de 1967 a 1969). Devia ser uma companhia africana, talvez a CCAÇ 13 (Bissorã), a CCAÇ 15 (Mansoa) ou CCAÇ 16 (Bachile). A CART 11 / CCAÇ 11 estava na região de Gabu. A minha CCAÇ 12 estava no setor L1 (Bambadinca). A CCAÇ 14 devia estar em Cuntima, Farim.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 29 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19147: O nosso livro de visitas (197): Conheci em Angola o cap inf António Jacques Favre Castel-Branco Ferreira, ex-cmdt da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835, que passou por Guileje (1968/69) e que esteve prisioneiro na Índia (1961/62), tendo falecido em 2014 (Fernando Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3380, 1972/74)

(**) Vd. poste de 28 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19243: Notas de leitura (1125): 38.ª COMPANHIA DE COMANDOS "Os Leopardos" - A História, coordenação de João Lucas (Belarmino Sardinha)

Guiné 61/74 - P19281: Historiografia da presença portuguesa em África (140): As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Maio de 2018:

Queridos amigos,
No mesmo ano em que o padre Dias Dinis começava a dar à estampa este seu trabalho sobre as etnias guineenses, surgia o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e a sua publicação de referência, o Boletim Cultural, ainda hoje de consulta obrigatória. Foi a partir dessa data, por incentivo de Teixeira da Mota, que os funcionários coloniais começaram a publicar trabalhos monográficos sobre as diferentes etnias, assim se abria a via para um certo desabrochamento em período colonial das investigações em antropologia, etnologia e etnografia. Isto para sublinhar que este franciscano, padre Dias Dinis, vem de outro tempo de leituras e observação, seria lastimável deixar no olvido uma tão ternurenta expressão pelo deslumbramento do mosaico étnico guineense.
É o que aqui pretendemos fazer.

Um abraço do
Mário


As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (2)

Beja Santos

O trabalho do franciscano padre Dias Dinis foi publicado em “Portugal em África, Revista de Cultura Missionária”, com datas de 1946 e 1947, constitui um meritório esforço para a análise, com recursos parcos das ciências sociais e humanas do tempo, das etnias da Guiné Portuguesa. No texto anterior, fizeram-se referências a Felupes, Baiotes, Banhuns, Cassangas e aos Balantas. Vejamos seguidamente os Manjacos e Mandingas.

Os Manjacos habitam a região de entre os rios Cacheu e Mansoa até à Costa de Baixo e as ilhas de Pecixe e Jata, território dos Brames, segundo André Alvares Almada. O padre Marcelino Marques de Barros faz derivar os Manjacos dos Papéis. Sem dúvida, Brames, Papéis e Manjacos mantêm afinidades etnográficas e linguísticas, que podem ter brotado de cruzamentos havidos durante séculos. Papéis e Brames são inimigos há dezenas de anos, com rixas frequentes e sanguinolentas na sua história mais recente, o que pode denunciar protesto dos Brames contra o predomínio político dos Papéis na ilha de Bissau, de onde os Brames foram escorraçados.

O autor trata os Mandingas como uma das etnias mais vetustas, habitavam as regiões de Farim, Oio e Pecixe. O berço desta etnia é situado pelos historiadores no Alto Níger, onde vivia o seu Chefe ou Mansa. Na primeira metade do século XIII, o Mansa de nome Sun-Diata conseguira estender a hegemonia dos Mandingas do Mali por grande parte dos territórios circunvizinhos, caso dos Jalofos e a Gâmbia. O apogeu do Império Mali aparece situado em meados do século XIV. O Mansa achava-se em contacto com os sultões brancos da África do Norte. O império estava dividido em províncias e cantões, administrados por governadores e lugares-tenentes, esta informação foi prestado pelo geógrafo árabe Ibn Batuta. Zurara fala no Império de Méli. Aos Mandingas da Gâmbia se referem Cadamosto e Martinho da Boémia. Mas as notícias mais extensas e precisas foram-nos transmitidas por Valentim Fernandes. André Álvares de Almada alude aos Mandingas em vários capítulos da sua obra, assim circunscrevendo o reino: “Este reino dos Mandingas é mui grande, porque corre por este rio (Gâmbia) acima mais de duzentas léguas. E está povoado todo de gente, de uma banda e da outra. Pela banda do Norte, se mete muitas léguas pelo sertão até partir com os Jalofos, e quase que estão todos de mistura. E, pela banda do Nordeste, vai por cima dar na terra dos Beafares (Biafadas), como se dirá; e, pela banda de Leste, vai partir com os Cassangas e Banhuns”. Almada assevera que estes indígenas formavam muro por cima dos Cassangas e demais tribos do além-Cacheu e estendiam-se por Goli, povoação das margens do Geba (Porto Gole), até à região dos Beafadas. A zona dos Mandingas ter-se-á alargado, portanto, durante o século XVI, para a região de Mansoa e até às margens do estuário comum aos rios Geba e Corubal.

Passemos agora em revista o que Dias Dinis descreve sobre os Papéis, os Brames e os Biafadas.

Não há qualquer referência aos Papéis nem em Valentim Fernandes nem em Duarte Pacheco Pereira, a primeira referência data de 1573, foi de Luís del Caravaial Mármol, o qual, depois de falar do rio Cacheu, escreve: “A Província que segue é a dos Papéis, onde nasce um outro grande rio, que eles chamam das Ilhetas, por causa de duas pequenas ilhas povoadas de negros, que se encontram na sua foz”. O rio em questão é o Mansoa. Aparecem pois localizados entre o Geba e a ilha de Bissau, viveriam predominantemente aqui. Trocavam com os portugueses diferentes mercadorias, como ouro, escravos e presas de elefante; os portugueses levavam cavalos, contas, manilhas e panos. Diz Valentim Fernandes que chegaram a dar 14 escravos por um cavalo. Diz o padre franciscano (atenção, escreveu o seu documento em 1946) que o Papel é a única etnia guineense a estimar a carne de cão como alimento. Segundo ele, na ilha de Bissau trocavam um bom porco por um cão magro, para o comer, “segundo ali me informou um velho colono”. Os Papéis estariam dispersos pela ilha de Bissau, pelas imediações da vila de Cacheu, onde seriam tratados por Papéis do Churo.

Quanto aos Buramos ou Brames ou Mancanhas, distribuíam-se pelos regulados de Bula, Có e Jol, entre os rios Mansoa e Cacheu. São mencionados pela primeira vez na obra de Almada. Por não se venderem como escravos, explica este autor cabo-verdiano, cresceram muito, numericamente, e passaram-se para a margem esquerda do mesmo rio, acantonados na região de Putama. Mais tarde os Brames espalharam-se por toda a região entre os rios de Cacheu e Geba. O padre Marcelino Marques de Barros di-los subdivisão dos Banhuns. Seria interessante apurar-se esta afirmação, observa o autor. André Alvares de Almada descreve os seus usos e costumes, e com grande vivacidade. Que viviam em casas de taipa como as de Casamansa; descreve a indumentária daqueles que viviam na Corte dos régulos enquanto no sertão andavam nus. E adianta que os Brames eram bons e serviçais escravos. Homens e mulheres limavam os dentes. Para estas não serem «palreiras nem comilonas», logo de manhã metiam na boca um pouco de cinza e traziam-na até ao jantar, para não falarem nem comerem. Davam-se bem com os Portugueses, entregavam-lhes escravos, cera e marfim e recebiam camisas, calçado e alimentos.

Os Biafadas habitam a região de Quínara, entre os rios Geba e Buba. Almada refere-se bastante à terra dos Biafadas pelo ativo comércio que nela se desenvolvia, principalmente nas povoações de Guinala, Bolola e Buba, grafada também por Buguba e Biguba. Habitavam assim a região de Quínara. É minucioso e dá-nos muitas informações sobre os reis e o cerimonial da sua morte, as práticas de justiça, o modo do apuramento da verdade, que eram ladrões e vadios, que semeavam pouco e vestiam camisas compridas. Os Biafadas estavam sujeitos ao Farim-Cabo, Mandinga. O seu modo de habitação era peculiar, não viviam em aldeamentos mas em casas isoladas. Em Babel Negra, Landerset Simões diz dos Beafadas: “Imigrado em data impossível de precisar, por força da expansão que a certa altura tomou os Mandingas a que pertence (Djola), o seu contacto com os Papéis vem de longe e hoje ele próprio o tem por parente”. Segundo o missionário, julgava-se que do facto da aturada convivência dos Beafadas com os Mandingas se ter deduzido erradamente o parentesco. O professor Mendes Correia asseverava haver algumas leves afinidades linguísticas entre Biafadas e Manjacos. Parece ser de aceitar a observação do padre Marcelino Marques de Barros, diz o autor, que os Biafadas eram parentes próximos dos Cassangas.

Iremos prosseguir esta descrição das etnias falando dos Bijagós, dos Nalus, Fulas e Futa-Fulas, e ouviremos as confissões deste missionário que investigou com tanto empolgamento etnias da Guiné-Bissau.

(Continua)

Imagem retirada do livro “Guiné Portuguesa”, Luís António de Carvalho Viegas, 1936.

Imagem retirada do livro “Estudos, Ensaios e Documentos, Acerca da casa e do Povoamento da Guiné”, Francisco Tenreiro, 1950. A fotografia é do professor Orlando Ribeiro, que visitou a Guiné em 1947.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19260: Historiografia da presença portuguesa em África (138): As tribos da Guiné Portuguesa na História, pelo Padre A. Dias Dinis (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19280: Parabéns a você (1537): Francisco Palma, ex-Soldado Condutor da CCAV 2748 (Guiné, 1970/72) e Luís Dias, ex-Alf Mil Inf da CART 3491 (Guiné, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19272: Parabéns a você (1536): Fernando Barata, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2700 (Guiné, 1970/72)

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19279: (Ex)citações (347): Os problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965, na frente norte, tempo em que a CCAÇ 675 ali se encontrava em quadrícula (José Eduardo Oliveira)

1. Em mensagem do dia 8 de Dezembro de 2018, o nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO) (ex-Fur Mil Enf.º da CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos uma mensagem a propósito dos "Problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965", altura em que a CCAÇ 675 se encontrava em quadrícula na frente norte da Guiné.


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

OS PROBLEMAS DO PAIGC NA LOGÍSTICA DE SAÚDE EM 1965 (P19224)

ENTRE A LUCIDEZ E O DESESPERO DE LOURENÇO GOMES, RESPONSÁVEL PELA ÁREA DA SAÚDE NA FRENTE NORTE

O tema é de facto do meu tempo e da “frente” Norte da Guiné - a “minha” CCAÇ 675 esteve, entre Maio de 1964 e Abril de 1966, numa “quadrícula” com sede em Binta (a 20 kms. da sede do Batalhão em Farim).

E como Furriel Enfermeiro passei por muita coisa. Na guerra do “mato” e na paz do quartel.

Começo pelo meu conhecimento directo com a população nativa que vivia em Binta e em Guidage, que também pertencia à “minha” quadrícula.
Na nossa enfermaria de Binta tratámos alguns doentes com lepra, elefantíase, matacanha, malária, etc.
Refiro-me a “clientes” da população nativa porque no que respeita a militares o que mais tivemos foram casos de paludismo.

E apanhámos uma terrível epidemia de sarampo que matou dezenas de crianças da população civil em apenas um mês.
Também havia algum “folclore” nativo de doentes habituais da nossa enfermaria que se queixavam de “toco-toco”, para engolirem umas saborosas colheres de xarope para a tosse.

Os casos que atrás refiro dizem respeito a Binta.

Também me calharam algumas “estadias” em Guidage e confesso que as longas filas vindas de “pessoal” do Senegal ainda me estão na memória pelo sofrimento e desesperança daquela gente, que procurava junto da tropa alguma ajuda para as suas enfermidades. Lembro-me especialmente das mulheres, sempre carregadas de crianças famintas e esqueléticas!
A nossa vitória foi no segundo ano de comissão em que conseguimos recuperar população e “fazer” uma aldeia modelo, que chegou a ter mil habitantes.
Essa memória consta do meu livro “GOLPES DE MÃO´s”, editado em Abril de 2009.

E é tempo de referir os problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965 entre a lucidez e o desespero de Lourenço Gomes, responsável pela área da saúde na frente Norte.

Obviamente que os desconhecia à época mas deviam ser tremendos para “efectivos” que viviam na “clandestinidade”.
Se em estudos recentes a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que há menos de cinco médicos para cada grupo de 100 000 habitantes no país …as percentagens para os tempos de Lourenço Gomes deveriam ser negativas, para não dizer que seriam “abaixo de zero” !!!!

Os casos de malária afectam cerca de 9% da população.
A esperança de vida ao nascer vem crescendo desde 1990, mas continua a ser baixa. De acordo com a OMS, a esperança de vida para uma criança nascida em 2008 era de 49 anos. Apesar da redução de casos em países vizinhos, taxas de cólera foram notificadas em novembro de 2012, com 1500 casos apresentados e 9 mortes. Uma epidemia de cólera em 2008 na Guiné-Bissau afetou 14.222 pessoas e matou outras 225.

Em junho de 2011, o Fundo de População das Nações Unidas divulgou um relatório sobre o estado da obstetrícia do mundo, contendo dados sobre a força de trabalho e as políticas relacionadas com a mortalidade neonatal e materna em 58 países. Neste relatório foi apresentado que, em 2010, a taxa de mortalidade materna a cada 100.000 nascidos é de 1000 na Guiné-Bissau.

Por maior que fosse a lucidez de Lourenço Gomes em relação aos problemas do PAIGC na logística de saúde em 1965 o seu desespero deveria andar próximo dos 100% !

Grande abraço e até uma próxima.
José Eduardo Reis de Oliveira
JERO

PS. Natal Feliz e Haja Saúde.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19273: (Ex)citações (346): Frases politicamente (in)corretas de um dos bravos dos céus do CTIG, o ex-ten pilav António Martins de Matos (BA 12, Bissalanca, 1972-74) - Parte II -Tenho saudades do meu Caco Baldé

Guiné 61/74 - P19278: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (São Domingos e Nova Lamego, 1967/69) - Parte LV: O hipopótamo que apareceu morto no rio São Domingos, afluente do rio Cacheu, precisamente há 50 anos



Foto nº 1


 Foto nº 2


Foto nº 1


Foto nº 3

Guiné > Região de Cacheu  > São Domingos > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) > 11 de dezembro de 1968: o hipopótomo que apareceu morto no rio São Domingos, afluente do rio Cacheu


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do nosso camarada Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) (*)


CTIG - Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: 

T006 – UM HIPOPOTAMO EM SÃO DOMINGOS




I - Anotações e Introdução ao tema:

Um dia de Dezembro de 1968, mais propriamente no dia 11 de Dezembro, há 50 anos, apareceu no Rio São Domingos, que banha a povoação com o mesmo nome, um enorme hipopótamo que deu à costa, isto é veio parar ao nosso pequeno cais.

Todo o mundo se deslocou para ver a novidade, e não foi caso para menos, para mim, eu nunca tinha visto semelhante bicho, já morto e em estado de putrefacção.

O animal depois de feitas todas as vistorias que o assunto merecia, foi então carregado para uma GMC, ou então já nem me lembro bem, se foi mesmo arrastado pelo chão fora, e depois das cerimónias fúnebres compatíveis foi a enterrar em terrenos adjacentes ao nosso acampamento.

Ficou um cheiro nauseabundo, pois ainda lá ficou 1 ou 2 dias, não se sabendo a origem da morte, não foi esquartejado em peças e dividido pelas populações para consumo interno, matava a fome a muita gente, incluindo a tropa.

Ainda hoje, jaz lá no sítio a sua sepultura, sem direito a flores nem honras militares. Um episódio no mínimo curioso para todos, e para mim também.


II - Legendas das fotos:


F01 – O animal de costas e focinho para a frente, no cais de São Domingos no dia 11 de Dezembro de 1968;

F02 – O bicho virado ao contrário a ser preparado com cordas para o seu transporte, provavelmente no mesmo dia da sua ‘aparição’.

F03 – A GMC pronta para carregar, ou arrastar o enorme bicharoco, também no mesmo dia.
Em pé lá atrás em cima da GMC, eu e o alferes Figueiredo do Pel Rec, em 11Dez68.

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BCAÇ1933 / RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

NOTA FINAL DO AUTOR:

# As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos, 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘Juízos de Valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir. Nada mais. #

Acabadas de Re-legendar, hoje, com as devidas alterações
Em, 2018-12-10

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19277: Os nossos seres, saberes e lazeres (297): Ir a Monte Real, ao almoço de Natal da Tabanca do Centro, e ser abalroado por um camião na A8 a caminho de Aveiro (António Graça de Abreu)



O estado em que ficou o Hyundai, do António Graça de Abreu, vítima de acidente na A 8, em 28 de novembro de 2018, a caminho de Aveiro, depois de ter estado com os camaradas da Tabanca do Centro, no almoço de Natal.

Foto (e legenda): © António Graça de Abreu  (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Monte Real > Tabanca do Centro > 28 de niovembro de 2018.
O Joaquim Coelho tem andado arredado destes encontros 
e apareceu a reboque do Casimiro Carvalho. [, régulo 
da Tabanca da Maia].  Já o António Graça de Abreu
 [, ao centro, em terceiro plano,] veio da Linha de
 Cascais para matar saudades,  como faz de vez 
em quando. À direita, em primeiro plano,
parece o nosso camarada leiriense 
Agostinho Gaspar.
1. Mensagem do nosso camarada António Graça de Abreu,  enviada em 3/12/2018, 1h50:

Um homem residente no Estoril dá aulas na Universidade de Aveiro e aproveita a quarta-feira para se juntar ao almoço de Cozido à Portuguesa, da D. Preciosa, com os fabulosos camaradas da Guiné, em Monte Real, Tabanca do Centro  [, Vd. foto à esquerda: Monte Real, 28 de novembro de 2018; foto e legenda: cortesia de Miguel Pessoa, editor da revista Karas de Monte Real].

Dá depois umas voltas, vai a Vieira de Leiria, onde ainda tem família e, à noite, parte para Aveiro.

Um homem vai sossegado conduzindo o seu velho mas seguro Hyundai, na faixa direita de rodagem da A8, na viagem para a sua excelente Universidade. Noite escura. Um camião de onze toneladas não vê o Hyundai e entra pela traseira do carro a mais de 120 quilómetros por hora. O Hyundai ia a uns 100. O carro verde é projectado para fora da estrada, capota na vala lateral, bate na terra, desliza aos trambolhões durante mais de cem metros.

O pobre condutor, agarrado ao volante, procurar segurar-se dentro do habitáculo do Hyundai. O carro, aos tombos na berma da auto-estrada, resiste e acaba por parar na vala, em posição normal. Vidros partidos, saio pela janela. Estou vivo, não há sangue no meu corpo amassado pelo revoltear e enormes tropeções do veículo.

Chega o INEM, a polícia, bufo no balão, zero álcool, mas querem levar-me para o hospital. Não estou ferido, não parece haver nada partido, a não ser o automóvel. Estou vivo, a vida continua.

Na manhã seguinte, estou nas aulas com os meus alunos na Universidade de Aveiro, os deuses concederam-me a protecção divina que talvez eu mereça. E a Guiné deu-nos força, e coragem, e mais vida.

António Graça de Abreu
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19266: Os nossos seres, saberes e lazeres (296): Viagem à Holanda acima das águas (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19276: Agenda cultural (664): 14.ª Tertúlia de Artes e Letras, dia 13 de Dezembro de 2018, pelas 15 horas no Clube Alto da Barra, comemorando os 50 anos de carreira literária de Manuel Barão da Cunha

C O N V I T E

14.ª Tertúlia de Artes e Letras 
13 de Dezembro de 2018, 5.ª feira, 15h00, 
Clube Alto da Barra
50 anos de carreira literária de Manuel Barão da Cunha

Estimados Sócio, Utentes e Convidados,

A Direção do CAB vem convidá-los para assistirem à 14.ª Tertúlia de Artes e Letras, coordenada pelo nosso sócio Cor. Dr. Manuel Barão da Cunha,

Temas:


"Tempo Africano, Aquelas longas horas", 5.ª edição, de Manuel Barão da Cunha, DG Edições; a 1.ª edição do livro Aquelas Longas Horas foi lançada há 50 anos, no Palácio da Independência; capa de Pedro Cunha;



"Radiografia Militar e os 4 DDDD?", do mesmo autor, de Âncora Editora e Programa Fim do Império; capa de Pedro Cunha.

Apresentação por General Sousa Pinto, Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar e autor da nota prévia à 4.ª edição de Tempo Africano, de prefácio de Radiografia Militar e os 4 DDDD?, e de apresentação deste livro no Porto; articulada com passagem de fotografias de Daniel Gouveia e Pedro Cunha;

Com os nossos melhores cumprimentos.

P'la Direção
Maria Helena Chaves Ferreira
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19275: Agenda cultural (663): Convite para o lançamento do livro "O Homem do Cinema", de Lucinda Aranha Antunes, dia 13 de Dezembro de 2018, pelas 19h00, na Biblioteca Municipal de Torres Vedras

Guiné 61/74 - P19275: Agenda cultural (663): Convite para o lançamento do livro "O Homem do Cinema", de Lucinda Aranha Antunes, dia 13 de Dezembro de 2018, pelas 19h00, na Biblioteca Municipal de Torres Vedras

C O N V I T E



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A propósito deste seu  livro, Lucinda Aranha Antunes deu uma entrevista à RTP África, que foi para o ar no programa Causa e Efeito de 07 de Dezembro passado, que pode ser visto aqui: https://www.rtp.pt/play/p4263/e378645/causa-e-efeito, a partir do minuto 36.
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Notas do editor

Vd. poste de 3 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19255: Agenda cultural (660): Lançamento do livro "O Homem do Cinema", por Lucinda Aranha Antunes; editora Alfarroba, levado a efeito no passado dia 18 de Novembro na FNAC do CC Vasco da Gama, em Lisboa

Último poste da série de 8 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19267: Agenda cultural (662): lançamento do Livro "Família Regalla: Hora da Verdade!", de Ricardo Moreira Regalla Dias-Pinto, 5 de janeiro de 2019, pelas 18h30, no Hotel Aveiro Center, Aveiro

Guiné 61/74 - P19274: Notas de leitura (1129): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (5) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
Aqui se põe termo a uma tese audaciosa de que as lutas interétnicas são um dado da longa duração da violência na Guiné-Bissau, estruturaram as relações ao longo de séculos entre os povos da região, antes e depois da colonização.
Num livrinho precioso de um 2.º Sargento, de nome António dos Anjos que viveu na colónia depois da pacificação há um importante levantamento de lutas, a que podemos acrescentar a descida dos Fulas do Futa-Djalon, guerras sem quartel com os Mandingas e Beafadas, o que levou a profundas alterações na ocupação do território da colónia, no último quartel do século XIX. A despeito desta violência interétnica, cresceu a coligação animista face à ocupação colonial, foi o grande caldo de cultura do PAIGC.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: 
O Estado é frágil, as sociedades rurais são a alma da nação (5)

Beja Santos

“Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest, Ohio University Press, 2003, é uma das investigações mais argutas e audaciosas que se publicaram no novo século sobre a Guiné pré-colonial, colonial e pós-colonial. Como se referiu em textos anteriores, o ponto de partida do investigador norte-americano é de que a fragilidade do Estado é um dado permanente daquele território, foram e são as sociedades rurais o esteio económico, social e cultural, sociedades com uma enorme capacidade volitiva para estabelecer acordos de interesse, por motivos de segurança ou de resistência, a despeito da sua autonomia, conseguindo preservar identidade no colonialismo e já na Guiné independente. A partir desta premissa maior, Joshua Forrest vai detetando sinais de que a sociedade civil rural multiétnica guineense assume compromissos de modo a que o poder maior, o do Estado, interfira o menos possível na sua autonomia, nas suas crenças, nos seus modos de comerciar, nas suas hierarquias. Os acontecimentos relacionados com a luta armada são eloquentes, diz o investigador, de que as sociedades rurais, umas cedo apoiaram o projeto do PAIGC, outras movimentaram-se em torno do projeto colonial e outras procuraram manter neutralidade. Mas tudo numa base interétnica, facilitado por um poder colonial frágil e pela pouca importância dada, nesta fase, à presença cabo-verdiana. O autor faz uma leitura de que os outros movimentos de libertação não tiveram qualquer popularidade porque ignoraram os compromissos interétnicos e não valorizaram os conceitos de autonomia das sociedades rurais.

Também para se entender a mobilização camponesa por parte do PAIGC é preciso ter em conta a memória sobre a brutalidade do processo de pacificação. Acresce que nas bases controladas pelo PAIGC, independentemente da intranquilidade das operações e dos bombardeamentos, as populações dispunham de acesso a produtos nos Armazéns do Povo, o que fazia sentir que era possível viver sem as compras feitas pelos representantes comerciais. Faço aqui um comentário de desagrado ao modo como o autor fala das práticas de terror praticadas pelos portugueses durante a luta armada, omitindo despudoradamente as práticas cometidas pelo PAIGC desde o assassínio, a destruição de povoações, o rapto, a colocação de minas nas estradas e as flagelações e emboscadas que, pela sua natureza, não escolhiam brancos ou negros. O PAIGC teve maiores facilidades de recrutamento em regiões de resistência anticolonial, caso dos Balantas, Oincas, Beafadas e Papéis. O investigador também pondera o papel ambivalente dos régulos, e no caso de imposição das autoridades portuguesas deste ou daquele régulo a população local limitou-se a tolerar a escolha dos portugueses, em muitos casos encontrou outras alternativas. Incluindo entre os chefes Fulas e Mandingas, predominantemente ao lado das autoridades portuguesas mantiveram-se compromissos com outras etnias que aceitaram viver nessas tabancas maioritárias de islamizados. A fraqueza do poder dos régulos trouxe imensas faturas que não ficaram esclarecidas depois da independência, inicialmente o PAIGC retirou poder aos régulos mas as populações locais logo reconfiguraram as suas hierarquias autónomas.

O legado pós-colonial aparece hoje bem estudado. Amílcar Cabral sonhara com um partido-Estado, a sua presença seria absoluta e contaria com uma ampla participação popular dada pelos comités de tabanca, em meio rural, e por comités de bairro, em áreas urbanas. Conquistada a independência, o PAIGC mostrou-se progressivamente menos influente, não possuía administração nem quadros políticos que merecessem a confiança absoluta das sociedades rurais. No fim dos anos 1970, a presença política nas sociedades rurais era uma sombra, ficara a memória de execuções públicas daqueles que tinham estado do lado do poder colonial, tudo se processara sem qualquer metodologia de reconciliação, a nova autoridade passou a ser temida sem ser respeitada. Joshua Forrest escalpeliza este sistema de participação e mostra como a identidade étnica se manteve preservada, apareceram novos régulos, reconfiguraram-se hierarquias, apareceram escolas islâmicas privadas, até a nova geração Balanta criou um movimento de combate aos valores sociais tradicionais, o Ki Yang-Yang, em Catió.

Tudo teve consequências entre um poder político autofágico, um partido-Estado que muito cedo abriu fissuras e se entregou a intrigas e corrupção, enfim, um governo fraco e inacessível às sociedades rurais que tiveram que encontrar novos caminhos para a economia agrícola enquanto a clique do partido tinha acesso a financiamentos para criar pontas, as comunidades rurais passaram a vender os seus produtos a comerciantes privados, não tinham confiança nas lojas do Estado, nem nos seus representantes, o comércio informal foi tomando conta de tudo até que nos anos 1980 se começou a passar da estatização para a privatização. Nasceram novos problemas para os quais o Estado não encontrava resposta: criara-se uma administração elefante, ingovernável, sem apetrechos e sem dinheiro para a pagar; sonhara-se com uma industrialização acelerada, tudo acabou em cacos; não se encontrou solução para o problema dos combatentes da liberdade da pátria, houve promessas de cooperativas, mas tudo não passou de promessas e estes combatentes tornaram-se aos poucos numa reserva de descontentamento; e as Forças Armadas foram ganhando relevo e desafetando-se do poder político, contrariando todo o modelo de regulação política instituído por Amílcar Cabral. Gera-se um estado de instabilidade interminável que vai conduzir a um devastador conflito político-militar que segundo Joshua Forrest ditará uma nova vitória para a sociedade rural civil. Será nestas comunidades que os rebeldes capitaneados por Ansumane Mané encontrarão o maior apoio, os velhos combatentes pôr-se-ão ao caminho para escorraçar as tropas estrangeiras. Em jeito de conclusão na análise do poder das populações rurais, o autor recorda que todo o século XX se pautou pela luta anticolonial, pela incapacidade do Estado em poder ter chegado a tais comunidades até que no final do século essas mesmas comunidades rurais repeliram tropas internacionais que se tinham prontificado a ajudar o ditador Nino Vieira. Temos pois um Estado frágil e uma formidável sociedade civil rural.

No capítulo das conclusões, Joshua Forrest faz uma notável apreciação e resumo das suas teses, apresenta-se em oposição aos trabalhos de Peter Karibe Mendy e René Pélissier quanto à natureza da luta étnica face ao poder colonial, ele considera sempre que a luta foi interétnica, sem prejuízo da identidade de cada etnia. A violência do Estado agravou a sua fragilidade, tanto na fase colonial como pós-colonial. E o que se passa nestas sociedades rurais está à vista de todos: refizeram-se regulados, melhorou a convivência interétnica, a ideia de chão marca a identidade de cada um dos cidadãos, as tradições não estão abaladas. O que se passa na Guiné-Bissau, observa o autor é igualmente percetível nas linhagens domésticas de todos os Estados frágeis da África subsariana.

Investigação altamente controversa, bem merecia que investigadores como Carlos Cardoso, Mamadu Jao, Tcherno Djaló, Leopoldo Amado, Julião Soares Sousa, do lado guineense, António Duarte Silva e Eduardo Costa Dias, do lado português, e outros investigadores internacionais, caso de Philip Havik, debatessem esta ousada argumentação onde se põe em confronto uma sociedade rural vibrante de costas voltadas para um Estado frágil.
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Notas do editor

Vd. postes anteriores de:

12 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19187: Notas de leitura (1120): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (1) (Mário Beja Santos)

19 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19207: Notas de leitura (1123): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (2) (Mário Beja Santos)

26 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19234: Notas de leitura (1125): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (3) (Mário Beja Santos)
e
3 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19253: Notas de leitura (1127): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19264: Notas de leitura (1128): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (63) (Mário Beja Santos)